PALESTRA 20 RAIB a MELHORAMENTO GENÉTICO DE TOMATEIRO VISANDO RESISTÊNCIA A BACTÉRIAS Raquel Neves de Mello Seminis do Brasil, Paulínia, SP, Brasil. E-mail: [email protected] O controle das bacterioses em tomateiro é especialmente difícil porque medidas curativas não são eficientes. O uso de variedades resistentes, pela praticidade e baixa relação custo benefício para o produtor, é a melhor estratégia de controle dessas doenças. Produtores e pesquisadores têm sido desafiados por quatro principais doenças bacterianas: pinta bacteriana causada por Pseudomonas syringae pv. tomato, mancha bacteriana causada por espécies de Xanthomonas, cancro bacteriano causado por Clavibacter michiganensis subsp. michiganensis e murcha bacteriana causada por Ralstonia solanacearum. Variedades resistentes a essas bacterioses e agronomicamente aceitáveis não têm sido desenvolvidas, a despeito dos esforços empreendidos na busca de fontes de resistência e no desenvolvimento de marcadores moleculares para esses genes. Este relato vai discutir o progresso do desenvolvimento de variedades resistentes às principais bacterioses do tomateiro, desde o caso mais bem sucedido, a pinta bacteriana, até o mais desafiador, a murcha bacteriana, e lançar desafios para o futuro. A maioria das variedades de tomate plantadas comercialmente apresentam algum nível de resistência a P. syringae pv. tomato. Os programas de melhoramento para resistência à pinta bacteriana têm tido muito mais êxito do que para todas as outras bacterioses do tomateiro. Este sucesso se deve em parte à homogeneidade das populações de P. syringae pv. tomato. O baixo nível de diversidade genética das populações desta bactéria reflete-se também na estabilidade do gene Pto (Pto1). Este gene vem sendo usado com sucesso em quase todas (se não em todas) as variedades comerciais resistentes a P. syringae pv. tomato há quase duas décadas. Pto é um gene de efeito dominante, o que explica o sucesso dos melhoristas em incorporar a resistência à pinta bacteriana aos seus programas. Outros genes de resistência a P. syringae pv. tomato têm sido relatados, mas, devido ao sucesso de Pto, não têm despertado o interesse dos melhoristas. Além da disponibilidade de um gene de resistência eficiente e de herança simples, o sucesso do melhoramento para resistência a Pseudomonas syringae pv. tomato também se deve a existência de protocolos de “screenings” simples e confiáveis. O desenvolvimento de variedades resistentes à mancha bacteriana tem sido dificultado pela existên- cia de diversas raças do patógeno e pela natureza quantitativa da resistência. Ao contrário de P. syringae pv. tomato, populações de Xanthomonas são altamente heterogêneas. Quatro espécies que correspondem a cinco raças foram identificadas em tomateiro. Um levantamento recente em campos comerciais de tomate para processamento no Brasil indicou que as populações do Centro-Oeste brasileiro compunham-se principalmente de X. gardneri (grupo D/raça T2) embora X. vesicatoria (grupo B/raça T2), X.euvesicatoria (grupo A/raça T1) e X. perforans (grupo C/raça T3) estivessem também presentes, enquanto no Nordeste somente X. euvesicatoria (grupo A/raça T1) e X. perforans (grupo C/raça T3) tenham sido encontradas (QUEZADO DUVAL et al., 2005). As raças T4 e T5 não foram ainda relatadas no Brasil. Várias fontes de resistência as diferentes raças têm sido identificadas. Um programa de melhoramento visando resistência múltipla a essas raças implicaria na combinação de cinco a sete loci de diferentes fontes. Para tanto, o uso de marcadores moleculares seria a estratégia mais eficiente para auxiliar a seleção. Entretanto, as fontes de resistência à mancha bacteriana mais bem caracterizadas são oriundas de Lycopersicon esculentum e apresentam baixos níveis de polimorfismo, o que dificulta a busca por marcadores moleculares. Recentemente marcadores ligados ao QTL (“quantitative trait locus”, locus para características quantitativas) responsável pela resistência à raça T1 foram identificados (YANG et al., 2005). Esses marcadores renovam a esperança do uso de seleção assistida por marcadores para obtenção de variedades resistentes a Xanthomonas spp. Algumas poucas variedades de tomate com resistência a C. michiganensis subsp. michiganensis, principalmente para o uso como porta-enxerto, já estão disponíveis no mercado. O limitado conhecimento das bases genéticas da resistência e da diversidade genética do patógeno inibiu o progresso dos programas de melhoramento, embora muitas fontes potenciais de resistência venham sendo identificadas desde os anos 70. A fonte de resistência mais bem caracterizada (Lycopersicon peruvianum LA2157) apresenta base genética complexa aliada à dificuldade de obtenção de cruzamentos férteis com o tomateiro (L. esculentum). Isolados de C. michiganensis subsp. michiganensis da América do Norte foram divididos em quatro grupos Biológico, São Paulo, v.69, n.2, p.97-98, jul./dez., 2007 97 98 20 a RAIB com base em características genéticas (LOUWS et al., 1998). A diversidade e a predominância desses isolados não tinham sido consideradas até então em programas de melhoramento. Estudo recente identificou uma fonte de resistência a múltiplas estirpes de C. michiganensis subsp. michiganensis em Lycopersicon hirsutum (FRANCIS et al., 2001). Essa fonte apresenta resistência parcial e é afetada por fatores ambientais, mas apresenta-se como alternativa a LA2157 devido à facilidade de cruzamento com linhagens de elite de tomateiro. Outro obstáculo para o melhoramento para resistência a C. michiganensis é a ausência de um protocolo de “screening” adequado. As técnicas de inoculação variam assim como variam os resultados de resistência. Identificação de marcadores moleculares para os vários genes de resitência até agora identificados poderia auxiliar na obtenção de combinações de genes com resistência mais estável. O desenvolvimento de variedades comercialmente aceitáveis e com resistência aR. solanacearum parece ser o maior desafio enfrentado pelo melhoramento de tomateiro. Isto fica claro pela ausência dessas variedades no mercado. Algumas fontes de resistência têm sido identificadas em espécies selvagens, mas a resistência é poligênica e influenciada fortemente por fatores ambientais. Muitos QTLs parecem estar envolvidos na resistência a R. solanacearum e marcadores moleculares têm sido identificados para eles. No entanto, esses avanços não têm sido traduzidos em variedades com resistência ampla e estável. Isto talvez seja resultado do fato de que a resistência controlada por esses loci ser especifica para estirpe. R . solanacearum apresenta uma ampla variabilidade genética expressa em raças, biovares e filotipos. Além disso, a inconsistência de materiais uniformes indicam que fatores ambientais afetam a resistência a esse patógeno. Assim, as interações genótipo-estirpe-ambiente parecem ser a principal causa de instabilidade da resistência a R. solanacearum. Com exceção de P. syringae pv. tomato, resistências completas às bacterioses de tomateiro não serão uma realidade num futuro próximo. A diversidade genética desses patógenos, a forte influência ambiental sofrida pelas resistências disponíveis até o momento e a complexidade da base genética dessas resistências apontam para o desenvolvimento e o uso de variedades com resistências intermediárias. As técnicas moleculares têm sido usadas na caracterização da diversidade genética dos patógenos, no estudo das interações planta-patógeno e no desenvolvimento de marcadores moleculares. Os marcadores moleculares permitem o entendimento da base genética da resistência e podem auxiliar no ganho genético dos programas de melhoramento. No caso da mancha, do cancro e da murcha bacterianos, como as resistências são governadas por poligenes de ação complexa, não basta apenas identificar os QTLs envolvidos. Para que esses marcadores sejam úteis aos programas de melhoramento, é preciso criar índices de seleção eficientes a partir do conhecimento da base genética dos QTLs e de informações de resposta das plantas à doença. Nesse sentido, o desafio para o futuro será o desenvolvimento de protocolos de “screening” que sejam capazes de avaliar de forma precisa o efeito das interações patógeno-hospedeiro. REFERÊNCIA FRANCIS, D.M.; KABELKA, E.; B ELL, J.; F RANCHINO, B.; ST. C LAIR, D. Resistance to bacterial canker in tomato (Lycopersicon hirsutum LA407) and its progeny derived from crosses to L. esculentum. Plant Disease, v.85, p.1171-1176, 2001. LOUWS , F.J.; BELL, J.; MEDINA-M ORA, C.M.; SMART, C.D.; OPGENORTH, D.; I SHIMARU, C.A.; HAUSBECK, M.K.; B RUIJIN, F.J. DE; FULBRIGHT, D.W. rep-PCR-mediated genomic fingerprinting: a rapid and effective method to identify Clavibacter michiganensis. Phytopathology, v.88, p.862868, 1998. QUEZADO-DUVAL, A.M.; LEITE JÚNIOR, R.P.; LOPES, C.A.; LIMA, M.F.; CAMARGO, L.E.A. Diversity of Xanthomonas spp. associated with bacterial spot of processing tomatoes in Brazil. ISHS Acta Horticulturae, v.695, p.101-108, 2005. YANG, W.; S ACKS, E.J.; I VEY, M.L.L.; M ILLER, S.A.; F RANCIS, D.M. Resistance in Lycopersicon esculentum intraspecific crosses to race T1 strains of Xanthomonas campestris pv. vesicatoria causing bacterial spot of tomato. Phytopathology, v.95, p.519-527, 2005. Biológico, São Paulo, v.69, n.2, p.97-98, jul./dez., 2007