CONSIDERAÇÕES CLÍNICAS E AVALIAÇÃO DA RESPOSTA AO TRATAMENTO PERIODONTAL EM PACIENTES COM DEPRESSÃO Beatriz Abreu Osório Simões1, Ana Cristina de Oliveira Solis1 1 UNIVAP - Universidade do Vale do Paraíba - Faculdade de Ciências da Saúde - Odontologia Av. Shishima Hifumi,2911, Urbanova - São José dos Campos – São Paulo [email protected], [email protected]. Resumo- Alguns estudos têm demonstrado a relação da doença periodontal com exposições e/ou alterações sistêmicas, notadamente com o fumo e diabetes não controlado. Fatores psicológicos, tais como o estresse e a depressão ainda são considerados indicadores de risco por muitos autores. Entretanto, o paciente com depressão necessita de uma abordagem clínica diferenciada, devido à condição debilitante desta síndrome. Sendo assim, os objetivos deste estudo foram: (1) descrever as peculiaridades do atendimento clínico em pacientes com depressão, e (2) investigar a resposta do tratamento periodontal nestes pacientes. Base de dados consultada: PubMed. Palavras-chave: “periodontal”, “treatment”, “depression” e “management”. Pacientes com transtorno depressivo geralmente apresentam alterações da atividade psicomotora, da cognição, dos ritmos biológicos e tomam antidepressivos que podem alterar o fluxo salivar. Desta forma, os clínicos devem estar preparados para reconhecer um paciente com depressão e direcionar terapias que amenizem este efeito colateral. A resposta ao tratamento periodontal tende a ser menos satisfatória neste grupo. Palavras-chave: tratamento periodontal, depressão, xerostomia Área do Conhecimento: Odontologia Introdução A periodontite é uma doença infectoinflamatória que acomete os tecidos de sustentação dos dentes. É caracterizada pela perda de inserção clínica e suporte ósseo. O fator etiológico primário é o biofilme dental (SOCRANSKY, HAFFAJEE, 2005). É fato que as bactérias são essenciais, mas não o suficiente para causar a DP, é fundamental ter um hospedeiro susceptível (SOCRANSKY, HAFFAJEE, 2005). As infecções bucais podem influenciar a saúde geral. Algumas exposições e/ou alterações sistêmicas podem aumentar a probabilidade de desenvolver a doença periodontal (DP), tais como o fumo, o diabete melito e eventos cardiovasculares (KINANE, BOUCHARD, 2008). Vários estudos já comprovaram que o fumo provoca uma deficiência na resposta imune e inflamatória e isto resulta na destruição dos tecidos periodontais (PANNUTI et al., 2006). O diabetes melito (tipo I e II), não controlado, promove distúrbios metabólicos, que a longo prazo provocam alterações na saúde geral e bucal. Pode comprometer a imunidade (função de neutrófilos; fagocitose e quimiotaxia de macrófagos) e a microcirculação dos tecidos periodontais (WEHBA et al., 2006). Eventos cardiovasculares, tais como a aterosclerose e endocardite bacteriana podem ser piorados na presença periodontite. A natureza desta associação precisa ser estabelecida, pois a DP pode causar inflamação sistêmica e alteração da função endotelial (TONETTI, 2009). A periodontite não causa a endocardite bacteriana, mas em indivíduos com problema cardíaco (deficiências valvares) deve ser cuidadosamente avaliada. Vários autores consideram estas alterações como fatores de risco para a doença periodontal. Outras alterações, como o parto prematuro e as variáveis psicológicas são consideradas ainda indicadores de risco para a doença periodontal (VETTORE et al., 2008, GENCO et al., 1999, PERSSON et al., 2003). A depressão é uma das alterações psicológicas estudadas na inter-relação com a DP (GENCO et al., 1999, PERSSON et al., 2003). Alguns estudos indicaram que indivíduos deprimidos podem ter uma resposta imune deficiente, aumentando a produção de citocinas pró-inflamatórias, incluindo a interleucina-6 (KIECOLT-GLASER et al. 2002) e podem negligenciar a higiene oral e visitas regulares ao dentista (SALETU et al., 2005; LITTLE, 2004). Outros trabalhos sugeriram que a depressão poderia afetar o sucesso da terapia periodontal (ELTER et al., 2002; KLOOSTRA et al., 2006 ). Pacientes com transtorno depressivo geralmente tomam medicações que podem diminuir o fluxo salivar (LITTLE, 2004). Isso pode gerar desconforto ao paciente. Sendo assim, os objetivos deste estudo foram: (1) descrever as peculiaridades do atendimento XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1 clínico em pacientes com depressão, e (2) investigar a resposta do tratamento periodontal nestes pacientes. Revisão da literatura Metodologia de busca de textos Questão 1: Como é o manejo clínico no paciente com depressão? Base de dados consultada: PubMed Palavras-chave: “periodontal”, “depression” e “management” Data da busca: agosto 2009 Limitações: estudos na língua inglesa, em humanos, publicados nos últimos 10 anos. Busca detalhada: (periodontal[All Fields] AND ("depressive disorder"[MeSH Terms] OR ("depressive"[All Fields] AND "disorder"[All Fields]) OR "depressive disorder"[All Fields] OR "depression"[All Fields] OR "depression"[MeSH Terms]) AND ("organization and administration"[MeSH Terms] OR ("organization"[All Fields] AND "administration"[All Fields]) OR "organization and administration"[All Fields] OR "management"[All Fields])) AND ("1999/09/04"[PDat] : "2009/08/31"[PDat] AND "humans"[MeSH Terms] AND English[lang]) Critérios de inclusão e exclusão: artigos que não relacionavam a depressão ou transtorno depressivo ao manejo clínico do paciente. Número de textos completos incluídos: A busca resultou em 11 títulos. Só foram encontrados artigos de revisão de literatura com o tema proposto. Não foram encontradas pesquisas clínicas que respondessem diretamente a questão. Questão 2: Como é a resposta ao tratamento periodontal em pacientes com depressão? Base de dados consultada: PubMed “Palavras-chave: “periodontal”, “depression”, “treatment” Data da busca: agosto 2009 Limitações: estudos na língua inglesa, em humanos e publicados nos últimos 10 anos. Busca detalhada: (periodontal[All Fields] AND ("depressive disorder"[MeSH Terms] OR ("depressive"[All Fields] AND "disorder"[All Fields]) OR "depressive disorder"[All Fields] OR "depression"[All Fields] OR "depression"[MeSH Terms]) AND ("therapy"[Subheading] OR "therapy"[All Fields] OR "treatment"[All Fields] OR "therapeutics"[MeSH Terms] OR "therapeutics"[All Fields])) AND ("1999/09/02"[PDat] : "2009/08/29"[PDat] AND "humans"[MeSH Terms] AND English[lang]) Critérios de inclusão e exclusão: artigos de revisão de literatura e artigos que não estavam relacionados ao tema proposto Número de textos completos incluídos: a busca resultou em 25 títulos. Dois artigos completos foram selecionados. O restante não avaliou a resposta ao tratamento periodontal em pacientes com depressão. Estudos avaliados ELTER et al. (2002) conduziram um estudo para investigar a resposta ao tratamento periodontal, em 697 indivíduos do Kaiser Permanent NorthWest Division, que recebiam tratamento médico e odontológico. Pacientes com pelo menos 3 sítios com profundidade clínica de sondagem (PCS) ≥ 5mm receberam tratamento periodontal e foram acompanhados por 1 ano. Pacientes com depressão representavam 12,2% da amostra. Após o tratamento, pacientes com transtorno depressivo exibiram uma quantidade menor de sítios com PCS< 5mm, ou seja, responderam pior ao tratamento periodontal. Fatores psicológicos relacionados ao tratamento periodontal cirúrgico e não-cirúrgico foram avaliados por pesquisadores da Universidade de Michigan (KLOOSTRA et al., 2006). Setenta e três pacientes que se apresentaram para tratamento periodontal na clínica de graduação em periodontia, foram convidados a participar do estudo. A ansiedade, o estresse, a depressão, o bem estar e os níveis de dor foram avaliados, especialmente, em 2 ou 4 semanas após o tratamento periodontal. As variáveis psicológicas foram correlacionadas aos níveis de dor, uso de medicação para dor e cicatrização após tratamento periodontal. Discussão A palavra depressão pode ser utilizada para descrever sentimentos transitórios de tristeza, falta de satisfação, desesperança, caracterizando uma flutuação normal do humor. Quando esses sentimentos afetam a capacidade funcional do indivíduo, passam a ser significativos, e isso pode levar a quadros de transtorno de humor. Neste estudo procuramos investigar como seria a abordagem de um paciente com depressão. Nossa busca resultou em estudos de revisão de literatura. Desta forma,direcionamos a resposta a esta pergunta descrevendo algumas características importantes do paciente deprimido. Além da polarização do humor, pacientes com depressão também apresentam alterações da atividade psicomotora, da cognição e dos ritmos XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 2 biológicos (por exemplo a secreção de cortisol, o ciclo sono-vigília e algumas funções neuroendócrinas). Por isso, é comum pacientes relatarem: insônia ou sonolência excessiva, agitação ou retardo psicomotor, diminuição da energia, cansaço, fadiga persistente (mesmo as tarefas mais leves parecem exigir um grande esforço), dificuldade de se concentrar e tomar decisões. Dados epidemiológicos indicam que o transtorno depressivo acomete mais o sexo feminino do que o masculino e tende a ser recorrente (ANDRADE, et al. 2003). Escalas psicológicas como o Inventário de Depressão de Beck (IDB), Escala de Zung e escala de Desesperança podem ser utilizadas para detectar sintomas de depressão. De acordo com o National Institute of Mental Health (LITTLE, 2004), o cirurgião-dentista pode identificar um paciente deprimido com algumas perguntas na triagem. Entretano, os profissionais devem estar atentos à validação cultural do instrumento psicométrico utilizado. A maioria deles é concebida em países desenvolvidos e devem sofrer adaptação transcultural para serem utilizadas no nosso país. No Brasil, o Inventário de Depressão de Beck pode ser utilizado por entrevistadores leigos e nos dá uma medida confiável da presença ou ausência de sintomas depressivos. Pacientes com transtorno de humor são geralmente tratados com medicamentos e psicoterapias. A paroxetina, fluoxetina, imipramina, amitriptilina demonstraram ser eficazes no tratamento e controle da síndrome depressiva (LITTLE, 2004). A eletroconvulsoterapia é uma alternativa para tratar o transtorno depressivo que não responde a terapia medicamentosa e /ou psicoterapia. A família deve ser avisada para que o tratamento seja iniciado. Alguns medicamentos podem ter efeitoscolaterais ou as interações medicamentosas podem prejudicar a saúde bucal. Os efeitos colaterais associados aos antidepressivos podem incluir: xerostomia, constipação, visão turva, disritmias cardíacas (tais como taquicardia), hipotensão arterial, visão turva, reações alérgicas, pressão intraocular em pacientes que têm glaucoma, aumento da retenção urinária em pacientes com hipertrofia prostática, problema erétil ou ejaculatório. Alguns antidepressivos podem potencializar drogas se usados conjuntamente, tais como drogas anticolinérgicas, benzodiazepínicos, etanol, e reduzir os níveis de contraceptivos orais, álcool, barbituratos, e dilantina. A xerostomia é a sensação subjetiva de boca seca e pode causar desconforto e diversas patologias no meio bucal, tais como a candidíase, e deixar o paciente mais suscetível à cárie. Para isso o dentista deve estar preparado para fornecer um agressivo programa de educação preventiva para o paciente, utilizando bochechos, salivas artificiais, flúor e uma correta orientação de escovação. Em relação à anestesia odontológica a adrenalina em excesso pode levar a hipertensão e deve ser injetada lentamente. A levonordefrina é contra-indicada para pacientes depressivos que fazem uso de medicamento tricíclico ou heterociclico (LITTLE, 2004). Não existe contraindicação para tratar pacientes com depressão e com o tratamento médico, procedimentos mais complexos podem ser executados. Alguns estudos transversais e casocontrole verificaram a associação de sintomas depressivos à doença periodontal (CASTRO 2003). Porém há estudos que não associam periodontite a esses sintomas (SOLIS et al. 2004, CASTRO 2003, PERSSON et al. 2003). Características da população tais como frequência de deprimidos, idade, perfil sócio-econômico, podem explicar as discrepâncias observadas. Em termos epidemiológicos a força de associação de fatores psicológicos e doença periodontal é mais fraca que para outras exposições ou condições, como fumo e alterações cardíacas (KINANE, BOUCHARD, 2008, GENCO et al., 1999).Não há impedimento de realizar o tratamento periodontal nestes pacientes, mas parece que a resposta ao tratamento é piorada (ELTER et al., 2002; KLOOSTRA et al., 2006). Além disso, durante os episódios de depressão, espera-se que o paciente não contribua de forma efetiva para o controle de placa. Não encontramos protocolos específicos para essas situações, mas o bom senso indica que só o tratamento mais urgente deve ser executado. Pacientes com sintomas depressivos devem ser encaminhados para ajuda especializada. Profissionais que tratam da saúde mental como psicólogos e psiquiatras devem ser consultados. A avaliação clínica envolve investigações que visam esclarecer o diagnóstico do caso e estabelecer as necessidades de tratamento do paciente. Esta avaliação não pode ficar restrita somente às condições bucais, mas deve ser expandida para as condições sistêmicas do paciente. A atenção clínica deve estar voltada para uma avaliação multidisciplinar. Conclusões Dentro das limitações desta revisão podemos concluir que (1) Não existem protocolos específicos para tratar o paciente com depressão. (2) A resposta ao tratamento periodontal é menos satisfatório nestes pacientes. Além disso, XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 3 futuros estudos transversais podem confirmar ou não a correlação da DP com a depressão. Agradecimentos - KLOOSTRA PW, EBER RM, WANG HL, INGLEHART MR. Surgical versus non-surgical periodontal treatment: psychosocial factors and treatment outcomes. J Periodontol. 2006 Jul;77(7):1253-60. Participação dos autores: Beatriz Abreu Osório Simões: escolha do tema, pesquisa bibliográfica, introdução, discussão. Ana Cristina de Oliveira Solis: introdução, métodos, discussão. - LITTLE JW. Dental implications of mood disorders. Gen Dent. 2004 Sep-Oct;52(5):442-50 -PANNUTI, C.M. et al. Tratamento periodontal no paciente fumante. In: DIB, L.L. Atualização clínica em Odontologia 1.ed. São Paulo : Artes Médicas LTDA, 2006. p. 601-608. Referências - ANDRADE L et al. The epidemiology of major depressive episodes: results from the International Consortium of Psychiatric Epidemiology (ICPE) Surveys. Int J Methods Psychiatr Res. 2003;12(1):3-21. Erratum in: Int J Methods Psychiatr Res. 2003;12(3):165. - BROWN LF, BECK JD, ROZIER RG. Incidence of attachment loss in community-dwelling older adults. J Periodontol. 1994 Apr;65(4):316-23. - CASTRO et al. Association between psychosocial factors and periodontitis: a case– control study. J Clin Periodontol. V.33, p.109– 114, 2006. - ELTER JR, WHITE BA, GAYNES BN, BADER JD. Relationship of clinical depression to periodontal treatment outcome. J Periodontol. 2002 Apr;73(4):441-9. - GENCO RJ et al. Relationship of stress, distress and inadequate coping behaviors to periodontal disease. J Periodontol. 1999 Jul;70(7):711-23. - HUGO, F. N. Chronic Stress, Depression, and Cortisol Levels as Risk Indicators of Elevated Plaque and Gingivitis Levels in Individuals Aged 50 Years and Older. J Periodontol. V.77, n.6, p.1008-1014, 2006. - KIECOLT-GLASER, JK; GLASER R., Depression and immune function central pathways to morbidity and mortality. Journal of Psychosomatic Research. V.53, p.873– 876, 2002. - PERSSON et al. Periodontitis and perceived risk for periodontitis in elders with evidence of depression. J Clin Periodontol. V.30, p.691–696, 2003. -SALETU et al. Controlled clinical and psychometric studies on the relation between periodontitis and depressive mood. J Clin Periodontol. V.32, p.1219–1225, 2005. -SOCRANSKY, SS; HAFFAJEE, AD. Microbiologia da doença periodontal. In: LINDHE, J., KARRING, T; LANG, NP. Tratado de periodontia clínica e implantologia oral. 4 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. p. 105-147. - SOLIS et al. Association of periodontal disease to anxiety and depression symptoms, and psychosocial stress factors. J Clin Periodontol. V.31, p.633–638, 2004. -TONETTI MS. Periodontitis and risk for atherosclerosis: an update on intervention trials. J Clin Periodontol. 2009 Jul;36 Suppl 10:15-9. - VETTORE MV, LEAL M, LEÃO AT, DA SILVA AM, LAMARCA GA, SHEIHAM A. The relationship between periodontitis and preterm low birthweight. J Dent Res. 2008, Jan;87(1):73-8. - WEHBA, C, SIMONE JL, VIVOLO, SRGF.. Interrelação entre diabetes melito e doença periodontal. In: DIB, L.L. Atualização clínica em Odontologia 1.ed. São Paulo : Artes Médicas LTDA, 2006. p. 609-618. - KINANE D, BOUCHARD P; Group E of European Workshop on Periodontology. Periodontal diseases and health: Consensus Report of the Sixth European Workshop on Periodontology. J Clin Periodontol. 2008 Sep;35(8 Suppl):333-7. XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 4