Técnicas de reprodução assistida na infecção pelo vírus da

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Revisão
Técnicas de reprodução assistida na infecção
pelo vírus da imunodeficiência humana
Assisted reproductive techniques in human immunodeficiency virus infection
Flávia Ribeiro de Oliveira1
Cláudia Navarro Carvalho Duarte Lemos2
Inês Katerina Damasceno Cavallo3
Palavras-chave
Técnicas reprodutivas
Infecções por HIV
Transmissão
Keywords
Reproductive techniques
HIV infections
Transmission
Resumo
A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana possui alta prevalência
mundial, acometendo principalmente adultos em idade fértil. As novas terapias antirretrovirais têm oferecido
um maior controle da infecção, que pode ser considerada, hoje, uma doença crônica. Esses fatores resultam
no aumento do desejo de paternidade e maternidade por casais infectados com o HIV e, consequentemente,
levam a um aumento da procura por técnicas de reprodução assistida que minimizem os riscos de transmissão
viral, além de superarem a subfertilidade frequente nesses casais. A técnica mais adequada varia se o casal é
sorodiscordante com o parceiro infectado, sorodiscordante com a parceira infectada ou se ambos são infectados
e, ainda, se há outros fatores de infertilidade associados. A inseminação intrauterina, a fertilização in vitro ou a
injeção intracitoplasmática de espermatozoide podem ser empregados com ou sem o lavado de esperma e/ou
detecção de vírus nas amostras. Os dados recentes revelam que as terapias de reprodução assistida em casais HIV
positivos parecem ser efetivas e seguras e, portanto, os centros de reprodução humana devem estar preparados
para atender a essa população.
Abstract
The human immunodeficiency virus infection is highly prevalent worldwide,
affecting mainly adults in reproductive age. The new antiretroviral therapies have lead to a better infection
control and, nowadays, the HIV infection is considered a chronic disease. As a result, HIV-infected couples whish
to became parents, which leads to an increased search for assisted reproductive techniques. These techniques
may be used to reduce the risk of viral transmission and to overcome the subfertility frequently found in these
couples. The choice of techniques varies according to the serologic status: if the woman is infected, if the man
is infected or if both are infected and, also, if there is presence of other infertility factors. The intrauterine
insemination, the in vitro fertilization or intracytoplasmic sperm injection may be used with or without sperm
washing and/or virus detection in the sample. Recent data have shown that assisted reproductive techniques
are effective and safe when used in HIV-positive couples. Thus, human reproductive centres should be prepared
to assist this population.
Médica assistente do Laboratório de Reprodução Humana Professor Aroldo Fernando Camargos, Hospital das Clínicas da Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG); Especialista em Ginecologia, Obstetrícia e Reprodução Humana; Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde
da Mulher da UFMG; Professora do Internato de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade José do Rosário Vellano (Unifenas) – Belo Horizonte
(MG), Brasil
2
Especialista em Ginecologia e Obstetrícia pelo Hospital das Clínicas da UFMG; Doutora em Saúde da Mulher pela UFMG – Belo Horizonte
(MG), Brasil
3
Especialista em Reprodução Humana e Ginecologia e Obstetrícia pelo Hospital das Clínicas da UFMG; Doutoranda do Programa de Pós-Graduação
em Saúde da Mulher da UFMG; Professora do Internato de Ginecologia e Obstetrícia da Unifenas – Belo Horizonte (MG), Brasil
1
Oliveira FR, Lemos CNCD, Cavallo IKD
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Introdução
Metodologia
A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana tornou-se
uma epidemia global que atinge aproximadamente 40 milhões
de pessoas em todo o mundo. No Brasil, até 2006, cerca de
620.000 pessoas estavam infectadas pelo HIV, sendo que 65%
dos infectados eram homens com vida sexual ativa.1-3
Nos países desenvolvidos e também no Brasil, a introdução
de novas terapias antirretrovirais levou a uma mudança no
perfil epidemiológico da infecção, alterando sua classificação de
letal a doença crônica, com grande melhora na qualidade e na
expectativa de vida. Segundo dados da Organização Mundial
e Saúde (OMS) e The United Nations Joint Programme on HIV/
AIDS (UNAIDS) houve uma redução de 50% da mortalidade
devido ao HIV no Brasil entre 1996 e 2002.4
O uso de drogas antirretrovirais durante a gravidez, parto
e período neonatal, a não amamentação e a mensuração da
carga viral para escolha da via de parto reduziram o risco de
transmissão vertical de 30 para menos de 2%. Esse resultado
motivou uma procura maior pelas técnicas de reprodução assistida (TRA) por casais infectados, com o objetivo de reduzir a
transmissão viral entre casais sorodiscordantes, a troca de cepas
multirresistentes entre os casais soroconcordantes e aumentar
as taxas de nascidos-vivos.5
No Brasil, o acesso às TRA pela maioria dos pacientes é
restrito devido à falta de centros especializados e ao alto custo
dos procedimentos. A escolha da estratégia adequada para os
casais depende da sorodiscordância ou não deles e da existência
de subfertilidade concomitante.
As TRA disponíveis para esses casais, atualmente, são a inseminação intrauterina (IIU), fertilização in vitro clássica (FIV) e
a injeção intracitoplasmática de espermatozoide (ICSI), com ou
sem a realização de lavado de esperma (LE) e reação em cadeia
da polimerase (PCR) para eliminação e detecção do vírus no
sêmen, respectivamente.
A possibilidade de contaminação cruzada em amostras de
pacientes não infectados e o risco biológico para os profissionais
de saúde que manipulam gametas e embriões de pacientes HIV
positivos requerem que o laboratório onde são manipuladas
essas amostras separe os casos suspeitos ou confirmados. Da
mesma forma, os embriões devem ser criopreservados isoladamente.5
Os objetivos desta revisão foram analisar qual a melhor
opção entre as técnicas de reprodução assistida disponíveis para
casais infectados com HIV de acordo com o perfil sorológico e
de fertilidade dos parceiros, assim como a eficácia e segurança
de cada método.
Foi realizada revisão da literatura nas seguintes bases de
dados: Pubmed, Biblioteca Virtual em Saúde (Lilacs, Medline,
Cochrane e SciELO) e Centro de Documentação Científica da
Associação Médica de Minas Gerais, por meio de pesquisa com as
seguintes palavras-chave: “infertility”, “fertility”, “HIV”, “assisted
reproduction”, “sperm washing” e “infected couples”.
Foram incluídos ensaios clínicos, série de casos e estudos
retrospectivos publicados, no período de janeiro de 1994 a fevereiro de 2008, em inglês, português e espanhol. Os critérios
de exclusão foram: artigos publicados até 1993, publicações em
idiomas diferentes dos acima listados, além de relatos de casos
e opiniões de especialistas.
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Resultados
A busca não resultou em metanálises ou ensaios clínicos
randomizados (nível de evidência 1). Os resultados observacionais de boa qualidade metodológica (níveis de evidência 2
e 3) são apresentados a seguir. Também serão comentados protocolos e recomendações publicados por sociedades científicas
internacionais.
Casais sorodiscordantes: parceiro masculino infectado por HIV
Em casais sorodiscordantes com parceiro positivo e parceira
negativa, as técnicas de lavagem de sêmen mudaram substancialmente o paradigma da paternidade. O valor clínico da
lavagem de esperma (LE) e seu risco nulo ou negligenciável de
transmissão viral foi relatado pela primeira vez por Semprini
et al., em 1992, e confirmado por outros autores.5-9 A soroconversão em mulheres submetidas à IIU com sêmen de parceiro
infectado foi relatada, até o momento, apenas em casos nos quais
o sêmen não havia sido processado. Esses resultados conduziram
a reprodução assistida para esses casais a uma nova era. Em
2002, o American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG:
Committee on Ethics, 2001) e a American Society for Reproductive
Medicine (Ethics Committee of the ASRM, 2002) recomendaram
o uso de lavagem de esperma como cuidado padrão para casais
em que apenas o homem é infectado, independentemente da
técnica de reprodução escolhida.10-11
Não existe um único tratamento adequado para todos os
casais. A escolha da TRA dependerá da existência ou não de
subfertilidade concomitante e da disponibilidade das técnicas,
mas o processamento do sêmen deverá ser realizado preferencialmente pelos métodos de Percoll seguido pela técnica de swim-up.
O gradiente duplo de centrifugação seguido de swim-up é mais
Técnicas de reprodução assistida na infecção pelo vírus da imunodeficiência humana
efetivo em eliminar o vírus do material a ser utilizado do que a
realização de apenas uma das técnicas isoladamente.12
O teste para pesquisa de RNA viral após o processamento
do sêmen é um passo fundamental, indispensável nos casos de
IIU, pois, em aproximadamente 5 a 6% do material examinado,
encontra-se resultado positivo para presença do HIV. A qualidade
do sêmen, a concentração de RNA viral e a técnica laboratorial
empregada estão diretamente relacionadas ao sucesso do processamento.5 O estudo de Persico et al. avaliou qual seria a melhor
técnica de RNA-PCR: nested versus in situ. Foram estudados
55 pacientes HIV-positivos e 5 controles HIV-negativos. Os
resultados mostraram que o nested PCR em amostras purificadas
é mais confiável do que o PCR in situ, que possui alta taxa de
falsos-positivos (3/5).13
Quanto à segurança da lavagem de sêmen, os estudos publicados até 2006 encotnraram os resultados apresentados na
Tabela 1. Um trabalho mais recente de Savasi et al. avaliou a
segurança do LE em 1.741 casais. Todas as amostras seminais
(n=3.054) foram testadas com PCR em tempo real, sendo que
2.871 (94%) amostras foram negativas, 122 (4%) positivas e
61 (2%) indeterminadas. Do total de amostras negativas, 2.400
foram separadas para IIU, 283 para FIV/ICSI e 188 criopreservadas para FIV/ICSI caso a amostra fresca no dia da coleta ovular
tivesse resultado positivo para o vírus. Portanto, nos casos em
que se opta pela IIU, a realização de PCR para pesquisa de vírus
na amostra é imprescindível e não pode ser omitida.9
Bujan et al. publicaram o primeiro trabalho multicêntrico prospectivo em 2007, no qual incluíram oito centros que
aderiram ao programa European CREAThE network. O estudo
envolveu 1.036 casais sorodiscordantes com parceiro infectado
e desejo de procriação. A lavagem de sêmen foi realizada em
3.390 ciclos de reprodução assistida (2.840 IIU, 107 FIV e 394
ICSI). O teste anti-HIV foi realizado nas parceiras seis meses
após o procedimento de reprodução assistida (pacientes que
continuaram acompanhamento) e todos foram negativos. Os
resultados em relação à taxa de gravidez e nascidos vivos foram
580 e 463, respectivamente. Os autores consideraram que o LE
é um método efetivo e que reduz significativamente a taxa de
transmissão de HIV-1 para parceiras não infectadas.14
Estudo de Bacetti et al, em 1994, avaliou a presença do
vírus HIV-1 em espermatozoides por microscopia eletrônica,
hibridização in situ e PCR para RNA viral e DNA pró-viral.
Os resultados mostraram partículas HIV-like e RNA viral no
interior de espermatozoides e de células espermáticas, mas não foi
encontrado DNA pró-viral. Esses resultados sugerem a presença
de partículas infectantes, mas não replicantes e possivelmente
sem risco de transmissão. Esses achados foram corroborados por
Tabela 1 - Número de casos publicados com o lavado de sêmen
em TRA para casais sorodiscordantes
TRA
IIU
FIV
ICSI
Número de casais
tratados
978*
14*
413
Número de IIU/embriões
transferidos
3203
51
585
Gravidezes
508*
21
251
*Faltam dados nos trabalhos publicados.
alguns autores, mas outros falharam em mostrar a presença do
vírus no interior das células espermáticas.7,12,15
Alguns autores defendem que a ICSI, como primeira opção
para casais sorodiscordantes com parceiro infectado, poderia limitar
o risco de infecção, uma vez que a quantidade de sêmen exposta
ao oócito se limita a uma única célula, o espermatozoide.16-18
Outros autores defendem a IIU com lavagem seminal e PCR
como primeira opção, pois consideram um método seguro, mais
simples e de menor custo.13,19-21 Entretanto, em alguns países,
a ICSI é proibida para esses casais porque existe um questionamento, ainda controverso, sobre a presença de partículas virais
no interior de espermatozoide e o possível risco de injeção direta
de partículas virais no oócito. Nesses países, os pacientes HIVinfectados com sêmen de qualidade ruim, representativos de
um terço da procura por reprodução assistida, não teriam opção
de tratamento, visto que quando o sêmen é muito alterado as
chances de gravidez com IIU são mínimas.12 Em relação às
taxas de sucesso, estudo realizado por Melo et al., em 2008 no
Instituto Valenciano de Infertilidade, demonstrou que em casais
sorodiscordantes com parceiro infectado a qualidade embrionária
não é pior do que dos embriões de casais com infertilidade por
fator tubáreo.22
Independentemente da TRA indicada para o casal, todos
os intercursos sexuais devem ser protegidos com o uso de preservativo e em caso de acidente com preservativo, ruptura ou
extravasamento de sêmen, seria necessário aguardar um período
mínimo de seis meses antes de se realizar uma TRA (período de
“janela imunológica”).13
Casais sorodiscordantes: parceira infectada com HIV
Em casais sorodiscordantes com parceira infectada, não existe
risco de transmissão horizontal em quaisquer modalidades de
reprodução assistida, seja ela IIU, FIV ou ICSI, uma vez que o
homem HIV negativo é poupado do contato com amostras de
material contaminado da parceira.
A autoinseminação realizada pela própria paciente no período
da ovulação elimina o risco de transmissão horizontal, presente no
intercurso sexual desprotegido, além de ser um método simples
e barato. Entretanto, como a incidência de subfertilidade é maior
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nesse grupo de pacientes, recomenda-se a propedêutica básica
após seis ciclos de autoinseminação sem concepção.5
O impacto dos procedimentos invasivos utilizados durante
as TRA na transmissão vertical do HIV são desconhecidos e o
número de pacientes tratadas até o momento é pequeno para
permitir qualquer conclusão. Existe um questionamento quanto
ao fato de o vírus presente no líquido folicular ou sangue no
momento da coleta, transferência e/ou manipulação de gametas na FIV e/ou ICSI poder ser injetado no oócito ou embrião,
aumentando o risco de transmissão vertical. Além disso, a
carga viral poderia aumentar durante indução da ovulação com
gonadotrofinas, mas esse tema ainda é controverso e precisa
de evidências científicas.12 A infecção do embrião em estágios
precoces poderia reduzir as taxas de implantação e/ou aumentar
a incidência de perda gestacional precoce em mulheres HIV
positivas, mas a incidência de aborto nesse grupo de pacientes
submetidas às TRA ainda não foi avaliada.
Quadro 1 - Critérios de inclusão de mulheres infectadas pelo
HIV-1 para TRA, Academic Medical Centre in Amsterdam
TRA em mulheres infectadas (IIU, autoinseminação, FIV ou ICSI)
• Idade<43 anos
• Ciclos menstruais irregulares ou insucesso com IIU com ciclos regulares
• Cuidado adequado com a saúde
Terapia Antirretroviral
• Pelo menos 6 meses de CD4 >300 células/mm3 e <50 cópias de RNA/mL
• Pelo menos 12 meses sem eventos CDC-C
• Nenhum medicamento teratogênico
Nenhuma terapia antirretroviral
• Pelo menos 6 meses de CD4 >350células/mm3 sem considerar carga viral
Fonte: van Leeuwen et al.12
As taxas de sucesso para FIV/ICSI parecem ser um pouco
menores (11 a 21%) em mulheres infectadas pelo HIV quando
comparadas às mulheres sem a infecção (30%). Entretanto, as
mulheres dos grupos estudados eram mais velhas e com níveis
mais elevados de FSH, indicativos de pior reserva ovariana.22
Os dados disponíveis até o momento sobre a reprodução
assistida em casais HIV-sorodiscordantes com parceira infectada
enfatizam a necessidade de permitir o seu acesso às TRA, mas
com monitorização rigorosa da gravidez e do recém-nascido.
Não existem critérios bem definidos para utilização de TRA em
mulheres infectadas com HIV, o que torna o assunto polêmico. O
Quadro 1 ilustra os critérios recomendados pelo Academic Medical
Centre in Amsterdam para a inclusão de mulheres infectadas pelo
HIV-1 nos programas de reprodução assistida.12
Casais soroconcordantes: ambos infectados
Os casais soroconcordantes HIV-positivos raramente procuram
centros de reprodução assistida. As opções de tratamento devem
ser avaliadas de acordo com o acesso, com as condições sociais e
com o estado de saúde dos parceiros, mas a utilização das TRA
não deve ser negada a esses pacientes. A autoinseminação ou a
inseminação artificial protege o parceiro de superinfecção quando
comparada ao intercurso sexual desprotegido. Já o processamento
do sêmen é desejável no caso de infecção do casal por cepas virais
diferentes, prevenindo a transmissão de vírus resistente para a
mulher. Entretanto, os dados sobre a utilização de TRA em casais
infectados com HIV soroconcordantes são muito limitados. A
European Society for Human Reproduction and Embryology (ESHRE)
oferece algumas orientações, ilustradas no Fluxograma 1.23,24
Fluxograma 1 - Tratamento para casais soroconcordantes
Homem sem TARV
Mulher sem TARV
Homem sem TARV
Mulher com TARV:
concentração de RNA HIV-1 <
50 cópias/ml
Avaliar cepas virais
e screening para resistência
contra drogas antiretrovirais
Homem com TARV: concentração
de RNA HIV-1 <50 cópias/ml
Mulher sem TARV
Homem com TARV: concentração
de RNA HIV-1 <50 cópias/mL
Mulher com TARV: concentração
de RNA HIV-1 <50 cópias/mL
Mulher tem baixo risco
de superinfecção
Autoinseminação ou
TRA sem processamento
do sêmen
Igual / Negativo
Diferente / Positivo
Carga viral mensal no
homem para detectar
precocemente
resistência viral
Autoinseminação ou
TRA sem processamento
do sêmen
TARV: Terapia antirretroviral.
Fonte: adaptado de ESHERE.22,23
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Autoinseminação ou
TRA com processamento
do sêmen
Técnicas de reprodução assistida na infecção pelo vírus da imunodeficiência humana
Quadro 2 - TRA para casais HIV positivos
Homem
HIV+
Mulher
HIV-
Risco de (super) infecção do parceiro
Sim
Preparo do sêmen
Sim
Objetivo primário
Prevenir a transmissão
Superar a subfertilidade
Superar a subfertilidade
TRA
IIU
ICSI
IIU
IIU
HIVHIV+
HIV+
HIV+
Não
Não
HIV+
HIV+
Não
Não
Cepas iguais
Sim
Cepas diferentes
Sim
PCR
Sim
Não
Não
Prevenir a troca de cepas
IIU
Sim
Fonte: adaptado de van Leeuwen.12
Estratégias de TRA para casais infectados com HIV
As estratégias de TRA recomendadas para casais infectados
pelo HIV-1, sorodiscordantes ou soroconcordantes, estão resumidas no Quadro 2.12
Discussão
Os casais HIV positivos que desejam conceber dispõem de
várias técnicas de reprodução assistida, sendo que a escolha deve
levar em consideração a presença de subfertilidade concomitante e o perfil sorológico do casal: sorodiscordante com parceiro
infectado, sorodiscordante com parceira infectada, soroconcordante com cepas virais iguais ou soroconcordante com linhagens
diferentes de HIV. Os riscos de transmissão, horizontal e/ou
vertical, e de superinfecção por cepas diferentes não devem ser
negligenciados uma vez que, com base em evidências atuais, não
existe técnica totalmente segura. Assim, os casais envolvidos
devem estar cientes desse risco.
Para os casais sorodiscordantes com parceiro infectado, a lavagem
de sêmen com PCR em tempo real parece ser o tratamento mais
promissor e apresenta uma relação custo/benefício vantajosa.5-12,14
Quando é necessário o emprego de FIV ou ICSI, o PCR também
é preconizado para aumentar a segurança da técnica, apesar de
não ter sido comprovada a presença de partículas infectantes no
interior do espermatozoide.5,12 Nos casais sorodiscordantes com
parceira infectada, as estratégias são mais simples, uma vez que
não existe risco de transmissão para o parceiro. Nesse caso, a autoinseminação e a inseminação artificial realizada por profissional
(sem necessidade de preparo de sêmen) estão indicadas. As TRA
são necessárias apenas quando algum fator de infertilidade está
presente. É importante lembrar que o ideal é que essas pacientes
tenham acompanhamento pré-concepcional, pré-natal, peri e pósparto especializado para reduzir o risco de transmissão vertical.5,12
Por outro lado, os casais soroconcordantes se beneficiarão, na
maioria das vezes, de autoinseminação e inseminação artificial
com ou sem a necessidade de lavado seminal. Eles devem ser
aconselhados sobre seu estado de saúde e estar cientes do risco de
progressão da doença em ambos os parceiros.12
Os dados disponíveis sugerem que as TRA em casais HIV
positivos parecem ser efetivas e seguras e, por isso, os centros
que oferecem esses procedimentos devem estar preparados
para atender a essa população. Ainda são limitados os dados da
literatura, necessitando-se de estudos prospectivos com maior
número de pacientes e maior tempo de acompanhamento.
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