ESTUDO PRELIMINAR DA CLIMATOLOGIA DA RESSURGÊNCIA NA REGIÃO DE ARRAIAL DO CABO, RJ 1* Gustavo Leite da Silva Marcelo Sandin Dourado 2 Rogério Neder Candella 1, 2 3 Grupo de Interação Oceano­ Atmosfera 1 Grupo PET Meteorologia UFPel 1, 2 Faculdade de Meteorologia –UFPel Campus Universitário s/n – Caixa Postal 354 – CEP 96010­900 * [email protected] Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira (IEAPM) Rua Kioto, 253 – Praia dos Anjos – Arraial do cabo, RJ 3 RESUMO Ressurgência é o processo de afloramento das massas de água profundas e frias do oceano à superfície, o qual desencadeia um espetacular crescimento das populações de peixes na região. A Ressurgência, nesta região, está relacionada com o regime de ventos local. Os ventos de NE, oriundos do Anticiclone Semi­Permanente do Atlântico Sul, promovem o fenômeno. O Evento é interrompido com a passagem de sistemas frontais, quando a direção passa a SW. Contudo, a avaliação climatológica da ressurgencia permite mostrar o comportamento da resposta da TSM com relação ao vento e, também, a variabilidade interanual do ciclo da ressurgência na região. 1. INTRODUÇÃO No Sul do Brasil, um fenômeno desperta a curiosidade de muita gente ano após ano. _________________________ 1 Bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET/MEC – UFPel). No verão, quando os termômetros começam a registrar temperaturas mais altas, a água do mar pode ficar bem gelada. Para a maioria dos navegadores, pescadores e observadores do mar, esse curioso acontecimento depende de parâmetros como direção e intensidade de vento. Na sabedoria ancestral desses sentinelas, o vento nordeste “traz” a água gelada enquanto o vento sul está relacionado com água quente. Os oceanógrafos chamam o fenômeno de ressurgência (upwelling), e o definem basicamente como um processo de ascensão de águas profundas mais frias (abaixo de 20º C) e salgadas para a superfície do oceano condicionado por efeitos físicos. Os nutrientes carregados pelas águas profundas promovem o desenvolvimento do plâncton (algas, bactérias, protozoários e outros organismos como minúsculos crustáceos) que constitui a base da cadeia alimentar no oceano, fornecendo alimento a peixes e outros organismos marinhos e contribuindo para o aumento das populações, favorecendo a pesca. Nos mares de regiões tropicais, podem ser identificadas três grandes camadas ou estratos de água superpostos: a camada superior da zona eufótica, onde a luz é abundante, mas os nutrientes são limitantes devido ao consumo pelo fitoplâncton e a baixa taxa de reposição; uma camada intermediária, ou a camada inferior da zona eufótica, na qual a luz passa a ser limitante pela profundidade e uma camada afótica, com grande disponibilidade de nutrientes, mas sem luz para o processo fotossintético. As regiões mais profundas dos oceanos são ricas em nutrientes disponíveis, a ação da luz solar vai diminuindo de acordo com o aumento da profundidade. Em presença de pouca luz, os vegetais marinhos (algas) não podem realizar a fotossíntese, diminuindo o consumo destes nutrientes e “estocando­os” na coluna d’água. A importância da ressurgência para diversas regiões do planeta pode ser verificada no Peru, que detêm uma das maiores produções de pescado no mundo graças à ação da ressurgência em sua costa. As áreas de ressurgência representam apenas 1% do oceano porém suportam mais de 50% da produção pesqueira mundial (Rodrigues, 1973). No Brasil a ressurgência na região de Cabo Frio (RJ) e Cabo de Santa Marta (SC), é do tipo costeira, ou seja, causada principalmente por ventos e assim chamada pela proximidade com a costa. Ocorre de maneira menos intensa se comparada ao grande sistema do Peru. Existem outros tipos associados a diferentes efeitos físicos: devido a quebra de plataforma continental; devido a vórtices ciclônicos (ventos gerados por ciclones); devido a efeitos topográficos do fundo do oceano (como montanhas e cordilheiras no fundo); devido a ondas internas e outros tipos menos comuns mas não menos importantes. Os efeitos físicos que causam a ressurgência estão associados à ação de correntes oceânicas que alternam de predominância de acordo com a época do ano. As correntes oceânicas são formadas pelo aquecimento desigual de diferentes pontos da Terra, pela radiação solar e pelos grandes sistemas de vento resultantes. No entanto a direção do movimento da água no oceano não é a mesma do vento. A rotação da Terra origina a força de Coriolis, pelo fato de ela girar de oeste para leste, de modo que um objeto viajando em um curso retilíneo do pólo sul (Antártica) ao equador estará influenciado pela rotação da Terra que gira embaixo dele. O resultado final é que o objeto se desvia para leste em relação ao seu destino pretendido em conseqüência da qual as correntes geradas pelo vento na camada superficial movem­se para a esquerda do vento, no Hemisfério Sul, e para a direita, no Hemisfério Norte. Esse movimento de água, resultado do balanço entre a força da gravidade e a deflecção causada pela força de Coriolis, chama­se corrente Geostrófica e é um dos principais componentes que contribuem para a formação das grandes correntes superficiais oceânicas. A Corrente do Brasil ruma durante o ano todo paralela à costa no sentido sul­ sudoeste, e acompanha aproximadamente o contorno da plataforma continental. No inverno a Corrente do Brasil se encontra com a Corrente das Malvinas, a convergência ou confluência subtropical, quando parte da água das Malvinas afunda e passa a ocupar o estrato inferior da Corrente do Brasil, formando uma outra massa de água chamada Água Central do Atlântico Sul. Esta ruma em sentido norte contrário à Corrente do Brasil, com características de baixa temperatura, mas com altas concentrações de nutrientes dissolvidos. Nos meses de inverno fica restrita a profundidades maiores, mas no fim da primavera e durante o verão, invade a camada de fundo sobre a plataforma continental. Os ventos predominantes do quadrante NE­E (Nordeste­Leste) durante o verão, impulsionam o deslocamento de grande quantidade de água das camadas superficiais em direção ao alto­mar em um processo descrito como transporte de Ekman (relacionado com a força de Coriolis), propiciando assim a penetração e o afloramento de águas profundas da Água Central do Atlântico Sul na região costeira. Na camada de Ekman, o estrato superior impulsionado pelo vento, carrega camadas inferiores. Em cada uma destas camadas, a velocidade vai progressivamente diminuindo pela fricção entre as moléculas de água e, devido ao fenômeno de Coriolis, vai também alterando a sua direção (para a esquerda no Hemisfério sul e a direita no hemisfério norte). Esta alteração na direção da corrente chega inclusive, em determinada profundidade, a inverter o sentido da superfície. As correntes superficiais movem­se cerca de 2% da velocidade do vento que as originam. Em resumo o vento de Nordeste soprando paralelo à costa, força a corrente superficial para alto­mar pelo transporte de Ekman, carregando a água quente da Corrente do Brasil para fora permitindo que a água mais profunda da Água Central do Atlântico Sul (ACAS) aflore às águas superficiais da costa. É comum a ocorrência das marés torradas após severos dias de vento nordeste justamente pela ação destas forças e observa­se também um aumento na turbidez da água, deixando­a turva e com pouca visibilidade. O contrário também se verifica quando existe predominância de ventos do quadrante sul. Nesse caso o transporte de Ekman impulsiona a corrente superficial em direção a costa, e por essa ação ocorre o fenômeno inverso de subsidência (downwelling), com aumento das temperaturas superficiais da água. Neste caso, o mar avança bastante e a água fica limpa e com boa visibilidade subaquática. A sabedoria e a prática de navegadores e pescadores pode nos ajudar a compreender processos físicos complexos, prevendo com dias de antecedência qualquer alteração significativa no oceano e no tempo. No entanto deve aliar­se os conhecimentos práticos ao embasamento científico para catalisar a evolução do conhecimento. Contudo, a ressurgência é mais comum nos bordos oeste dos continentes, mas, na costa brasileira, ocorre em alguns pontos, sendo o mais conhecido o localizado em Arraial do Cabo, no oeste do estado do Rio de Janeiro (23oS, 42oW). Os estudos sobre o tema remontam a década de 50 (Allard, 1955) e, desde então, muitos pesquisadores vêm trabalhando nessa área, como, por exemplo, Emilson (1961), Moreira e Rodrigues (1966), Moreira (1973, 1977), Signorini (1978), Valentin et al (1987), Palacios (1993) e Torres Jr (1995), entre outros. Embora o mecanismo completo da ressurgência ainda não esteja totalmente explicado, sua relação com o vento é clara, baseando­se na teoria de Ekman, onde o transporte médio do oceano se dá 90o à esquerda do vento, no hemisfério sul. Na costa sudeste do Brasil, os ventos de nordeste, oriundos do Anticiclone Semi­Permanente do Atlântico Sul, são dominantes e ocorrem durante todo o ano, sendo interrompidos na passagem de sistemas frontais, quando a direção passa a SW (Torres Jr, 1995, Dourado e Oliveira, 2001). Com isso, a água superficial tende a deslocar­se para o largo, possibilitando a subida da água subjacente, nesse caso, a Água Central do Atlântico Sul (ACAS). A temperatura indicativa da ressurgência é, portanto, 18o C, índice térmico superior da ACAS. Assim, pode­se supor que, nos meses em que a ACAS está mais rasa, seja necessária menor potência de vento para trazê­la à superfície. Os objetivos principais deste trabalho são avaliar a variabilidade interanual do ciclo da ressurgência em Arraial do Cabo e verificar a velocidade de resposta da temperatura do mar ao vento ao longo do ano. 2. MATERIAL E MÉTODOS Para analisar os eventos de ressurgência foram utilizados 11 anos (1970 até 1980) de dados horários de Temperatura da Superfície do Mar (TSM) e direção do vento. Estes dados foram coletados pela Companhia Nacional de Álcalis, em Arraial do Cabo. Com a utilização do software Fortran, os dados foram reorganizados e convertidos para coordenadas meteorológicas, tão logo, através da planilha eletrônica Excel, esses dados foram plotados em períodos mensais. A figura 1 mostra um exemplo de caso típico de ressurgência. O evento de ressurgência tem início quando o vento situa­se no Quadrante Nordeste (QNE) e adquire uma postura permanente dentro do quadrante (ponto Vi). Não bastando, a permanência do vento no QNE tem de vir seguida de um decréscimo da TSM, até atingir uma temperatura de 18°C ou inferior (ponto Ti). O final do evento é marcado pelo aumento da TSM, voltando a atingir valores superiores a 18°C (ponto Tf). Como já mencionado, o final do evento é marcado quando a TSM adquiri um valor superior a 18°C, mas tem de ser em resposta a saída do vendo do QNE (ponto Vf). Figura 1 – O gráfico superior da figura mostra a direção do vento que pode variar de 0° até 360° , enquanto que o gráfico inferior mostra a variação da TSM (°C), onde a linha verde representa uma isoterma de 18°C para o mês de março de 1974. Com o intuito de quantificar e caracterizar os eventos com mais lisura, para fins estatísticos, ocorreu a necessidade da definição dos pontos (Vi, Ti, Vf, Tf) em destaque na figura 1. A partir desses pontos foram definidas as Variáveis de Ressurgência (VR). São elas: tr (tempo de resposta) – É o tempo que a TSM leva para atingir um valor menor ou igual a 18°C, após a entrada do vento no QNE. É o tempo de Vi até Ti. tv (tempo de volta) – É o tempo que a TSM leva para atingir um valor superior a 18° C, após a saída do vento do QNE. É o tempo de Vf até Tf. tp (tempo de permanência) – Tempo que a TSM permanece, durante o evento, abaixo ou igual a 18°C. É o tempo de Ti até Tf. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A figura 2 mostra valores mensais do tempo de resposta determinado a partir da diferença entre Vi e Ti. Neste gráfico, observa­se valores mínimos nos meses de verão. Este resultado é esperado, pois neste período o Anticiclone do Atlântico Sul está mais ao sul. O tempo de resposta é o intervalo em que a TSM demora a decrescer até o valor de 18 o C, assim, no verão, esse tempo deve ser menor. Tem po de res pos ta (horas ) 100 80 60 40 20 0 jan fev mar ab r mai jun jul ago set out nov dez Figura 2 ­ Médias mensais do tempo de resposta. Na figura 3 são apresentados os valores mensais de tempo volta indicando o tempo o necessário para que a TSM atinja valores superiores a 18 C, significando o fim de um evento de ressurgência. Estes valores são determinados pela diferença entre Tf e Vf. Como esperado, observa­se que os valores mínimos estão nos meses de inverno, quando as frentes frias estão mais intensas e o Anticiclone do Atlântico Sul tende a estar mais ao norte. Tempo de retorno (horas) 35 Figura 3 ­ Médias mensais do tempo de retorno. 30 25 20 15 10 5 0 jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez Como um resultado do observado nas figuras 2 e 3, a figura 4 mostra os valores mensais do tempo de permanência da TSM abaixo de 18oC. Nota­se que os eventos de ressurgência são mais duradouros no verão com um pico secundário em Setembro. Este comportamento é explicado pela influência do Anticiclone Semi­Permanente do Atlântico Sul, que é mais intensa no verão. Tem po de perm anência (horas ) 250 200 150 100 50 0 jan fev mar ab r mai jun jul ago set out nov dez Figura 4 ­ Médias mensais do tempo de permanência. 4. CONCLUSÕES Neste trabalho foram analisados 11 anos de dados horários de temperatura da superfície do mar e direção do vento na região de arraial do Cabo, RJ. Os resultados preliminares mostram que a TSM responde mais rapidamente ao vento de nordeste, caracterizando o início da ressurgência no verão, quando o Anticiclone Semi­Permanente do Atlântico Sul está mais ao sul e mais persistente. Ao contrário, o fim da ressurgência ocorre mais rapidamente no inverno, devido as frentes frias que estão mais intensas neste período. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALLARD, P.. 1995. Anomalies Dans les Températures de L'euax de Mer Observée au Cabo Frio (Brésil). Bull. Inf. Com. Cent. Océanogr.. Études Cotes 2, 58­63. 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