β 135 mn- metabólica - julho/setembro 2006;8(3) REVISÃO Ácidos graxos n-3: um link entre eicosanóides, inflamação e imunidade N-3 fatty acids: a link between eicosanoids, inflammation and immunity Priscila de Mattos Machado Andrade, Maria das Graças Tavares do Carmo Instituto de Nutrição Josué de Castro, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro Resumo O papel dos ácidos graxos poliinsaturados sobre o sistema imune vem sendo bastante estudado nos últimos anos com o objetivo de elucidar a dinâmica dos eicosanóides derivados do ácido araquidônico na modulação das respostas inflamatórias e na imunidade. Os interesses atuais giram em torno dos ácidos graxos n-3 que podem atuar inibindo a síntese dos mediadores inflamatórios derivados do ácido araquidônico. Apesar do grande número de estudos nessa área, o assunto ainda é controverso. Esta revisão tem como foco abordar o papel dos ácidos graxos poliinsaturados na síntese dos eicosanóides e sua importância na inflamação e imunidade além de revisar questões sobre a suplementação dos ácidos graxos n-3, principalmente o óleo de peixe e sua recomendação dietética. Palavras-chave: ácidos graxos poliinsaturados, eicosanóides, óleo de peixe, inflamação, recomendação. Abstract Interest in the effects of fatty acids upon the immune system has intensified with the elucidation of the roles of eicosanoids derived from araquidonic acid in modulating inflammation and immunity. The latter interest in this field are the long chain n-3 polyunsaturated fatty acids that can inhibited the effect of mediators derived from araquidonic acid. Despite a number of studies, the field remains a controversial one. This review will focus all the importance of polyunsaturated fatty acids in the synthesis of eicosanoids and their importance in inflammation and immunity and will catch a glimpse by the supplementation of fish oil and recommendation. Key-words: polyunsaturated fatty acids, eicosanoids, fish oil, inflammation, recommendation. Recebido 13 de outubro de 2006; aceita 15 de novembro de 2006. Endereço para correspondência: Priscila de Mattos Machado Andrade, Rua Haddock Lobo 578 cj 72, 01414-000 São Paulo SP, E-mail: [email protected] Metabolica_v8n3.indb 135 30/1/2007 16:36:53 136 mn - metabólica - julho/setembro 2006;8(3) Introdução Ácidos graxos poliinsaturados (AGPI) Os ácidos graxos poliinsaturados essenciais compõem uma classe de moléculas que não podem ser geradas pelo organismo, mas que são necessárias ao seu funcionamento. Neste grupo encontram-se os ácidos graxos poliinsaturados com a primeira dupla ligação ocorrendo no terceiro ou no sexto átomo de carbono a partir do carbono metílico terminal, n-3 e n-6, respectivamente. A essencialidade destas famílias para os mamíferos, em geral, se dá uma vez que o organismo animal carece de dessaturases que inserem duplas ligações entre os carbonos 3-4 e 6-7 na porção terminal da molécula de ácido graxo [1]. Os principais representantes da família n-3 são o ácido α-linolênico ou ALA (18:3n-3), o ácido eicosapentaenóico ou EPA (20:5n-3) e o ácido docosahexaenóico ou DHA (22:6n-3) e os principais representantes da família n-6 são o ácido linoléico ou LA (18:2n-6) e o ácido araquidônico ou AA (20:4n-6). As principais fontes de ácidos graxos essenciais (AGE) são as plantas terrestres e aquáticas (marinhas). O ácido linoléico pode ser encontrado em grande abundância nas sementes de plantas oleaginosas, principalmente nos óleos de soja, milho, girassol e nas castanhas [2]. O ácido linolênico tem como principais fontes as plantas e animais marinhos principalmente os fitoplânctos, as algas e os óleos de peixes. Os fitoplânctos, que se constituem na base da cadeia alimentar dos oceanos, sintetizam os ácidos docosapentaenóico (EPA) e docosahexaenóico (DHA), os quais são encontrados em grande concentração nos óleos de peixes e em peixes de águas frias e profundas, principalmente: cavala, sardinha, salmão, truta [3]. Os ácidos graxos essenciais da série n-3 também pode ser encontrado nos óleos vegetais de linhaça e canola [2]. A ingestão recomendada dos ácidos graxos essenciais varia um pouco. De acordo com a FAO [4] é de 3% para o ácido linoléico e de 0,5% a 1,0 % da energia total da dieta para o ácido linolênico. De acordo com as recomendações do Food and Nutrition Board of the National Academies (Institute of Medicine – USA, setembro de 2002) a ingestão de ácidos graxos essenciais deve ser em torno de 10% do total de lipídios na dieta, sendo que este valor vai de 5 a 10% para os ácidos graxos n-6 e de 0,6 a 1-2% para os ácidos graxos n-3. O National Institute of Health em um Workshop realizado em abril de 1999 em Bethesda (Maryland, USA) recomenda que a ingestão ideal de n-3 para adultos sob uma dieta de 2000 kcal, deve ser de 2,22 Metabolica_v8n3.indb 136 g de alfa-linolênico por dia, dos quais 0,65 g devem ser de EPA e DHA (Tabela I) [5]. Os AGPI, eicosapentaenóico (20:5n-3), docosahexaenóico (22:6n-3) e araquidônico (20:4n-6) são sintetizados através dos seus precursores no retículo endoplasmático liso, especialmente no fígado, por sucessivas reações de dessaturações (oxidação com formação de duplas ligações) e alongamentos, ou seja, aumentos da cadeia carbônica com 2 átomos de carbono [6] (Figura 1). Figura 1 - Representação esquemática do metabolismo de ácidos graxos essenciais. O ácido linoléico (n-6) é o precursor do ácido araquidônico, que sofre mais elongações e dessaturações, gerando sucessivamente ácidos graxos 22:4 e 22:5. O ácido graxo n-3 com menor cadeia e menor número de insaturações, o α-linolênico, segue um trajeto semelhante de dessaturações e elongações para gerar ácidos graxos 22:6, além de outros membros da família n-3 [7] (Figura 1). As reações de dessaturações são catalizadas pelas enzimas delta 6 (Δ6), delta 5 (Δ5), e provavelmente, delta 4 (Δ4) dessaturase. Apesar da demonstração das ações das Δ6, Δ5 dessaturases, a importância da Δ4 sobre a síntese dos ácidos graxos, em especial do docosahexaenóico (C22:6n-3), ainda não é bem esclarecida [8]. A Δ6 dessaturase é uma enzima chave regulatória da biossíntese de AGPI. Sua atividade depende não só da competição entre substratos, mas também de um feedback, ou seja, uma regulação mediada por ambos os produtos intermediários e finais remanescentes das séries [6]. A enzima delta 9 (Δ9) dessaturase, presente nos microssomas hepáticos, catalisa a conversão de palmitítico (C16:0) para palmitoléico (C16:1n-7) e esteárico (C18:0) para oléico (C18:1n-9) [9]. As enzimas de dessaturação e alongamento podem agir não só nas séries de ácidos graxos poliinsaturados n-3 e n-6, mas também nos ácidos graxos n-9 e n-7. Além disso, as velocidades de dessaturação 30/1/2007 16:36:53 137 mn- metabólica - julho/setembro 2006;8(3) e alongamento diferem entre as séries, decrescendo na ordem n-3 > n-6 > n-9 > n-7. A Δ6 dessaturase é considerada a etapa limitante desta conversão. Assim, um grande excesso de ácidos graxos de uma série na dieta pode inibir a dessaturação de quantidades menores de um ácido graxo de outra série [10]. Quando o suprimento dietético dos ácidos graxos linoléico (LA) e α-linolênico (ALA) é inadequado, inicia-se um processo de substituição destes pelos ácidos palmitoléico e oléico, que são dessaturados e alongados, para formar ácidos eicosatrienóicos. O aumento de um ácido trienóico, particularmente (C20:3n-9), altera a importante relação trieno:tetraeno, que vem sendo utilizada com marcador de deficiência de ácidos graxos essenciais [11]. O perfil dos AGPI dos tecidos e células é com certeza, o resultado líquido de inter-relações complexas de um grande número de fatores, entre eles: a composição de ácidos graxos na dieta, a taxa de oxidação dos ácidos graxos antes de serem incorporados aos lipídios, às taxas de elongação e dessaturação, as taxas relativas de incorporação em lipídios, a retroconversão dos membros mais insaturados e mais longos das famílias e, competições inter e intrafamílias pelas etapas de elongação e dessaturação [7]. O interesse pelo estudo sobre os ácidos graxos poliinsaturados iniciou-se a partir da década de sessenta, após ser observado a correlação entre a ingestão de ácidos graxos saturados, com a ocorrência de algumas enfermidades, particularmente as cardiovasculares e algumas formas de câncer [12]. Simopoulos [5], em estudo recente, revisa as evidências científicas no que se refere ao balanço da ingestão de ácidos graxos n-3 e n-6 na dieta humana, focando nos aspectos evolutivos das dietas ao longo dos tempos, sendo também revisado, o impacto nas funções biológicas e metabólicas associando às implicações para a saúde quando ocorre um desbalanço desses ácidos graxos na dieta. Após a revolução agrícola, os cereais passaram a contribuir enormemente para a alimentação dos seres humanos e cerca de 90% da ingestão alimentar se dá por espécies do reino vegetal [13]. Aveia, milho e arroz correspondem juntos a cerca de 75% da produção mundial de grãos e as implicações desse alto consumo de grãos para a saúde humana é enorme. Os cereais são boas fontes de carboidratos e de ácidos graxos n-6, mas pobres em ácidos graxos n-3 e antioxidantes. Assim, ocorreu um aumento expressivo no consumo de lipídeos de origem vegetal, principalmente os óleos de milho, girassol e soja, ricos em ácidos graxos poliinsaturados n-6, em substituição aos lipídios ricos em ácidos graxos saturados [14]. Alguns problemas em relação à ingestão proporcional de ácidos graxos n-3 e n-6 começam a surgir a Metabolica_v8n3.indb 137 partir daí, principalmente se levarmos em consideração a preferência do organismo em metabolizar os ácidos graxos n-3. Especula-se que a ingestão ideal seria na proporção de 5 moléculas de ácidos graxos n-6 para 1 molécula de n-3, mas há relatos de que a proporção possa variar desde 3:1 até 10:1 [15,16]. Atualmente, são relatados vários benefícios da ingestão de ácidos graxos poliinsaturados da série n-3, sob a forma de alimentos fontes e até mesmo de óleo de peixe, que passou a ser consumido em maior abundância, estando relacionado com a prevenção e tratamento de enfermidades cardiovasculares [17], com as doenças inflamatórias do trato gastrintestinal [18], com infecções e ultimamente, prevenindo lesões e alterações imunológicas em atletas [18]. As funções biológicas dos AGPI são muitas e, em sua maioria, não estão bem definidas ainda. As funções mais importantes segundo estudos descritos na literatura, parecem ser as seguintes: manter a integridade das células endoteliais [19], prevenindo aterosclerose e alterações cardiovasculares [17]; estimular a liberação de insulina [20]; inibir a vasoconstricção e a agregação plaquetária [21]; participar no desenvolvimento normal da placenta, do crescimento fetal e do desenvolvimento neuronal [22] e participação nas funções imunomoduladoras [23]. Os AGPI também afetam as propriedades físicas das membranas, como fluidez, estabilidade e suscetibilidade ao dano oxidativo, associados ou não a outros fatores dietéticos. A deficiência de AGPI, nos fosfolipídios de membrana, diminui a sua fluidez e, deste modo, pode alterar as funções das enzimas relacionadas às membranas [2]. Recentemente, CLARKE [24] mostrou que os AGPI não são apenas utilizados como fonte energética para o organismo e como componentes estruturais celulares, eles também atuam com importantes mediadores da expressão gênica. AGPI e a síntese dos eicosanóides Muitos estudos evidenciam claramente que a distribuição dos ácidos graxos essenciais (AGE) no plasma é modulada pela ingestão dietética e que manipulações alimentares influenciam diretamente propriedades de regulação importantes dos AGE como as funções de primeiro e segundo mensageiro, formação de eicosanóides, liberação de citocinas, funções de receptores e composição da membrana celular [25-27]. Os eicosanoídes são metabólitos oxigenados dos AGE. A família dos eicosanoídes é composta das prostaglandinas, leucotrienos, prostaciclinas, tromboxanos e derivados dos ácidos graxos hidroxilados. Os substratos para a formação dos eicosanoídes são o ácido dihomo-gamma-linolênico, o ácido araqui- 30/1/2007 16:36:54 138 mn - metabólica - julho/setembro 2006;8(3) dônico e o ácido eicosapentaenóico. Para a síntese destas substâncias, o ácido graxo precursor é clivado dos fosfolipídios de membrana pela ação da fosfolipase A2 ou fosfolipase C, dependendo do subtipo fosfatidil ao qual o AGE está ligado [28]. O ácido graxo resultante da ação da fosfolipase é então metabolizado. Quando a via de metabolização é a da ciclooxigenase, há a formação de endoperóxidos lábeis como os prostanóides: prostaglandinas (PGs), tromboxanos (TXs) e prostaciclinas (PCI). Os prostanóides são substâncias muito potentes mesmo estando em concentrações muito baixas (10-9g/g) e também possuem uma meia-vida muito curta (menor que 1 minuto), sendo degradados rapidamente a metabólitos com fraca ou nenhuma atividade [28]. As prostaglandinas compreendem muitos subtipos, os quais possuem diferentes funções. A prostaglandina E (PGE) tem sido amplamente investigada, em função do seu importante papel como imunomoduladora. Entre os tromboxanos, apenas o tromboxano A (TXA) é ativo, sendo o TXB inativo. Todos aqueles metabólitos formados a partir de ácido araquidônico (o precursor mais importante) recebem um sufixo “2” (PGE2, TXA2, PCI2) e aqueles oriundos do ácido eicosapentaenóico recebem o sufixo “3” (PGE3, TXA3, PCI3). O ácido dihomo-gamma-linolênico origina prostaglandinas do tipo 1, das quais a PGE1 é a mais importante do grupo. Uma outra via de formação de eicosanóides é a via da lipooxigenase, a qual leva a síntese de leucotrienos. Da mesma forma que a formação dos prostanóides, os AGE liberados dos fosfolipídeos pelas fosfolipases, são transformados em leucotrienos (LTs) pela enzima 5-lipoxigenase. Nesta via, há a formação do ácido hidroperoxieicosanóico e do leucotrieno A, os quais sucedem a formação dos demais membros ativos da família dos leucotrienos, a saber, LTB, LTC, LTD e LTE. Os LTs derivados do ácido araquidônico recebem um sufixo “4” e aqueles oriundos do ácido eicosapentanóico recebem o sufixo “5”. Os LTs derivados do ácido dihomo-gamma-linolênico recebem o sufixo “3”, mas há pouca informação disponível sobre sua relevância clínica e bioquímica (Figura 1). Controle e modulação da liberação dos eicosanoídes A liberação dos eicosanoídes é estimulada por várias substâncias como as citocinas, complexos antígeno-anticorpo, fatores de crescimento, radicais livres, colágeno e bradicinina [29]. A disponibilidade de AGE é o mais importante regulador da formação de eicosanoídes, onde eles irão competir pelas vias da ciclooxigenase ou da lipooxigenase [30]. Embora o ácido araquidô- Metabolica_v8n3.indb 138 nico seja preferencialmente metabolizado pela via da ciclooxigenase, os ácidos graxos n-3, especialmente, os eicosapentanóicos, inibem competitivamente a atividade da ciclooxigenase [31,32]. Por exemplo, a ingestão aumentada de óleo de peixe, rico em ácidos graxos n-3 poliinsaturados, resulta na diminuição plasmática de ácido araquidônico [30]. Conseqüentemente, sua disponibilidade e turnover pela ciclooxigenase estão diminuídos, resultando na menor formação de derivados do ácido araquidônico, aumentando a formação de prostanóides derivados do ácido eicosapentaenóico, como a PCI3. A grande importância deste fato se dá, não só pela alteração das concentrações de tais compostos, mas sim pela diferença em suas atividades biológicas. A PGE3 e o TXA3 são menos potentes do que a PGE2 e o TXA2, onde a PCI3 e PCI2 não possuem diferenças importantes em suas ações. A PGE2 e o LTB4 são potentes eicosanoídes próinflamatórios oriundos da metabolização do ácido araquidônico pelas enzimas ciclooxigenase e lipooxigenase, respectivamente. O ácido eicosapentanóico (EPA) é preferencialmente degradado pela via da lipooxigenase, comparado com o ácido araquidônico, levando a maior formação de LT5 e menores níveis de LT4 [33]. O EPA, também com 20 carbonos, compete com o ácido araquidônico levando a menor produção de PGE2 e LTB4. Todos aqueles eicosanoídes oriundos tanto do EPA quanto do dihomo-gamma-linolênico têm efeitos fracos, menos potentes, sobre as células imunes. O DHA não é um substrato para as enzimas ciclooxigenase e lipooxigenase, mas inibe a síntese de eicosanoídes n-6 por atuar inibindo a liberação de ácido araquidônico da membrana. Assim, a redução da produção de eicosanoídes inflamatórios a partir do DHA, EPA e dihomo-gamma-linolênico é a justificativa do seu uso em determinadas patologias inflamatórias onde seus mecanismos de ação seriam similares a de determinadas drogas anti-inflamatórias [21]. Vale acrescentar que há uma regulação por feedback da formação de eicosanoídes. Tem sido demonstrado que a PGE1 inibe a formação de LTB4 [34] e diminui a relação TXA2/PCI2 [35]. Estes exemplos demonstram que alterações no metabolismo dos eicosanoídes pela alteração na disponibilidade dos AGE precursores, permite o organismo desenvolver mecanismos endógenos de controle para regular a liberação dos eicosanoídes. Eicosanóides e resposta imune Os eicosanóides em geral regulam a atividade celular principalmente pela alteração dos níveis de AMPc. Um aumento dos níveis de AMPc usualmente 30/1/2007 16:36:54 139 mn- metabólica - julho/setembro 2006;8(3) levam a uma imunossupressão e um decréscimo das respostas inflamatórias [36]. A prostaglandida E2 é sem dúvida a mais importante. Ela induz um aumento dos níveis de AMPc em leucócitos, linfócitos T e B, além de suprimir respostas inflamatórias e imunes nas células B e T, Natural Killers (NK) e diminuir a apresentação de antígenos em macrófagos peritoneais [28]. Outros efeitos imunossupressores também são atribuídos à PGE2 como o decréscimo das atividades fagocíticas, quimiotáticas, agregação, metabolismo oxidativo e proliferação de leucócitos [37,38]. Watanabe et al. [39] atribui os efeitos imunossupressores da PGE2 à liberação de ACTH. Muitos estudos utilizando bloqueadores da via da ciclooxigenase mostram alterações benéficas dos quadros de imunossupressão. A redução dos níveis de PGE2 estão associados à melhora do quadro de restabelecimento da imunidade celular e decréscimo da susceptibilidade a complicações sépticas [40,41]. Modificação da ativação celular inflamatória pelos ácidos graxos n-3 Os ácidos graxos n-3 têm mostrado influenciar uma série de eventos e mecanismos celulares durante o processo de inflamação, desde a transdução de sinal até a síntese protéica. O EPA e o DHA competem com o LTB4 pelo mesmo receptor [42] e a interação com este receptor influencia a estrutura da proteína G, a qual participa dos mecanismos de transdução de sinal intracelular. Esta proteína se interconverte em formas ligadas ao GTP (ativa) ou ao GDP (inativa). As subunidades da proteína G se dissociam e ativam a fosfolipase C. É por este mecanismo, por exemplo, que o DHA inibe a ativação da fosfolipase C induzida por TNFα [43]. A fosfolipase C participa da cascata de ativação fosfoinosídea para sinalização intracelular. Durante este processo há a liberação de inositoltrifosfato (IP3) e diacilglicerol (DAG), a partir da ação da enzima sobre o fosfolipídeo de membrana. Tanto o IP3 quanto o DAG vão ativar a proteína quinase C, a qual por sua vez tem o papel de fosforilar determinadas proteínas intracelulares. Tanto o EPA quanto o DHA inibem a ativação da proteína quinase C em linfócitos [44]. O ácido araquidônico (AA) derivado da membrana celular durante a transdução de sinal via DAG, ativa o fator nuclear de transcrição NFkB. Este fator migra até o núcleo celular e induz vários genes envolvidos na resposta inflamatória. O EPA derivado do óleo de peixe inibe a ativação do NFkB pelo ácido araquidônico [45]. Assim, a síntese de RNA mensageiros pode ser inibida pelos ácidos graxos n-3 [46]. Metabolica_v8n3.indb 139 AGPI e o papel na transcrição gênica Já foi descrito o papel dos ácidos graxos n-3 na diminuição da produção de citocinas pró-inflamatórias em células mononucleares humanas e na redução da expressão de moléculas de adesão e do complexo de histocompatibilidade principal [23,47]. Os ácidos graxos n-3 também atuam como sinalizadores intracelulares, suprimindo a expressão gênica de genes envolvidos na lipogênese e induzindo a transcrição de genes envolvidos na oxidação lipídica e termogênese [23]. Vale acrescentar que toda a dinâmica corporal do metabolismo de lipídeos também é importante para o organismo e, conseqüentemente, para as células imunes. Os receptores PPAR (do inglês “peroxime proliferator-actived receptors”) são um grupo de receptores nucleares chave, envolvidos na homeostase lipídica [48] e que também já foram identificados no tecido linfóide [49]. O PPAR está envolvido na transcrição dos genes: carnitina palmitoil transferase [50], HMG-CoA sintetase mitocondrial, acil-CoA oxidase peroxisomal [51], proteínas ligadoras de AG (fatty-acid binding proteins) [52] e outras. Os ácidos graxos n-3 são ligantes do PPAR, mas alguns ácidos graxos e seus metabólitos se ligam especificamente a determinadas isoformas deste receptor. Enquanto os AGPI e seus metabólicos podem regular a oxidação de AG e a termogênese via ativação do PPAR, em especial a isoforma α, eles também podem regular alguns genes envolvidos na lipogênese por mecanismos independentes do PPAR. Os AGPI podem regular a expressão de genes como o da glicoquinase hepática, piruvato quinase, piruvato desidrogenase, acil-CoA carboxilase e ácido graxo sintetase por outra família de fatores de transcrição, como as SREBP (do inglês “sterol regulatory binding proteins”) [53]. As SREBP estão ancoradas no retículo endoplasmático e envelope nuclear. Existem duas isoformas do fator de transcrição SREBP: a isoforma SREBP1 e a isoforma SREBP2, envolvida em genes do metabolismo do colesterol. A isoforma SREBP1 é subdividida em SREBP1a (envolvida no metabolismo do colesterol e lipogênese) e a SREBP1c, 90% da forma encontrada in vivo e importante determinante da transcrição de genes da lipogênese [23]. A isoforma SREBP1 quando estimulada libera uma subunidade que é translocada até o núcleo, atuando então, na expressão gênica. Os AGPI incorporados na membrana celular atuariam inibindo a ação da SREBP1 [54]. Existem evidências de que os ácidos graxos n-3 também atuam também inibindo a expressão do gene para a SREBP1 [55]. 30/1/2007 16:36:54 140 mn - metabólica - julho/setembro 2006;8(3) Os AGPI, particularmente os ácidos graxos n3, atuariam otimizando o fornecimento de energia para as células funcionalmente mais importantes do organismo, incluindo as células imunes, favorecendo a oxidação lipídica através da ação do PPAR e desacelerando a expressão de genes envolvidos na lipogênese através da supressão da expressão gênica e da translocação nuclear dos SREBP1 [23]. Em resumo, atuariam coordenadamente estimulando a oxidação e inibindo síntese de lipídeos. O controle destas vias metabólicas pelos AGPI se dá então, através de sua ação ligante de DNA e pela abundância de fatores de transcrição responsáveis pela expressão de genes envolvidos tanto no metabolismo de lipídeos quanto da glicose. Óleo de peixe e a função imune Modelos experimentais evidenciam que animais alimentados com dietas ricas em ácidos graxos n-3 tendem a diminuir a resposta proliferativa de linfócitos, apresentam uma diminuição na atividade das células Natural Killers (NK) e prejuízos na fagocitose [56]. Os efeitos precisos do ácido graxo α-linolênico (18:3 n-3) nas funções de linfócitos dependem muito da concentração e quantidade total de ácidos graxos poliinsaturados da dieta. A adição de óleo de linhaça, cerca de 15 g de ácido α-linolênico, à dieta hipolipídica (29% das calorias diárias) de humanos, resultaram num significativo declínio na resposta proliferativa de linfócitos e um atraso na resposta ao teste de hipersensibilidade cutânea após 6 semanas, apesar dos níveis de anticorpos circulantes não terem sido alterados [57]. Altas doses de ácido α-linolênico tem mostrado suprimir a produção de IL1 e TNF em humanos [58]. Estes efeitos atribuídos ao ácido α-linolênico são ainda um tanto questionáveis, uma vez que o ácido α-linolênico pode ser convertido a outros ácidos graxos como o EPA, e este sim, direcionar a produção de determinadas substâncias levando aos mesmos efeitos sobre o sistema imune. Uma vez que o óleo de peixe dietético tende a diminuir a produção de PGE2, sugere-se que este possa reverter os efeitos desse eicosanóide [21]. Entretanto, esta situação é bem mais complexa, já que a PGE2 não é somente um mediador produzido a partir do ácido araquidônico. A PGE2 possui efeitos variados e muitas vezes apresenta ações opostas. Além do mais, o EPA por si só, já é responsável pela síntese de vários mediadores com múltiplas ações. Assim, todos os efeitos atribuídos ao óleo de peixe não podem apenas se basear naqueles decorrentes da PGE2. A PGE2 tem um grande número de efeitos pró-inflamatórios incluindo a febre, aumento da per- Metabolica_v8n3.indb 140 meabilidade vascular, vasodilatação, aumento da dor e edema. É responsável, em parte, pela supressão da proliferação de linfócitos e pela atividade das células NK, além de atuar inibindo a produção de TNF-α, IL1, IL6, IL2 e IFN-γ [59]. Assim, ela seria anti-inflamatória e imunossupressora. A PGE2 não afeta a produção de citocinas características da resposta T helper 2 (Th2) como a IL4 e a IL10, mas promoveria a produção de IgE pelos linfócitos B [59]. Nesse mesmo contexto, torna-se importante citar a ação do LTB4 que aumentaria a permeabilidade vascular, aumentando o fluxo sanguíneo localmente e atuaria como um potente agente quimiotático para leucócitos, induzindo a liberação de enzimas lisossomais, maior formação de espécies reativas do oxigênio, inibição da proliferação de linfócitos e promoção da atividade natural das células NK. O LTB4 aumentaria a produção do TNF, IL1, IL6, IL2 e IFN-γ. Então, a liberação de ácido araquidônico desencadearia a síntese de mediadores com efeitos opostos, onde o efeito fisiológico final seria governado pela concentração de tais mediadores, o momento de sua produção e sensibilidade das células alvo aos seus efeitos [59]. A complexidade deste tema é enorme, haja visto que os resultados descritos na literatura são muitas vezes controversos. Um grande número de estudos animais indicam que o óleo de peixe, nas mais variadas dosagens administradas, induz um decréscimo em determinados parâmetros imunes. Tem sido relatado que altas doses, mas não baixas, de DHA podem reduzir a atividade das células NK, principalmente em indivíduos mais velhos. A atividade do linfócitos T citotóxicos, a proliferação dos linfócitos e a produção de citocinas, principalmente a IL2 e o IFN-γ também sofrem grande influência das dosagens de ácidos graxos n-3 administradas. Os estudos são ainda inconclusivos em decorrência dos diversos desenhos experimentais empregados. Da mesma forma, o óleo de peixe diminui in vivo a imunidade celular como as respostas ao teste de hipersensibilidade cutânea. Neste mesmo trabalho, Kelley et al. [57] evidencia que a suplementação com 18 g de ácido α-linolênico por dia não influencia as concentrações séricas das imunoglobulinas A (IgA) e G (IgG) e dos fatores de complemento C3 e C4 e nem das concentrações de IgA na saliva. Os efeitos sobre o TNF-α, IL1 e IL6 ainda são obscuros e conflitantes, sendo influenciados pelas doses de EPA e DHA administradas [60]. O óleo de peixe provavelmente não afeta a fagocitose mediada por macrófagos [61]. Os efeitos atribuídos ao óleo de peixe não são apenas correlacionados a PGE2 e existem outros mecanismos de ação os quais não envolveriam a produção de eicosanoídes. Largas doses de óleo de peixe usadas 30/1/2007 16:36:54 141 mn- metabólica - julho/setembro 2006;8(3) em modelos animais, nos quais o EPA e o DHA proveriam mais de 20% do total de ácidos graxos na dieta, sugerem que os ácidos graxos n-3 são antiinflamatórios e imunossupressores [59]. Recentemente, estudos têm evidenciado que baixas concentrações dietéticas de AGPI n-3 (EPA e/ou DHA em torno de 4,4% do total de ácidos graxos ou 1,7% do total energético da dieta) já seriam suficientes para desencadear alguns destes efeitos supressores sobre a imunidade, onde o EPA, mas não o DHA, inibiria a atividade das células NK e ambos, inibiriam a proliferação de linfócitos [62]. A suplementação na dieta de humanos com óleo de peixe varia de 1,2 a 14 g por dia o que já pode evidenciar diferenças entre os resultados descritos pelos pesquisadores. Mas, em geral, os relatos são de que ocorra uma diminuição da resposta proliferativa de linfócitos, redução da quimiotaxia de monócitos e neutrófilos, diminuição da produção de IL1, IL2, IFN-γ, IL6 e TNF, além da diminuição na expressão do complexo de histocompatibilidade principal (MHC) II e de algumas moléculas de adesão em monócitos. Nestas concentrações, o óleo de peixe não parece afetar a fagocitose em células humanas [59]. Já foi descrito por Caughey et al. [58] uma relação inversa entre as concentrações de EPA nos lipídios de células mononucleares e a produção de TNF e IL1. Tendo em vista de que um maior aporte dietético de ácidos graxos n-3 resultaria numa diminuição da concentração de ácido araquidônico na membrana de células envolvidas na inflamação e imunidade, a suplementação com óleo de peixe, resultaria numa diminuição da capacidade das células imunes em sintetizar eicosanoídes a partir do ácido araquidônico. O ácido eicosapentaenóico (EPA; 20:5 n-3) é capaz de ser metabolizado pelas enzimas ciclooxigenase e lipooxigenase, levando a produção de mediadores diferentes daqueles produzidos a partir da metabolização do ácido araquidônico (AA; 20:4 n-6) por estas enzimas. Assim, os eicosanoídes oriundos do EPA são menos potentes biologicamente do que os análogos derivados do AA, embora todas as ações destes compostos ainda estejam em estudo. Geralmente, atribui-se que o efeito antiinflamatório do óleo de peixe se sobressaia em relação ao seu efeito imunossupressor. Todavia, não existem estudos com humanos para determinar a influencia dose-dependente do óleo de peixe nos diversos parâmetros imunes. Conclusão Embora a literatura esteja repleta de estudos inconsistentes, é evidente que os ácidos graxos poliin- Metabolica_v8n3.indb 141 saturados n-3 apresentam grande potencial em afetar a função da maioria das células imunes. A ingestão alimentar deste tipo de ácido graxo desencadeia sua incorporação nas membranas celulares. Considerando que as células imunes estão envolvidas nos processos inflamatórios, esta situação é fundamental para a síntese de mediadores inflamatórios. Os eicosanóides são formados a partir da liberação do ácido graxo dos fosfolípideos da membrana com conseqüente metabolização enzimática pela ciclooxigenase ou lipooxigenase. Dependendo dos ácidos graxos poliinsaturados precursores, haverá formação de mediadores com características antagônicas e com diferentes atividades biológicas. Em quantidades suficientes, tanto o ácido eicosapentaenóico quanto o ácido docosapentaenóico, ácidos graxos da série n-3, são capazes de diminuir a síntese de prostaglandinas da série 2 e leucotrienos da série 4, potentes mediadores pró-inflamatórios. Nesse sentido, o papel dos ácidos graxos n-3 com possível ação antiinflamatória vem sendo investigado. Além disso, os mecanismos pelos quais este efeito é desencadeado tem sido alvo de grande interesse. Pesquisas vêm sendo realizadas a fim de elucidar o efeito dos ácidos graxos na expressão gênica, na composição da membrana celular e nas vias de sinalização. Contudo, em relação à suplementação, os dados são inconsistentes pois há divergências entre as faixas de recomendação desses ácidos graxos para humanos e dos efeitos das doses suplementadas. Assim, mais pesquisas envolvendo o uso e os possíveis benefícios dos ácidos graxos n-3 em toda a dinâmica imune e inflamatória ainda necessitam ser conduzidas. Referências 1. Curi R, Pompéia C, Miyasaka CK, Procópio J. Entendendo as gorduras: os ácidos graxos. São Paulo: Manole; cap 11. 2. Youdim KA, Martin A, Joseph JA. Essential Fatty Acids and the Brain: possible health implications. Int J Devl Neuroscience 2000; 18:383-99. 3. Connor WE. Importance of n-3 fatty acids in health and disease. Am J Clin Nutr; 2000;7(suppl):171-5. 4. 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