30/09/2006 - Aborto repetitivo atinge até 3% das mulheres, afirmam especialistas Interrupções consecutivas da gestação acontecem quando sistema de defesa da mulher confunde embrião com um corpo inimigo no organismo Depois de sofrer dois abortos consecutivos e se submeter a uma bateria de exames, a apresentadora Maria Cristina Poli, de 43 anos, descobriu que o grande vilão de sua gravidez era o seu próprio sistema imunológico. A jornalista faz parte de 3% da população feminina em idade reprodutiva que sofre com o chamado aborto repetitivo. Cerca de 80% dos casos estão relacionados a alterações no sistema de defesa do organismo da mulher, que passa a atacar o embrião como se fosse um inimigo. "O aborto repetitivo é aquele que acontece três ou mais vezes consecutivas. Quando a mulher tem 35 anos, consideramos a partir de duas perdas", explica o professor Ricardo Barini, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). De acordo com o especialista, durante muito tempo os médicos acreditavam que o feto passava despercebido pelo organismo da mulher. O aborto repetitivo pode ser causado por alterações genéticas (4% dos casos), anatômicas (15%) e hormonais (20%). Mas, na década de 90, os estudos demonstraram que a gravidez exigia uma adaptação imunológica da futura mamãe. "Foi a partir daí que percebemos o quanto o sistema imunológico é importante para manter a gravidez", conta o médico Sérgio Simões, do Centro de Medicina da Reprodução do Rio de Janeiro. "O ideal é que a gestante reconheça o feto como uma célula boa e não como um tumor", acrescenta. O sistema imune de algumas mulheres, no entanto, não consegue reconhecer o embrião e passa a atacá-lo. "Isso acontece porque o embrião contém informações genéticas do pai que não são aceitas pelo organismo da mãe", afirma o diretor da Clínica Huntington, Paulo Serafini. "Nesses casos, existe uma interação entre as características imunológicas do marido e da mulher. Quanto mais parecidos, pior." Apesar de não ser utilizada em alguns países como os Estados Unidos, os médicos brasileiros usam uma técnica que consegue evitar uma nova rejeição em cerca de 85% dos casos. Trata-se do transplante de células brancas (linfócitos) do marido para a esposa. "A idéia é fazer com que a mulher se acostume primeiro com as células do marido para que não resista ao embrião durante a gravidez", diz Serafini. Foi assim que a apresentadora Maria Cristina Poli conseguiu engravidar de João, de 3 meses. "Tomei a vacina porque tinha esse tipo de rejeição", conta a jornalista. Mas Barini explica que esse procedimento, que custa cerca de R$ 2 mil, é utilizado quando comprovada a resistência. A Unicamp é a única instituição pública que oferece o tratamento gratuito. Mas novas pacientes serão aceitas só no ano que vem.