CAP 15 – ESTUDOS DA CULTURA Antropologia no século xx Na passagem do século XIX para o XX, ocorreram várias modificações sociais, políticas e culturais. Diversas ciências humanas como a psicologia, a psicanálise e a linguística desenvolveram-se, tendo por princípio a ideia de uma natureza humana universal que se manifesta em diferentes lugares e sociedades. Crise europeia. As duas tendências – uma que colocava em dúvida a superioridade europeia e outra que atribuía a todas as culturas um correspondente padrão de desenvolvimento social e humano – promoveram uma mudança na teoria da cultura, originando explicações baseadas menos nos elementos visíveis da ação humana e mais em seus aspectos simbólicos, linguísticos e cognitivos. Teorias desenvolvidas por Sigmund Freud atribuíam a todos os seres humanos uma psique e uma subjetividade, analisando mitos e tabus presentes nas mais diferentes culturas. Estudos como o de Ferdinand de Saussure, na linguística mostravam que a linguagem humana, em qualquer tempo e lugar, baseava-se em um mesmo conjunto de princípios sistêmicos. Reconhecia-se como da mesma importância e complexidade tanto a produção simbólica de povos tribais quanto de industrializados. As análises de Karl Marx mostravam as contradições intrínsecas do capitalismo e demonstravam que a história do homem havia apenas alterado formas de exploração humana. Em virtude das duas guerras mundiais e da perda da hegemonia europeia no mundo, iniciou-se o processo de descolonização na África e na Ásia. Começaram a surgir nesses países independentes universidades e estudos consistentes de ciências sociais. Desenvolveu-se o autoconhecimento. Estruturalismo: uma nova abordagem antropológica Teve um dos principais nomes o de Claude Lévi-Strauss. Teve especial aceitação na década de 1960. Visava explicar as diferentes realidades empíricas por modelos teóricos capazes de dar conta das variedades nas quais determinados fenômenos se apresentam ao cientista. Assim como a língua se apresenta como uma estrutura formada de elementos gramaticais e fonéticos, a vida social se mostra como uma combinação de elementos, relações e instituições. Propôs estudar as diferentes sociedades como formas particulares de combinação de elementos para solucionar problemas universais. As diferentes regras de parentesco seriam formulações particulares para resolver questões universais. O conceito de estrutura é capaz de desvendar os mecanismos da vida social para o investigador. Esse conceito corresponde à estrutura de um edifício que, mesmo estando oculta, organiza, distribui, relaciona e sustenta todos os elementos observáveis dessa construção. Do mesmo modo, é a estrutura que organiza, conecta e relaciona as diversas instâncias, estabelecendo as múltiplas relações entre os elementos, os grupos e as instituições. Os elementos constitutivos da estrutura se organizam sob a forma de um sistema, isto é, são elementos interdependentes e que estão em inter-relação. Qualquer modificação em uma das partes tem por consequência a mudança em cadeia de todas as outras. Aceitavam a existência de diferentes tipos de sociedade, bem como de capitalistas e não capitalistas, mas afirmavam que essa diferença só poderia ser explicada pela própria história e pela relação que cada sociedade mantém com os meios natural e social. Diacronia e sincronia Raymond Firth foi um antropólogo estrutural-funcionalista. Adotou um conceito de estrutura social diferente e considerava relevante o princípio de mudança na estrutura. O fato de a estrutura constituir-se de elementos interdependentes tende a favorecer a transformação social, na medida em que qualquer modificação em um dos seus componentes acarretaria a transformação da estrutura como um todo. Exemplo: sociedade Achech, em Sumatra (na Indonésia) Os teóricos estruturalistas enfatizavam estudos sincrônicos em detrimento dos estudos diacrônicos. Os estudos sincrônicos valorizam mais as análises que buscam explicar os motivos de as sociedades ser o que são e de permanecer o que são, enquanto os estudos diacrônicos analisam as contradições e os processos que levam à mudança. As contribuições dos estudos marxistas Muitos antropólogos europeus, a serviço de seus países, pensavam as sociedades não europeias como manifestações de um estágio primitivo da humanidade. Assim, justificavam toda forma de intervenção europeia destinada a levar essas sociedades a um pretenso progresso. Daí certas políticas desenvolvimentistas. Coube ao marxismo realizar a crítica dessa postura eurocêntrica. Os marxistas denunciaram o caráter ideológico da própria atividade científica praticada na Europa. O anticolonialismo e o estudo das minorias Os estudos marxistas da cultura voltaramse para uma análise crítica da própria sociedade europeia, expondo as relações de dominação política, econômica e ideológica que o colonialismo estabelecia entre nações e continentes. Propunham uma metodologia de trabalho que chamaram de anticolonialismo – estudo da cultura que respeita a especificidade e anseios de povos não europeus. Propõe ainda uma análise crítica da sociedade estudada sem fornecer informações aos governos coloniais, apoiando sempre movimentos de independência e autonomia. No outro extremo dos estudos marxistas, tem início a dissecação da própria sociedade capitalista de um ponto de vista crítico, a partir do qual começa a se delinear o exame das culturas minoritárias. Amplia-se a percepção de que o desenvolvimento, o bem-estar e o estilo de vida de que se orgulham as nações desenvolvidas não são compartilhados pelo conjunto da nação. É na esteira dessas preocupações que as ciências sociais se implantaram na América Latina por volta de 1930 e 1940. A cultura como significado Os conceitos de cultura formulados no século XX concentram-se essencialmente em aspectos simbólicos e abstratos. O que se apresenta nos estudos contemporâneos é a percepção da estreita relação que existe entre o que é visível e o que só é apreensível por processos de interpretação linguística e de análise lógica ou de conteúdo. Clifford Geertz afirma que cultura é um conjunto de significados partilhados por um grupo. Os símbolos, como portadores desses significados, passam a ser o principal objeto da análise da cultura quando submetidos a uma análise sistemática. Ele reconhece que os significados dos símbolos podem ser evasivos, flutuantes e distorcidos e ao mesmo tempo acessíveis ao investigador pelo estudo do conjunto de padrões culturais. São os sentidos que orientam a ação do homem, e eles também devem orientar a pesquisa do estudioso da cultura. A antropologia interpretativa se sustenta na hermenêutica e propõe a construção de modelos explicativos criados a partir de formulações intersubjetivas, surgidas da colaboração entre o cientista pesquisador e os grupos analisados. Geertz pensava que o investigador antes de estudar outras sociedades, deveria conhecer melhor a si mesmo, entendendo os próprios padrões culturais. O antropólogo deveria abrir mão de sua autoridade científica para se associar à mentalidade daqueles cuja vida deseja compreender. Com muito sucesso e impacto entre seus contemporâneos, a teoria de Geertz veio se somar às mudanças que a história e o desenvolvimento das demais ciências traziam ao estudo da vida social e da cultura humana. Geertz insistia que a antropologia não era uma ciência experimental em busca de leis e sim uma ciência interpretativa que ia em busca de significados. Pós-colonialismo O antropólogo brasileiro Roberto Cardoso de Oliveira, ao criticar a antropologia interpretativa desenvolvida por Geertz e seus discípulos, fez questão de considerá-la como manifestação pós-moderna, isto é, valorização do símbolo e da linguagem na análise científica da cultura. Oliveira explicou que as propostas pósmodernas se afastam dos princípios do racionalismo científico e se aproximam de modelos explicativos menos pretensiosos e mais subjetivos. Segundo o pesquisador indiano Homi Bhabha uma tradição clássica foi deixada para trás com a descolonização da Ásia e da África, tradição essa caracterizada pelo comparativismo cultural e pela ideia de que as culturas nacionais são homogêneas. Em lugar desses pressupostos, assiste-se hoje a uma realidade transnacional, multinacional e híbrida do ponto de vista cultural, étnico e político, que abandona qualquer tentativa de homogeneidade. Estudos culturais No alvorecer da ciência, a Europa era vista como o berço da civilização, e os povos não europeus, como não civilizados. Conhecê-los e aprender a se relacionar com eles era o que se impunha à sociedade europeia e a seus cientistas sociais. Com a independência das colônias, os povos não europeus ganharam cidadania e passaram a ser vistos como tendo o mesmo grau de desenvolvimento humano ainda que apresentassem estilos de vida e formas de organização econômica e política diferentes. A cultura nos séculos XX e XXI Com as guerras mundiais, o subsequente declínio da hegemonia europeia no mundo e a globalização econômica e tecnológica, culturas anteriormente díspares passaram a apresentar um estilo de vida muito próximo e convergente. Esse processo transformou a antropologia e aproximou-a da sociologia. As questões culturais deixaram de ser privilégio dos estudos antropológicos. Diversos sociólogos passaram a se dedicar ao estudo da cultura humana, como os pesquisadores da Escola de Chicago, de Frankfurt e estudiosos dos meios de comunicação. Esses estudiosos chegaram a afirmar que a segunda metade do século XX assistia a uma revolução cultural. Pesquisas multidisciplinares reunindo sociólogos, linguistas, literatos e filósofos promoveram uma verdadeira “virada cultural”, que reformulou os parâmetros da própria sociologia e da importância dada à produção simbólica no entendimento da sociedade.