CONSTRUINDO INFOVIAS: PAULO FREIRE E A NOVA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO Edna Brennand Introdução Em primeiro lugar gostaria de agradecer à Coordenação, pelo convite, que muito me honrou para encerrar este evento que com certeza muito contribuiu para fomentar o debate atual a cerca do papel da educação nos novos rumos sociais colocados pela emergência da sociedade da informação. Acredito que a esta altura, depois de alguns dias de debates, as perspectivas de vocês sejam de tentar sintetizar as questões colocadas, no intuito de visualizar caminhos para rever e reestruturar práticas ou visualizar opções teóricas para redirecionar reflexões. Gostaria de iniciar minha fala, não com respostas mas com algumas indagações que acredito serão compartilhadas por todos aqueles que têm se inquietado com os rumos da educação brasileira neste novo século que se anuncia. Descortina- se um panorama novo de redes globais de economias, fomentador de processos universais organizados em torno da hierarquia de inovações, das conexões de telecomunicações e da divisão espacial internacional do trabalho. A lógica característica deste novo espaço é fundamentada em torno dos fluxos de informação, da descontinuidade geográfica e do desenvolvimento de constelações livremente interrelacionadas que minimizam cada vez mais a contigüidade territorial e maximizam as redes de comunicação em todas as suas dimensões (Castels, 1999b). Esta alteração no espaço tem como conseqüência a transformação do tempo. A simultaneidade e a intemporalidade, atributo da nova sociedade informacional, cria a nova cultura do efêmero. O acompanhamento em tempo real dos acontecimentos em todo o planeta conduz a uma nova forma de fazer história testemunhada, pela possibilidade da interação seja via Tv, computador ou telefone criando o diálogo em tempo real em um horizonte aberto, sem começo, fim ou seqüência. O tempo virtual, as condições da lógica do espaço e dos fluxos misturam os códigos culturais numa velocidade sem precedentes. A mistura dos textos permite integrar o rap, as artes marciais, o espiritualismo budista, o samba e o blues. Nas redes de estruturas abertas e dinâmicas são construídos e desconstruídos valores, políticas, relações de poder e conexões que redimensionam as bases materiais e sociais da nossa existência, dando continuidade à construção de uma nova política de civilização. A integração global, acompanhada da ascensão do neoliberalismo tutelado pelo Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) sintetizam o discurso da homogenização dos mercados, enquanto países da África, a Índia e China anunciam a redução de sua capacidade econômica e o aumento populacional. O tempo instantâneo do ciberespaço consegue camuflar as desigualdades oriundas da nova política internacional que integra mercados e desintegra Nações pela desregulamentação e o desmantelamento de economias e culturas. Os problemas oriundos das contradições deste processo, c omo por exemplo, a dissociação entre economia e cultura, tem alimentado o debate sobre a democracia. As descontinuidades levam à procura de uma nova combinação entre estes universos que se encontram cada vez mais separados e à reelaboração de conceitos enf raquecidos. As novas formas de vida política e social, as identidades o Estado, a nação, e a soberania estão sendo redefinidos pelas palavras flexibilidade, competitividade, reconversão, concorrência, tecnologia. O afastamento das instituições sociais das c ulturas locais, faz destas, simples instrumentos de gestão a despeito dos partidos políticos que têm se reduzido à simples colisões para a conquista do poder. Somos cada vez mais estranhos às condutas econômicas, políticas e sociais. A integração social repousa sobre formas diferenciadas da busca da justiça e da liberdade tendo como conseqüência mais conformismo que debate (Tourraine,1997). Uma nova cartografia do planeta se redesenha neste final de século à partir da inserção de diversos países na sociedade da informação. Constata- se o surgimento de uma economia em escala global, pautada em forte impulso tecnológico. Este processo vem provocando alterações na estrutura e na dinâmica das demandas sociais no que se refere à educação. A relação conhecimento x informação avança em ritmo acelerado levando cada sociedade a gerar seus próprios sistemas organizacionais e de formação continuada, numa tentativa de inserção neste espaço global. As tecnologias da informação e comunicação, as telecomunicações, as novas mídias, a informática e a indústria eletrônica reorganizam conteúdos se tornando força motriz da formação humana. Os impactos deste fenômeno, sobre as estruturas sociais, tem como conseqüência, a diversificação dos conjuntos de conexões que formam a sociedade, evidenciando a necessidade de estruturação de estratégias específicas baseadas em um pano de fundo cultural, social e político no sentido de garantir a inserção da sociedade neste novo cenário. As conexões em rede dos processos econômicos, políticos e culturais criam novas assimetrias, fontes de inclusão e exclusão, que precisam ser redefinidas em cada contexto específico. Este novo espaço redefine os processos produtivos, as relações de trabalho e as relações culturais. Conceitos, modelos, imagens, sensações sensoriais, diagramas de fluxos de comunicação se metamorfoseam em ritmos e modalidades diferenciados, redefinindo o jogo da interpretação e da construção da realidade. O hipertexto (conexões de palavras, páginas, imagens, gráficos, seqüências sonoras etc) com suas redes originais de interfaces reorganiza os caminhos possíveis do conhecimento, redireciona os sistemas cognitivos humanos e, conseqüentemente, o papel do ato educativo. No panorama destas mudanças a educação é chamada a se tornar elemento ativo e fundamental na produção de conhecimentos e tecnologias consideradas, na nova sociedade da informação, como vetores de desenvolvimento econômico e social. O Brasil inicia, com certo atraso, sua inserção neste novo cenário. A internet e as telecomunicações tiveram um grande impulso a partir de meados da década de 90, como também os negócios e o comércio eletrônico.O Ministério da Educação se vê chamado a definir prioridades uma vez que a função educativa está em constante correspondência às necessidades de competição internacional. Crianças, jovens e adultos se defrontam com a necessidade de adquirir habilitações e qualificações culturais, sociais, estéticas, físicas e profissionais continuadas revigorando o princípio da Educação Permanente. Uma constatação evidente tem sido de que a educação é elemento chave para a construção da sociedade baseada na informação e isto significa, que educar para a sociedade da informação é muito mais que treinar pessoas para utilizarem tecnologias, é investir no desenvolvimento de competências amplas, que permitam aos indivíduos decidirem com fundamento no conhecimento para operar com o uso rotineiro das novas mídias, de modo a ampliar sua capacidade de lidar com a explosão de informações. Neste contexto, a educação, como propulsora do desenvolvimento da capacidade de pensar dos indivíduos e das formas possíveis de intervenção na realidade encontra, cada vez mais sua força. Assim, as sociedades ainda não integradas aos padrões educativos mínimos estão sendo desafiadas a construir um projeto próprio de desenvolvimento, onde a universalização da educação em todos os níveis, seja a base de desenvolvimento da competência dos indivíduos. Estes novos desafios, coloca em tela os grandes problemas brasileiros: a marginalização social, econômica e cultural de grandes parcelas da população. Neste momento, mais uma categoria entra em cena: a marginalização digital. Diante de tantos avanços e paradoxos, como pensar a formação dos atores sociais? Como fortalecer sua identidade fragmentada? Gostaria de convidá- los a pensar com Paulo Freire uma infovia possível: a possibilidade de formação de um ator social crítico e autônomo, capaz de conviver com os conflitos e as perplexidades sem perder a fé na reconstrução de uma sociedade mais justa e igualitária. É visível em toda obra de Freire sua preocupação em situar o indivíduo como criador da história e da cultura. Ele realça a capacidade dos indivíduos de conviver com a pluralidade e coloca que isto vai se dar pela forma como estes captam os dados da sua realidade. Para justificar este processo ele busca explicitar a manifestação de três formas de consciência: a) a consciência ingênua ou intransitiva - é a consciência humana no grau mais elementar de seu desenvolvimento. A centralização dos interesses giram em torno de formas vegetativas de vida. Suas preocupações se voltam para o que há nele de vital, biológico. Falta- lhe teor de vida no plano histórico. Pela consciência ingênua os indivíduos vêem a realidade dos fatos como algo estático, já feito e estabelecido. Domina-os de fora, percebe os fenômenos mas não coloca- se à distância para julgá-los e por isto se considera livre para entendê- los conforme melhor lhe parecer e assim sobrepõe- se à realidade. A patologia da ingenuidade leva à irracionalidade, ajustamento e acomodação. b) consciência mágica. Presente quando os indivíduos possuem uma concepção mística do mundo. Esta consciência mágica faz com que os indivíduos captem os fatos emprestando-lhes um poder superior. Domina- os de fora submetendo- se a eles com docilidade, com fatalismo e às vezes com fanatismo. Cruza os braços porque se considera incapaz de fazer algo diante do poder dos fatos. c) consciência transitiva - Se caracteriza ainda por uma forte dose de espiritualidade mais começa se alargar acima dos interesses vegetativos. Há ainda simplicidade na interpretação dos fatos e uma forte inclinação au gregarismo característico da massificação. Tem uma tendência à transferência de responsabilidade e autoridade. Tem desconfiança do novo e prefere a polêmica ao debate, sua argumentação é frágil. d) consciência crítica - Pela consciência crítica os indivíduos captam e percebem os fatos conseguindo desocultar as razões que os explicam e é capaz de compreender seus nexos causais e circunstanciais. Ao ser capaz de desvelar a realidade ele é conduzido à sua vocação ontológica de humanizar- se. A consciência crítica fundamenta a criatividade e estimula a reflexão dando origem a ações verdadeiras sobre a realidade. Tem uma característica de inquietude e busca constantemente a ação transformadora. Do seu ponto de vista os estágios da consciência podem variar não somente em função da idade, da experiência. E a educação vai se tornar elemento importante, pois permite ao sujeito passar de um estágio à outro de consciência e conseqüentemente isto vai afetar a qualidade de sua ação. O que caracteriza a consciência intransitiva é a falta de motivação, ausência de compromisso, dificuldade de discernimento, interpretação mágica da realidade. Ao contrário, a consciência crítica desenvolve constantemente a capacidade de revisões e reinterpretações, a segurança na argumentação, a facilidade para o diálogo, abertura à transformação. Freire coloca a educação como um espaço privilegiado para desenvolvimento da consciência crítica nas sociedades do terceiro mundo onde os indivíduos se encontram em uma quase ‘aderência’ ou ‘imersão’ na realidade objetiva. A ‘cultura do silêncio’ oriunda dos impactos das transformações econômicas começa a ser ‘rachada’ e a consciência intransitiva começa a marchar para a transitividade impulsionada pelas contradições. Este é o momento fundamental para se iniciar um processo educativo caracterizado pelo diálogo para impulsionar as classes oprimidas a compreender críticamente sua realidade. Neste contexto, Freire não admite a transferência de um conhecimento n ‘ eutro’ mistificador em prol das classes que possuem a ciência e a tecnologia sob o seu comando. Pela conscientização os avanços econômicos, científicos e tecnológicos passam a ser vistos como o natural desenvolvimento humano. A nova cultura que vai nascendo tendo como base a velha precisa ser permanentemente analisada. Para Freire a conscientização é um esforço através do qual a consciência intransitiva é levada a perceber o mundo objetivo e social, a receber o conhecimento e a recriá-lo, pois o processo de conhecimento implica a constante ação e reflexão sobre a realidade.(Freire, 1982. p.89) A conscientização é o desenvolvimento crítico da tomada de consciência e comporta ir além da fase espontânea da apreensão até chegar à um nível onde a realidade se torna objeto cognoscível. Neste processo o sujeito assume a posição epistemológica da procura de conhecer. É um processo de conhecimento que se realiza na realização dialética indivíduo- mundo. Ela não pode existir fora do ato de agir-refletir. A conscientização tem por fim descortinar as situações- limites nas quais os temas são bloqueados a fim de que sejam desmistificados. Este processo torna possível uma visão crítica sobre os mesmos. Pela formação da consciência crítica Freire anteviu o germe de um poder latente não exercitado pelas massas marginais que não estando inseridas no processo de aquisição do saber médio do seu tempo ainda guardam suas atitudes mágicas ou ingênuas: o diálogo. A resposta veio através de sua prática pedagógica e da apreensão crítica da realidade educacional brasileira numa pedagogia cujas bases teóricas remetem à busca da igualdade e da liberdade, tentando integrar sob seu comando a verdade e o ético no movimento da educação e da política. É possível buscar esta integração no plano da relação educador-educando através de um diálogo livre onde ambos se coloquem como intérpretes, pesquisadores e decodificadores do rea l. Freire vai argumentar que a educação tem conexões fundamentais com a idéia de emancipação humana e a matriz que atribui sentido à prática educativa é a visão de liberdade. Qualquer prática educacional que tenha como objetivo a efetividade e eficácia deverá ter como princípio a participação livre dos cidadãos na conquista da linguagem, e o diálogo é a condição essencial desta tarefa . Ele propõe como fonte para o desenvolv imento do ato educativo a linguagem dos indivíduos carregadas da experiência vivida. Como material para início da descoberta de novas palavras e significados. A palavra não existe, pois, independentemente de sua significação real, de sua referência às situações experienciadas no mundo da vida. Tanto o seu método de alfabetização como os princípios defendidos em toda a pedagogia do diálogo rompem com os princípios da pedagogia tradicional porque coloca como princípio a busca das palavras geradoras no mundo da vida dos educandos. Freire percebeu a emergência do espaço vivido como o lugar privilegiado para se promover o diálogo, sobretudo para dar voz à uma grande parcela de crianças, jovens e adultos marginalizadas do espaço escolar tradicional. O diálogo é, então, visto como um instrumento importante para superação da consciência ingênua e a construção de uma concepção descentrada de mundo. Pela ação-reflexão proporcionada pelo diálogo é possível compreender o real que se coloca como dado. Outro aspecto do diálogo que Freire prioriza é o seu caráter horizontal. Na relação horizontal entre educador-educando os elementos traduzidos na relação eu- tu- nós pauta- se na liberdade de expressão importante ao ato comunicativo isento de imposição. No diálogo autêntico, dentro do princípio da horizontalidade falantes e ouvintes emergem como sujeitos e os interesses de ambos são validados numa reflexão conjunta que possibilita o discernimento, isto é, a criticidade racional. Na concepção de Freire o processo de interação permite aos sujeitos a construção de uma ‘arqueologia do conhecimento ‘ onde seja possível interrogar sua estrutura e a do conhecimento do outro buscando clarificar sua consciência. O diálogo vai instigar a consciência asfixiada pela força da opressão e incentivar a emergência da compreensão da condição social de cada sujeito. Segundo Freire a razão se expande no diálogo. O seu caráter relacional dá força à exteriorização da razão subjetiva e permite ao indivíduo participar da construção de sua história de forma consciente e reflexiva. Não pode existir diálogo se os participantes admitem que só indivíduos seletos possuem a tarefa de ‘ pronunciar’, se a contribuição de todos os participantes não é reconhecida. É a recusa explícita da pedagogia tradicional, da concepção de educação onde os educandos são meros receptores de conteúdos, da relação antidialógica entre educador-educando. O diálogo, no sentido genérico é a postura necessária entre os indivíduos para que possam refletir sobre sua realidade tal como a fazem e refazem. Não é uma simples comunicação através da linguagem simbólica como fazem os animais. É um evento social com dimensões individuais que sela o relacionamento entre os sujeitos cognitivos. No sentido educacional é uma posição epistemológica e não uma prática estranha vinda de uma região exótica do planeta.O diálogo não existe num vácuo político, ele se dá sempre dentro de um contexto e significa uma tensão permanente entre autoridade e liberdade, por isso, implica em alcançar objetivos com responsabilidade, direcionamento, determinação, disciplina. A liberdade implícita neste ato faz com que os educadores dialógicos compreendam que a ciência tem historicidade e que todo conhecimento novo surge a partir da necessidade de um novo momento. Então o rigor científico deve ser a base do pensamento crítico, da superação da compreensão ingênua do mundo. O educador dialógico não pode simplesmente ser um excelente especialista que faz com os educandos um jogo intelectual muito interessante - o jogo dos conceitos, o ‘balé dos conceitos’. Não se trata de abolir os conceitos ou negá- los. Eles são absolutamente necessários, pois foram moldados através da história do pensamento, e possuem um significado importante para interpretação da realidade. A questão principal se coloca na forma como eles são utilizados. De como utilizar o padrão lingüístico dominante no universo lingüístico das classes populares. De como levá- los a fortalecer o domínio da linguagem conceitual, pois esta linguagem está implícita no ato do conhecimento. É impossível desconsiderar o valor dos conteúdos curriculares. A questão é diminuir a distância entre os conceitos e a realidade. Há diferenças marcantes entre a semântica e a sintaxe da linguagem da escola, da academia e das camadas populares. Por isto é imprescindível ao educador compreender as formas de expressão do grupo onde atua para que seja capaz de traduzir os conceitos formais de maneira que os educandos possam compreendê- los a partir de seu nível de compreensão, tendo como horizonte sua ampliação. O diálogo estratégico permite desenvolver o rigor conceitual à partir de uma experiência. Para Freire tudo que é rigoroso do ponto de vista da ciência não está estabilizado. As verdades são provisórias. A apropriação que as camadas populares possam fazer das teorias não podem realizar- se senão a partir do próprio pensamento ingênuo mas em direção à sua superação. Temos que considerar, do ponto de vista educativo, que é a partir do diálogo entre o pensar ingênuo e o pensar racional que uma razão aberta pode se instaurar. Esta razão agrupará as necessidades da correção racional mas, também, a emergência do simbólico. Assim, o ato de aprendizagem deverá se constituir em um processo de assimilação e elaboração da experiência pela consciência, sem heteronomia, isto é, sem a determinação externa quer da religião, das ideologias e das racionalidades permitindo a indivíduo sua formação integral. Considerando o diálogo como a fonte de toda descoberta Freire acredita que uma das maiores tragédias do mundo moderno é a dominação exercida sobre os indivíduos através da força da informação e da publicidade organizada que cria cada vez mais novos mitos e signos que ajudam a tolhe r a capacidade de decisão dos sujeitos sociais. A cultura da modernidade está sendo organizada e interpretada por uma elite e transmitida em forma de receita e prescrição a ser seguida. E a escola capitalista tem um fundamental papel neste contexto, porque privilegia o veiculamento de prescrições fazendo os educandos se afogarem no anonimato nivelador da cultura de massa que domestica e acomoda. A internacionalização dos merc ados internos das sociedades do Terceiro Mundo permitiu a introdução de mecanismos de massificação do ensino e com ela a pseudodemocratização realizada pela indústria cultural. Uma semi- educação que se desenvolve pela dicotomização entre uma alta cultura para a elite e uma baixa cultura para as classes subalternas. A Pedagogia do Diálogo oferece um eixo analítico fundamental no debate atual sobre a importância da educação no fortalecimento de ações fundadas na ética e na solidariedade. Fornece elementos de reflexão importantes para a análise atualizada de aspectos da concepção de ensino- aprendizagem, do tempo e do espaço de aprendizagem, do tratamento do conteúdo e da informação, das linguagens e dos meios que precisam ser redirecionados em função da multiplicidade de significação dos espaços heterogêneos e entrelaçados da sala de aula. Os espaços vividos dos indivíduos sofrem constantes impactos trazidos pelo poder das mídias eletrônicas, e o mundo da vida é constantemente invadido pelos imperativos da razão instrumental. A dinâmica estrutural do mundo vivido passa por mudanças radicais em função da crescente complexidade do sistema social, da crescente explosão de informações. Grupos sociais, conjuntos culturais e instituições organizam- se em torno do processo de mundialização cultural, social, político e econômico reorganizando, reestruturando e hierarquizando uma pluralidade de saberes e formas específicas de conhecimento. Assim, a compreensão analítica das teias que compõem esta rede, permite buscar novos indicadores para o fortalecimento do ato educativo. Novos cenários para o desenvolvimento do diálogo estão abertos. Diálogos múltiplos e multifacetados são necessários para que os atores potencializem novas formas de recriar as cenas. Mesmo que estejamos no cotidiano e nas salas de aula, conectados à sociedade em rede pela multiplicidade de ferramentas hoje colocadas à nossa disposição pelo ciberespaço como computadores, redes de informação, a televisão, o vídeo, o fax etc, não poderemos deixar de pensar que estamos fazendo a formação de sujeitos humanos. Nesse sentido, o diálogo deverá ser considerado como uma ferramenta importante na construção de sujeitos capazes de fala e ação. Favoráveis ou não à invasão das tecnologias da informação e comunicação no processo de formação é chegado o momento em que nós, profissionais da educação, que temos o conhecimento e a informação como nossas matérias primas, enfrentemos os desafios oriundos das novas tecnologias. Esses enfrentamentos não significam a adesão incondicional ou a oposição radical ao ambiente eletrônico, mas, ao contrário, significa criticamente conhecê- los para saber de suas vantagens e desvantagens; de seus riscos e possibilidades para transformá- los em ferramentas e parceiros em alguns momentos, e dispensá- los em outros instantes. Os impactos na prática docente A apreensão do conhecimento na perspectiva das novas tecnologias eletrônicas de comunicação e informação, ao ser assumida como possibilidade didática exige que, em termos metodológicos, também se oriente a prática docente a partir de uma nova lógica. A solução real, diz Kerckhove, "está em mudarmos as nossas percepções e não apenas as nossas teorias". Compreender este novo mundo com uma nova lógica, uma nova cultura, uma nova sensibilidade, uma nova percepção. Não mais, apenas, a perspectiva estrutural e linear de apresentação e desenvolvimento metodológico do conteúdo a ser ensinado; nem tampouco, a exclusiva perspectiva dialética. Uma outra lógica, baseada na exploração de novos tipos de raciocínios nada excludentes, em que se enfatizem variadas possibilidades de encaminhamento das reflexões, se estimule a possibilidade de outras relações entre áreas do conhecimento aparentemente distintas. A apropriação dos conhecimentos neste novo sentido envolve aspectos em que a racionalidade se mistura com a emocionalidade em que as intuições e percepções sensoriais são utilizadas para a compreensão do objeto do conhecimento em questão. Nesta abordagem alteram- se principalmente os procedimentos didáticos, independentemente de uso ou não das novas tecnologias em suas aulas. É preciso que o professor, antes de tudo, se posicione não mais como o detentor do monopólio do saber mas como um parceiro, um pedagogo, no sentido clássico do termo, que encaminhe e oriente o aluno diante das múltiplas possibilidades e formas de se alcançar o conhecimento e de se relacionar com ele. O sentido etimológico da pedagogia significa a a viagem da criança, do jovem e do adulto em direção às fontes do saber. Até agora existiam lugares de saber, um campus, uma biblioteca, um laboratório... Com os novos meios é o saber que viaja. E essa inversão transforma completamente a idéia de ensino- aprendizagem. Neste sentido, a dinâmica da sala de aula em que alunos e professores encontram-se fisicamente presentes também se altera. As atividades didáticas orientam- se para privilegiar o trabalho em equipe, em que o professor passa a ser um dos membros participantes. Nestas equipes, o tempo e o espaço é o da experimentação e da ousadia em busca de caminhos e de alternativas possíveis, de diálogos e trocas sobre os conhecimentos em pauta, da reformulação permanente de tudo e de todos. Gostaria de concluir, reconhecendo que a conexão da Pedagogia do diálogo de Paulo Freire à rede de informações do espaço virtual é uma alternativa possível e viável. Esta uma infovia importante, que poderemos neste momento começar a construir para que não corramos o risco de um retorno ao tecnicismo, isto é, ao princípio linear como eixo da formação. Referências Bibliográficas: Adda, J. La mondialisation de l’économie. Paris : La Découverte, 1998. Brennand, E. Education et globalisation : un dialogue entre Paulo Freire et Jürgen Habermas. Paris, 1999. Tese de Doutorado. Castells, M. A sociedade em Rede. São Paulo : Paz e Terra, 1999. _________. O Poder da Identidade. São Paulo : Paz e Terra, 1999. Freire, P. (1963). 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