HEGEL E A HISTORICIDADE DA RAZÃO: PARA COMPREENDER O DESAFIO DA LIBERDADE José Mario Angeli (Universidade Federal de Goiás) De todas as qualidades do espírito subsistem apenas a liberdade (Hegel) 1. HEGEL (1770-1831), em seus escritos, confronta a filosofia e a história. Ele estabelece como tarefa da filosofia:“pensar a vida”. A vida para ele é essencialmente a história da humanidade. Pensar a história é o primeiro elemento de sua reflexão. Uma vez que, a história é tempo de agitação, de conflito, de drama, ela é propício à elaboração de um pensamento globalizante, porque ela é facultada pela vida. Hegel retoma as aquisições da metafísica e coloca-a num nível mais elevado, no momento que, ele busca uma identificação entre o ser e o pensamento, a unidade objetiva e subjetiva, presente na razão. Esse vir a ser (movimento) tornou-se um elemento primordial presente na sucessão de momentos da consciência humana. Nosso autor estabelece que o conhecimento do tempo serviu de fundamento ao conhecimento humano. A história do pensamento é também história da razão. A razão contém uma correnteza de pensamento formado por gerações de pessoas. Com isto, ele introduz uma critica à intemporalidade que anteriormente era atribuída à verdade e à razão, agora verdade e razão é fruto do desenvolvimento histórico da humanidade. Hegel compreende por um lado, que a idéia de progresso intelectual e material herdada da Idade das Luzes está radicalizada por um acontecimento maior: a Revolução Francesa. Tanto os governantes como os povos do mundo compreendem a Revolução Francesa à custa do sofrimento e do seu destino histórico. Ele irá formalizar esse acontecimento numa analise compreensiva e posteriormente numa analise critica. Por outro, ele parte desse acontecimento para construir o saber que torna inteligível o devir da humanidade e que organiza o seu presente, sob os auspícios da razão. Assim, ele irá constituir uma síntese de todo o saber filosófico e reunirá nos seus escritos as descobertas feitas pelo pensamento moderno. A grande novidade de seu pensamento é o fato de que nenhum homem podia ser excluído da “comunidade organizada”. Segundo ele “é o direito que, embora conservando o seu caráter infinito e ideal, se encontra ligado a uma natureza, e é o direito da natureza particular que se realiza na história, isto é, a bela totalidade ética situada na antiguidade grega” (Hyppolite, 1983, p.78). Para a realização desta idéia, tarefa infinita propostas aos homens, ele recupera a idéia romântica do progresso. A idéia de liberdade. Ele entende que o homem só poderá ser livre se viver num mundo de homens livres. Isto significa que ele leva em conta o que foi estabelecido pelos teóricos políticos e o que foi feito pelos franceses por ocasião da Revolução Francesa. A Revolução dá uma nova dimensão à história. E, ao mesmo tempo, ela se impõe à filosofia, doravante indispensável, para a compreensão da razão humana. A história invade a totalidade do real e isso tem conseqüências no discurso filosófico. Pois é o filosofo que compreende e formaliza no discurso as contribuições de cada período e daqueles que foram os seus agentes mais decisivos. Tivemos que esperar Hegel, para realizar tal tarefa. Por que? Exatamente, porque ele que irá compreender que o ser é devir se identificam e que a única coisa que existe é o movimento. Por isso, não existe uma razão desvinculada de um tempo. O único ponto fixo a que a filosofia possa se ater é a própria história. O que significa dizer que tanto a razão quanto a realidade é dinâmica e, por conseguinte, a verdade é processual. Nós iremos nos fixar na compreensão da filosofia da história hegeliana e tentar entender qual é a interpretação e a crítica que Hegel faz da Revolução Francesa. Qual a critica á racionalidade hegeliana feita por alguns de seus críticos. E, num mundo em que cada vez mais, a exclusão, a “consciência infeliz” do homem – ainda que representada na corrupção e outras trapaças por parte daqueles que gozam de um lugar ao sol – continuam sendo a marca do presente, muito distante da realização daquela consciência prevista por Hegel. 2. Hegel, em Lições sobre a filosofia da história mundial, tem uma passagem em que analisa a natureza da Revolução Francesa. Ele afirma que “do momento em que o sol brilha sobre o firmamento e os planetas giram em torno dele, não se tinha ainda dado conta, que o homem se baseava sobre a sua cabeça, isto é, sobre o seu pensamento e constrói a realidade conforme a sua cabeça é. Anaxágoras foi o primeiro a dizer que o Nous governa o mundo: mas somente agora o homem reconhece que o pensamento deva governar a realidade espiritual” (1967, p. 205). Este texto pode ser o texto clássico de sua adesão à razão revolucionária. Hegel entendia que o fato revolucionário irá implementar uma nova realidade espiritual capaz de iluminar o pensamento humano. Ele estabelece uma estreita relação entre a idéia e a realidade. A idéia trabalha na história. O papel do espírito é trabalhar as instituições para que possa realizar a liberdade do homem. Segundo Hegel “o aperfeiçoamento do espírito sem o aperfeiçoamento das instituições, assim que este estiver em contradição com aquele, isto é suficiente para originar não só a discórdia, mas também a revolução (Hegel, Die Philosophie des Rechts, 146, p.173). Nos anos de juventude, associado à Schelling e à Hoerderlin, amigos inseparáveis, saudaram a queda da Bastilha e a proclamação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (26 de agosto de 1789) plantando uma “arvore da liberdade”. Mas, è na maturidade que, ele sustenta que a Revolução só é compreensível a partir do princípio de Liberdade. Ele afirma na Fenomenologia do Espírito (1807) “de resto, não é difícil ver que o nosso tempo é um tempo de nascimento e passagem para um novo período. O espírito rompeu com o mundo de seu existir e do seu representar que até subsistia e, no trabalho de sua transformação, está para mergulhar esse existir e representar no passado. Na verdade o espírito nunca está em repouso, mas é concebido sempre num movimento progressivo. (....) Esse lento desmoronar-se, que não alterava os traços fisionômicos do todo, é interrompido pela aurora que, num clarão, descobre de uma só vez a estrutura de um novo mundo” (cfr., citado por Brandão, 2005, p. 104). A Revolução faz da liberdade o fundamento da vida comum dos homens. Ela é o principio e o caminho da sociedade e do Estado. Esse princípio elucida a convivência racional: enquanto o homem é portador de direitos e somente quando se atinge essa universalidade e que pode emergir uma sociedade propriamente racional, isto é política, no momento em que se estabelece a vontade livre enquanto vontade universal. Com Hegel pode-se estabelecer um corte no movimento universal do ser e do pensamento. A chegada da Revolução interrompeu o devir da humanidade. Hegel, anteriormente estava preocupado com a cidade grega, “a bela totalidade grega”, isto é, o direito da natureza humana particular que se realizou na história, agora o direito ganha um espectro de universalidade. Objetivamente, é a liberdade descoberta pelos gregos, que ganham uma dimensão maior com a Revolução. Antes dos gregos os homens eram homens, mas viviam sem pensar na liberdade, no mundo grego ser e pensamento se apresentam diferenciados. Não se pensavam como livres, ou, mais exatamente, havia, nos despotismos orientais precedentes, homens livres, os chefes, mas o conjunto da população era dominado pelos chefes. Os Gregos estendem a uma parte mais vasta da humanidade o princípio de liberdade. Hegel mostra como a razão serviu de instrumento de compreensão entre esses diversos homens livres e como os gregos, que desejavam a liberdade, construíram o projeto do discurso racional. E mostra por que razão se introduziu a decadência no mundo grego pelo Império Romano. O Império Romano é a superação da forma de vida anterior que irá reagrupar elementos presentes daquela vida e integrá-los em uma perspectiva diferente. O Império Romano contribui com a humanidade através do direito. Mas, no momento em que, o pensamento cristão incidindo sobre o pensamento grego, o Império Romano, combina os empréstimos de uma cultura cristã para fazer surgir uma nova figura da humanidade: a tragicidade. Isto é, nada menos que, a vida absoluta e as formas particulares que essa vida deve assumir. O direito romano por um lado irá assegura a particularidade de uma vida cindida, e por outro irá reconciliá-la pelo direito. Essa reconciliação para o homem trágicocômica, porque ele está ligado com o direito divino, firmado pelo cristianismo. Então ele é a forma de elevar o homem acima do todo o destino. Jean Hyppolite, afirma que “o desaparecimento e o nascimento de uma certa separação em dois mundos, relacionada com o cristianismo, são traços característicos da consciência infeliz” (Hyppolite , 1983, p. 23). Desta dicotomia tem-se a filosofia da história hegeliana. Ela não é uma mera acumulação de fatos, mas ela é o devir essencialmente dramático da humanidade. Do período de juventude ao período de Jena até aquele de Berlin que vai da Fenomenologia do Espírito à “Lições sobre a filosofia da historia mundial”, poucas foram às mudanças do conceito de liberdade. O período de maior reflexão sobre a liberdade depois de Jena, Frankfurt, pudesse ter sido aquecido pelos acontecimentos de 1793 está sob o regime do Terror. Alguns historiadores colocam-no como restaurador do período revolucionário. O fato que importa para nós aqui é que Hegel se comporta com um espírito livre, e propõe uma análise das causas que justifique a ação revolucionária e porque a Revolução sobreviveu por si mesma. Nos anos de 1789 se encontravam reunidas todas as condições para estourar a Revolução na França. Apareceram idéias inovadoras e, no entanto, o governo não realizou nenhuma reforma que pudesse evitar a Revolução. Hegel coloca duas grandes idéias como causa da Revolução: uma de ordem intelectual e a outra de ordem econômico-jurídico. A primeira se refere aos cidadãos e a segunda aos Burgueses. Segundo Hegel a Revolução é importante porque foi além das fronteiras da França diz ele ”devemos considerar a Revolução Francesa como o evento da história universa; porque isso está no seu conteúdo ... No que toca a difusão exterior, quase todos os estados modernos foram desobstruídos com a conquista deste principio” (Hegel, Lições, p. 931). A sua grandeza é, pelo fato dela ser a filha da filosofia, diz ele “se diz que a Revolução Francesa saiu da filosofia, e não é sem motivo que seja definida a filosofia como a sabedoria mundana, já que essa não é somente a verdade em si e por si, em quanto pura essencialidade, mas também a verdade enquanto vivente no mundo” (Hegel, Lições, p. 124). As idéias de Kant e de Rousseau - essencialmente a idéia de liberdade – agora anteciparam as idéias das luzes presente na Revolução. Isto é, num certo sentido, pois a idéia de liberdade é muito antiga. Na Filosofia do Direito (1821) Hegel afirma que a grande descoberta desta idéia está no cristianismo. Ele observa, “mais de um milhão e meio de anos, que a liberdade da pessoa graças ao cristianismo começou a florescer e tornou-se um principio universal” (Hegel, 1990, p. 64). A idéia de liberdade apenas foi descoberta. A liberdade subjetiva a do cidadão agora existe: “o direito da particularidade do sujeito, se encontrava apagado, o que é o mesmo, o direito da liberdade subjetiva, constitui o ponto nodal e central na diferença entre a antiguidade e a idade moderna” (Hegel 1978). Em conseqüência deste fato – a particularidade - que a Revolução tomou como principio a liberdade da pessoa e que redigiu no seu texto das Declarações dos direitos do homem e dos cidadãos. Um vez que se tomou consciência da grandeza da pessoa humana aquele direito antigo não tinha mais razão de ser. Então, a Revolução pode declarar que “os homens nascem livres e morem livres e são iguais nos seus direitos”. Hegel está de acordo com essa decisão, por isso, ele pode afirmar “Precisa-se valorizar como qualquer coisa de grande o fato de que hoje o homem em quanto tal é portador de direitos de sorte que esse ser humano é qualquer de superior de seu status. Juntos dos Israelitas somente os Hebreus tinham direitos; juntos dos Gregos somente os Gregos livres; juntos dos Romanos somente os Romanos; estes tinham direitos na sua qualidade de Hebreus, Gregos e Romanos, não na sua qualidade de homem em quanto tal. Mas, agora o principio universal está em vigor, tal é a fonte do direito, e também deste modo que houve inicio uma nova época” (Hegel, Die Philosphie dês Rechts, p., 98). Por um lado ele mostra a contribuição da civilização romana para a humanidade e diz que o direito é a “prosa do mundo”; por outro os romanos perderam certos elementos que os gregos tinham fornecido, vem então o período de síntese, o pensamento cristão incidindo sobre o grego. A segunda idéia que causa a Revolução Francesa é a refutação da ordem econômico-jurídico antiga que estava baseada na desigualdade social. Ela subverte o antigo regime porque este não corresponde mais á situação da nova época econômica. Ele escreve à Zellmann: “a nação francesa foi liberta de muitas instituições que o espírito humano saído da infância havia superado e que de conseqüência pesavam sobre ela e sobre outras nações como absurdas correntes” (Lettres à Zellmann, Brief i, 138) o que significa que a Revolução Francesa assume aspectos sociais dos quais Hegel foi um defensor. Ela permitiu aos homens aumentarem sua capacidade de autodeterminação. Mas, Hegel em Lições mostra um quadro no mínimo negro da França diz ele “a complexidade da situação da França nesta época se apresenta um quadro da mais grave corrupção. É um selvagem agregado de privilégios contrários à cada idéia e à razão, um estado sem sentido e acompanhado pela máxima de corrupção dos costumes e do espírito de injustiça”. (Lições, p. 925). Oprimia-se o povo através de impostos e a arrecadação era destinada à Nobreza e ao Clero, para as suas frivolidades. Mesmo assim ele se alegra do avanço daquele Estado: “na nossa época foi feito um passo avante na realização do Estado, coisa que nunca tinha tido lugar desde mil anos” (idem ibidem). Sendo assim, é possível perceber que Hegel aderiu a Revolução Francesa porque ela traduziria a dignidade do cidadão na sua realidade política e que ele teria traduzido para a sua filosofia, a tal ponto poder entender a sua filosofia fortemente imbricada com a idéia de Revolução e por conseguinte teria ele sido um revolucionário. Essa percepção da adesão parece estar em desacordo com a compreensão de H.K. ILting que o entendeu como um restaurador. Segundo ele “o fato que a filosofia do direito de Hegel seja uma filosofia da revolução é seguramente uma crítica grotesca: a sua opção em favor de uma política de reforma (aperfeiçoamento das leis e das instituições) é indubitável” ((Ilting., Erauterungen zu Hegel. p.342). Ela está também em desacordo com a compreensão de Habermas. Para Habermas, Hegel possui uma visão ambígua da Revolução. Ele teria tido uma grande consideração pelos princípios fundamentais que estaria em jogo nesse acontecimento; mas porque ele teria feito uma crítica radical à particularidade destes princípios, isto é o que fez dele profundo adversário do pensamento liberal (Habermas, 1967, ps.89). Isto não quer dizer que faria dele um adepto do pensamento democrático roussoneano, até porque, Hegel não aceita o ideal do estado democrático de Rousseau, e não o aceita justamente porque, para ele a totalidade pensada por Rousseau presente na “vontade geral” significa a eliminação pura e simples da vontade particular. 3. Uma Revolução é sempre o resultado de um conflito entre o Estado social obsoleto e a refutação ao poder político que se opõe em aceitar as necessárias mudanças. No momento que, a autoridade não está em grau de satisfazer as exigências de sua época, a sociedade política está em perigo. Neste sentido, Hegel percebe que a Revolução é necessária, porque os políticos não realizavam as reformas que demandam a sociedade. Então, Hegel aparece como defensor da Revolução Francesa num primeiro momento, e, posteriormente ele reaparece como crítico do principio da Revolução. O princípio – liberdade, igualdade e fraternidade – segundo ele, serve de manto para a Declaração dos direitos do homem e do cidadão, mas na vida real do povo, pouco ele se faz valer. Vejamos! Na Fenomenologia do Espírito (1807), Hegel afirma que, “a única obra e operação da liberdade universal é por isso a morte, e mais propriamente uma morte que não tem nenhum espaço interno sequer seja preenchida, de fato, aquilo que é negado é o ponto, que falta ser preenchido, de si absolutamente livre: esta morte é entretanto a mais fria e a mais serena morte sem qualquer outro significado a não ser aquele de cortar a cabeça de um cavalo ou de tomar um gole de água” (Hegel, 1960). Hegel aceita o ideal da Revolução, enquanto ela traz no seu bojo a liberdade dos indivíduos, mas a verdadeira liberdade, a liberdade absoluta, só se realiza com a morte. Nos anos da Fenomenologia, ele critica o fato que a Revolução não fosse fiel ao seu ideal. E, aqui o elemento no mínimo complicado parece ser o fato de aceitar a morte, o que dá a entender de que ele não se oporia ao Terror. Os textos que referimos dão a entender que Hegel seria de acordo com o primeiro período da revolução e que não se opõem ao período de Terror que aconteceu no pósRevolução. Como ele é o filosofo que parte da vida, o princípio – liberdade, igualdade e fraternidade – da Revolução é o objeto de sua indagação bem como o conteúdo que está escondido sob estes termos: Revolução e Terror. Segundo Hegel, a Declaração dos direitos do homem é um produto da razão. Mas, como a Declaração está longe das relações econômicas, sociais e políticas da França e conseqüentemente, também ela está distante da razão. Então, ele critica a Revolução porque essa se vale de um principio abstrato.Segundo ele, as mais belas abstrações colocam a vida sempre em perigo. A Revolução não explodiu por causa da precipitação com que se realizava um programa social, mas ela explodiu porque tentou traduzir, politicamente o seu principio abstrato de liberdade da pessoa, recorrendo ao contrato social, que nada mais é que uma forma arbitrária. Ele afirma que: “a idéia que o Estado seja um contrato social entre indivíduos teve uma grande influência sobre a Revolução. Se pensava que construir um povo dependesse do bom animo de qualquer um desses indivíduos (Hegel, Die Philosophie des Rechts, 140, 165). Seria Hegel um anticontratualista? Ou até que ponto ele é um contratualista? Para Bobbio há em Hegel uma recusa da teoria contratualista. O fato dessa recusa faz faz Bobbio compreendê-lo, que seu pensamento se situa em posições conservadoras e hostis ao liberalismo (Losurdo, 1998, p. 85). Já para Losurdo não se pode dizer que se trata de um pensador conservador. Segundo ele “com a polêmica anticontratualista, Hegel não pretende, de modo algum, dissociar-se dos objetivos reformadores e constitucionais, mas salientar a absoluta inadequação do contratualismo como plataforma teórica de um programa de renovação político institucional” (Losurdo, op. cit., p. 87). Para Losurdo, Hegel, assim não faria o jogo da reação. O que pode ser criticado nele seria o contratualismo liberal-democrático, pois enquanto ele defende bens universais e inalienáveis, esses bens não podem ser objetos de compra e de venda e muito menos de um contrato. O problema para Hegel, naquele momento histórico da Revolução, estava na constituição da República. Porque o contrato social, para ele, é uma idéia abstrata tanto quanto é aquela da liberdade e da igualdade da Revolução. Hegel não é um conservador das estruturas de poder da monarquia francesa, e, nem um adversário das transformações sociais e política advindas com a Revolução, antes ele parece ser um reformador, pelo simples fato, de perceber que a Revolução Francesa terminou por absorver o Burguês no cidadão. Pensava Hegel que para libertar os sujeitos de seu jogo secular não bastava destruir todas as associações, as corporações e classes sociais. Para ele seria necessário também reorganizar a vida da sociedade civil que se constitui sobre as associações e corporações. A Revolução apareceu incapaz de fazer isto. Num primeiro momento ela distrói essas organizações para posteriormente reorganizá-las. A crítica hegeliana vai no sentido de que o contrato social fosse suficiente para unir a vontade particular à vontade geral. Isto denota um discurso conservador de Hegel. Além do que a experiência demonstrava que ao invés de se ter um Estado harmônico, tem-se um agregado de indivíduos sempre em luta incessante entre uns contra os outros. Luta que é decorrente da sociedade burguesa, enquanto, ela manteve a ordem econômica-jurídica antiga que se baseava na desigualdade social. . Uma das criticas à Revolução feita por Hegel, trata-se do enfraquecimento do poder executivo. Ao abolir o direito de veto do rei, pela Assembléia Constituinte, segundo Hegel, enfraqueceu o poder executivo e com isso não se pôde opor mais à Assembléia. A burguesia para defender-se da desobediência do povo e da recusa à pagar impostos, cria a Assembléia Parlamentar, fazendo-se defensor do governo representativo, onde o povo elege os seus “defensores”. Hegel denuncia essa subordinação do executivo ao legislativo. Assim, segundo ele, “Juntos aos Franceses, onde o Rei não dispõe que de uma participação negativa ao poder geral, não tinha a não ser vetar de frente aos projetos do corpo legislativo, à frente do Estado era muito fraca e a tensão era inevitável, tanto mais que o corpo legislativo retinha ter o direito de manter as suas proposições bem distante do Rei” (Fleischmann, p. 72). O deputado da Revolução ao dizer-se o representante direto da nação, ele se isolava do indivíduo e do cidadão privado. A abolição por parte da Revolução das corporações e associações e da Nobreza e do Clero, para Hegel, não foi expressão da liberdade, mas sim da autoridade. Segundo Hegel a pessoa livre, é certamente a pessoa possuidora de um Estado livre e o Estado francês parecia refém de uma Assembléia Parlamentar. Ele foi muito atento à importância da vida econômica moderna que estava nascendo, no seio da sociedade civil e aos seus sistemas de necessidade. .Entendeu que uma tal sociedade não poderia fazer sem as classes sociais. E o pecado da Revolução foi de não ter dado direito a esta exigência elementar e de conseqüência de ter absorvido o homem privado no cidadão. Hegel não está falando de “luta de classe”, mas de um conflito frutífero que leva avante as transformações da sociedade. Tais transformações não se dão no sentido de superação, mas no de reconciliação de interesses no interior da sociedade civil. O contratualismo que esperava fundar o novo Estado sob o consenso de todos, e, que declarava ser a única teoria que poderia reconhecer o pleno desenvolvimento da sua liberdade foi totalmente impotente para realizar o bem comum. Dessa maneira que, o Estado não seria nada mais do que uma associação de indivíduos que terminam por serem comandados por provocadores e por aventureiros da política. Disto decorre o Terror. Conseqüentemente, Hegel se afasta da Revolução em quanto ela não está em grau de satisfazer as justas exigências do burguês, isto é, do homem da sociedade civil. Kojeve apresenta Hegel favorável ao período de Terror. Para Kojeve o Terror foi um grande educador. E com ele que desaparece a escravidão. Segundo ele na dialética do senhor e do servo, Hegel demonstrou que aquele que se tornou servo é aquele que tremeu diante da morte, ele preferiu conservar a vida pelo preço da liberdade perdida. Kojeve diz “através do Terror o homem toma consciência do que é realmente: nada. É somente por meio desta experiência que o homem se torna “razoável” e busca realizar uma sociedade onde a liberdade seja verdadeiramente possível. Neste exato momento (Terror), o homem (ainda servo) separa a alma do corpo é ainda cristão. Mas por meio do Terror ele compreende de querer realizar a liberdade abstrata e querer a própria morte” (Kojeve, 143), no Terror a morte passou a não ter nenhum valor e por isso Hegel se afasta da Revolução. Não pretendo discutir a questão do Terror. Mas é no Terror que a morte torna insignificante ou significante. E neste momento que o homem descobre a sua nulidade. Hegel vive um drama enquanto ele separa o processo do Terror da Revolução burguesa e ele nega o seu ideal, isto é, o direito abstrato que justifica a sua realização, pois parece que é no Terror que se realiza a liberdade absoluta que é o momento mais alto da cultura. Então, se isto for correto dizer, quanto mais Terror houver, tanto maior será a Revolução. 4. Para concluir, a analise e a crítica de Hegel sobre a Revolução e a crítica de seus crítico, penso que esta leitura evidencia a preocupação hegeliana e dos críticos com as possibilidades da razão humana de realizar aqui e agora, a critica à corrupção e às trapaças existente no interior do estado. Transportado esse tema para a nossa realidade, A corrupção e as trapaças do poder não deixam de ser um tema recorrente em nossa sociedade e nosso mundo político. Hegel percebeu seja no processo da Revolução Francesa seja no Terror, que as Assembléias Populares insistiam na soberania do povo, baseada na idéia e na prática do cotidiano do povo, na revocabilidade tanto dos deputados quanto dos funcionários públicos corruptos, mas, que essas idéias e práticas não tardaram a ser sufocadas, e por isso, a Revolução não realizou a liberdade absoluta, com que Hegel tanto sonhou. A liberdade real defendida por Hegel, implicaria que o povo não fosse representado e nem abandonado aos eleitos, mas sim de procurar lutar socialmente, por si mesmo, através da sociedade organizada. A compreensão hegeliana entendeu que o Terror, não foi mais que o massacre realizado pela Convenção termidoriana. Ela foi um procedimento de Terror. O Terror não se confinou nas mãos dos jacobinos, ele foi usado pela contra-revolução, durante os anos de 1794. Os termidorianos usaram o poder ditatorial dos proprietários o que significou instalar a corrupção no coração do Estado. Os termidorianos agora são os que afirmam o caráter popular da soberania do Estado. Assim, a fonte do Terror é o Estado baseado no mando dos proprietários. O fracasso jacobino baseou-se na virtude enquanto o Terror estatal baseou-se nos interesses particulares, particularmente os dos proprietários e dos comerciantes. Ora, não seria isso que assistimos nestes últimos governos da sociedade brasileira. Vivemos sob termidorianos que, após terem alardeado “ética na política” e dogmas de “esquerdas”, juntam-se com oligarquias endinheiradas ao longo da história brasileira às custas do erário público; nós que assistimos o espetáculo do cinismo dos que elogiam a sensibilidade social de Antonio Carlos Magalhães e José Sarney e outros para sacramentar o pior oportunismo e a sobrevivência no poder; nós que atestamos a ternura governamental pelos Bancos e o desprezo pela educação e saúde do povo; sabemos muito bem o que significa um termidoriano. Isso é que Hegel questiona. Essencialmente a causa que produz o Terror é a mesma que produziu a Revolução, isto é o poder. É o culto da liberdade em que cada cidadão se sente livre e destacado de qualquer constrição. Qualquer indivíduo enquanto indivíduo isolado se crê autorizado a pensar e em fazer qualquer coisa. O mundo deve ceder de fronte a minha vontade, pela onipotência do poder. Hegel na Fenomenologia do espírito expõe o Terror. Hegel diante do Terror, ele entendeu que se trata de “uma abstração do princípio revolucionário” ou seja a Revolução Francesa não concebeu a liberdade como liberdade absoluta, pois o Terror não é uma fase, é sim um momento em que a necessidade de subverter uma ordem foi obrigado a recorrer a força e até a violência. Hegel poderia ser concorde com Saint-Just, quando afirma que “cada Revolução tem necessidade de um ditador para salvar o Estado com a força”. O fato é que, isto se volta para a filosofia de Hegel, no momento em que se entende que o devir é dramático e que o papel do povo desempenhado na história da humanidade é dramático. Então a dramaticidade estaria fundada sobre a idéia de que os homens progridem através desse tipo específico de violência que é a guerra. Hegel, joga com a posição-oposiçãosuperação da Revolução como a forma encontrada dialeticamente que reconcilia a busca da inteligibilidade integral entre os aspectos mais concretos, mais vivos da realidade humana na história, que é a Razão da Revolução: colocar fim ao antigo regime. Mas, para que isto possa acontecer será preciso que a razão seja uma razão que caminha com astúcia. A questão é por que foi preciso esperar a chegada de Hegel para pensar o devir da humanidade? Por que os homens ainda não tinham compreendido que o ser é devir? Porque o Estado instituído por Napoleão Bonaparte, com o prolongamento dessa instituição no interior da sociedade, e, com as transformações políticas que se produzem na Inglaterra, na Alemanha, na França, depois do fracasso de Napoleão, o Estado moderno se estabelece como a realização da razão. Segundo Hegel “a essência do Estado moderno consiste na união da universalidade com a total liberdade da particularidade e da prosperidade dos indivíduos, de modo que, por um lado, o interesse da família e da sociedade civil deve ajustar-se ao Estado, mas, por outro, a universalidade da finalidade não pode progredir sem o saber e o querer da particularidade, que deve conservar o seu direito. É apenas porque esses dois momentos subsistem com toda a sua força que se pode considerar o Estado como um Estado verdadeiramente bem diferenciado em suas partes e verdadeiramente organizado em seu conjunto” (Hegel, Principio da filosofia do direito, citado por Chatelet., 1997, p. 116 ). No fundo tudo se resume ao Estado. E, no nosso caso específico, ele é o grande causador e instituidor da violência por meio da coerção e do consentimento. Quando Hegel coloca que a corrupção está no coração do Estado, ele não só dá uma exata dimensão do Estado de seu tempo, mas também do nosso, uma vez que o centro da atividade estatal não está mais nos parlamentares, mas reside principalmente na burocracia dos órgãos de fomentos internacionais, onde o presidente e o parlamento, não fazem mais a grande política. Daí, então a necessidade de repensar o Estado, pois Estado e corrupção caminham juntos, como dizia Hegel, mas Estado e razão, como pretendia Hegel não se manifesta como conceitos unívocos. 5. Referências bibliográficas G.F.W. HEGEL, Lezioni della storia mondiale, (tr.Guido Calogero e Corrado Fatta), Firenze, La nuova Itália.1967. p.205 ____________, Die Philosophie dês Rechts. Die mitschriften wannenmann, ed Ilting, parágrafo 146, p. 173. ___________., Fenomenologia dello Spirito. (trad. Enrico de Megri) Firenze. La nuova Itália. 1960 G.M.BRANDÃO, “Hegel: o Estado como realização histórica da liberdade”, in Os clássicos da política (org. Francisco C. Weffort Editora Ática. SP., 2005 G.F.W. HEGEL, Lettres à Zellmann du 23 janvier 1607 (Brief I, 138) K.H.ILTING, Erlauterungen zu Hegel. Die Philosophie des Rechts.Die Mitschriften, p. 342 D. LOSURDO, Hegel, Marx e a tradição Liberal. Unesp. SP., 1998 H. FLEISCHMANN, Hegel et la Restauration en France, in H.C. Lucas - O. Poggeler, Hegel Rechtsphilosophie, p. 72 J. HIPPOLITE, Introdução à filosofia da história de Hegel. Edições 70, Lisboa.1983 G. LUKÁCS, Il giovane Hegel e i problemi della società capitalista. Einaudi Editori. Torino.1975 A. KOJEVE, Introduction à la lecture de Hegel. pp. 143-144 J. HABERMAS, “Hegels Kritik der franzosischen Revolution” in, Theorie und Práxis. Sozialphilosophische Studien. Neuwied-Berlin.1967 F., CHATELET, Uma história da razão. Zahar editor, Rio de janeiro, 1997 J. GAARDER. O mundo de Sofia. Companhia das Letras. 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