Hinduísmo - lição 3 - Carlos João Correia

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HINDUÍSMO 3
MARK W. MUESSE
O Caminho da Sabedoria
Objectivo
Esta lição tem como objectivo discutir as respostas dadas pelos sábios [sages] que procuravam
preservar a continuidade com a tradição védica, mantendo a autoridade dos Veda, algo que os
movimentos heterodoxos [budismo; jainismo] não aceitavam. Estes sábios criaram novas práticas e
filosofias - eventualmente revitalizado algumas antigas tradições - concentrando-se nos problemas
da transmigração e do karma. Analisaremos as novas soluções propostas no interior da tradição
hindu "ortodoxa" através do estudo das Upaniśads, os textos seminais do caminho da sabedoria. O
conhecimento mais elevado, segundo esta vida de libertação, consiste em reconhecer a unidade
fundamental da alma humana e da realidade última [Ultimate] .
I.
O Karma, mesmo o bom Karma, aprisiona a pessoa ao ciclo da transmigração. Um dos caminhos
que a tradição hindu oferece para a obtenção de mokśa, ou a libertação última, é o caminho da
sabedoria.
II.
O caminho da sabedoria está enraizado na Era Axial, precisamente na época em que as mais
importantes respostas hindus às ansiedades sobre a morte e o renascimento foram registadas numa
colecção de textos designadas como Upaniśads.
A. As mais antigas Upaniśads foram provavelmente compostas entre 800 e 400 anos antes da nossa
era, tendo, no entanto, sido escritas muito mais tarde. Os autores destas obras não são
conhecidos actualmente.
B. As Upaniśads eram consideradas śruti, i.e conhecimento revelado, um estatuto sagrado que
partilhavam com os Veda. Embora tenham sido desenvolvidas muito depois das quatro Samhitas
originais, representam uma perspectiva frequentemente designada como Vedānta, i.e. o fim e o
acabamento dos Veda.
C. O título desta colecção, as Upaniśads, vai buscar o seu nome às sílabas do sânscrito que
significam “sentar-se ao lado de”, sugerindo a ideia de que as Upaniśads contêm conhecimento
transmitido do mestre para o estudante e indicando uma forma esotérica de sabedoria que
apenas se poderia obter a partir de alguém que se conhece.
D.Não existe consenso sobre as obras que devem ser incluídas nas Upaniśads. Segundo alguns,
existem entre 200 e 300, algumas delas escritas há poucos séculos; outros dizem que são 108, um
numero particularmente sagrado no Hinduísmo e no Budismo. A grande maioria das edições
impressas, assim como traduções inglesas contêm 13 das “principais” Upaniśads; contudo, como
os Veda, as Upaniśads não são sistemáticas e consistentes em todos os textos.
III.
As Upaniśads centram-se em duas questões cruciais do pensamento: qual a essência do sentimento
de si [self] e qual a essência da realidade última?
A. Os sábios que compuseram as Upaniśads também chamaram à essência humana “alma”,
utilizando a palavra em sânscrito ātman, mas consideraram insatisfatória a relação estabelecida
originariamente pelos Veda com a respiração.
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1.
Os autores das Upaniśads também tinham relutância em identificarem a essência humana
com a mente, como tinham feito outros filósofos.
2.
As Upaniśads concluíram que o que está para lá dos sentidos e da própria mente não pode
ser sentido ou pensado. A partir desta intuição apreenderam as qualidades únicas da alma:
ātman como algo imperceptível, espiritual, para lá das categorias humanas do pensamento,
para lá do entendimento, como algo imortal.
3.
Na medida em que não pode ser identificada, de forma alguma, com o corpo, o ātman não
está submetido às experiências corporais, como a morte e o nascimento. E contudo as
Upaniśads afirmam que a alma existe no interior da nossa natureza física.
B. Embora as Upaniśads visem determinar a essência humana através de um olhar interior [turning
inward], ao mesmo tempo, procuram oferecer uma compreensão profunda da realidade última,
como aquilo que explica a totalidade do que existe.
1.
Há um conceito central reelaborado dos Veda, a saber Brahman, i.e. literalmente “aquilo
que torna grande”. Durante a evolução do Hinduísmo clássico, Brahman refere-se ao poder
de todos os poderes, a realidade mais profunda do cosmo.
2.
O conceito de Brahman torna-se cada vez mais abstracto e difícil de apreender; apesar de
Brahman ser afastado do mundo da experiência diária, as Upaniśads asseguram que está
mais perto de nós do que nós estamos de nós mesmos.
3.
Brahman transcende todas as categorias e imagens. É nirguna, i.e. sem qualidades. Na
medida em que a sua única qualidade é não ter qualidades. Brahman é frequentemente
discutido como aquilo que ele não é, um método conhecido como teologia negativa ou via
negativa.
IV.
À medida que os sábios das Upaniśads apreciavam o carácter incompreensível e indizível tanto de
ātman como de Brahman, as duas ideias convergiram. A conclusão dos sábios foi, assim, de que o
que se chama alma é idêntica à própria realidade última.
A. A identidade entre ātman e Brahman significam que são consubstanciais, i.e. os dois nomes
designam a mesma realidade. O verdadeiro sentimento de si é Deus ou a realidade última.
B. Esta consubstancialidade oferece uma concepção muito elevada da humanidade.
C. Como muitas tradições que afirmam a existência de uma alma, a visão clássica hindu entende que
a alma incarnada não está em descanso, não está na sua verdadeira casa. Continua neste estado
sem descanso, procurando sempre novas manifestações, até que encontra, como Agostinho o
diria, a sua paz em Deus.
D. Segundo as Upaniśads, o samsāra é a consequência da nossa própria ignorância, da nossa falta
de compreensão. A noção de māyā está implícita nas Upaniśads, o véu que cobre a a realidade,
fazendo como que nós percepcionemos pluralidade onde existe realmente unidade.
V.
O princípio da unidade entre Brahman e ātman é a “teoria” fundante para este caminho da sabedoria
e esta ideia confere determina a natureza do próprio caminho. Ao tomar-se o caminho da sabedoria
tal implica viver de tal modo que a vida individual de cada um expresse a verdade desse princípio, na
medida em que não há um sentimento de si separado do resto da realidade.
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A. Aceitar o caminho da sabedoria implica renúncia, desapego em relação a tudo o que encoraje um
sentimento de separação ou individualidade.
B. Enquanto as religiões convencionais encorajam-nos, por vezes, a ir procurar a verdade num livro
ou numa outra coisa qualquer, as Upaniśads dizem-nos que a verdade não está “aí fora”, mas no
interior do sentimento de si mais profundo.
VI.
O resultado desta consciência profunda é a paz e a serenidade que acontece quando se descobre que
não há nada a temer. Então descobre-se que não há necessidade de renascimento porque deixou de
haver um apego à vida.
Leitura essencial:
Patrick Olivelle. The Early Upanishads. Annoted Text and Translation. New York/Oxford:
Oxford University Press. 1998.
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