filosofia da morte

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FILOSOFIA DA MORTE
Gilmar Zampieri
Não se assuste, o título é apenas um título. Não vou fazer apologia da morte, se
bem que houvesse razões para fazê-lo. Uma delas é que, se fôssemos eternos, teríamos
que reinventar a vida, inclusive eliminando as datas comemorativas e, sem elas, adeus
aos presentes, aos doces, aos salgados, as bebidas, refinadas ou não. Sim, pois o que são
as datas comemorativas senão uma forma de imortalizar um tempo que se sabe
efêmero? Celebrar é tornar célebre, especial, enaltecido. Se não morrêssemos, nada
seria célebre, pois tudo poderia ser vivido uma segunda vez. Ademais, que entediante
seria a imortalidade, aqui e agora! Mas deixemos essa via de investigação, mesmo que
instigante. Concentremo-nos em algo menos especulativo. Que lugar ocupa a morte na
filosofia?
Dos muitos filósofos que a tematizaram, destacam-se três: Sócrates,
Schopenhauer e Heidegger. Uma curiosidade se faz notar de imediato: os três já
morreram e, assim, poderíamos dizer que a filosofia sempre lida com a morte. Ela tem
como interlocutor tanto a morte do ente real, a minha, a tua, do sabiá, do jacarandá,
quanto a morte dos que a teorizaram. Não há dúvida, não haveria filosofia sem a morte.
E por isso Sócrates diz que a filosofia é preparação para a morte. E se a filosofia é
preparação para a morte então esta é a sua musa. Mário Quintana, o nosso imortal poeta,
tinha como musa inspiradora Bruna Lombardi, Sócrates tinha a morte. Se se tratar de
bom gosto, então o poeta ganha a palma. Mas não se trata de bom gosto, trata-se, no
caso de Sócrates, de destinação. Destinação que faz pensar. Pensar aqui pode significar
tanto refletir quanto pôr pensas, isto é, aplicar curativo a uma ferida. E a morte é uma
ferida exposta e por isso precisa ser pensada (refletida, curada). No caso de Sócrates, a
cura é a própria morte, pois, através dela, a alma se liberta do corpo e volta ao mundo
eterno de que tem saudade. Por isso, com serenidade, ele toma a cicuta mortal.
Schopenhauer segue na mesma linha de Sócrates ao dizer que a morte é uma
espécie de ilusão. Ilusão porque só aparentemente somos mortais. Morremos
individualmente, mas somos eternos na vontade da natureza que brinca com a morte do
indivíduo porque sabe que a espécie é eterna e sempre se refaz. Uma consolação
metafísica, mas trágica para o eu que não quer querer morrer, como dizia Unamuno.
Heidegger por sua vez vai noutra direção. Ele é o pensador da finitude levada ao
extremo. Para Heidegger o que caracteriza o ser humano é ele ser um ser de
compreensão, ser no mundo, ser com os outros, ser de linguagem e ser para a morte. A
morte nos é tão essencial e constitutiva que ao nascer temos idade suficiente para
morrer. A morte não é algo que nos acontece no fim da vida, mas nos acompanha lado a
lado com a vida. Ela é nossa hóspede incômoda. Se assim a encararmos, então, diz
Heidegger, apesar da angústia antecipatória que esse fato nos traz, viveremos uma vida
autêntica. Afinal, a cada ação, a voz da consciência nos recordará: “tu vais morrer, não
disperse a oportunidade de realizar o melhor”.
Na morte ou na vida, o que faz a diferença é ter uma boa razão, tanto para uma
quanto para outra.
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