ENFOQUE DEBATE SOBRE A RELAÇÃO ENTRE PROFISSIONAL DE SAÚDE E PACIENTE STOCKXPERT FRUSTRAÇÃO DE EXPECTATIVA “O dilema do resultado, ou mesmo, da ausência de efeitos colaterais de procedimentos tangencia as profissões de saúde, gerando um debate erroneamente encarado acerca de obrigações de meio e resultado. Não se discute a disseminação do exercício de cidadania pelo cidadão que busca seus direitos administrativa ou judicialmente. Todavia, este intento não poderá estar travestido para obtenção de resultados mágicos ou desprovidos das amarras impostas ao tratamento prioritário da saúde per si.” POR LANDOALDO FALCÃO DE SOUSA NETO 50 REVISTA JURÍDICA CONSULEX - ANO XVIII - Nº 430 - 15 DE DEZEMBRO/2014 O ARQUIVO PESSOAL s profissionais de saúde, sobretudo os médicos, fincaram o olhar acerca da recente notícia da tentativa de homicídio do Urologista Anuar Ibrahim Mitre, tendo como possível razão a insatisfação pelos resultados obtidos em um determinado procedimento cirúrgico. O profissional, frise-se, é considerado referência nacional em procedimentos daquele jaez. O autor da tentativa teria sido um paciente que, em primeiro momento, efetuou denúncia junto ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Nesta oportunidade, através de procedimento prévio (sindicância), o CREMESP não encontrou indícios de infringências, procedendo ao arquivamento da denúncia. A classe médica vem sofrendo, contemporaneamente, assédio desnecessário e supérfluo da sociedade, mesmo que pela via indireta, mormente pela contenda junto ao Governo Federal decorrente da efetivação do Programa “Mais Médicos”. Os profissionais contratados, embora exerçam papel histórico social dignificante, experimentaram achaques desmedidos de diversos setores da sociedade. O fator preponderante para o inflame face aos médicos foi a importação de uma querela técnica de esfera generalista para as raias populares, que culminou na disseminação de debate popular atécnico e ensejador de pantomimas, quiçá engodos, em prol de desvirtuar a iminente falência da saúde pública. Entendendo a ligação conducente retro, mas preterindo-a do debate, entrevemos para o relacionamento entre profissional e paciente aspectos relevantes. Temos a ágil evolução das técnicas, como também das complexas relações profissionais e sociais hodiernas, mormente pela ascensão da figura do paciente à roupagem de consumidor. Logo, as exigências de resultado se tornaram patentes. Como é sabido, a Medicina, aliada aos outros setores da saúde, não depende única e exclusivamente do atuar profissional (que haverá de ser valorado), aliás, este se torna irrelevante (em alguns casos) diante da imprevisibilidade da reação biológica de cada indivíduo. A figura de consumidor, mesmo a despeito da exceção da teoria do risco, encravada no § 4º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor (aferição de culpa), impõe um legado sem precedentes. O Código de Ética Médica cuida de afastá-la sob o espeque de que a atividade médica seja inafeita à mercantilização. Todavia, os Tribunais pátrios pacificaram sua plena aplicação aos contratos de prestação de serviços de saúde. O legado reluz em várias perspectivas, todavia, a que acreditamos ser de assaz realce seja a da busca pelo hipotético resultado prometido. O dilema do resultado, ou mesmo, da ausência de efeitos colaterais de procedimentos tangencia as profissões de saúde, notadamente nas áreas de Medicina, Odontologia e Fisioterapia. Dito tema, inclusive, gerou um debate erroneamente encarado acerca de obrigações de meio e resultado. Há de se mencionar, acerca dos efeitos do procedimento do atuar médico, que pode ainda resultar em dano iatrogênico. Este é encarado, comumente, como erro médico, o que, todavia, nem sempre é plausível. Poderá ocorrer o dano iatrogênico como consequência natural da atuação profissional; e, nesta situação, não deverá ser enfrentado como erro ou dano indenizável, quiçá discutível. Por certo, em face de as relações cotidianas de saúde carregarem pecha consumerista, além de um viés de implícito embebedamento comercial, o cidadão cria senso comum de que todos os seus problemas (incrustados de elementos psicológicos e sentimentais) serão serenados pela atuação líquida e certa do profissional de saúde. No cenário atual, por diversas vezes, o paciente se dirige ao médico, mesmo em procedimentos que não carreguem a pecha de “estéticos”, em busca predominantemente do senso de autoestima. O conceito de saúde sofreu uma ressignificação, sendo galgado a estalão popular fundamental. Entrementes, os profissionais não acompanharam a evolução legislativa e da sociedade, porquanto não adotaram rotinas que criem amarras seguras à sua atuação e aos futuros questionamentos, principalmente pela observância do princípio da informação. Com isso, temos que os profissionais de saúde estejam sofrendo assédios pelo resultado de tratamentos realizados, e até mesmo pressões para viabilizar laudos e/ou atestados de afastamento do trabalho. E, ainda, sofram intimidações ao seu mister aliadas à falta de estrutura, tanto de insumos, como de segurança, para um atuar escorreito. Consoante isto, tem-se observado movimento unificado das associações médicas no sentido de proteger seus profissionais através do Departamento de Defesa Profissional, em que são comumente comunicados desde condutas de assédio até agressões. Em virtude disso, chegamos ao ápice inimaginável de medidas de proteção em determinadas agremiações de classe, sendo o maior exemplo o do Sindicato de Médicos do Espírito Santo (SIMES), que propôs a adoção do botão do pânico, a fim de resguardar a segurança do profissional. Iniciativas dessa espécie tendem a se proliferar, ao passo que as denúncias e agressões aos médicos cresçam (o que se verificará). Não se discute, por ora, a disseminação do exercício de cidadania pelo cidadão que busca seus direitos administrativa ou judicialmente. Todavia, este intento não poderá estar travestido para obtenção de resultados mágicos ou desprovidos das amarras impostas ao tratamento prioritário da saúde per si. Eis que a panaceia poderá ser dada por ambos os partícipes. Pelo profissional de saúde, ao adotar rotinas de informação e documentação adequadas, evitando, inclusive, propagandas em desalinho com a ética; e pelo paciente, que deverá buscar se informar do prognóstico e dos efeitos do tratamento, tendo a consciência de que a figura do médico há muito deixou de vestir a prática e carapuça de curandeiro. LANDOALDO FALCÃO DE SOUSA NETO é Advogado do Conselho Regional de Odontologia da Paraíba. Sócio do escritório Falcão de Sousa Advocacia, com atuação especializada no Direito Médico, Odontológico e da Saúde. Membro da Sociedade Brasileira de Bioética. Secretário-Geral da Comissão de Direito Médico-Hospitalar e Planos de Saúde da OAB-PB. REVISTA JURÍDICA CONSULEX - WWW.CONSULEX.COM.BR 51