ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA DO SER: Reflexões sobre os

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ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA DO SER: Reflexões sobre os pensamentos de
Sócrates e Heidegger
Luiz Fernando Bandeira de Melo*
Gilzane Silva Naves**
Resumo
Este artigo visa apresentar um estudo comparativo entre pensamentos de Sócrates e Heidegger
a respeito do ser, para tanto serão destacados seus conceitos nos diálogos platônicos O
Primeiro Alcebíades e Fedon e na obra Ser e Tempo. Estão consideradas observações de
Benedito Nunes no texto Heidegger & Ser e Tempo, e de Rubens Garcia Nunes Sobrinho em
Platão e a imortalidade: mito e argumentação no Fédon. Nas análises comparativas sobre o
ser foi considerado Antonio Gomes Penna quanto à antropologia filosófica, que relata Kant
distinguindo como fisiológica e pragmática a antropologia. Foi utilizado ainda os comentários
feitos por Rodolfo Mondolfo em Sócrates e Thomas Ransom Giles em História do
Existencialismo e da Fenomenologia. Enfim, este trabalho apresenta as concordâncias e
discordâncias conceituais e filosóficas, das reflexões de Sócrates e Heidegger sobre o ser, que
estão separadas cronológica e contextualmente por mais de dois mil anos.
Palavras-Chave: Ser. Homem. Ontologia.
Introdução
A leitura da realidade varia quase sempre de acordo com o olhar do observador e neste
trabalho será mostrado como Sócrates e Heidegger observam e refletem sobre o ser. A
filosofia tem no ente sua principal fonte de reflexão desde Parmênides que buscava o sentido
do ser no mundo. Esse pensamento é transformado em busca do conhecimento da verdade
sobre o ser em Sócrates que de forma racional mostra um ser para a eternidade ao compará-lo
com a alma. Lendo Heidegger observa-se que ele não critica nem Parmênides nem Sócrates
por essa antecipação da sua definição de ser (de maneira hermenêutica e subjetiva da
fenomenologia do próprio ser no mundo).
O sentido do ser a partir de uma reflexão analítica é um caminho para encontrar a
verdadeira ontologia do ser segundo o pensamento de Heidegger e em Sócrates encontra-se o
ser racional que se confunde com o corpo e compõe junto a esse corpo o homem representado
pela sua alma. Nesse ambiente reflexivo do significado do ser apresentado especificamente na
obra Ser e Tempo de Heidegger e O Primeiro Alcebíades, diálogo platônico atribuído a
Sócrates é que desenvolvemos este trabalho com o objetivo de apresentar o que existe de
*Graduando do Curso de Bacharelado em Filosofia na Faculdade Católica de Uberlândia. Email:[email protected].
**Professor Ms do Departamento de Filosofia da Faculdade Católica de Uberlândia
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proximidade ou não entre os pensamentos dos dois filósofos. Torna-se relevante destacar a
importância que ambos representam para a filosofia: tanto Sócrates como precursor da
modificação do pensamento filosófico antes direcionado à natureza e após suas indagações,
preocupado em ter no homem o principal motivo das reflexões filosóficas; quanto em
Heidegger que traz um novo modo de ver o ser, e de acordo com o próprio filósofo,
verdadeiramente ontológico diferenciando a forma de significá-lo como até então era feito,
que para ele era uma análise puramente ôntica.
Contextualizações
Sócrates – Pouco é conhecido sobre a vida deste filósofo, cujo nascimento ocorreu
provavelmente no ano 470 a.C. ou 469 a.C, – tendo como pais o escultor Sofronisco e mãe a
parteira Fenareta – no final da guerra entre gregos e persas, segundo Victor Civita no volume I
de História das Grandes Ideias do Mundo Ocidental da coleção Os Pensadores (1972, p.35).
Participou de campanhas militares em defesa de sua cidade natal Atenas, como na guerra do
Peloponeso (432 a.C) e em Delos (424 a.C.). Tendo como principais fontes de reconstituição
da vida e do pensamento de Sócrates os depoimentos em livros de seus contemporâneos e
discípulos – Xenofonte, Aristófanes e Platão – encontram-se certo seu compromisso com a
busca da verdade após uma informação recebida de seu amigo de infância Querefonte que ao
consultar um oráculo em Delfos, lhe foi dito que Sócrates era o homem mais sábio. Nessa
busca Sócrates modificou o pensamento filosófico tradicional (jônico) do início do século VI
a.C., que procurava numa filosofia da natureza – physis, os princípios ou origens (arché) do
mundo em seus próprios elementos como a água (Tales de Mileto), o fogo (Heráclito de
Éfeso), o ar (Anaxímenes de Mileto), o apeíron (Anaximandro de Mileto), os números
(Pitágoras de Samos), etc., para desenvolver um pensamento voltado para os problemas do
homem, para o ser como Parmênides de Eléia. Morreu em 399 a.C., condenado por um júri
popular a beber veneno (cicuta), sob a acusação de corromper os jovens, ser ateu e disseminar
novos deuses entre os gregos. Na história da filosofia os pensadores da antiguidade (até o
século V a.C.) são classificados como pré-socráticos devido a importância dessas
modificações nas reflexões filosóficas introduzidas por Sócrates.
Heidegger – De acordo com informações de Victor Civita contidas no volume IV de
História das Grandes Ideias do Mundo Ocidental (1972, p.898), da coleção Os Pensadores,
Heidegger nasceu em Messkirch na Alemanha, em setembro de 1889 e teve sua formação
filosófica adquirida na Universidade de Freiburg-im-Breisgau, sendo parceiro de aulas de
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Edmond Husserl – criador do método filosófico conhecido como fenomenologia com o qual
se familiarizou de forma a influenciar seus pensamentos. Após ter assumido uma das cadeiras
de filosofia da Universidade de Marburg “começou a projetar-se entre os especialistas, da
filosofia através de interpretações muito pessoais dos pensadores pré-socráticos, em especial
sobre o logos de Heráclito de Éfeso e o eu de Parmênides de Eléia” (CIVITA, vol.IV, 1972,
p.898). Esses estudos deram consequencia à publicação de sua principal obra em 1927, Ser e
Tempo, que mesmo inacabada, tornou-se a mais importante representação de um pensamento
existencialista, apesar do contragosto do próprio autor. Posteriormente com a ascensão de
Hitler ao poder alemão, Heidegger aliou-se ao partido do chanceler, sendo elevado ao cargo
de reitor da Universidade de Freiburg, dando boas vindas ao nazismo no seu discurso de
posse. Publicou mais de quinze obras, falecendo depois de sua aposentadoria em Friburgo em
maio de 1976.
Reflexões sobre o SER em Sócrates
O pensamento filosófico da Grécia no período socrático estava direcionado a resolver os
problemas da natureza (physis), havendo contradições dos naturalistas a respeito do princípio
(arché) das coisas e na definição do ser, havendo propostas que de certa forma apresentavam
problemas insolúveis como “o ser é uno, o ser é múltiplo; nada se move, tudo se move; nada
se gera nem se destrói, tudo se gera e se destrói” (REALE, vol.I, 1990, p.87). Com um foco
distinto de busca, Sócrates deixa de procurar a realidade das coisas e define como principal
objetivo de sua procura a realidade última do homem. Considerando os sofistas que eram tidos
como sábios pela própria definição da palavra, Sócrates se torna um pensador diferente como
esclarece Marilena Chaui:
O sofista é um professor de técnicas, de política, de virtude e de sabedoria, portanto
alguém que julga possuir conhecimentos e ser capaz de transmiti-los. (...)
Diferentemente dos sofistas, Sócrates não se apresenta como professor. Pergunta,
não responde. Indaga, não ensina. Não faz preleções, mas introduz o diálogo como
forma de busca da verdade (CHAUI, 1994, p.188).
Por conta dessa maneira de refletir inovadora para a época do pensamento grego, a
história da filosofia tem em Sócrates uma das figuras mais notáveis principalmente pela
influência que exerceu no pensamento de filósofos por diversas gerações, iniciando em Platão,
passando pelos medievais com Agostinho e outros, além de pensadores modernos e
contemporâneos. Sua linha de pensamento “abriu caminho para a chamada filosofia do
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conceito e, portanto, para a lógica clássica, na medida em que incita à busca persistente de
uma definição satisfatória de cada noção” (LOGOS, vol.4, 1992, p.1218).
Na busca de significados para entender o ser antes de Sócrates, encontra-se o princípio
da não-contradição de Parmênides, apresentado por Giovanni Reale como uma coincidência
do pensar e do ser (vol.I, 1990, p.51), através de parte de um poema de Parmênides: “Pensar e
ser é o mesmo. Pensar é o mesmo e isso em função do que o pensamento existe. Porque sem o
ser, no qual é expresso, não encontrarás o pensar: com efeito, fora do ser nada mais ele é ou
será”. Reale mostra também o niilismo do sofista Górgia, contemporâneo a Sócrates, que
entende que: o ser não existe por conta das controvérsias sobre sua existência analisadas pelos
pensadores naturalistas; se o ser existir ele não é cognoscível, pois como Parmênides afirmou
que o pensamento é sempre o ser, existem pensamentos que não existem na realidade, logo o
ser também pode não ser real; e finalmente se o ser for pensável ele é inexprimível uma vez
que a palavra não pode exprimir o que vê assim como a vista não conhece o som e o ouvido
não ouve a cor (REALE, vol.I, 1990, p.78).
Ao procurar identificar a virtude que o homem usa para se relacionar e ter sua
experiência de vida, que pudesse compor a compreensão do ser, Sócrates tem no exercício
constante de sua filosofia uma ligação com as interpretações dos mitos descritos por Hesíodo
e Homero, assim como as fábulas de Esopo, mas não os toma nas suas formas alegóricas, pois
poderiam desconceitualizar suas definições práticas obtidas nos diálogos descritos por Platão,
conforme Rubens Garcia afirma:
A rejeição à interpretação alegórica dos mitos torna-se ainda mais explícita no
Fedro, quando Sócrates afirma que toda interpretação mítica se veria envolto na
tarefa, infindável, de decifrar o significado de uma enorme gama de figuras míticas:
tal prática constituiria uma ‘sabedoria rústica’ para a qual não dispunha de tempo.
Não eram os mitos o objeto de eleição da sua investigação, mas, em vez disso, o
que ele investigava era, tão-somente, a si mesmo – Fedro 229d – 230a (NUNES
SOBRINHO, 2007, p.74).
Esse conhecimento de si mesmo está discutido de forma intensa no diálogo O
Primeiro Alcebíades considerado por Edson Bini como o mais socrático dos escritos por
Platão. Bini afirma ao comentar as obras de Platão que nesse diálogo, Sócrates usa seu método
de perguntas e respostas conhecido filosoficamente como maiêutica, para fundamentar sua
doutrina de autoconhecimento na resposta ao problema gnosiológico: “nenhum conhecimento
é possível sem o conhecimento de si mesmo, e o conhecimento de eu possibilita e instaura o
conhecimento do não-eu, o mundo” (PLATÃO, EDIPRO, 2007, p.24). Ao interrogar
Alcebíades Sócrates (PLATÃO, EDUFPA, 2007) mostra que o homem conhece a si quando
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pode cuidar de si mesmo (129 a11 e a12), mas conhecer o que o homem é, é necessário que
ele conheça a essência íntima do seu ser (129 b 1 a 3). Na continuidade da busca de Sócrates
para entender o que é o homem fica definido com a utilização do elenchos na conversação,
que o homem é distinto de seu corpo (129 e6 e e7), mas fica explícito que a alma comanda o
corpo (130 a1 a a4), tendo como definição a afirmação de Sócrates sobre o corpo do homem e
sua alma: “uma vez que o homem não é nem o corpo, nem o conjunto dos dois, só resta, quero
crer, ou aceitar que o homem é nada, ou, no caso de ser alguma coisa, terá de ser forçosamente
alma” (130 c1 a c4). Em sequência a essa afirmação Sócrates demonstra
Que primeiro precisaremos procurar saber o que seja o ser em si. Mas em vez do ser
em si mesmo, procurar a natureza de cada ser em particular, o que talvez seja o
bastante, pois decerto é a alma a parte mais importante de nós mesmos (130 d4 a
d8).
Para compreender o que Sócrates quer dizer como “alma a parte mais importante do
corpo”, é necessário observar que esse corpo é um ser vivente e segundo Brisson, o ser vivo
para Sócrates “é um corpo composto cuja alma é capaz de realizar certas funções – motoras,
desejantes e inteligentes” (BRISSON, 2010, P.76). Assim o ser socrático confunde-se com a
alma que anima o corpo ao qual está ligada, governando-o. Nesse dualismo não existe
separação de funções entre a alma e o corpo, sendo a alma responsável pela possibilidade de
animação do corpo que ela dá a vida, conservando-o e conservando-o. Encontra-se no diálogo
Fedro escrito por Platão antes da morte de Sócrates (segundo Edson Bini), uma
conceitualização da alma que se faz necessária destacar para esclarecer o pensamento de
Sócrates sobre o ser e a alma:
Toda alma é imortal, pois aquilo que se mantém sempre em movimento é imortal;
aquilo, entretanto, que move alguma coisa mais ou é movido por alguma coisa mais,
quando cessa seu movimento, deixa de viver. Assim, é somente aquilo que move a
si mesmo que nunca cessa de mover-se, constituindo também a fonte e princípio de
movimento para todas as demais coisas que se movem. Mas o princípio não é
gerado, porque tudo que é gerado é necessariamente gerado a partir de um princípio,
e o princípio não é gerado a partir de coisa alguma, pois se fosse não seria gerado a
partir de um princípio. E uma vez que é não gerado, tem necessariamente que ser
também indestrutível, já que se o princípio fosse destruído, jamais poderia ser
gerado a partir de qualquer coisa nem qualquer coisa que lhe é distinta a partir dele,
posto que todas as coisas têm que ser geradas com base num princípio. Por
conseguinte, o automotor (aquilo que move a si mesmo) é necessariamente o
princípio do movimento, não sendo ele nem destruído nem gerado, caso contrário
todo o céu e toda a geração necessariamente se abateriam e se deteriam, e jamais
teriam novamente uma causa para retomar o movimento. Mas desde que
constatamos que aquilo que se move por si mesmo é imortal, aquele que afirmar
que esse automovimento é a essência e o fundamento da alma não incorrerá em
ignomínia. De fato, todo corpo que recebe movimento de uma fonte externa não
possui alma, enquanto o que tem seu movimento dentro de si possui alma, uma vez
ser essa a natureza da alma. Entretanto, na hipótese de ser isso verdadeiro, a saber,
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que aquilo que move a si mesmo (o automotor) nada é senão a alma, seria
necessariamente de se inferir que a alma é não gerada e imortal. (245 c6 a 246 a3)
Portanto neste diálogo platônico, observamos com clareza o entendimento do ser dado
por Sócrates, que é o ser vivo composto de alma e corpo.
Reflexões sobre o SER em Heidegger
Com a influência de Husserl, a filosofia existencialista tem como principal expoente
Martin Heidegger (REALE, vol.III, 1990, p.581) e isso é justificado quando, na mais
importante das suas obras Ser e Tempo, ele afirma que “a elaboração do problema sobre o ser
significa o tornar-se transparente de um ente, o que busca colocando-se no seu ser” e isto
consiste segundo Reale (no mesmo volume de sua obra), a analítica existencial (1990, p.583).
Dessa forma Heidegger define o homem numa permanente proposta de investigação sobre o
sentido do ser. Para o autor, até agora o ser não foi estudado filosoficamente no seu
verdadeiro sentido ontológico – metafísico – só houve reflexões a respeito do ser ôntico –
científico – sem sentido, não sendo para Heidegger esse ser ôntico um ser original. De acordo
com Ernildo Stein no capítulo “A Fenomenologia Hermenêutica” de sua obra Compreensão e
Finitude, Heidegger aponta um duplo elemento que impediu essa compreensão: ‘primeiro, de
modo geral, a omissão do problema do ser e, correlativamente, a falta de uma ontologia
temática do ser-aí, ou na linguagem kantiana, a falta de uma analítica ontológica prévia da
subjetividade do sujeito” (2001, p185).
O real sentido do ser ficou esquecido ao longo da tradição filosófica, ou seja, o espanto
ou admiração da procura pelo verdadeiro ser perdeu sua importância. Foi analisando
Aristóteles que Heidegger se questionou e questionou o pensamento filosófico sobre o
significado do ser preocupando-se com a diferença entre ser e ente, colocando clara a
diferença entre ciência e filosofia de acordo com as observações de Antonio Gomes Penna:
“Na verdade, a filosofia toma como objeto de estudo o ente em seu conjunto, enquanto a
ciência persegue em suas pesquisas os domínios particulares do ente individualizado”
(PENNA, 2004, p.91). De acordo com Heidegger, o ser precisa ser desvelado em seu sentido,
e não apenas compreendido – como foi feito até então – o que não é a mesma coisa que dar
sentido, pois dar sentido ao ser é o que não estava sendo feito pelos filósofos até então,
conforme afirma: “A compreensão de ser vaga e mediana pode também estar impregnada de
teorias tradicionais e opiniões sobre o ser, de modo que tais teorias constituam, secretamente,
fontes da compreensão dominante” (HEIDEGGER, 2009, p.41).
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A interrogação sobre o sentido do ser é feita por Heidegger de forma análoga às
questões que a tradição filosófica grega buscava, colocando o homem como centro da própria
reflexão, de forma que o filósofo alemão usa o método fenomenológico nas suas análises
ontológicas fundamentais para descobrir a estrutura ontológica do ser. Na busca do sentido do
ser Heidegger esclarece que este ser que procura seu próprio significado, questionando o
modo de ser do ente, é designado “com o temo dasein, esse ente que cada um de nós mesmos
sempre é e que, entre outras coisas, possui em seu ser a possibilidade de questionar”
(HEIDEGGER, 2009, p.42). Dasein é o termo usado por Heidegger para definir o ser
ontológico verdadeiro, que segundo a maioria das traduções é entendido como presença e tem
a interpretação de um ser-no-mundo – ser-aí – um ser-para-a-morte, pois nela existe o sentido
ou consciência para a vida. Dessa forma o autor busca a universalidade do sentido do ser
através de seu significado.
O sentido do ser está nele mesmo e não fora dele. O dasein tem um sentido próprio,
autônomo e independente, sentido esse que a ciência não consegue conceituar por não
conhecer ser verdadeiro sentido, uma vez que seus conceitos apenas o significam o ente e para
Heidegger o ser não é idêntico ao ente. Dasein é um ente privilegiado que só o homem tem e
cujo sentido só existe nele mesmo e dessa forma se torna vazio e indefinido, mas
universalizado em seu próprio sentido e que pode conhecer o ser de todas as coisas, portanto,
o ser é do ente no homem, é o ser do homem, é o dasein, um ser entendido pelo autor como:
um ser-com; uma possibilidade de existência; um estar no mundo. O dasein possui uma
condição essencial que só se dá na existência do homem e é ele (o homem) que encontra seu
próprio ser e o ser dos outros seres. É através dele que o homem tem sentido, e conforme o
autor, o dasein é o metafísico do homem.
O ser estudado pelos filósofos está definido no campo ôntico e o ser em Heidegger –
dasein – é ontológico, na verdade pré-ontológico. A ontologia tradicional trata o ser como
existente, como ele é, e para o autor essa forma de pensar o ser é ôntica e não ontológica, pois
ele diz de acordo com Celestino Pires que “a metafísica tradicional ter-se-ia fixado nos entes e
nunca se teria interrogado pelo ser dos entes” (LOGOS, vol.2, 1992, p.1058) o para ele o ser é
presença, o ser está existente no ser do ente, ou seja, está sendo na temporalidade do mundo
entre o nascimento e a morte do homem, uma vez que o mundo existe independente do ser
que está nele. E dessa maneira o dasein permite que o homem conheça sua condição de
finitude, possibilitando o verdadeiro sentido da existência. Esse ser-com-o-mundo é uma das
condições do dasein que é o ser-no-mundo definindo a existência do homem como resultado
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do seu passado em constante projeto de possibilidades para um futuro que se realizará de
acordo com suas ações presentes.
O dasein interpretado como o ser-aí por Giles é manifestadamente um ente relacionado
com seu próprio ser que com seu ente se relaciona nesse ser-aí, e como tal faz parte da
totalidade do ser, portanto “a compreensão do ser caracteriza a existência humana como modo
de ser que lhe é próprio. Determina não a essência e, sim, a própria existência do ser-aí”
(GILES, 1989, p.99), e por ser um ser-no-mundo ele não é somente uma coisa definida nesse
mundo, uma vez que ele não é uma coisa, mas uma relação com o ambiente do mundo, melhor
esclarecendo, um ser-com-o-mundo.
Esse ser-no-mundo apresenta infinitas possibilidades de existir no mundo de acordo com
sua escolha, essas possibilidades identificam o poder ser do dasein, destacando-se que entre
todas tais possibilidades uma é diferente de todas e da qual o ser não escapa: a morte. Com
essa concepção o ser do ente é em Heidegger um ser-para-a-morte limitado desde seu
nascimento, mas que durante essa existência sua consciência procura ininterruptamente o seu
sentido conforme esclarece Reale:
A análise existencial revela que a existência anônima é um poder ser constitutivo do
homem. E, segundo Heidegger, o que se encontra na base desse poder ser é a
dejeção, ou seja, a queda do homem no plano das coisas do mundo. Entretanto,
existe a voz da consciência, que chama à existência, quando então nos colocamos
não mais no plano ‘ôntico’ ou ‘existentivo’, e sim no plano ‘ontológico’ ou
‘existencial’, procurando o sentido do ser dos entes, isto é, o sentido do seu existir.
A voz da consciência pega o homem envolvido pelos cuidados e o repõe diante de si
mesmo, remetendo-o à questão do que ele é no mais profundo do seu ser e que não
pode ocultar. (REALE, vol.III, 1990, p.586).
Considerações comparativas
Analisando as reflexões sobre o ser que Sócrates e Heidegger legaram à filosofia,
convém na perspectiva ôntico/ontológica, ler duas afirmações: uma de Benedito Nunes
esclarecendo que:
”As duas seções publicadas da primeira parte de Ser e Tempo já compõem o perfil
de uma ontologia fundamental, estudando, numa analítica, com base no método
fenomenológico de Husserl, o homem do ponto de vista de seu ser, como Dasein”
(NUNES, 2002, p.8);
a outra de Rodolfo Mondolfo quando observa que:
“A essência, o universal, quer dizer, o que há de comum nas particularidades,
representa a unidade da espécie: por isso, afirma-se vigorosamente em Sócrates a
exigência de unidade no conhecimento verdadeiro” (MONDOLFO, 1963, p.63)
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A partir desses esclarecimentos, é necessário buscar nos conceitos de ôntico, ontológico
e metafísico, fundamentos para posicionar alguma comparação das reflexões socráticas e
heideggerianas. Para a compreensão desses conceitos Abbagnano distingue o ôntico do
ontológico afirmando que o ôntico difere em natureza ou essência do ser categorial, ou seja:
“a propriedade empírica de um objeto é uma propriedade ôntica; a possibilidade ou a
necessidade é uma propriedade ontológica” (ABBAGNANO, 2007, p.848). Tal distinção é
ressaltada por Heidegger que, ainda segundo Abbagnano, equipara ontologia à metafísica em
sua Introduzione a ‘Che cos´è metafísica?’ (Introdução à O que é Metafísica?), quando disse:
“O pensamento que pensa na verdade do ser em termos de retorno ao fundamento da
metafísica já abandonou desde o primeiro passo o âmbito de qualquer ontologia”
(ABBAGNANO, 2007, p.848).
Apesar da busca de uma universalidade exposta nas reflexões e afirmações dos filósofos
aqui comparados, observamos que os conceitos declarados por Sócrates do ser como alma nos
diálogos platônicos, estão eminentemente envolvidos por significados ônticos, distintos,
portanto, dos que Heidegger divulga no Ser e Tempo que está necessariamente ligado à
concepção ontológica do ser. Consideramos ainda que, mesmo essa diferença cognitiva dos
pensamentos socráticos e heideggerianos, ambos têm em comum partiram de um não
conhecimento para obter uma definição e proporcionaram importantes inovações no
movimento filosófico após a divulgação de suas teses sobre o ser.
Referências
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. São Paulo:
Martins Fontes, 2007.
BRISSON, Luc, e PRADEAU, Jean-François. Vocabulário de Platão. São Paulo: Martins
Fontes, 2010.
CHAUI, Marilena. Introdução à História da Filosofia. Vol.I – Dos pré-socráticos a
Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
CIVITA, Victor. História das Grandes Ideias do Mundo Ocidental. São Paulo: Abril
Cultural, 1972, p.26 a 44. (Coleção Os Pensadores, volume I).
CIVITA, Victor. História das Grandes Ideias do Mundo Ocidental. São Paulo: Abril
Cultural, 1972, p.897 a 904. (Coleção Os Pensadores, volume IV).
GILES, Thomas Ransom. História do Existencialismo e da Fenomenologia. São Paulo:
EPU, 1989.
10
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Tradução revisada de Márcia Sá Cavalcante Schuback.
Petrópolis: São Francisco e Vozes, 2009.
MONDOLFO, Rodolfo. Sócrates. Tradução de Lycurgo Gomes da Motta. São Paulo: Mestre
Jou, 1963.
NUNES, Benedito. Heidegger & Ser e Tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
NUNES SOBRINHO, Rubens Garcia. Platão e a imortalidade: mito e argumentação no
Fédon. Uberlândia: EDUFU, 2007.
PENNA, Antonio Gomes. Introdução à Antropologia Filosófica. Rio de Janeiro: IMAGO,
2004.
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EDIPRO, 2007. (Volume III).
PLATÃO. Diálogos – O Primeiro Alcebíades. Tradução de Carlos Alberto Nunes e
coordenação de Benedito Nunes. Belém: EDUFPA, 2007.
REALE, Giovanni e ANTISERI, Dario. História da Filosofia – Antiguidade e Idade
Média.. São Paulo/SP: PAULUS, 1990. (Volume I).
REALE, Giovanni e ANTISERI, Dario. História da Filosofia – Antiguidade e Idade Média.
São Paulo/SP: PAULUS, 1990. (Volume III).
SOCIEDADE Científica da Universidade Católica Portuguesa. LOGOS – Enciclopédia
Luso-Brasileira de Filosofia. Lisboa: VERBO, 1992. (Volume 2).
SOCIEDADE Científica da Universidade Católica Portuguesa. LOGOS – Enciclopédia
Luso-Brasileira de Filosofia. Lisboa: VERBO, 1992. (Volume 4).
STEIN, Ernildo. Compreensão e Finitude. Ijui: UNIJUI, 2001, P.184 a 199.
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