A hepatite B é uma das doenças infecciosas mais frequentes em maior parte dos doentes. A seroconversão aumenta com a continu‑ todo o mundo. Mais de 400 milhões de pessoas são portadores cró‑ ação do tratamento.12 Por outro lado, a incidência de resistências à nicos do antigénio de superfície (AgHBs). lamivudina aumenta com a duração do tratamento.1,12,13 A resposta 1,2 Estima­‑se que um terço da população mundial tenha evidência serológica de infecção e que virológica sustentada é de 44%.13 cerca de 1.000.000 pessoas morram anualmente por doença hepática Aproximadamente dois terços dos doentes com AgHBe negativo crónica ou aguda associada ao vírus da hepatite B (VHB). Os porta‑ respondem à lamivudina nos primeiros 6 a 12 meses de tratamen‑ dores do AgHBs têm um maior risco de desenvolver cirrose, de ter to; contudo, o tratamento destes doentes é limitado, pois a maio‑ descompensação hepática e carcinoma hepatocelular.3,4 ria recidiva quando pára o tratamento ou desenvolve resistência à A hepatite B é causa de um aumento de morbilidade e mortalidade. Em Portugal estima­‑se que existam 120.000 portadores crónicos.5 lamivudina. Os tratamentos de longa duração mantêm normais os níveis de ALT e os níveis de ADN VHB indetectáveis, mas a resposta O tratamento da hepatite B é baseado na avaliação de uma com‑ bioquímica e virológica pode alterar­‑se em virtude da emergência binação de diversos factores clínicos, histológicos (biópsia hepáti‑ de resistências. Apenas 40% dos doentes mantêm ALT normais e ca) e bioquímicos, como a alanina aminotransferase (ALT). Para o ADN VHB indetectáveis após tratamentos superiores a 30 meses.12 diagnóstico e decisão do tratamento avaliam­‑se vários marcadores A resposta virológica sustentada é de 65%­‑90%.13 serológicos do VHB: AgHBs, antigénio de replicação viral (AgHBe), Durante o tratamento com a lamivudina pode ocorrer selecção anticorpo para o antigénio HBe (AntiHBe), anticorpo da classe IgM de mutações que ocorrem na região tirosina­‑metionina­‑aspartato­ para o antigénio HBc (AntiHBc IgM), anticorpo da classe IgG para ‑aspartato (YMDD) e têm uma relação directa com a duração do tra‑ o antigénio HBc (AntiHBc IgG), anticorpo para o antigénio HBs (An‑ tamento. O desenvolvimento de mutações limita a utilização deste tiHBs) e ADN VHB (ácido desoxirribonucleico do VHB).6 fármaco.10 Um estudo recente recomenda o início de uma terapêutica O tratamento da hepatite B crónica tem como objectivos a ob‑ tenção de uma resposta viral sustentada da replicação do VHB e a remissão da doença hepática. Pretende­‑se ainda prevenir a cirrose, a falência hepática e o carcinoma hepatocelular.3,7,8 novembro/dezembro 2007 Tratamento da hepatite B combinada com adefovir em doentes com AgHBe negativo assim que desenvolvam resistência genotípica à lamivudina.14 A lamivudina é geralmente bem tolerada, embora possa ocorrer um aumento da ALT. A dose recomendada é de 100 mg/dia.3,6,7 Os parâmetros que permitem confirmar se uma terapêutica foi bem sucedida são a normalização da ALT, a diminuição ou obtenção Adefovir dipivoxil de níveis indetectáveis do ADN VHB, a seroconversão do AgHBe (e O adefovir dipivoxil é um pró­‑fármaco do adefovir, análogo da aparecimento do AntiHBe) e a melhoria histológica do fígado (diminui‑ adenosina, que inibe a transcriptase reversa e a ADN polimerase e é ção da actividade necro­‑inflamatória e progressão da fibrose).2,9 incorporado no ADN VHB, originando a terminação cadeia de ADN.11 Actualmente os fármacos utilizados para tratamento da hepatite Recomenda­‑se a utilização de adefovir em doentes com hepatite B são o peginterferão alfa­‑2a, a lamivudina, o adefovir dipivoxil e o B crónica com AgHBe positivo. O tratamento com adefovir durante entecavir.4 Recentemente foi aprovada pela EMEA a telbivudina. um ano resulta numa diminuição dos níveis de ADN VHB e ALT, numa melhoria histológica e num aumento das taxas de seroconversão.1,12 Interferão Após 144 semanas de tratamento verifica­‑se uma diminuição de Os interferões (INF) têm actividade antiviral, antiproliferativa e AgHBe de 53%, seroconversão de AgHBe de 46%, ADN VHB inde‑ imunomoduladora.10,11 O INF alfa­‑2b é efectivo na inibição da repli‑ tectável em 48% e normalização de ALT em 48% dos doentes.12 A cação viral do HBV e induz a remissão da doença hepática; contudo, resposta virológica sustentada é de 21%.13 a sua eficácia é limitada a alguns doentes.10 Em doentes com AgHBe negativo verifica­‑se uma melhoria his‑ A resposta em doentes com AgHBe negativo tratados com INF alfa­ tológica, uma diminuição do ADN VHB (inferior a 400 cópias/mL) e a ‑2b varia entre 40% a 90%, mas a recidiva é de 30%­‑90%. A resposta normalização da ALT em doentes tratados com adefovir.3 A resposta virológica sustentada varia entre 15% e 25% e parece ter uma maior virológica sustentada é de 51%.13 duração em doentes que fazem tratamentos superiores a um ano. 12 Foram já identificadas mutações no gene da polimerase do VHB Actualmente utiliza­‑se o peginterferão alfa­‑2a, que tem como vantagens que conferem resistência clínica ao adefovir (rtN236T e rtA181V). relativamente ao INF uma maior comodidade de administração e uma Ao fim de um ano de tratamento não foram detectadas mutações melhor resposta relativamente à supressão da replicação viral.7,11 A res‑ resistentes mas ao fim de 2 anos de tratamento a emergência de posta virológica sustentada em doentes tratados com perginterferão mutações era 2%, 11% aos 3 anos, 18% ao fim de 4 anos e 29% ao com AgHBe positivo é de 32% e com AgHBe negativo é 43%.13 fim de 5 anos.3,12,13 Estudos in vitro demonstraram que a mutação A dose recomendada de peginterferão alfa­‑2a é de 180 mcg, admi‑ N236T era susceptível à lamivudina e ao entecavir.3,12 nistrados semanalmente durante 48 semanas. O INF e o peginterferão A dose recomendada de adefovir dipivoxil é de 10 mg por dia. têm alguns efeitos secundários, entre os quais uma síndrome gripal. O adefovir é geralmente bem tolerado mas pode causar insuficiên‑ 7 Lamivudina A lamivudina é um análogo dos nucleosídeos, cuja forma trifosfa‑ tada é incorporada na cadeia de ADN VHB, levando à sua terminação precoce, inibindo assim a replicação viral.10 cia renal.3 Entecavir O entecavir é um análogo do nucleósido guanosina com activi‑ dade contra a VHB polimerase. A lamivudina está indicada no tratamento de doentes com AgHBe Está indicado no tratamento da hepatite B crónica em doentes positivo, ocorrendo em 17% dos doentes seroconversão ao fim de um com AgHBe positivo. Os doentes com AgHBe positivo tratados com ano, assim como uma melhoria histológica.12 Se houver interrupção entecavir comparativamente aos tratados com lamivudina apresen‑ do tratamento antes da seroconversão, poderá reiniciar­‑se a repli‑ tam uma melhoria histológica estatisticamente significativa, assim cação viral, sendo necessária uma terapêutica de longa duração na como uma redução do ADN VHB e normalização da ALT. Não foi ROF ROF 79 80 boletim do cim ­estatisticamente significativa a perda de AgHBe ou a seroconver‑ Estes doentes podem não ser tratados, sendo avaliados regular‑ mente, ou então podem ser tratados com adefovir ou entecavir. Não é são.12 A resposta virológica sustentada é de 72%.13 Os doentes com AgHBe negativo tratados com entecavir apre‑ recomendado o INF por poder induzir descompensação hepática. Em sentam, comparativamente aos tratados com lamivudina, resultados doentes com ADN VHB> 2000UI/mL recomenda­‑se adefovir ou ente‑ estatisticamente significativos relativamente à histologia hepática cavir e também uma possível terapêutica combinada com lamivudina. e à redução de ADN VHB. Não houve diferença quanto à melhoria da fibrose.12 Em doentes com AgHBe negativo, a resposta virológica Em doentes com cirrose descompensada recomenda­‑se uma te‑ rapêutica combinada com adefovir e lamivudina (ou entecavir). A decisão da terapêutica baseia­‑se também nas vantagens e sustentada é de 95%.13 Não foi detectada resistência em doentes não tratados previa‑ desvantagens de cada fármaco. O INF e o peginterferão alfa­‑2a são mente com nucleósidos até às 96 semanas; no entanto, verificou­‑se eficazes, não têm problemas de resistências, a duração do tratamen‑ a existência de resistência ao entecavir em doentes refractários à to com estes fármacos é mais curta e têm uma longa duração da lamivudina com mutações YMDD. resposta (em doentes respondedores). Por outro lado têm um custo Em doentes não tratados previamente com nucleósidos, recomenda­ elevado, provocam vários efeitos secundários e são administrados ‑se uma dose de 0,5 mg uma vez ao dia. Em doentes refractários à por via subcutânea. O adefovir e a lamivudina são administrados por lamivudina, a dose recomendada é de 1 mg uma vez por dia. via oral, a duração do tratamento é prolongada e especialmente a 10 lamivudina apresenta uma elevada taxa de resistência. O entecavir Telbivudina A telbivudina é um análogo nucleósido da timidina sintético é o fármaco oral mais potente. O entecavir e o adefovir têm custos mais elevados que a lamivudina.7,12 com actividade contra a ADN VHB polimerase. A incorporação da Novas alternativas terapêuticas continuam em estudo para tra‑ telbivudina­‑5´­‑trifosfato no ADN viral causa uma terminação da ca‑ tamento da hepatite B crónica: tenofovir, emtricitabina, clevudina, deia de ADN, inibindo assim a replicação do VHB.11,15 peginterferão alfa 2­‑b, valtorcitabina, pradofovir e fármacos inibi‑ Num ensaio clínico de fase III, a telbivudina foi comparada com dores da encapsidação.5,7,16,17 a lamivudina. A redução da carga viral e a percentagem de doen‑ A terapêutica combinada poderá ser uma alternativa mais efectiva tes com ADN VHB indetectável foi estatisticamente significativa em que a monoterapia na supressão da replicação viral e na diminuição doentes com AgHBe positivo e AgHBe negativo. Uma melhoria his‑ de incidência de resistências. No futuro, os novos fármacos e a tera‑ tológica foi também estatisticamente significativa em doentes com pêutica combinada poderão ser importantes para melhorar a eficácia AgHBe positivo.3 do tratamento e diminuir as complicações da hepatite B.1,5,10,11,16 Num estudo comparativo entre a telbivudina e a lamivudina, Mª Inês Ascensão verificou­‑se que 4,2% de doentes desenvolveram resistência à telbi‑ Serv. Farm. Hosp. Pulido Valente vudina em comparação com 21,1% dos doentes tratados com lami‑ vudina. Nos doentes com resistência à telbivudina foi encontrada a mutação M204I. Por haver uma resistência cruzada com a resistên‑ cia à lamivudina, a telbivudina não deve ser utilizada em doentes resistentes à lamivudina.3,15 A dose diária recomendada é de 600 mg uma vez por dia.11 Bibliografia 1. Lai C. et al. Viral hepatitis B. The Lancet, 2003; 362: 2089­‑94. 2. DiPiro JT. et al. e�������������������������������������������������� ds. ���������������������������������������������� Pharmacotherapy: A Pathophysiologic Approach. 6thed. New York, McGraw­‑Hill, 2005. 3. Lok A, McMahon B. Chronic Hepatitis B Practice Guidelines, Ameri‑ can Association for the Study of Liver Diseases (AASLD). Hepatolo‑ Estratégias de tratamento Existem várias recomendações para tratamento da hepatite B. Muitos gastroenterologistas utilizam como referência o algoritmo ame‑ ricano actualizado em Agosto de 2006 que apresenta as diferentes alternativas de tratamento da hepatite B segundo os níveis de ALT, a presença de AgHBe e os valores de carga viral dos doentes:12 • Tratamento de doentes com AgHBe positivo e com ADN VHB superior a 20.000 UI/mL. Em doentes com ALT normais recomendam­‑se adefovir, entecavir ou peginterferão alfa­‑2a (dependendo do genótipo do vírus). Em doentes com ALT elevadas recomenda­‑se adefovir, entecavir ou peginterferão alfa­‑2a mas, se os valores de ADN VHB forem ele‑ vados, o adefovir ou entecavir são preferíveis ao peginterferão. A lamivudina não é recomendada como terapêutica de primeira linha em doentes com AgHBe positivo. • Tratamento de doentes com AgHBe negativo e com ADN VHB superior a 20.000 UI/mL. Se estes doentes forem tratados, propõe­‑se adefovir, entecavir ou peginterferão alfa­‑2a. Em doentes com ALT elevadas recomenda­‑se como tratamento de primeira linha o adefovir, entecavir ou peginterferão alfa­‑2a. É importante fazer um tratamento prolongado com os fármacos orais. Nestes doentes a lamivudina também não é recomendada como te‑ rapêutica de primeira linha. • Tratamento de doentes com cirrose compensada AgHBe positivo ou AgHBe negativo e com ADN do HBV < 2000 UI/mL. ROF 80 gy, 2007; 45: 507­‑39. 4. Lok A. The maze of treatments for hepatitis B. N Engl J Med, 2005; 352: 2743­‑46. 5. Marinho C, Agostinho C. Hepatite B. In: Cotter J. editors. Hepatites ví‑ ricas, 2003. Portugal: Schering­‑Plough Farma; p. 53­‑98. 6. Valla D. et al. EASL International Consensus Conference on Hepatitis B. J Hepatol, 2003; 38: 533­‑540. 7. Marcellin P. et al. Treatment of chronic hepatitis B. J Viral Hepat, 2005; 12: 333­‑345. 8. Anon. Treatment of hepatitis B. Who, when and how? Arch Intern Med, 2006; 166: 9­‑12. 9. Lin K, Kirchner J. Hepatite B. Am Fam Physician (Ed. Port.), 2005; 2(4): 215­‑24. 10. Perow DB, Jacobson IM. Retardar ��������������������������������������������� a progressão da hepatite B crónica. Postgrad Med (Ed. Port.) 2004; 22(3): 23­‑33. 11. Asmuth D. et al. Treatment for hepatitis B. Clin Infect Dis, 2004; 39: 1353­‑62. 12. Keeffe EB. et al. A treatment algorithm for the management of chro‑ nic hepatitis B virus infection in the United States: an update. Clin Gastroenterol Hepatol, 2006; 4: 936­‑962. 13. Osborn M, Lok A. Antiviral options for the treatment of chronic hepa‑ titis B. J Antimicrob Chemother, 2006; 57: 1030­‑34. 14. Lampertico P. et al. Adefovir rapidly suppresses hepatitis B in HBeAg­ ‑negative patients developing genotipypic resistance to lamivudine. Hepatology, 2005; 42: 1414­‑1419. 15. Kim J. et al. Telbivudine: a novel nucleosid analog for chronic hepati‑ tis B. Ann Pharmacother, 2006; 40: 472­‑8. 16. Dienstag JL. Looking to the future: new agents for chronic hepatitis B. Am J Gastroenterol 2006; 101: S19­‑25. 17. Craxì A, Yurdaydin C. From viral pathobiology to the treatment of he‑ patitis B virus infection EASL Monothematic Conference. J Hepatol, 2006; 44: 1186­‑1195.