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ANÁLISE DE SÉRIES TEMPORAIS DE VENTO E TEMPERATURA DO MAR EM
CABO FRIO (RJ)
Tânia Ocimoto Oda
Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira
[email protected]
The coastal upwelling which occurs in Cabo Frio (Rio de Janeiro, Brazil) region has
been studied mainly in its oceanographic and biological aspects. Its influence over the local
atmospheric circulation, however, is not very known. This work presents a description of the
local circulation in the region, with emphasis on the sea breeze circulation and its relation with
the coastal upwelling, through the analysis of the ten year hourly time series of wind and sea
water temperature. The results show the relation between the seasonal and interannual
variations of the local winds and the local sea temperature: upwelling event periods are related
to more intense winds and larger diurnal variations of the wind speed, while in the nonupwelling periods there is larger diurnal variation of the direction of the wind. The results
indicate that the local circulation at Cabo Frio is driven by the sinoptic flow, modulated by the
sea and land breezes.
Introdução
O fenômeno da ressurgência é caracterizado por um movimento ascendente pelo qual
águas de camadas sub-superficiais do oceano, geralmente mais frias, são trazidas para a
superfície. Dessa forma, as regiões de ressurgência apresentam temperaturas de superfície do
mar mais baixas em relação à média para suas respectivas latitudes.
Em Cabo Frio, o domínio dos ventos de nordeste (NE) devido ao Anticiclone Subtropical
do Atlântico Sul resulta num transporte de água no sentido da costa para o largo, fazendo então
com que águas mais profundas aflorem próximo à costa de Cabo Frio. Esta predominância é
quebrada pela passagem de sistemas frontais, que invertem o vento para Sudoeste (SW), Sul (S)
e Sudeste(SE), como já discutido por Allard (1955), Moreira da Silva (1977), GonzalezRodriguez et al. (1992) e Dourado (1994).
A ressurgência de Cabo Frio tem caráter sazonal, conforme Tanaka (1986), que mostrou
que a ressurgência é mais freqüente na primavera e mais intensa no verão. No inverno, em geral,
não se observa a presença de águas frias à superfície (Mascarenhas Jr. et al., 1971 e Torres Jr.,
1995, Candella, 1997). Alguns estudos apontam para uma variabilidade interanual da circulação
atmosférica sobre o Atlântico Sul (Hastenrath e Heller, 1977 e Peterson e Stramma, 1991), que
pode também influenciar a ressurgência.
Essas anomalias negativas da temperatura da superfície do mar aumentam o contraste
térmico entre o oceano e o continente, o que deve provocar uma intensificação da circulação de
brisa. Em Cabo Frio (RJ), séries temporais de dados de vento mostram um sinal de brisa
marítima mais acentuado no período de verão, indicando que a ressurgência deve intensificá-la
(Miranda, 1982). Estudos de modelagem numérica da circulação local de Cabo Frio também
mostram maior intensidade da circulação de brisa no período de outubro a março e mais fraca
entre abril a setembro (Franchito et al.,1996 e Oda, 1997).
Dados utilizados e metodologia
Neste estudo, foram analisadas as séries temporais de dados horários de vento (direção e
velocidade) da Estação Meteorológica de Cabo Frio (83719) e temperatura da superfície do mar
registrada pela Companhia Nacional de Álcalis, correspondentes ao período de 01/01/1971 a
31/12/1980.
Para identificar as periodicidades presentes nas séries, foram calculados os espectros das
séries de Temperatura da Superfície do Mar, velocidade do vento e componentes meridional (u)
e zonal (v) . A séries de velocidade do vento foi dividida, considerando os meses de março a
agosto (MAMJJA) como sendo períodos de não ressurgência e os meses de Setembro a
Fevereiro do ano seguinte (SONDJF) como períodos de ressurgência. Foram obtidos os espectros
destas sub-séries e calculados espectros médios (em SONDJF e MAMJJA).
Para descrever a variação sazonal da circulação de brisa, foram calculadas médias
horárias de cada variável, para cada mês. Analogamente, foram tomadas as médias horárias para
cada ano da série, para avaliação da variação interanual.
Resultados
A Figura 1 mostra a dominância da periodicidade anual (1,1 x 10-4 cph) na variação da
TSM local. Esta variação se deve ao caráter sazonal da ressurgência costeira de Cabo Frio (Stech
et al., 1982 e Tanaka, 1986).
A Figura 2 mostra o espectro da série de velocidade do vento. Nota-se aqui um pico
acentuado na freqüência de 4,2 x 10-2 ciclos por hora (cph) (período de 24 horas). A energia
restante se distribui pelas freqüências mais baixas (períodos da ordem de dias), associadas às
perturbações sinóticas. Há também picos na freqüência correspondente à variação semi-anual e
anual da velocidade do vento. O espectro sugere ainda a existência de uma periodicidade
interanual dentro do período analisado. Nas freqüências maiores que a diurna, observa-se um
pico em 8,3 x 10-2 cph (12,0 horas), associadas à variação da direção do vento (Frye et al., 1980).
O espectro da componente zonal u (Figura 3) apresenta um padrão bastante similar ao da
velocidade do vento, com variação diurna bastante evidente. O espectro da componente
meridional v (Figura 4) mostra que a variação diurna é muito menor do que a da componente
zonal. Isto se deve à predominância de ventos de quadrante Norte (N, NNE, NE) sobre a região,
que faz com que a variação de u seja maior do que a de v. Considerando que a brisa marítima na
região intensifica e inclina o vento em sentido mais zonal, de acordo com Franchito et al. (1996),
pode-se verificar que a componente zonal tem maior variação diurna do que a componente
meridional (Oda, 1997). As variações de maior período, em geral, mostram maior amplitude em
v do que em u, indicando que as perturbações sinóticas são mais notadas pela variação da
primeira.
As Figs. 5 e 6 mostram, respectivamente, os espectros médios da velocidade do vento
para o período de não ressurgência (MAMJJA) e ressurgência (SONDJF). Pode-se observar que
a amplitude da oscilação diurna é maior nos meses de SONDJF do que em MAMJJA. Por outro
lado, a oscilação de 12 horas apresenta maior energia em MAMJJA, sugerindo que a variação na
direção do vento é maior neste período, o que é esperado, considerando-se que períodos de nãoressurgência são mais favoráveis ao desenvolvimento de brisa terrestre.
A Figura 7 mostra o campo de TSM média para cada hora e mês. Observa-se claramente
que a TSM média é mais baixa de janeiro a fevereiro, seguindo-se então um acentuado
aquecimento até abril, quando ocorre o máximo da TSM. A partir desse mês, as temperaturas
vão declinando, até atingir o mínimo em outubro, concordando com resultados de Stech et al.
(1986), que mostra as menores temperaturas no período de OND. A maior freqüência de
episódios de ressurgência durante a primavera (Tanaka, 1986) pode explicar o mínimo de
outubro. O período de abril a agosto não é favorável à ressurgência, e as maiores temperaturas
são observadas entre março e abril pois em JJA a TSM nesta latitude é bem menor nos meses de
JJA do que em MAM (Hastenrath e Lamb, 1977).
Os vetores de vento médio, na Figura 8, ilustram a predominância do ventos de quadrante
leste durante quase todo o ano, com exceção dos meses de AMJ, indicando a influência do
Anticiclone Subtropical do Atlântico Sul sobre a região, além de mostrar uma modulação deste
escoamento pelo ciclo diurno do vento. Nessa situação, a brisa terrestre não se estabelece pois,
devido à baixa temperatura do oceano, o resfriamento radiativo noturno do continente não é
suficiente para inverter o gradiente térmico. Somente em AMJ, quando além da maior TSM, o
vento médio é mais fraco, e pode-se notar, nas primeiras horas do dia, uma fraca circulação de
brisa terrestre. A partir do mês de agosto, a intensidade do vento começa a aumentar,
gradativamente, acompanhando o resfriamento da superfície do mar.
A ressurgência, portanto, impede o estabelecimento da circulação de brisa terrestre e a
brisa marítima, durante esses períodos, é diferenciada do restante do ano pela maior variação na
velocidade do vento.
O escoamento mais zonal (máximo da brisa) tende a ocorrer de uma a duas horas mais
cedo nos períodos de ressurgência. Em AMJ, quando há brisa terrestre, seu máximo ocorre entre
6:00 e 8:00h.
A temperatura média anual horária do oceano (Figura 9) mostra que os três primeiros
anos (1971 a 1973) foram bem mais quentes, seguido por outros máximos em 1980 e 1976, em
ordem decrescente de TSM. É bem proeminente o mínimo de 1977, mostrando ter sido este o
ano mais frio da série, seguido pelos anos de 1975 e 1979.
Uma vez que a ressurgência de Cabo Frio está associada principalmente ao escoamento
de nordeste devido ao anticiclone subtropical do Atlântico Sul, a variabilidade interanual das
temperaturas locais pode estar relacionada a variações atmosféricas de grande escala (Peterson e
Stramma, 1991 e Hastenrath e Heller, 1977).
Os vetores médios do vento (Fig.10) mostram marcantemente a variação diurna. Os
máximos intensidade coincidem com temperaturas baixas do oceano. A circulação foi mais zonal
em 1972 e 1973 do que nos outros anos, sugerindo uma alteração no padrão de circulação de
grande escala, que inibiu a ressurgência. Em 1977, quando as temperaturas foram mínimas, a
componente de norte, apresentou máxima intensidade. Conforme já apontado anteriormente, as
variações de longo período são mais perceptíveis na série da componente meridional.
CONCLUSÕES
A circulação atmosférica local em Cabo Frio é bastante afetada pela circulação de brisa
marítima/terrestre. Entretanto, como a TSM local é dominada pela variação sazonal, nos
períodos de TSM mais baixas, há maior variação diurna na magnitude do vento, e menor
variação na sua direção; nos meses de maior TSM, a variação diurna de direção apresenta-se
maior, em virtude da alternância entre brisa marítima e brisa terrestre.
A análise das variações interanuais indicou maiores temperaturas da superfície do mar
entre 1972 e 1973, e mínimas em 1977. Considerando a TSM local como uma função da
ocorrência ou não da ressurgência costeira, que por sua vez é dirigida pela circulação de grande
escala, essas variações estão presentes também na série dos ventos. Mais uma vez, a variação
diurna na direção dos ventos esteve associada a maiores TSMs, e as maiores variações diurnas de
velocidade aos menores valores de TSM.
Conclui-se, ainda, que a componente zonal parece depender do aquecimento diurno do
continente, enquanto a componente meridional varia seguindo a circulação de grande escala, ou
seja, mostrando as variações de maior período.
REFERÊNCIAS
Allard, P. Anomalies dans les temperatures de l’eau de mer observées au Cabo Frio au Brésil.
Comite Central d’Oceanographie et d’Étude des Côtes, Service Hydrographique de la Marine.
Bulletin d’Information 2, Fev.1955.
Dourado, M.S. Estudo da camada limite planetária atmosférica marítima (Dissertação de
Mestrado), INPE, 1994, 100p.
Franchito, S.H.; Rao, V.B.; Stech, J.L.; Lorenzetti, J.A. The effect of coastal upwelling on
the sea-breeze circulation at Cabo Frio, Brazil: a numerical experiment, (submetido ao Journal of
Geophysical Research), 1996.
Frye, D.E.; Pond, S.; Elliott, W.P. Note on the kinetic energy spectrum of coastal winds.
Monthly Weather Review, 100(9), 671-673, 1972.
Gonzalez-Rodriguez, E; Valentin, J.L.; André, D.L. e Jacob, S.A. Upwelling and
downwelling at Cabo Frio (Brazil): comparison of biomass and primary production responses.
Journal of Plankton Research, 14(2), 289-306, 1992.
Hastenrath, S.; Lamb, P.J. Climatic atlas of the tropical Atlantic and eastern Pacific Oceans.
University of Wisconsin Press, Madison, 112 pp., 1977.
Hastenrath, S.; Heller,L. Dynamics of climatic hazards in northeast Brazil. Quarterly Journal
of the Royal Meteorological Society, 103, 77-92, 1977.
Mascarenhas Jr., A.S.; Miranda, L.B.; Rock, N.J. A study of the oceanographic conditiions in
the region of Cabo Frio. In: Costlow Jr, J.D.(ed.) Fertility of The Sea, New York,
Gordon&Breach, 205-308, 1971.
Miranda, L.B. Análise de massas de água da plataforma continental e da região oceânica
adjacente: Cabo de São Tomé (RJ) a Ilha de São Sebastião (SP). Tese apresentada ao Instituto
Oceanográfico da Universidade de São Paulo para a obtenção do Título de Livre-Docente. São
Paulo, 1982.
Moreira da Silva, P.C. A ressurgência em Cabo Frio. Publicação do Instituto de Pesquisas da
Marinha (IPqM) N.78, 1977.
Oda, T.O. Influência da ressurgência costeira sobre a circulação local em Cabo Frio. Dissertação
de Mestrado. INPE, São José dos Campos, 1997.
Peterson, R.G.; Stramma, L. Upper-level circulation in the South Atlantic Ocean. Progress in
Oceanography, 26, 1-73, 1991.
Stech, J.L.; Stevenson, M.R.; Inostroza, H.M. Determinação das características
climatológicas sazonais da temperatura nas Águas Sudeste do Brasil, usando dados
oceanográficos. INPE-3819-RPE/503), 1986.
Tanaka, K. Análise de série temporal de 10 Anos: ressurgência em Cabo Frio. INPE-3812RPE/502, 1986.
Torres Jr., A.R. Resposta da ressurgência costeira de Cabo Frio a forçantes locais. Tese de
Mestrado, COPPE-UFRJ, 1995.
2 .5 0
E s p e c tro da sé rie tota l d a v e lo cid ad e d o v e n to
E sp e c tro d a s é rie to ta l d e T S M
0 .5 0
1 ano
2 4 h o ra s
2 .0 0
0 .4 0
1 .5 0
Energia
Energia
0 .3 0
1 .0 0
0 .2 0
6 m e se s
0 .5 0
0 .1 0
1 a no
3 m eses
2 anos
1 ,8 a n o s
1 2 h o ra s
1 8 d ia s
1 d ia
0 .0 0
0 .0 0
1 .0 E -5
1 .0 E -4
1 .0 E -3
1 .0 E -2
1 .0E -1
1 .0 E -5
1.0E + 0
1 .0 E -4
1 .0 E -3
1 .0 E -2
1 .0 E - 1
1 .0 E + 0
F re q ü ê n c ia (c p h )
F re qüência (cph)
Fig. 1 – Espectro da Série de 10 anos de TSM Fig. 2 – Espectro da série de 10 anos de
em Arraial do Cabo (RJ)
velocidade do vento à superfície em Cabo Frio.
E sp e ctro d a c o m p o n e n te zo n a l
(sé rie in te ira )
0 .5 0
E s p e c tro d a co m p o n e n te m e rid io n a l
(s é rie to ta l)
0 .5 0
1 d ia
0 .4 0
0 .4 0
0 .3 0
Energia
0 .3 0
Energia
1 ano
6 m e se s
0 .2 0
0 .2 0
5 anos
6 m e se s
0 .1 0
0 .1 0
1 ano
7 5 d ia s
2 anos
9 d ia s
4 d ia s
5 ano s
2 ano s
1 d ia
1 2 h o ra s
0 .0 0
0 .0 0
1 .0 E -5
1 .0 E -4
1 .0 E -3
1 .0 E -2
1 .0 E -1
1 .0 E + 0
F re q ü ê n cia (cp h )
Fig. 3 – Espectro da série de 10 anos da
componente u (zonal) do vento em Cabo Frio.
1 .0 E -5
1 .0E -4
1 .0 E -3
1 .0 E -2
1 .0 E -1
1 .0 E + 0
F re q ü ê n c ia (c p h )
Fig. 4 - Espectro da série completa da
componente v do vento em Cabo Frio.
0 .80
0.80
E s p ec tro d a v elo cida d e do v e nto
SON DJF
E sp ectro d a ve loc id a de d o ve nto
M A M J JA
1 d ia
0 .60
0.60
E n erg ia
E n erg ia
1 dia
0.40
0 .40
4 6 d ia s
0 .20
0.20
8 dia s
5 d ia s
4 6 d ia s
8 d ia s
5 d ia s
12 h ora s
1 2 h o ra s
0 .00
0.00
1.0 E-4
1.0E -4
1.0 E -3
1.0E -2
1.0E -1
1.0E + 0
1 .0E -3
1.0 E-2
F req ü ê n cia (cp h )
1 .0E -1
1.0 E+ 0
F req ü ê ncia (cph )
Fig. 5 – Espectro médio da velocidade do
vento à superfície em Cabo Frio.
Fig. 6 – Espectro da série de 10 anos de
velocidade do vento à superfície em Cabo
Frio.
H o ra
Tem peratura da Superfície do M ar
(graus C elsius)
M ês
Fig.7–Temperatura
Média
Horária
da Fig.8-Variação diurna do vento, para cada
Superfície do Mar, para cada mês. As médias mês. Os vetores representam a média horária
foram calculadas para o período de 1971-80.
mensal da série de 1971-80.
H ora
Tem peratura da Superfície do M ar
(graus C elsius)
Ano
Fig. 9 - Média Horária da TSM, para cada ano Fig. 10 - Variação diurna do vento para cada
da série.
ano da série.
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