110 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA O CÉREBRO DISLÉXICO E A APRENDIZAGEM Por: Margareth Rodrigues Paraguassú Orientadora Professora: Marta Pires Relva Rio de Janeiro 2012 210 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA O CÉREBRO DISLÉXICO E A APRENDIZAGEM Apresento a minha monografia à AVM Faculdade Integrada como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Neurociência Pedagógica. Por: Margareth Rodrigues Paraguassú. 310 AGRADECIMENTOS Aos meus filhos e marido pela paciência que sempre tiveram comigo nos meus momentos de estudo e aula, muitas vezes com privação de minha companhia. 410 DEDICATÓRIA Dedico ao meu primeiro filho que muito sofreu ao longo dos anos escolares, por ser um cérebro disléxico em uma época que, ainda se entendia pouquíssimo, ou quase nada, do assunto. 710 RESUMO Constata-se que o sucesso de uma criança na aprendizagem de leitura e escrita depende do amadurecimento neurofisiológico das células, bem como, emocional e social no Sistema Nervoso Central, onde ocorrem as modificações funcionais e de condutas, que são aprendizagens. O ato de aprender é um ato de plasticidade cerebral, modulado por fatores intrínsecos (genéticos) e extrínsecos (experiências). Sendo assim, como o cérebro do disléxico se organiza para a aprendizagem? Quais são as suas limitações e quais são suas potencialidades? Segundo Miichael Gazzaniga, o delicado equilíbrio na comunicação entre os neurônios do encéfalo produz aprendizagem, e, quando este equilíbrio é perturbado por lesão ou doença, a percepção, o movimento e o pensamento em si podem ser colocados em risco. Ao longo dos anos e dos estudos feitos, um dos cérebros estudado foi o de Einstein, que morreu em 1955, com 76 anos de idade. Seu cérebro foi extraído e guardado. A primeira observação foi que o cérebro de Einstein tinha uma fissura lateral (de Sylvius), que separa o lobo temporal dos lobos frontal e parietal, com uma organização anatômica incomum. O cérebro de Einstein apresentava uma confluência estranha da fissura lateral com o sulco central na superfície lateral do hemisfério cerebral. Einstein foi considerado um gênio, mas também se observou que apresentava um cérebro disléxico. A linguagem é, de fato, uma das mais complexas características do cérebro humano. O significado das palavras, sua organização em sentenças, como elas são produzidas na forma falada ou escrita e como são entendidas por quem as ouve ou lê abrangem uma das mais fascinantes histórias de do que a neurociência cognitiva vem mostrando. A fala e a linguagem simbólica, sendo unicamente humanas, marcaram uma grande mudança entre cérebros de macacos e cérebros humanos. Algumas regiões do cérebro têm sido reconhecidas como fundamentais para a fala e a compreensão normais. Como o cérebro lida com estímulos verbais falados ou escritos para deles extrair um significado? 8 Como o cérebro armazena palavras, revisando dados obtidos a partir de modelos teórico–experimentais e dados neurofisiológicos? 910 METODOLOGIA Através de leituras de livros de autores importantes conhecedores do assunto, sites sobre dislexia, desenvolvimento e aprendizagem cerebral e observações de diferentes maneiras de aprender de cérebros variados, da construção da compreensão sobre a aprendizagem e o cérebro disléxico para a confecção e condução desta monografia. As aulas, palestras, filmes e documentários que foram assistidos ao longo dessa jornada, também levaram á reflexão e elaboração do assunto em pauta. 1010 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................. 07 CAPÍTULO I- A Aprendizagem ..........................Erro! Indicador não definido.0 CAPÍTULO II- Dificuldades para a aprendizagem2Erro! definido. Indicador não CAPITULO III – A Linguagem e o Cérebro ..................................................... 24 CAPÍTULO IV– Transtornos da Linguagem ..................................................... 27 CAPÍTULO V – Transtornos da Linguagem escrita – Dislexia ......................... 32 CAPÍTULO VI – Tipos de Dislexia ................................................................... 42 CONCLUSÃO .................................................................................................. 44 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ....................................................................... 45 7 INTRODUÇÃO A ciência do encéfalo emergiu no século passado e apresentou o conhecimento de que ele é feito de unidades distintas, os neurônios. Cajal uniu a história sobre a importância de entidades distintas, neurônios funcionais, e como eles devem interagir para produzir o comportamento, de que modo o encéfalo, como um todo, era organizado. Surgiu a psicologia cognitiva, estágios de processamento e atividade cognitiva podiam ser analisados levando em consideração seus componentes interligados. O delicado equilíbrio na comunicação entre os neurônios do encéfalo produz aprendizagem e quando este equilíbrio é perturbado por lesão ou doença, a percepção, o movimento e o pensamento em si podem ser colocados em risco. A principal preocupação para os neuroanatomistas é identificar os padrões de conectividade no sistema nervoso para poder estabelecer as vias neurais que permitem que a informação vá de um lugar para o outro. O produto da percepção está intimamente ligado com a memória. O reconhecimento ou identificação dos objetos é mais do que associar características para formar um todo coerente. Esse todo desencadeia memórias. Há uma interação entre percepção e memória. A maioria dos modelos das bases celulares da memória afirmam que a memória é o resultado de mudanças da força das interações sinápticas entre os neurônios nas redes neurais. Hebb em 1949, para responder ao questionamento de como a força sináptica pode ser alterada para produzir aprendizado e memória, propôs que uma sinapse está ativa quando um neurônio pós – sináptico está ativo, e assim, a sinapse será reforçada. Por causa do papel da formação da memória, tem-se sugerido que os neurônios no hipocampo devem ser plásticos, capazes de mudar as interações sinápticas. O aprendizado e a memória são definidos como a habilidade de adquirir novas informações e de mantê-las com o tempo. As teorias cognitivas e as evidências neurocientíficas sugerem que a memória é mantida por múltiplos sistemas cognitivos e neurais. 8 As estruturas cerebrais que sustentam os vários processos de memória, como o registro sensorial, a representação da percepção, a memória de trabalho, a memória procedual, a memória semântica e a episódica diferem, dependendo do tipo de informação a ser retida e de como ela é codificada e evocada. Os sistemas biológicos da memória incluem o lobo temporal medial, que forma e consolida novas memórias episódicas e talvez as memórias semânticas, o córtex pré- frontal,que está envolvido na consolidação e na evocação da informação; o córtex temporal, que armazena o conhecimento episódico e semântico, e os córtices sensoriais associativos para os efeitos de priming de procedimento. Outras estruturas corticais e subcorticais participam do aprendizado de habilidade e de hábitos, especialmente aqueles de aprendizado motor implíncito. O encéfalo não é equipotente no armazenamento de informações, e, mesmo que várias áreas encefálicas cooperem no aprendizado e na memória, estruturas individuais formam sistemas que sustentam e permitem processos específicos de memória. Em nível celular, as mudanças na força das sinapses entre neurônios em redes neurais no lobo temporal medial, no neocórtex e em outras regiões compõem o mecanismo mais provável para o aprendizado e a memória. A linguagem é uma das mais complexas características do cérebro humano. O significado das palavras, sua organização em sentenças, como elas são produzidas na forma falada ou escrita, talvez o mais importante, como são entendidas por quem as ouve ou lê abrangem uma das mais fascinantes histórias na neurociência cognitiva. A comunicação e a complexidade do cérebro deram um passo monumental desde o mais inteligente dos primatas não humanos, para o qual a comunicação inclui a linguagem. A fala e a linguagem simbólica, sendo unicamente humanas, marcaram uma mudança dramática entre cós demais cérebros e cérebros humanos. O processo de aprendizagem se dá no Sistema Nervoso Central que é uma estrutura complexa. Quando chega ao Sistema Nervoso Central uma 9 informação conhecida, ele gera uma lembrança que é uma memória. Mas , quando chega uma informação imediatamente nova,ela nada evoca, produz uma mudança, isso é aprendizado, do ponto de vista neurobiológico. Para que se entenda o processo de aprendizagem é imprecindível dominar a sequência pela qual ocorrem os eventos neuromaturacionais da criança, enquanto cresce se desenvolve e também aprende. As habilidades escolares precisam ser ensinadas e aprendidas. Nos transtornos de aprendizagem os padrões normais de aquisição de habilidades estão perturbados desde os estágios iniciais do desenvolvimento, ou seja, não são adquiridos decorrentes de falta de estimulação adequada ou de qualquer forma de traumatismo ou doença cerebral. Acredita-se na origem dos transtornos de aprendizagem, como sendo a partir de distúrbios na interligação de informações em várias regiões do cérebro. Qualquer fator que possa facilitar o surgimento de um quadro de transtorno da aprendizagem. Mas, acredita-se que as lesões que aparecem cedo e localizadas não afetam o desenvolvimento das funções cerebrais superiores, já que existe a plasticidade cerebral, que permite a reorganização do tecido nervoso; o distúrbio ocorreria mais tarde, na fase da histogênese. Na gênese dos transtornos da aprendizagem, menciona-se a causa genética à qual se atrubui à origem da dislexia. As alterações em vários genes levariam a malformações cerebrais. 1010 CAPÍTULO I A APRENDIZAGEM O processo da aprendizagem se dá no Sistema Nervoso Central. Quando chega ao Sistema Nervoso Central uma informação conhecida, esta gera uma lembrança que é uma memória. Mas quando a informação é inteiramente nova, ela nada evoca e produz uma mudança, o que é um aprendizado do ponto de vista estritamente neurobiológico. Para que se entenda o processo do aprendizado é também importante dominar a sequência pela qual ocorrem os eventos neuromaturacionais da criança, enquanto cresce se desenvolve e também aprende. No nível histológico foram descritos dois tipos de células nervosas que corresponderiam às duas unidades estruturais e també funcionais do Sistema Nervoso Central: o neurônio e o gliócito, também chamado de célula glial ou neuróglia. Sabe-se que as células gliais são 10 a 15 vezes mais numerosas do que os neurônios, que podem modificar-se com a chegada de novas informações no Sistema Nervoso Central e participam dos mecanismos celulares do aprendizado. Outro conceito importante que tem sido muito estudado diz respeito à capacidade de regeneração ou recuperação funcional das células nervosas; a neuroplasticidade. Atualmente estima-se que o número seja próximo de 88 bilhões de neurônios em cada cérebro, com diferentes formatos e funções, além de uma capacidade toda especial e específica dos neurônios, que é a capacidade de aprender. Cada neurônio tem potencial para fazer em torno de 60 mil conexões ou sinapses; cada sinapse pode receber até 100 mil impulsos por segundo. É uma complexa estrutura de funcionamento das redes neurais. Não há a menor possibilidade de haver dois cérebros absolutamente iguais, nem do ponto de vista neuroanatômico e nem do ponto de vista neurofuncional. Na comparação do cérebro com o cerebelo, pode-se dizer que a citoarquitetura cerebelar é bem mais simples do que a cerebral e a capacidade 11 do cerebelo em estabelecer conexões é um pouco diferente, pois a sinaptogênese cerebelar é muito mais intensa do que a cerebral. Os neurônios do cerebelo podem fazer até 150 mil sinapses cada um, mais do que o dobro dos cerebrais. Há um maior potencial neuroplástico do cerebelo, quando comparado com o do cérebro. Os neurônios são células altamente excitáveis que se comunicam entre si e também com outras células efetuadoras, que são as musculares e secretoras. A linguagem da comunicação interneural é basicamente elétrica, por meio da modificação do potencial de membrana. Há dois tipos de neurotransmissão, a elétrica e a química. Elas atuam praticamente ao mesmo tempo. A elétrica está mais relacionada ao processo de desenvolvimento neuropsicomotor e a química está mais ligada ao aprendizado em si. A neurotransmissão mais recente, dentro da visão ontogenética é a química, que é unidirecional, está relacionada com o aprendizado e envolve vários eventos, além de diferentes neurotransmissores. Ao que se refere à comunicação entre neurônios, um impulso pode iniciar elétrico, passar para o químico na fenda sinápticae seguir elétrico até o final do axônio seguinte. Há casos mais complexos, como ocorre na audição: uma quádrupla decodificação de informações. As maiores alterações morfogenéticas do sistema Nervoso Central dos humanos ocorrem durante os primeiros 3 a 4 meses de gestação, resultantes de intensa proliferação e deslocamentos celulares nas estruturas embrionárias precursoras. A organogênese que ocorre durante o primeiro trimestre de gravidez e os insultos orgânicos pode trazer como consequência uma malformação no feto. Segundo Newra Tellechea Rotta, em todo o Sistema Nervoso Central, e por extensão também nos hemisférios cerebrais, ocorrem sete etapas, que se sucedem às vezes com parcial sobreposição: a determinação da identidade neural no neuroectoderma, a proliferação celular controlada, a migração das células precursoras, a diferenciação celular, para a forma e as propriedades maduras, a formação dos circuitos neurais, a eliminação 12 programada de células e circuitos redundantes e a mielinização. Alguns destes eventos iniciados na gestação, só se completam tempos após o nascimento, como a mielinização. São como “janelas maturacionais” que se abrem e se fecham em épocas predefinidas. Numa região específica do embrião, chamada de região organizadora foram identificados alguns fatores indutores para a determinação da identidade neural do ectoderma primitivo, tais como fotislatina, noguina e cordina. A proliferação celular é um dos fenômenos mais comuns e espantosos da embriogênese. A partir da célula-ovo surge todo um indivíduo com suas individualidades e complexidades. No Sistema Nervoso Central, a proliferação celular se intensifica após o fechamento do tubo neural no processo de neurogênese. Próximo a cessar a neurogênese inicia-se a migração das células para seu sítio definitivo. As células gliais servem como “guias” para os neurônios, durante a mudança de localização. Caso os neurônios não consigam atingir os destinos, toda a citoarquitetura cortical fica anárquica. Nos chamados distúrbios da migração neuronal, não se formam redes neurais adequadas e as funções corticais, dentre elas ‘o aprendizado, podem ficar muito prejudicadas. A sinaptogênese, formação dos circuitos neurais é um processo um pouco mais tardio na gestação. A maioria do processo se dá após o nascimento, suscetível às influências ambientais que, somadas à bagagem genética moldam os engramas. A morte programada dos neurônios corticais; a apoptose começa no terceiro trimestre da gestação e vai até o segundo ano da vida. A mielinização marca o estágio final da maturação embrionária e ontogenética do sistema nervoso. A mielina é uma espécie de gordura isolante que diminui as perdas de informação entre os corpos neuronais. A atividade nervosa é fundamental para o animal viver em equilíbrio com o meio externo. Há três propriedades para os seres vivos se adaptarem ao meio ambiente: a irritabilidade, a condutibilidade e a contrabilidade. Basta 13 haver ação e reação, pelo menos irritabilidade e condutibilidade para que haja uma atividade nervosa. Nos humanos existem vários tipos de receptores, cada um especialzado em determinado tipo de sensação, como o tato, a pressão, a temperatura, a dor, entre outros. Todos os neurônios existentes no Sistema Nervoso Central, nos humanos, podem ser classificados em três grandes grupos: neurônio aferente ou sensitivo,é aquele que recebe as informações que recebe as informações; neurônio eferente é conhecido como neurônio motor, encarregado de enviar as informações ao meio externo, e neurônio de associação, que fica no interior do Sistema Nervoso Central, e corresponde ao maior contingente de células. A diferença entre os humanos e os demais mamíferos pode estar justamente nos neurônios de associação, pois a diferença neurofuncional decorre do domínio que os humanos têm da linguagem. As informações sensitivas entram, viajam e são decodificadas na parte posterior do Sistema Nervoso Central. São processadas e modificadas pelos neurônios de associação e finalmente saem do Sistema Nervoso central pela parte anterior, tanto do cérebro como da medula. Os hemisférios cerebrais são como dois brotos telencefálicos que crescem muito, a ponto de esconder as estruturas que ficaram na linha média. Com o passar da gestação e do processo maturacional, os hemisférios cerebrais, inicialmente lisos, vão se dobrando na superfície e ficando enrrugados, formando inúmeros sulcos e giros, dando o aspecto do cérebro maduro. O pregueamento dos hemisférios cerebrais que torna cheios de sulcos e giros fica bem mais intenso no final da gestação, em torno do oitavo mês. Não são só os hemisférios cerebrais que participam do processo de aprendizagem. A atenção, pré–requisito dos mais primordiais para que se dê um aprendizado não depende só dos hemisférios, depende de uma complexa interação entre estruturas do tronco encefálico e suas conexões com o córtex frontal. 14 Do ponto de vista ontogenético, um dos primeiros sistemas a completar o ciclo maturacional é justamente o da atenção. Atualmente, o cerebelo é também admitido como participante dos processos de mudança do foco da atenção, manutenção da atenção, aprendizagem e linguagem, além de outras funções tidas como “superiores”. Os hemisférios estão envolvidos naqueles aprendizados tidos como mais elaborados. O Sistema Nervoso pode ser dividido em dois grandes contingentes: Sistema Nervoso Central, que consta de cérebro, cerebelo e medula; e sistema Nervoso Periférico, representado por nervos, gânglios e terminações nervosas. O Sistema Nervoso também pode ser dividido em dois grandes grupos: Sistema Nervoso Somático, que corresponde àquele que inerva o corpo e o Sistema Nervoso Visceral, que inerva as vísceras. O cérebro funciona como um todo, no que se refere à cognição e conduta do indivíduo. Segundo Lúria, haveria três sistemas funcionais. A primeira unidade funcional de Lúria, a de vigíliamseria constituída por unidades do tronco encefálico e suas conexões pré- frontais que regem o ciclo sono– vigília. Alterações anatômicas ou funcionais nessa unidade causam desatenção. A segunda unidade funcional tem a ver com recepção, armazenamento e análise das informações. Corresponde a toda porção posterior dos hemisférios cerebrais. É subdividida em áreas primárias, secundárias e terciárias, que se relacionamcom a visão, audição e sensação tátil–somestésica. As áreas primárias não interpretam as informações, apenas as registram. As áreas secundárias estão junto das áreas primárias, processam as informações e são responsáveis pelas gnosias. As áreas terciárias são de associação multissensorial, sem localização precisa. Possibilitam a noção de esquema corporal, espaço, tempo e cálculo, além da linguagem. A terceira unidade funcional é a responsável pela programação, regulação e verificação continuada da atividade. Segundo rebollo (1991), 15 haveria uma quarta unidade funcional, não descrita por Lúria, que seria responsável pelas emoções e estaria situada no Sistema Límbico. A sequência das estruturas do Sistema Nervoso Central, de baixo para cima vai aumentando de complexidade. São, basicamente, quatro componentes: medula, tronco cerebral, diencéfalo e telencéfalo. A medula é o órgão do Sistema Nervoso central que menos sofreu modificações durante o desenvolvimento. Está inferiormente localizada e é encarregada de transmitir os impulsos aferentes e eferentes do Sistema Nervoso Central. O aprendizado, no nível medular, basicamente tem a ver com a atividade motorareflexa, que é a mais primitiva das atividades motoras e a primeira a surgir na ontologia da criança. O tronco cerebral é uma estrutura bem mais complexa e está localizado logo acima da medula. É constituído por três partes: bulbo, ponte e mesencéfalo. O tronco cerebral é uma área de passagem das informações. Nele funcionamáreas vitais, como o centro respiratório, a regulagem automática de várias funções vitais e uma porção denominada sistema reticular ativador ascendente, que tem muita importância no comando do ciclo sono–vigília e também na atenção. Uma disfunção nessa área, que corresponde à chamada primeira unidade funcional de Lúria e completa seu ciclo maturacional, aproximadamente, 12 meses após a concepção, pode ter como sistema desatenção ou até ser responsável pelo TDAH (transtorno de déficit de atenção / hiperatividade), o que pode vir a prejudicar o aprendizado. O diencéfalo é uma estrutura ímpar e mediana, situada logo acima do tronco cerebral e, é quase que totalmente encoberto pelo crescimento do telencéfalo, ficando escondiso entre os hemisférios cerebrais. Abriga o hipotálamo, que é o ponto de partida da secreção da maioria dos hormônios. O telencéfalo é uma estrutura que está sobre todas as demais, é a última a amadurecer e compreende os dois hemisférios cerebrais. Grande parte dos eventos relacionados com a aprendizagem ocorre no telencéfalo. O cerebelo está localizado abaixo do encéfalo e, é encarregado do equilíbrio, do tônus muscular, da marcha e da coordenação motora. Também é importante na manutenção e na mudança do foco da atenção, bem como na 16 fala e no comportamento. O cerebelo é praticamente um pequeno cérebro e tem muita participação nos eventos neurobiológicoa do aprendizado, tanto na recepção das informações, quanto na modulação das respostas. Os hemisférios direito e esquerdo estão separados e ao mesmo tempo unidos por estruturas de conexão. A mais importante é o corpo caloso. As funções mais complexas, tais como a linguagem, o que existe não é uma pura e simples lateralização. Ambos os hemisférios atuam juntos, mas existe o que é chamado de dominância hemisférica, ou seja, um trabalha melhor com certos aspectos daquela função. Na verdade, existem inúmeras conexões entre os lobos dos hemisférios cerebrais, de tal forma que eles atuam juntos, apesar de nem sempre’de forma simétrica. Todo o aprendizado de conteúdo visual necessita passar pelo lobo occipital. É um lobo eminentemente sensitivo. Vários aprendizados ocorrem no lobbo temporal, aqueles que envolvem olfato, audição, linguagem compreensiva, comportamento, emoções e memória. O lobo frontal tem várias funções. O planejamento da fala está na área de Broca, localizada no giro frontal inferior esquerdo. Também é responsável por todos os movimentos do corpo, no chamado homúnculo de Penfield, na área frontal posterior, face lateral. Outras funções também estão localizadas nos lobos frontais, tais como o controle do humor, dod impulsos e o gerenciamento de todas as situações que envolvem a relação entre pessoa e o ambiente. No que se refere ao aprendizado pode–se afirmar que o lobo frontal participa da linguagem falada, do controle do humor e dos impulsos, além de todos os aprendizados que envolvam movimento do corpo. Diferentes aprendizados se dão em diferentes locais, mas também são consolidados em diferentes épocas, configurando verdadeiras janelas maturacionais. Os aprendizados não são uniformes ou puros em seu conteúdo, que podem ter componentes oriundos de diferentes áreas. Os que têm conteúdo puramente visual ocorrem nas áreas de associação visual, próximas do lobo occipital; os que têm conteúdo predominantemente auditivo ocorrem 17 nas proximidades da área auditiva do lobo temporal; os que têm maior conteúdo práxico ocorrem nos quadrantes anteriores dos hemisférios cerebrais e suas conexões com o cerebelo. O aprendizado e a memória não estão confinados a um único local no encéfalo. Neste evento ocorre, basicamente, uma modificação estrutural no sistema nervoso, formando o que se denomina de engrama. A compreensão da natureza das mudanças estruturais do encéfalo no processo da aprendizagem passa pelo conhecimento das características bioquímicas e funcionais dos neurônios, das sinapses e dos circuitos formados por eles. O conhecimento da transmissão sináptica é a chave para compreender a base neural do aprendizado e da memória. As memórias são estabelecidas por modificações na efetividade de sinapses químicas no encéfalo. A aprendizagem é um evento sináptico e no seu transcurso são produzidas modificações moleculares. Nela existe uma etapa de aquisição e outra de consolidação. Quando um estímulo novo chega ao cérebro, se produz um padrão diferente de descargas, provocando uma modificação que persiste. A retenção dessa modificação se relaciona com a memória ou engramas. Na etapa de aquisição de aprendizagens, ocorre o surgimento de novas sinapses, mas provavelmente há uma modificação nas existentes, naqueles neurônios com sinapses modificáveis. Na etapa de consolidação, ocorrem modificações bioquímicas e moleculares nos potenciais pós–sinápticos que se referem à memória. A base da aprendizagem se localiza nas modificações estruturais e funcionais do neurônio e suas conexões. As funções cerebrais são executadas por um conjunto de neurônios formando sistemas funcionais. Luria, em 1976, dividiu os sistemas funcionais em três. A primeira unidade funcional ou de vigília tem como função manter o estado de alerta do córtex cerebral, controlando o ciclo sono–vigília. Como se relaciona com a atenção, a disfunção deste sistema leva à distratilidade. A segunda unidade funcional ou de recepção, análise e armazenamento, localiza–se no córtex temporal, parietal e occipital. 18 A terceira área funcional, de regulação e verificação da atividade está representada pelos os lobos frontais, que possibilitam a intencionalidade, a planificação e a organização da conduta em relação à percepção e ao conhecimento do mundo. As unidades funcionais de Luria se referem às funções cognitivas, mas não se pode esquecer a afetividade, podendo se incorporar uma quarta unidade funcional, localizada no sistema límbico. As unidades funcionais do cérebro estão organizadas de forma hierárquica. São divididas em cinco etapas. A primeira etapa corresponde ao desenvolvimento da substância reticular ascendente. Ela já está em atividade no nascimento, mas adquire ação plena aos 12 anos de idade. A lesão desta área leva a distúrbios da atenção e hipercinesia. A segunda etapa se relaciona com o desenvolvimento da área motora primária e das áreas sensitivas primárias. Há uma conexão entre as duas, tornando possível uma atividade sensório–motora, que se desenvolve nos dois primeiros anos de vida. Corresponde ao período sensório–motor de Piaget. Inúmeras definições para motivação. A terceira etapa corresponde à maturação funcional das áreas secundárias. Esta etapa inicia com as anteriores, mas, principalmente aos dois anos, se estendendo até os cinco anos. Nesse período, inicia o desenvolvimento da linguagem e a lateralização dos hemisférios cerebrais, o que explica o fato de que lesões cerebrais antes de dois anos de idade levam o desenvolvimento da linguagem a localizar se no hemisfério não–dominante. É o período de transição para o pensamento representativo de preparação para as operações concretas da teoria de Piaget. A quarta etapa ocorre com o desenvolvimento das áreas terciárias da segunda unidade funcional, localizadas na região parietal, permitindo a produção de atividades mentais complexas relacionadas com o nível simbólico e conceitual. Coincide com o período das operações concretas de Piaget. Ocorre entre 5 e 12 anos de idade. As alterações destas áreas podem levar a disfunções que vão desde dificuldades na leitura e em matemática até o retardo mental. A quinta etapa corresponde ao desenvolvimento das áreas da terceira unidade funcional, na região pré–frontal, que do ponto de vista ontogenético e filogenético é a última 19 que se desenvolve. Esta área faz conexões com todas as áreas corticais, com as estruturas subcorticais, o sistema límbico e o tronco encefálico. Esta etapa corresponde ao período das operações formais de Piaget, que inicia aos doze anos de idade. Tanto os sistemas funcionais hierárquicos como os em paralelo formam circuitos em diferentes partes do sistema nervoso de diferentes tipos, os quais se conectam formando sistemas distribuídos de grande complexidade funcional e permitem a consolidação do aprendizado. A semiologia psicológica da aprendizagem normal baseia–se na premissa de que o desenvolvimento psicológico se constrói a partir da interação de fatores genéticos e biológicos, orgânicos e ambientais. Os fatores biológicos moldam as tendências do indivíduo. Os fatores orgânicos pressupõem um aparato orgânico e neurológico íntegro. Os fatores ambientais compreendem um ambiente facilitador, representado na etapa inicial da vida pela vinculação com a figura materna, ou representante desta, e pela sua função de cuidadora e de parâmetro da realidade para o bebê. A partir dessas premissas instala–se a capacidade de aprender (Ferreira, 1983). A aprendizagem psicológica em sentido amplo já se observa nas primeiras horas do nascimento, por meio da capacidade dos bebês de identificar o tom de voz da mãe e o seu cheiro, A partir do nascimento, à medida que os cuidados com o bebê são organizados de forma constante, preferencialmente, por um mesmo cuidador, consolidam–se as vias de memória. Estas cpermitirão ao bebê construir a constância objetal afetiva, a sua capacidade de relacionamento e de interagir com o mundo, bem como o seu modo de aprender. O modelo vincular e interacional aprendido na primeira infância torna–se cada vez mais complexo. Os conhecimentos aprendidos vão se acumulando e se integrando ao aparato psicológico de cada indivíduo, moldando a sua maneira própria de aprender, até a velhice, quando se observa um declínio normal da plasticidade psicológica e cerebral para processar estímulos novos. A capacidade de aprender pressupõe uma base vincular, isto é, capacidade de vinculações e de constância objetal afetiva. 20 CAPÍTULO II DIFICULDADES PARA A APRENDIZAGEM Um cérebro com estrutura normal, com condições funcionais e neuroquímicas corretas e com um elenco genético adequado, não significa 100% de garantia de aprendizado normal. Há situações extra – Sistema Nervoso central que interferem na aprendizagem. Sara Paín, em 1973, comenta que, para o estabelecimento da situação aprendizagem, é necessário que se encontrem situações adequadas internas e externas. As primeiras estão relacionadas com as condições do próprio corpo, com a integridade anatomofuncional, cognitiva, com a estruturação e organização dos estímulos. Já as situações externas estão relacionadas com o campo dos estímulos. Estudiosos apontam a importância da aquisição de pré–requisitos, relacionados com a capacitação das funções perceptivas e motoras da criança, por meio de experiências que lhe permitam formar estruturas mentais indispensáveis à aprendizagem posterior, possibilitando ao indivíduo relacionar sua vivência correta com a situação abstrata a cada momento. No processo intelectual, há estreita relação dos aspectos intelectuais e afetivos com os aspectos motores e com as experiências corporais da criança. Há, muitas vezes, uma distancia bastante considerável entre a possibilidade da criança aprender e as técnicas de ensino utilizadas. A definição das dificuldades para a aprendizagem passa primeiro pelo conceito de aprendizagem. O ato de aprender se passa no Sistema Nervoso Central, onde ocorrem modificaçòes funcionais e condutuais, que dependem do contingente genético de cada indivíduo, associado ao ambiente onde esse ser está inserido. O ambiente é responsável pelo aporte sensitivo– sensorial, que vem pela substância reticular ativadora ascendente e é modificado pelo Sistema Límbico, que contribui com os aspectos afetivo– emocionais da aprendizagem. Na corticalidade cerebral, nas áreas do lobo 21 temporal responsáveisc pela recepção, interação e organização das percepções auditivas (áreasa 41,42 e 22 de Brodmann) e nas áreas do lobo occipital responsáveis pela recepção, interação e organização das percepções visuais (áreas 17, 18 e 19 de Brodmann). As áreas temporais e occipitais se ligam com as áreas motoras do lobo frontal – área 44 de Brodmann, situada no pé da terceira circunvolução frontal, responsável pela articulação da palavra e a porção média da área 4 de Brodmann, situada na circunvolução frontal ascendente, responsável pela expressão escrita, a grafia. As alterações funcionais e neuroquímicas envolvidas produzem modificações mais ou menos permanentes no Sistema Nervoso Central, e isto é aprendizagem. O ato de aprender é um ato de plasticidade cerebral, modulado por fatores intrínsecos (genéticos) e extrínsecos (experiência). Independente dos fatores envolvidos, a aprendizagem se passa no Sistema Nervoso Central. No entanto, nem sempre ele é o responsável real pelo fracasso escolar. Dificuldades para a aprendizagem são o resultado de alguma falha intrínseca ou extrínseca desse processo. Os fatores envolvidos nas dificuldades para a aprendizagem podem ser divididos em: fatores relacionados com a escola, fatores relacionados com a família e fatores relacionados com a criança. Problemas físicos, em geral, como as dificuldades sensoriais são responsáveis pela aferência perceptiva adequada, seja ela visual ou auditiva. Essas dificuldades podem ser hereditárias, congênitas ou adquiridas e agudas ou crônicas. Infecções de vias aéreas são dificuldades de causa adquirida bastante frequentes, como as otites crônicas, as aigdalites e as sinusites que, atrapalham a percepção auditiva, interferem no processo. A criança que não escuta bem, frequentemente parece desatenta e inquieta. Problemas psicológicos como a timidez, a insegurança, a ansiedade, a baixa auto–estima, a necessidade de afirmação e a falta de motivação poderão se constituir em um fator agravante quando a criança entra na idade escolar. Todos os transtornos psíquicos evolutivos tendem a se agravar quando associados aos conflitos do ingresso na escola. 22 Para atender crianças com dificuldades para a aprendizagem é necessário uma equipe multidisciplinar e interdisciplinar que entenda a criança como um ser global. As dificuldades para a aprendizagem suportam múltiplos enfoques e, consequentemente, múltiplos atendimentos, pois é necessário agir sob as dificuldades predominantes em cada caso como nos sensitivos–sensoriais, que devem ser atendidos pelo fonoaudiólogo, pelo otorrinolaringologista e pelo oftalmologista percepto–motoras, atendidas pelo psicopedagogo, pelo psicomotricista e pelo terapeuta ocupacional; motoras, atendidas pelo fisioterapeuta, pelo psicomotricista e pelo terapeuta ocupacional; emocionais atendidas pelo psicólogo e pelo psiquiatra; sociais, atendidas pelo assistente social, que procura entre os órgãos governamentais possibilidades de apoio à família. O tratamento farmacológico das co–morbidades é realizado pelo neuropediatra e ,ou, psiquiatra, dependendo da situação. O profissional tem que lembrar sempre que não só a criança está com dificuldade, mas que também a família está com a sua auto–estima abalada ao perceber o fracasso do filho. 2310 CAPÍTULO III A LINGUAGEM E O CÉREBRO A linguagem é uma das mais complexas características do cérebro humano. O significado das palavras, sua organização em sentenças, como elas são produzidas na forma falada ou escrita e como são entendidas por quem as ouve ou lê é algo fascinante. Um armazenamento mental dos significados das palavras é crucial para a compreensão e a produçào normal da linguagem. Estudos de neuroimagem funcional do cérebro e evidências obtidas de pacientes com lesões cerebrais estão revelando como o léxico mental e o conhecimento conceitual podem estar organizados. Pela observação de déficits na capacidade de linguagem de pacientes, pode–se inferir diversas hipóteses acerca da organizaçào funcional do léxico mental. Diferentes tipos de problemas neurológicos levam a deficiências na compreensão e na produção do significado apropriado de uma palavra de conceito. Pacientes com afasia de Wernicke (uma deficiência de linguagem, normalmente causada por lesões encefálicas nas partes posteriores do hemisfério esquerdo) cometem erros na produção da fala que são conhecidos como parafasias semânticas. Erros semelhantes são cometidos por pacientes com dislexia profunda. Damásio e colaboradores propuseram que as redes conceituais no cérebro envolvem diversas estruturas neuronais nos hemisférios esquerdo e direito. As redes conceituais estão conectadas às lexicais no lobo temporal esquerdo e podem conter informações especializadas para pessoas, animais e ferramentas. Essas áreas ativam a rede fonológica que alcança com precisão os padrões de som necessários para produzir a palavra. A compreensão das linguagens falada e escrita compartilha alguns processos, mas há algumas diferenças marcantes na maneira como os sinais de entrada falados e escritos são analisados. Quando tenta compreender palavras faladas, a pessoa que escuta deve decodificar os sinais de entrada acústicos. O resultado dessa análise acústica é traduzido em um código 24 fonológico, modo pelo qual as representações lexicais da forma auditiva das palavras são armazenadas no léxico mental. Esses passos de processamento são ambos, pré–lexicais e não envolvem o léxico mental. Após a tradução dos sinais de entrada acústicos em um formato fonoaudiológico, a representação lexical no léxico mental que melhor se enquadra ao sinal auditivo pode ser selecionada (seleção léxica). A forma da palavra selecionada ativa o lema (armazenamento de informação gramatical), a seguir, o significado da palavra. O processo de leitura de palavras compartilha pelo menos os dois últimos passos da análise lingüística com a compreensão auditiva (lema e ativação do significado), mas difere nos primeiros passos do processamento devido à modalidade diferente do sinal de aferência. O primeiro passo da análise requer que o leitor identifique unidades ortográficas do sinal de aferência visual. Essas unidades ortográficas podem ser diretamente mapeadas nas formas ortográficas das palavras no léxico mental ou, alternativamente, as unidades ortográficas identificadas podem ser traduzidas em unidades fonológicas, as quais, por sua vez, ativam a forma fonológica da palavra no léxico mental, como descrito para a compreensão auditiva. Um outro ponto importante a ser percebido é que alguns modelos de compreensão da linguagem não presumem que as palavras estejam representadas de forma permanente no cérebro, mas que elas emergem como um padrão de ativação em uma rede distribuída. A primeira etapa que executa aquele que ouve ou lê é a identificação de palavras individuais em um discurso falado ou em um texto escrito. É preciso analisar os sinais aferentes percebidos em um processo pré–lexical que não envolve o léxico mental. A análise requerida por aquilo que é percebido em sinais aferentes falados ou escritos é bastante diferente. Enquanto para um leitor torna-se imediatamente claro que as letras em uma página são os sinais físicos importantes, alguém que ouve é confrontado com uma variedade de sons no ambiente e precisa identificar e distinguir os sinais relevantes da fala de outros ruídos. 25 Os fonemas são importantes blocos constitutivos da linguagem falada. São as menores unidades de som que fazem diferença para o significado. Para descrever os fonemas na linguagem humana, utiliza-se o alfabeto fonológico, que não é o mesmo que o alfabeto ortográfico. Por sinais de entrada escritos, os leitores devem reconhecer um padrão visual. Esses padrões variam ao longo de diferentes sistemas de escrita. A falta de correspondência entre letra e som torna difícil a tarefa de aprender a soletrar. No próximo nível de organização estão o morfema, a menor unidade de linguagem que se apresenta significado. Estudos recentes em humanos começaram a esclarecer a questão sobre em que região os humanos podem processar letras no cérebro. A análise da percepção inicial dos símbolos escritos ativa bilateralmente áreas do cérebro que são especializadas no processamento visual, como o córtex estriado e áreas adjacentes do córtex visual extra–estriado. Para processar sinais aferentes visuais, o cérebro precisa analisar os aspectos característicos das letras. A identificação real das unidades ortográficas pode ocorrer em regiões occipito–temporais do hemisfério esquerdo. Processamento de palavras ou processamento lexical é um fenômeno muito investigativo na psicolinguística. As vias de saída (output) da análise perceptiva provavelmente projetam–se para as representações das formas das palavras no léxico mental. O processo de acesso ao léxico resulta da ativação dessas representações, que se estende para atributos semânticos e sintáticos das formas das palavras. Para a entrada de sinais escritos, há a questão de como se pode ler, não apenas palavras, soletradas de modo que não seja traduzido em sons, mas também, pseudopalavras que não apresentam formas de palavras correspondentes. Pseudopalavras não podem ser lidas. 2610 CAPÍTULO IV TRANSTORNOS DA LINGUAGEM Os transtornos da Linguagem são problemas na infância, com uma prevalência estimada entre 1 e 12%, com média de 5% das crianças préescolares e recém-entradas na escola,incindindo em 2 a 4 meninos para cada menina. Das crianças com problemas de linguagem com menos de cinco anos, 60% terão algum grau de retardo mental ou distúrbio de aprendizagem aos nove anos de idade, sendo a dislexia o principal deles, pois 85% dos disléxicos têm ou tiveram comprometimento na linguagem oral. As pesquisas indicam que essas crianças são de risco elevado para dificuldades residuais persistentes de linguagem e alterações do comportamento e da conduta, entre as quais se destaca o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH). Critcheley, em 1975, expôs de forma clara que linguagem é a expressão e a recepção de ideias e sentimentos. Em uma definição mais ampla, pode-se dizer que linguagem é a capacidade que a espécie humana tem de se comunicar por meio de um código simbólico adquirido, que permite transmitir seus pensamentos, ideias, emoções, etc. Linguagem é a forma peculiar que o homem tem de se comunicar com seus semelhantes por meio de símbolos gestuais orais ou escritos. Segundo Piaget, a linguagem é a expressào mais especializada e diferenciada de uma função complexa que é a atividade simbólica. Gall localizou a linguagem nas regiões anteriores do cérebro. Bowilland situou a linguagem nos lobos anteriores do cérebro, que chamou de “órgão legislador da palavra”. Aubert comprovou que havia uma localização anatomofuncional da linguagem quando observou pacientes com lesão frontal. Sugeriu que a região fosse responsável pela coordenação de diferentes movimentos necessários para a comunicação, por meio da fala. Broca, com base em dados anatômicos, situou o centro da imagem motora das palavras na terceira circunvolução frontal, no hemisfério cerebral esquerdo. Atualmente, sabe-se que o hemisfério esquerdo é, na maioria das vezes, o responsável pelo controle da sequência temporal do ato de falar. A função do hemisfério 27 esquerdo seria mais lógica, procedendo a uma análise sequencial da informação. Wernicke, estudando pacientes afásicos, encontrou mais dificuldades na compreensão e menos na expressão, em casos de compreensão do lobo temporal, e chamou esse fato de afasia receptiva. Hoje, sabe-se que no hemisfério esquerdo, a área de Wernicke está relacionada, em casos de lesão, com dificuldades para encontrar o significado da palavra e sua relaçào com as outras palavras da frase. Já a região temporal, correspondente no hemisfério direito é responsável pela compreensão da emoção contida no ato de falar, ou seja, de compreender a carga afetiva da linguagem. No adulto, a linguagem é controlada, na maior parte das vezes, pelo hemisfério esquerdo. A linguagem pode ser dividida em oral, gestual, escrita ou Braille. Na criança os dois primeiros anos são propícios para a aprendizagem de uma segunda língua, capacidade esta que vai diminuindo com a maturação, pois ocorre a diminuição da plasticidade com o aumento da especificidade funcional do córtex cerebral. Além do transtorno específico da linguagem oral ou difasias, também há as possibilidades de alterações da formação, ou disfonias; da articulação da palavra, como as disartrias e dislalias; os distúrbios do ritmo; a gagueira; e o retardo no desenvolvimento da fala. Do ponto de vista neurológico, as difonias são secundárias ã lesão de vias dos nervos cranianos que inervam as cordas vocais ou a região chamada de sistema ressoador laringo-rino-bucal. Os distúrbios da formação ocorrem por lesão X nervocraniano ou vagoespinhal, que interfere na movimentação das cordas vocais e/ou do IX nervocraniano ou glosso faríngeo, que compromete a movimentação da faringe e do véu palatino. As disartrias são distúrbios articulatórios que podem ter etiologia periférica ou central. Se for periférica ocorre devido ao comprometimento dos nervos cranianos VII e XII, envolvidos, respectivamente, no movimento da face e da língua. 28 As disartrias de causa central se diferenciam em comprometimento cerebelar, extrapiramidal e pseudobulbar. Nas patologias cerebelares, observam-se disartrias devido à dissinergia entre a musculatura antagonista interessada na articulação da palavra. Desse transtorno, resulta uma fala explosiva, com interrupções bruscas e sem precisão nos movimentos articulatórios. Dos comprometimentos extrapiramidais, o que mais altera a articulação da palavra é o que ocorre na rigidez parkinsoniana. Entre os distúrbios do ritmo da fala, os que mais se destacam são a gagueira, as alterações de velocidade de fala, como taquilalia e bradilalia, e o clustter. A gagueira é uma dificuldade na autonomatização da palavra, uma interrupção do ritmo normal da fala. Interfere na comunicação, dificultando a relação interpessoal tanto da pessoa que gagueja como de quem escuta, causando um certo mal-estar. Costuma ser acompanhada de irregularidade respiratória no momento da emissão da fala. Muitas vezes a criança apresenta movimentos involuntários associados da face ou da cabeça. Pode também, apresentar alterações psíquicas devido à ansiedade que o quadro desencadeia. Há um componente familiar para a gagueira, e há uma predominância no sexo masculino de 3 para 1 na infância e de 6 para 1 na idade adulta. Existe uma forma de gagueira chamada fisiológica que ocorre em torno do terceiro ano de vida, mas, na maioria dos casos, desaparece após os quatro anos. Existe um componente familiar para o retardo no desenvolvimento da fala. O atraso na aquisição da fala pode fazer parte de um atraso geral do desenvolvimento, ou pode constituir um atraso específico do desenvolvimento da fala. O exame é normal, a não ser pelo fato de que em alguns casos existe lateralidade mal estabelecida. História familiar em parentes próximos ocorre em até 80% dos casos. Há predominância no sexo masculino. O retardo da fala se caracteriza por um vocabulário pobre, dificuldades na articulação da palavra, supresão, trocas e inversões de fonemas. Outra situação que cursa com grave comprometimento da comunicação é o autismo infantil, situação peculiar que não se deve ao 29 comprometimento de áreas específicas cerebrais, se relaciona ao transtorno global do desenvolvimento, com maior comprometimento na comunicação. Broca foi o primeiro cientista a descrever a impossibilidade ou dificuldade da expressão da linguagem, quando havia lesão na área cortical frontal, mas precisamente na área 44 de Brodmann, que se tornou conhecida como a área de Broca. Chamou essa situação de afemia, termo mais tarde substituído por Freud pela expressão afasia. A afasia é definida como transtorno da comunicação, adquirida por lesão nas regiões cerebrais, especificamente envolvidas no processo linguístico, após a sua estruturação. Fazem parte desse processo funções como gnosias, praxias, memória e afeto. As afasias podem ser de expressão, motora ou de Broca, que se caracteriza por expressar em resposta a um questionamento. O vocabulário é restrito e estereotipado. Muitas vezes, o paciente consegue dizer, de forma repetitiva, uma ou duas palavras. A doença cerebrovascular é a forma mais frequente no adulto. A afasia da percepção sensorial ou de Wernicke se caracteriza por dificuldade parcial ou total no entendimento do que se escuta ou lê. Ao contrário da afasia de expressão, o afásico de percepção pode falar muito. A afasia de condução se pelo comprometimento na repetição e nomeação. A afasia transcortical se caracteriza por dificuldade na elaboração da resposta. Já a afasia de Pitres ou anônima se caracteriza por dificuldade para nomeação. A afasia global se caracteriza pelo comprometimento de todas as funções linguísticas. A disfasia pode ser definida como a inabilidade para adquirir a linguagem oral em uma criança com competência cognitiva adequada, sem doença e/ou lesão cerebral importante, sem alterações sensitivo-motoras significativas, sem distúrbios comportamentais e /ou psicoafetivos importantes e que teve adequada oportunidade para a aprendizagem. É compreendida como um transtorno do desenvolvimento, com evolução e com o tratamento. As crianças disfásicas são portadors de transtornos bilaterai das estruturas nervosas interessadas no desenvolvimento da linguagem. Os transtornos da linguagem têm um componente genético associado, em diferentes combinações, com fatores adquiridos. Atualmente 30 vários genes diferentes estão identificados e envolvidos nos transtornos da linguagem, tanto oral, quanto escrita. 31 CAPÍTULO V TRANSTORNO DA LINGUAGEM ESCRITA – DISLEXIA Foi em Berlin, em 1872, que surgiu o termo dislexia. Em 1896, Morgan publicou, no Britian Medical Journal, o interessante caso de um adolescente com incapacidade para ler, embora, se avaliado cognitivamente, deveria ter condições de fazê-lo. Chamou o caso de “cegueira verbal”. Em 1907, Stevenson já aponta para o aspecto genético ao relatar seus estudos em uma família com seis casos de “cegueira verbal”. A expressão dislexia ressurge em 1917, onde um paciente foi encontrado com inteligência normal e com dificuldade para aprender a ler e escrever. Hinshelwood concluiu que a causa mais provável desse grave distúrbio de leitura era um defeito congênito no cérebro, afetando a memória visual de palavras e de letras. Os oftalmologistas foram os profissionais que primeiro auxiliaram no reconhecimento da dislexia. Suas observações mostraram que a dificuldade não estaria nos olhos, mas no funcionamento de áreas de linguagem no cérebro. Em 1937, Orton se dedicava ao estudo dos transtornos da aprendizagem e, em 1928, publicou um trabalho clínico descrevendo as distorções perceptivo-linguísticas específicas em crianças com graves inabilidades de leitura. Muitas dessas crianças faziam inversões e imagens espelhadas de letras e palavras. O autor sugeriu que o fenômeno era provocado por imagens competitivas nos dois hemisférios cerebrais derivados à falência em estabelecer dominância cerebral unilateral e consistência perceptiva. Denominou essa condição de estrefossimbolia, símbolos invertidos, denominação ainda aceita como um dos principais sinais de diagnóstico da dislexia. Mais tarde, após um período de dez anos de estudo dos transtornos da linguagem e da leitura, Orton concluiu que o único fator comum em tais situações era a dificuldade de redesenhar ou reconstruir na ordem da apresentação, sequências de letras, sons ou unidades de movimento. Estudou 32 famílias de disléxicos e encontrou algumas alterações, como escrita em espelho, e chamou também a atenção para o aspecto genético. Em 1924, Aspert e Poltz, com base na possível imaturidade psiconeurológica, denominaram a dislexia da criança de dislexia de evolução. Só em 1950, Hallgério publica o primeiro estudo clínico e genético do que chamou de “dislexia específica”, em substituição à expressão “cegueira verbal congênita”. Foram observadas alterações em outras funções cerebrais superiores, tais como noção de espaço, de tempo e dificuldades visoespaciais, tão importantes para o desenvolvimento da leitura e da escrita. A década de 1990 foi pródiga em trabalhos que tentaram desvendar os aspectos genéticos envolvidos na dislexia. Inúmeros autores utilizaram exames complementares e provaram a possibilidade de malformações ou alterações funcionais cerebrais em crianças disléxicas. A leitura, de forma restrita refere-se à interpretação de sinais gráficos que uma comunidade convencionou utilizar para substituir os sinais linguísticos da fala; quando se trata de substituir pela fala ou mentalmente um conjunto de sinais gráficos que formam palavras. A leitura é uma forma de dar sentido ao que está escrito, e não de decodificar a palavra em sons. Toucambert, em 1994, explica que, na leitura voluntária, o significado de um texto escrito é principalmente dependente das informações da memória do leitor. Freire, em 1995, relata que a leitura é a capacidade de tirar conclusões utilizando mais do que as informações coletadas no texto,é a capacidade de levantar hipóteses, de conceber novas ideias e soluções, a partir da experiência da leitura. É uma forma complexa de aprendizagem simbólica, na qual, mudanças relativamente triviais em uma palavra podem alterar completamente sua pronúncia e significado. É um processo que envolve linguagem escrita, atenção, habilidade motora, vários tipos de memória, organização de texto e imagem mental. O processo de leitura varia de indivíduo para indivíduo, dependendo de fatores como idade, maturação, sexo, hereditariedade, tipo de língua, instrução, prática e motivação. 33 Em 1987, Myklebust e Johnson definiram a dislexia como uma síndrome complexa de disfunção psiconeurológicas associadas, tais como perturbações em orientação, tempo, linguagem escrita, soletração, memória, percvepção visuale auditiva, habilidades motoras e habilidades sensoriais relacionadas. Dividiram a dislexia em auditiva e visual, com finalidades educacionais. Na dislexia auditiva, são observadas dificuldades significativas na discriminação de sons de letras e palvras compostas, além de falhas na memorização de padrões de sons, sequências, palavras compostas, ilustrações e histórias. Na dislexia visual há dificuldades em seguir e reter as sequências visuais, na análise e integração visual de quebra-cabeças ou tarefas similares. O disléxico visual confunde com facilidade palavras e letras. O mais frequente é uma associação das duas formas. Bryant e Bradley definiram as crianças disléxicas como aquelas que apresentam problemas quando tentam aprender a ler e escrever, embora sejam inteligentes, rápidas e atentas. Observaram que a única diferença na leitura das crianças normais e das disléxicas éra a leitura de palavras inventadas. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM – IV (1995) caracteriza a dislexia como comprometimento acentuado no desenvolvimento das habilidades de reconhecimento das palavras e da compreensão da leitura. A leitura oral no disléxico é caracterizada por omissões, distorções e substituições de palavras e pela leitura lenta e vacilante. Giacheti e Capellini, em 2000, afirmaram que o distúrbio específico da leitura; a dislexia do desenvolvimento é definido como um distúrbio neurológico, de origem congêenita, que acomete com potencial intelectual normal, sem déficits sensoriais, com suposta instrução educacional apropriada, mas que não conseguem adquirir ou desempenhar satisfatoriamente a habilidade para a leitura e/ou escrita. Nico e colaboradores referiram que o momento no qual a dislexia se torna mais evidente é o período de 6 a 7 anos. A leitura lenta, trabalhosa e individual da palvra impede a habilidade da criança de compreender o que leu, 34 mesmo quando a compreensão da língua falada for normal. Há muita dificuldade em transformar a solicitação em som. Deficiências no processo fonológico que são fortes indicadores de futuras dificuldades na leitura e escrita podem ser identificadas no início da formalização escolar. Alguns autores classificam a dislexia tendo como base testes diagnósticos, fonoaudiológicos, pedagógicos e psicológicos. Uma das formas de classificar a dislexia é a que privilegia as percepções e as memórias visual e auditiva. Também podem ocorrer com memória auditiva pobre e visual boa; com memória visual boa e auditiva pobre; e com dificuldades em ambas. Boder trouxe o enfoque para a classificação da dislexia, a qual divide em disfonética, diseidética e mista. Na dislexia disfonética observa-se dificuldade para realizar a análise e a síntese das palavras. Na dislexia deseidética ocorre dificuldade para perceber tanto letras como palavras como gestaltes visuais. Na dilexia mista observa-se a combinação de ambas as formas, constituindo uma situação mais grave. Para Colheart a dislexia se divide em fonológica, superficial e profunda, considerando o modelo de acesso ao léxico. A dislexia fonológica se dá por dificuldades na via indireta de acesso; a dislexia superficial, quando as dificuldades ocorrem na via direta de acesso; e a dislexia profunda, quando ocorrem dificuldades nessas duas vias. Algumas teorias se baseiam no envolvimento das percepções auditiva e visual. Acredita-se na possibilidade de que dificuldades no processamento auditivo possam levar a dificuldades para perceber rapidamente sons semelhantes. Essa situação pressupõe desenvolvimento deficiente, também, da linguagem oral. Orton (1937) observou que crianças disléxicas que escreviam em espelhos apresentavam lateralidade mal estabelecida ou até sinestrismo do que os leitores normais. Em algumas famílias, a dislexia é transmitida de forma dominante. A dislexia tem uma probabilidade de 100% em indivíduos do sexo masculino. Todo indivíduo do sexo masculino que herda gene ou genes para dislexia desenvolve o transtorno. 35 A leitura proficiente é caracterizada por dois conjuntos de processos cognitivos, um deles concentrado na precisão da leitura e da escrita e o outro concentrado na fluência ou automaticidade da leitura. Há herdabilidade importante para escrita, memória de curto prazo, decodificação fonológica, consciência dos fonemas e reconhecimento da palavra, enquanto a codificação ortográfica e a compreensão da leitura parecem não ser herdáveis. A herdabilidade para o reconhecimento da palavra tem sido estimada em cerca de metade dos casos. A influência genética parece ser um pouco mais elevada para a decodificação fonológica e a consciência do fonema do que para o reconhecimento da palavra e a codificação ortográfica. O impacto do ambiente parece ser importante para todos os processos relacionados com a leitura e especialmente forte para o reconhecimento da palavra. Parte-se do pressuposto que há um gene que afeta o curso normal da aquisição de habilidades da leitura. Acredita-se que, embora esses genes desorganizem a leitura, não necessariamente a controlem. A dislexia está situada em alguma parte de um continuum normal, com diversos graus de gravidade, com características comuns. As evidências atuais apóiam a perspectiva de que a dislexia familiar, uma vez que cerca de 35 a 40% dos parentes de primeiro grau são afetados, herdada em cerca de 50% dos casos, é heterogênea em seu modo de transmissão. Ligada em algumas famílias a marcadores genéticos no cromossomo 15 e possivelmente, em outras famílias, a marcadores genéticos nos cromossomos 6 e 7. Avanços de neuroimagem possibilitaram a investigação das regiões corticais e dos padrões de ativação das regiões corticais e dos padrões de ativação associados com o desempenho de tarefas cognitivas complexas, entre elas a leitura em indivíduos com dislexia. Os estudos dos cérebros de indivíduos normais sugerem que muitas áreas do cérebro estão envolvidas durante o processo de leitura. Várias regiões. Tanto unilaterais quanto bilaterais, são ativadas pelo hemisfério esquerdo, além das áreas temporais, reagem aos processos relacionados à leitura, como visualização das palavras, leitura de pseudopalvras e avaliação de rima. Algumas dessas tarefas também ativam as regiões do hemisfério 36 direito ou regiões bilaterais, demonstrando que o hemisfério esquerdo não está sozinho no processamento dos estímulos relacionados com a linguagem. Os estudos da anatomia do cérebro, em autópsia de indivíduos com histórias de problemas de linguagem e de leitura, mostraram anomalias nas áreas temporais esquerdas e no tálamo posterior. As diferenças estruturais entre o cérebro das pessoas com dislexia e o das pessoas sem dislexia concentram-se fundamentalmente no plano temporal. Nos leitores normais, o plano esquerdo é caracteristicamente maior que o direito; quanto maior é o plano esquerdo em relação ao direito, melhores as habilidades linguísticas da pessoa. Nos leitores com dislexia, o plano esquerdo é caracteristicamente mais ou menos do mesmo tamanho que o direito. A descoberta inicial da simetria dos planos esquerdo e direito, ou assimetria reversa, em indivíduos com dislexia tem sido confirmada pelas técnicas de medição mais precisa, como a ressonância magnética nuclear. O cérebro de leitores disléxicos tem alterações na citoarquitetura e alterações do cerebelo e de suas vias. Isso ocorre provavelmente porque houve algum tipo de agressão nos primeiros estágios do desenvolvimento. Os neurônios do tecido cerebral dos leitores disléxicos parecem ser menores que a média, pelo menos em algumas áreas do cérebro (por exemplo, o tálamo). O tamanho menor dos neurônios talâmicos pode muito bem estar ligado às anormalidades tanto no sistema visual quanto no sistema auditivo do indivíduo com dislexia. Galaburda e colaboradores fizeram um estudo em 2001 que demonstrou experimentalmente que as alterações na citoarquitetura do córtex temporal e dos tálamos determinam um processamento lento dos sons. O mais comum é que a família se queixe de dificuldades para a alfabetização, comentando que a criança parece não ter interesse na leitura e/ou na escrita, uma vez que para outras atividades se mostra capaz. A criança perde o interesse. São crianças de risco que devem ser seguidas com uma orientação pedagógica ativa. Ao lado das queixas específicas para ler e escrever, muitas vezes toma um vulto maior a repercussão comportamental que esses fracassos produzem na criança em idade escolar. Muitas vezes as 37 queixas de ansiedade, agressividade, depressão, ou hiperatividade e desatenção. Junto com essas queixas, frequentemente está imbutido o medo que os pais carregam de que o filho tenha algum grau de deficiência mental. A história do relacionamento da criança com cada membro da família, com os colegas e com os amigos é fundamental para que se conheça um pouco mais como ela consegue vivenciar suas dificuldades. Segundo Galifret e Ajuriaguerra, entre os disléxicos não há um percentual maior de canhotos, mas sim, de crianças com lateralidade mal estabelecida. Há também importância a noção de esquema corporal, no caso a noção de direita e esquerda, que, quando comprometida, pode levar o uso de inversões de letra ou sílabas. Todas as funções corticais superiores devem ser pesquisadas pelo exame neurológico evolutivo, considerando, principalmente gnosias, praxias, atenção e memória. Pensa-se em dislexia disfonética quando a criança tem dificuldade para ler palavras desconhecidas. Começa a ler e em seguida passa a adivinhar algumas palavras, considerando partes delas. Comete erros na leitura e na escrita, como inversões, omissões, ou agregação de fonemas ou de sílabas. Já a dislexia diseidética é quando a criança lê de forma muito lenta, decompondo a palavra em suas partes, por ter dificuldade de ler globalmente. Assim como a leitura, também a escrita é pobre. Os erros mais frequentes na escrita são as inversões e as falhas na acentuação. A dislexia mista se apresenta quando ocorrem alterações associadas das duas formas já citadas, em diferentes combinações e intensidades. Embora o diagnóstico da dislexia seja clínico neurológico, psicopedagógico e fonoaudiológico, muitas vezes é necessário lançar mão de exames complementares para maiores informações e observações de comorbidades. São necessários estudos neurofisiológicos como eletrencefalograma, potenciais evocados de longa latência auditivos e visuais; e testes psicológicos que contemplem os aspectos cognitivos e afetivos. O tratamento está centrado na reeducação da linguagem escrita, abordando todos os aspectos envolvidos. Segundo a International dyslexia 38 Society, na dislexia deve ser sempre observado que as diferenças são pessoais, o diagnóstico é clínico, o entendimento é científico e o tratamento é educacional. Desde o momento em que a alfabetização passou a ser um dos grandes objetivos da sociedade, a preocupaçào da comunidade científica temse centrado no desenvolvimento de estudos sobre o processo da aprendizagem e da não-aprendizagem. O termo dislexia, na atualidade, tem despertado muito interesse pela discrepância existente entre o conceito de inteligência e o desempenho escolar. Uma pequena parcela de disléxicos, rompendo com todas as barreiras impostas, está entrando na universidade e requerendo o direito de promoção acadêmica. O tema tem gerado questionamentos e atenção de muitos especialistas, que ao mesmo tempo trazem significativos aportes diferenciados, criando nomenclaturas variadas e abrangências diferentes ao termo. Tallal e colaboradores (1997) referem que 20% da população mundial têm dislexia. A Associação Brasileira de Dislexia lança dados entre 10 e 15% da população mundial. Alvarez e colaboradores (1999) apontam 10% da população e, desses, 60 a 80% seriam do sexo masculino. Morris (2000) reconhece que, nos Estados Unidos, cerca de 5 a 6% dos alunos de escolas públicas têm transtorno da aprendizagem, dos quais 80% desses teriam dislexia. Outros estudos falam que cerca de 20% da população pode ter “algum grau de dislexia”. Toro (1999), na Espanha, estima que cerca de 5% da população seja disléxica. A dislexia do desenvolvimento é um transtorno específico das operações implicadas no reconhecimento das palavras ( precisão e rapidez0 que compromete, em maior ou menor grau, a compreensão da leitura. As habilidades de escrita ortográfica e de produção textual também estão gravemente comprometidas. Normalmente, segundo Pavlidis (1990), os disléxicos estão atrasados na leitura e na escrita, com relação a seus pares, em dois anos no mínimo ( se a criança tem mais de 10 anos) e em um ano e meio( se tem menos de 10 anos). Essa consideração é importante, pois condiciona a época do diagnóstico para o final da segunda ou terceira série. É 39 um problema persistente até a vida adulta ( com atenuações), mesmo com tratamento adequado, o que torna o prognóstico reservado. Os disléxicos podem chegar até a universidade, mas isso exige um considerável esforço próprio. Margie Bruck , em 1990, em um estudo compartilhado entre disléxicos universitários e alunos da sétimo ano (não disléxicos), constatou que os disléxicos são mais lentos para ler palavras e pseudopalavras, beneficiando-se mais do contexto ao ler, enquanto os alunos de sétimo ano evidenciam rapidez igual para a leitura de palavras isoladas e em contexto. Os disléxicos não automatizam plenamente as operações relacionadas ao reconhecimento de palavras, empregando mais tempo e energia. Os leitores hábeis automatizam o reconhecimento das palavras, e os disléxicos, não. O transtorno está presente desde os primeiros anos de escolaridade. Nos casos em que surge mais tarde e em decorrência de uma lesão cerebral, configura-se uma dislexia adquirida.É um distúrbio com evidências genéticas que surge por estar associado a diferenças funcionais no hemisfério esquerdo. Em investigações, cuja população estudada foi a de famílias com importante número de disléxicos, os resultados encontrados definiram dois marcadores, no cromossomo 15 (Smith et al., 1983) e no cromossomo 6 ( Cardo et al., 1994). Segundo Grigorenko e colaboradores (1997), o fenótipo de dislexia que está ligada à inabilidade para a leitura global da palavra (uso da rota lexical) se relacionaria com a alteração do cromossomo 15, enquanto a disfunção fonológica estaria ligada ao cromossomo 6. Outro importante pesquisador da neurogenética, Galaburda (1999), em seus estudos de anatomia, demonstrou uma simetria no plano temporal como suporte anatômico da dislexia. É identificada em indivíduos com capacidade intelectual normal. Ocorre em sujeitos que têm visão e audição normal ou corrigida e que não são portadores de problemas psíquicos ou neurológicos graves que possam justificar, por si, as dificuldades escolares. Pode estar presente mesmo em indivíduos que tiveram escolarização adequada, ou seja, não trocaram de escola (língua materna) mais de duas vezes nos três primeiros anos escolares e não faltaram mais de 10% de aulas nessa época, considerando também que estejam submetidos à metodologia de ensino 40 adequada (Rueda, 2003). O comprometimento da linguagem dos disléxicos é específico do processo fonológico. Toda língua alfabética é fundamentada na relação fonema-grafema, os disléxicos, ao exibirem representações fonológicas mal especificadas, adotam um modelo diferente de decodificar ou representar os atributos falados da palavra. A falta de sensibilidade fonológica inibe a aprendizagem dos padrões de codificação alfabética subjacentes ao reconhecimento fluente de palavras. Os problemas na representação fonológica têm como consequência a limitação da capacidade de armazenar informações verbais na memória de curto prazo. Os disléxicos demonstram deficiência para mapear sequências de fonemas e letras de palavras e dificuldades de nomeação, para encontrar palavras que requerem um acesso rápido a um rótulo verbal, usando, muitas vezes por tentativa de adivinhação, palavras ligeiramente inadequadas. É importante salientar que os disléxicos não diferem qualitativamente dos sujeitos normo- leitores. 41 CAPÍTULO VI TIPOS DE DISLEXIA Há duas vias independentes que possibilitam o reconhecimento de uma palavra escrita. A via léxica, ou direta, na ual se estabelece uma conexão direta entre a forma visual da palavra, a pronúncia e o significado na memória lexical (como se fosse uma fotografia da palavra). Ocorre diante de palavras familiares. A via fonológica, indireta, pré-léxica ou de subpalavras é um processo de recodificação fonológica que envolve a aplicação de um conjunto de regras de conversão letra-som. Ocorre diante de palavras desconhecidas. Um leitor experiente e fluente deve utilizar independentemente as duas vias. Ao depender exclusivamente de uma ou de outra, estará sinalizando pouca destreza leitora, o que poderá ou não fazer parte de um quadro de dislexia. A dislexia pode ser fonológica (sublexical ou disfonética), caracterizada por uma dificuldade seletiva para operar a rota fonológica durante a leitura, apresentando um funcionamento aceitável da rota lexical. Com frequência, os problemas residem no conversor fonema-grafema e/ou no momento de juntar os sons parciais em uma palavra completa. Sendo assim, as dificuldades fundamentais residem na leitura de palavras não-familiares, sílabas sem sentido ou pseudopalavras, mostrando melhor desempenho na leitura de palavras já familiarizadas. Subjacente a essa via, encontra-se dificuldade em tarefas de memória e consciência fonológica. Os disléxicos fazem grande esforço para reconhecer as palavras, para manter uma informação na memória de trabalho, são obrigados a repetir os sons para não perdê-los definitivamente. Como consequência, essa concentração despendida no reconhecimento das palavras acarreta em dificuldades na compreensão do que foi dito. Na dislexia lexical (de superfície), as dificuldades residem na operação da rota lexical (preservada ou relativamente preservada a rota fonológica), afetando fortemente a leitura de palavras irregulares. Nesses casos, os disléxicos lêem lentamente, vacilando e errando com frequência, 42 pois ficam presos à rota fonológica, que é morosa em seu funcionamento. Assim sendo, os erros habituais são silabações, repetições e retificações, e , quando pressionados a ler rapidamente, cometem substituições e lexicalizações; às vezes situam incorretamente o acento prosódico das palavras. Na dislexia mista, os disléxicos apresentam problemas para operar tanto com a rota fonológica quanto com a lexical. São situações mais graves e exigem um esforço ainda maior para atenuar o comprometimento das vias de acesso ao léxico. 43 CONCLUSÃO Os estudos têm demonstrado que os transtornos da leitura e escrita estão correlacionados com possíveis disfunções de áreas corticais específicas. Tem-se comprovado que o investimento na criança com tal transtorno ainda é falho nos dias de hoje, desprezando-se características individuais em favor de procedimentos acadêmicos nem sempre eficientes, gerando novos e difíceis rótulos, em que não só a criança é sacrificada, mas também a família e a escola, criando cicatrizes dentro do sistema de ensino. Com certeza, muito ainda deve ser investigado, particularmente nas questões neurológicas pertinentes à dislexia. Além disso, a escola tem de entender melhor o quadro e organizar adaptações que façam justiça às necessidades do disléxico, não o discriminando e promovendo sua autoestima. Ao analisar as políticas de educação, os disléxicos acabam se enquadrando no que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional descreve como portadores de necessidades especiais. A situação requer pareceres específicos com o intuito de justificar recursos materiais e humanos para implementar uma inclusão escolar eficaz. Recursos tecnológicos também devem ser incrementados, para que possam auxiliar no desempenho da leitura e escrita por meio do incentivo ao desenvolvimento de pesquisas na área. Muitos disléxicos não perdem a vontade de aprender e, por isso mesmo, estão entrando nas universidades, embora com enorme esforço pessoal. A sociedade reconhece que a leitura e a escrita são habilidades importantes para o sucesso profissional. Mas, por outro lado, portadores de dislexia poderão desenvolver outras habilidades e terem sucesso profissional e social, sobretudo se forem diagnosticados precocemente e receberem orientação adequada. Cada vez mais é preciso mudar, não só currículos, mas reciclar o trabalho dos professores, atualizar métodos, para que novos avanços cheguem a ser divulgados. 4410 BILIOGRAFIA AJURIAGUERRA, de J. A Dislexia em Questão. Trad: Iria Renault de Castro Silva, Porto Alegre: Arte Médicas, 1990. COLOMER, Teresa, CAMPS, Anna. Ensinar a Ler, Ensinar a Compreender. Tradução de Fátima Murad. Porto Alegre: Artes Médicas,2002. DAVIS,Ronaldo D. O Dom da Dislexia. Rio de Janeiro. Rocco, 2004 FONSECA, Vítor. Uma Introdução às Dificuldades de Aprendizagem. Lisboa: Editorial Notícias, 1985. FONSECA, Vítor. Insucesso Escolar – Abordagem Psicopedagógica das Dificuldades de Aprendizagem. Lisboa: Âncora Editora,1985. GAZZANIGA, Michael, IVRY, Richard B, MANGUN, George R. Neurociência Cognitiva – A Biologia da Mente, Porto Alegre, Artes Médicas , 2002. IANHEZ, Maria Eugênia. Nem Sempre é o que Parece – Como Enfrentar a Dislexia e os Fracassos Escolares. Rio de Janeiro, Elsevier, 2002 LENT, R. Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de Neurociências. São Paulo , Editora Atheneu, 2010. NUNES, Teresinha. Dificuldades na Aprendizagem da Leitura: Teoria e Prática, São Paulo, Cortez, 2003. ROTTA, Newra Tellechea, OHLWEILER, Lygia, RIESGO, Rudimar dos Santos, Transtornos da Aprendizagem – Abordagem Neurobiológica e Multidisciplinar, Porto Alegre, Artmed, 2007 45 Internet ABD (Associação Brasileira de Dislexia). Disponível no site www.dislexia.org.br, acesso em 2/3/2012. ANB (Associação Nacional de Dislexia).Disponível no site www.dislexia.com.br, acesso em 3/3/2012. 4610 ÍNDICE FOLHA DE ROSTO ......................................................................................... 02 AGRADECIMENTO ......................................................................................... 03 RESUMO ......................................................................................................... 04 METODOLOGIA .............................................................................................. 05 SUMÁRIO ........................................................................................................ 06 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 07 CAPÍTULO I- A Aprendizagem ..........................Erro! Indicador não definido.0 CAPÍTULO II- Dificuldades para a aprendizagem2Erro! definido. Indicador não CAPITULO III – A Linguagem e o Cérebro ..................................................... 24 CAPÍTULO IV– Transtornos da Linguagem ..................................................... 27 CAPÍTULO V – Transtornos da Linguagem escrita – Dislexia ......................... 32 CAPÍTULO VI – Tipos de Dislexia ................................................................... 42 CONCLUSÃO .................................................................................................. 44 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ....................................................................... 45 ÍNDICE ......................................................................................................... 46