PRÉ-SOCRÁTICOS Origens da filosofia e os primeiros filósofos gregos Se voltarmos os olhos para o passado e contemplamos a totalidade da existência humana, o surgimento da filosofia e de filósofos parece um fenômeno realmente bastante estranho. Mas idéias filosóficas, de alguma forma – idéias sobre a natureza, suas forças e questões, sobre a morada da alma na vida após a morte, por exemplo –, são praticamente universais e podemos encontrar suas origens há dezenas de milhares de anos, na préhistória. Em algum momento entre os séculos 6 e 7 antes da era cristã, no entanto, idéias filosóficas plenamente articuladas e sistemas de pensamento começaram a aparecer em vários lugares esparsos do globo. Em torno do Mediterrâneo e no Oriente Médio, na Índia e na China, surgiram filósofos, grandes filósofos cujas idéias iriam estabelecer os termos da filosofia em suas várias tradições por milênios no futuro. No Oriente Médio, os antigos hebreus desenvolveram sua concepção de um Deus uno e de si mesmos como o “povo escolhido”. Na Grécia, filósofos elaboraram as primeiras teorias científicas da natureza. Na China, os taoístas desenvolveram uma visão muito diferente da natureza, enquanto Confúcio criava uma poderosa concepção da sociedade e do indivíduo virtuoso que rege o pensamento chinês até hoje. Na India antiga, os primeiros teóricos hindus (os vedistas) comentavam a origem da natureza e do mundo, tal como descrita nos Vedas, e especulavam sobre ela, criando um rico panteão de deuses, deusas e idéias grandiosas. De acordo com helenistas e historiadores, o pensamento filosófico nasce na Grécia por volta dos séculos VII e VI a.C., quando surgem as primeiras tentativas de explicação natural (e não sobrenatural) para os fenômenos da natureza. E isso foi, de fato, algo novo e um dos momentos essenciais ao desenvolvimento humano, que deram um enorme impulso ao nosso conhecimento. Os primeiros filósofos gregos Os primeiros filósofos gregos tentaram entender o mundo com o uso da razão, sem recorrer à religião, à revelação, à autoridade ou à tradição. Além disso, também eram professores que ensinavam seus discípulos a usar a razão e a pensar por si mesmos. Eles os encorajavam a discutir, argumentar, debater e propor idéias próprias. Tendo vivido entre o século 6 a.C e princípios do século 5 a.C., esses filósofos mais antigos, dos quais poucos conhecimentos foram conservados através dos tempos, são também chamados de présocráticos, por que antecederam Sócrates, o primeiro filósofo cujo método de pensar, bastante sistemático, foi efetivamente preservado para a posteridade. 1 Não se pode, porém, deixar de examinar, ainda que brevemente, o pensamento dos pré-socráticos. Ainda que só nos restem fragmentos de suas idéias, elas são surpreendentes. E não só por constituírem uma grande novidade para a época em que elas foram formuladas, mas também porque muitas delas ou conservam grande atualidade ou encontraram ressonância em filósofos de milênios posteriores, inclusive nossos contemporâneos. Tales e Anaximandro de Mileto Para começar, pode-se mencionar Tales, da cidade de Mileto, na Ásia Menor (atual Turquia). As datas de seu nascimento e morte são ignoradas, mas sabe-se que ele atuou na década de 580 a.C. Tales de Mileto se perguntou: "De que é feito o mundo?". Chegou à conclusão de que ele era feito de um único elemento: a água. Afinal, todas as coisas precisam de água para viver, é a chuva que faz as plantas brotarem da terra e toda porção de terra termina na água. Hoje sabemos que a resposta de Tales estava incorreta, mas não de todo. Na verdade, a física moderna chegou a uma conclusão semelhante à do antigo filósofo ao mostrar que todas as coisas materiais são redutíveis à energia. Um discípulo de Tales, nascido na mesma cidade, Anaximandro (610 a.C.-546 a.C) desenvolveu outro raciocínio. Se a Terra fosse sustentada pela água, esta, por sua vez, deveria ser sustentada por outra coisa e assim sucessivamente, até o infinito. Disso, Anaximandro concluiu que a Terra não era sustentada por nada, mas um objeto sólido que flutuava no espaço e se mantinha em sua posição graças a sua equidistância em relação a tudo mais. Para Anaximandro, o princípio (arché) existente na natureza não poderia ser, portanto, a água, mas algo bem diferente dela. Para ele, esse princípio seria algo que transcenderia os limites do observável, ou seja, não se situa numa realidade ao alcance dos sentidos. Por isso, denominou-se Ápeiron, termo grego que significa “o indeterminado”, “o infinito”. O Ápeiron seria a “massa geradora" dos seres, contendo em si todos os elementos contrários. 2 Heráclito de Éfeso e Pitágoras de Samos Na mesma época, outro filósofo de outra cidade grega, Heráclito de Éfeso, desenvolveu dois raciocínios extremamente originais. Primeiro, a da unidade entre os opostos. Heráclito percebeu que o caminho para subir uma montanha é o mesmo para descer. Ou seja, trata-se de um mesmo caminho, embora ela conduza a direções opostas. A partir daí, o filósofo concluiu que a realidade surge justamente da contradição. Por isso, a realidade é instável e está em constante movimento. "Tudo flui", dizia Heráclito. Com isso, queria dizer que nada é permanente. Ele comparava as coisas a uma chama que parece um objeto, mas é muito mais um processo. Para ele, portanto, a mudança é a lei da vida e do universo: “Tudo muda, nada permanece o mesmo”. Pouco antes de Heráclito, outro filósofo também se destacava na cidade grega de Samos: Pitágoras. Supõe-se que ele tenha inventado o termo "filosofia", pois se definia como um amigo (filo) do saber (sofia). Com certeza, sabe-se que ele relacionou a filosofia à matemática, acreditando que a linguagem matemática poderia expressar com maior precisão as estruturas do universo. Você tem dúvidas de que ele estava certo? Claro que não. A relação matemática/filosofia vingou, e chegou até física e aos filósofos contemporâneos como Bertrand Russell e Alfred Whitehead. Antes de seguir adiante, não se pode esquecer que Pitágoras é o autor do famosíssimo teorema que leva seu nome. Para Pitágoras, a essência de todas as coisas reside nos números, os quais representam a ordem e a harmonia. Assim, a essência dos seres, a arché, teria uma estrutura matemática da qual derivariam problemas como: finito e infinito, par e ímpar, unidade e multiplicidade, reta e curva, círculo e quadrado etc. Pitágoras dizia que no “fundo de todas as coisas” a diferença entre seres consiste, essencialmente, em uma questão de números (limite e ordem das coisas). 3 Xenófanes de Colofão e Parmênides de Eléia Na última metade do século 6 a.C., pontificou outro grande filósofo: Xenófanes de Colofão. Para ele, o conhecimento é uma criação humana. Nós jamais conhecemos a verdade, mas vamos nos aproximando dela, à medida que aprendemos mais e vamos mudando nossas idéias, à luz do que aprendemos. Nesse sentido, conhecer é fazer conjeturas que devem ser substituídas, quando se revelarem ultrapassadas. Essa idéia foi a chave que permitiu ao filósofo contemporâneo Karl Popper estabelecer os limites da ciência. Para Xenófanes, o elemento primordial (a Arché) é a Terra. A partir do elemento Terra, Xenófanes desenvolve a sua Cosmologia. Xénofanes foi um grande crítico de seu tempo, pois ele combateu acirradamente a concepção antropomórfica (forma humanas) dos deuses e defende um deus único, distinto dos homens, isto é, em nada esse deus pode se assemelhar aos aspectos ou formas humanas. Esse deus seria não-gerado, eterno, imóvel, puro pensamento, e que age através de seu pensamento. Na primeira metade do século 5 a.C., Parmênides, um discípulo de Xenófanes, desenvolveu uma reflexão contrária à de Heráclito. Parmênides considerou que é uma contradição afirmar que "nada existe". Para ele, tudo sempre existiu. O mundo, portanto, não tem princípio, nem foi criado: ele é eterno e imperecível. "Tudo é um", dizia Parmênides, e o que parece mudança ocorre, na verdade, no interior de um sistema fechado e imutável. Empédocles de Agrigento e Demócrito de Abdera Sem discordar de Parmênides, Empédocles sustentava que tudo era composto de quatro elementos essenciais e perenes: terra, água, ar e fogo. Essa idéia influenciou o pensamento ocidental até o renascimento e a idéia dos quatro elementos é bastante conhecida ainda hoje, mesmo por quem não conhece história da filosofia. Para terminar esse breve panorama do pensamento pré-socrático, é importante mencionar os filósofos Leucipo e Demócrito, chamados de "atomistas". Foram eles que teorizaram que se fôssemos reduzindo, por meio de cortes, qualquer coisa, chegaríamos a um momento em que a coisa estaria tão diminuta que não 4 poderia ser cortada (ou dividida). Ou seja, chegaríamos ao átomo ("a" = prefixo de negação (não); "tomo" = parte - isto é, “sem partes”). Segundo eles, tudo que existe são átomos e espaço (vazios). As coisas são diferentes entre si por que são diferentes combinações de átomos no espaço. Mesmo que hoje saibamos que o átomo pode ser subdividido em partículas menores do que ele mesmo, não há como negar o avanço da concepção de Leucipo e Demócrito, não é mesmo? Enfim, os pré-socráticos refletiram sobre a natureza do mundo procurando explicá-la a partir de sua própria natureza e, se muito do que pensarem pode ser considerado um absurdo hoje em dia, seu pensamento inegavelmente foi o ponto de partida para o entendimento racional do mundo. 5