1200502107 1111111111111111111111111111111111111111 FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO MARCELO PEREIRA LIMA INDEPENDÊNCIA DO BANCO CENTRAL: REVISÃO LITERÁRIA E ANALÍSE PARA O CASO BRASILEIRO SÃO PAULO 2005 MARCELO PEREIRA LIMA INDEPENDÊNCIA DO BANCO CENTRAL: REVISÃO LITERÁRIA E ANALíSE PARA O CASO BRASILEIRO , . Dissertação apresentada à Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, como requisito para obtenção do título de Mestre em Administração de Empresas Campo de Conhecimento: Administração Contábil e Financeira Orientador: Pref. Dr. George Avelino Filho FGV-SP I BIBL~OTECA SÃO PAULO 2005 IIIIIJIU/lIlfllll ,_. ___ ._. . . ..- - - - - - - - l - N ~ 1200502107 ...... ~ _......... "- -,. ... Lima, Marcelo Pereira. Independência do Banco Central: revisão literária e análise do caso brasileiro / Marcelo Pereira Lima. - 2005. 82 f. Orientador: Avelino Filho, George. Dissertação (MP A) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo. 1. Bancos centrais. 2. Preços - Estabilização. 3. Banco Central do Brasil. 1. Avelino Filho, George. 11. Dissertação (MPA) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo. III. Título. CDU 336.711 I..é.. I-im;;; do Administraçao de J~,.,,,, do Sêo Paulo ~iII . Q3-0G; " TomPo N° de Chamad~ S%.lH (g, L-i12 ~ djO"+}oS Ct.s ) t. , 1"?, - MARCELO PEREIRA LIMA INDEPENDÊNCIA DO BANCO CENTRAL: REVISÃO LITERÁRIA E ANALíSE PARA O CASO BRASILEIRO Dissertação apresentada à Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, como requisito para obtenção do título de Mestre em Administração de Empresas Campo de Conhecimento: Administração Contábil e Financeira Data de Aprovação: -'-'-Banca Examinadora: Prof. Dr. George Avelino Filho (Orientador) (FGV-EAESP) Prof. Dr. Marcos Fernandes Gonçalves da Silva (FGV-EAESP) Prof. Dr. Delane Botelho (FGV-EBAPE) Dedico este trabalho a todos aqueles que sonham com um Brasil melhor e que, principalmente, lutam pelo seu desenvolvimento econômico, social e político, a fim de torná-lo uma grande nação. Com vontade e determinação, tenho certeza que um dia alcançaremos este objetivo. Ao Banco Itaú, que tornou possível a realização deste curso, através de seu patrocínio. Ao professor George Avelino Filho, pelo seu apoio no desenvolvimento do trabalho. Aos amigos e colegas de curso Amílcar, Cláudio e Ricardo, por ajudarem a amadurecer o interesse pelo assunto, e pelas dicas de fontes bibliográficas. Aos amigos do banco, pelo suporte e incentivo durante estes dois anos de curso. À Ivana, minha esposa, pela corr.preensão, carinho e bom humor. A meus queridos pais, eternos exemplos de perseverança. RESUMO Com a abertura das economias nacionais e com a maior difusão de informações, as sociedades estão rapidamente se conscientizando da importância exercida pelas instituições públicas para o desempenho econômico de uma nação. Em se tratando de desenhos de instituições públicas do setor econômico-financeiro, observa-se uma forte tendência pela adoção de bancos centrais independentes. Neste trabalho, procuro identificar a origem da discussão acerca da independência dos bancos centrais. Serão analisadas as vantagens e as desvantagens de um· banco central independente, bem como evidências empíricas que podem ser utilizadas para analisar a tese da independência dos bancos centrais. Finalmente, será analisada a história do Banco Central do Brasil. Analisaremos a evolução das autoridades monetárias brasileiras e procuraremos entender de que forma a independência do Banco Central do Brasil afetaria a economia do nosso país. o SUMÁRIO 1 - INTRODUÇÃO 9 1.1 - A escolha do tema 10 1.2 - A questão central do trabalho 11 1.3 - A importância do estudo 11 1.4 - A estrutura do trabalho 12 2 - CONCEITOS E FUNDAMENTOS 14 2.1 - As diferenças entre os conceitos de independência e de autonomia 15 2.2 - A origem da discussão a respeito da independência do banco central 16 2.3 - A evolução das funções e objetivos dos bancos centrais 23 2.4 - Os instrumentos da política monetária 28 2.5 - Métodos de avaliação do grau de independência 30 2.5.1 - O modelo de Cukierman 31 2.5.1.1 - Medidas legais de independência 33 2.5.1.2 - Medidas da taxa de substituição dos diretores do banco central (turn over rate) 36 2.5.1.3 - Caracterização do grau de independência a partir de respostas a um questionário 39 2.5.1.4 - Correlação entre os índices obtidos anteriormente 41 2.5.1.5 - O índice geral de independência 42 2.5.2 - Críticas ao modelo de Cukierman 43 2.5.3 - O método de avaliação do grau de independência constitucional 45 2.6 - Análise dos argumentos sobre a independência do banco central 47 2.6.1 - Argumentos a favor da independência do banco central 2.6.2 - Argumentos contra a independência do banco central 49 50 3 - ANÁLISE DO CASO BRASILEIRO 53 3.1 - A história do Banco Central do Brasil (BCB) 54 3.2 - Avaliação do grau de independência atual do BCB 60 3.3 - Argumentos favoráveis a uma maior independência do BCB 61 3.4 - Argumentos contrários a uma maior independência do BCB 62 3.5 - Conclusão a respeito da independência do BCB 63 4 - CONCLUSÃO 66 BIBLIOGRAFIA 73 ANEXOS 76 I I' ".; J :...: bb or!!GC:.311 S;;'ISBS';q O?:\?Btn5:3~nqs I e r;lfn~\litorn O Z,3 GiTf ':Hip eürnqls:Jiliin8bi I •''''u' ..J "1:·i··,t,~,"l.'I'''''·' .•)f ....... *.,;..:v~_ ';"'''71 • R ;>'.'~ I I ·",i::'1h'~B';,b "'f''''JJ aOf,j'IC'\'H':::~ ,:'jn~""'·i\r.;"j~ ."',. ~"'r .... Xl J~ .; t,: "- . ~.';;) ... ~.;. l--Jl~f 1' .. ".1~:( . 10 1.1 - A escolha do tema Pessoalmente, considero Economia uma área de estudos fascinante. Em particular, sempre me causou curiosidade o fato de alguns países serem mais bem sucedidos que outros quanto ao nível de desenvolvimento e crescimento econômico. Mais ainda, causa-me admiração o fato de os países apresentarem diferentes taxas de crescimento ao longo de sua história, muitas vezes destoando de uma tendência que se possa observar para os outros países da mesma região, ou mesmo do mundo. Quais são as razões para que isto ocorra? E, uma vez identificados os fatores endógenos e exógenos que têm capacidade de afetar o crescimento econômico de um país, existiria um conjunto ótimo de decisões a ser tomado para promover o crescimento de uma economia? A tentativa de explicar as diferenças nos graus de crescimento econômico observadas entre os países tem gerado vários modelos teóricos, fortemente baseados na observação, cujos resultados esperados são confirmados em grande número de estudos empíricos, mas não explicam satisfatoriamente uma boa quantidade de casos. Segundo Jones (2000), a elaboração de melhores políticas econômicas requer um melhor entendimento do crescimento econômico. Um bom governo deve oferecer um arranjo institucional com instituições públicas e uma infra-estrutura que minimizam custos e maximizam lucros, incentivando o investimento. A mudança freqüente de regras e desenhos institucionais altera a percepção do mercado a respeito do risco oferecido por uma economia, afetando diretamente a estabilidade do crescimento econômico daquele país. A globalização provocou uma aceleração no processo de abertura das economias nacionais e uma maior e mais rápida difusão de informações, levando as sociedades a repensar instituições e políticas públicas que possam ser mais propícias a um desempenho econômico bem-sucedido. Em se tratando de desenhos de instituições públicas do setor financeiro, observa-se uma forte tendência pela adoção de bancos centrais independentes. Saddi (1997, p. 246) prevê que "a autonomia será o denominador comum de todos os bancos centrais no futuro". Com estas informações em mente, senti o desejo de entender como funciona este arranjo, quais as variáveis 11 que devem ser levadas em consideração na análise, e como a independência de um banco central poderia contribuir para o desenvolvimento econômico de um país. 1.2 - A questão central do trabalho A questão central deste trabalho é identificar quais as vantagens e as desvantagens de um banco central independente. Para responder esta questão será necessário entender como o argumento surgiu nos países democráticos. Também discutiremos qual o papel natural dos bancos centrais na garantia da estabilidade financeira, bem como que instrumentos e informações um banco central precisa para executar este papel efetivamente. Tentaremos entender porque os bancos centrais são dotados de grande poder na maior parte das economias modernas, analisando de que maneira as decisões dos bancos centrais podem interferir de forma significativa em grande parte das economias do mundo, afetando sua atividade econômica como um todo. Por fim, tentaremos responder se existiria um grau ótimo de independência para o Banco Central do Brasil. O que nossa economia ganharia, e quais os riscos envolvidos, com a adoção de um banco central independente? Estamos preparados do ponto de vista econômico, social e político para outorgar mais independência ao nosso Banco Central? 1.3 - A importância do estudo Um arranjo institucional que garanta a estabilidade econômica, promovendo a credibilidade do sistema financeiro como um todo, é desejável em qualquer país do mundo. Entretanto, o grau de exposição a que a economia de um país está sujeita após a promoção de sua abertura econômica torna o processo de tomada de decisões algo extremamente complexo e delicado. É preciso uma rigorosa análise conjuntural para se chegar a uma decisão ótima que reverta em resultados positivos no longo prazo, mas levando em consideração as possíveis perdas provenientes de conflitos redistributivos que podem ocorrer no curto prazo. 12 Segundo Sola, Garman e Marques (2002, p. 116): Tanto nas democracias capitalistas dominantes quanto nas novas democracias do Sul e do Leste, um dos desdobramentos mais importantes dos anos 1990 foi a tendência generalizada para maior autonomia estatutária dos bancos centrais ou mesmo para sua maior independência formal. Esta tendência parece ser independente da tradição ou da imagem política e ideológica dos partidos cujos líderes empreenderam esta tarefa [... ]. Seguramente, as particularidades existentes em cada economia, e em cada momento de uma mesma economia, exercem um papel importantíssimo na determinação do nível de sucesso numa tomada de decisão. Assim, a questão da independência do banco central deve ser analisada de forma não viesada, procurando identificar, tanto na teoria quanto na prática, os fatores que podem promover o sucesso de sua implantação. 1.4 - A estrutura do trabalho Inicialmente, no capítulo 2, serão apresentados os conceitos teóricos e fundamentos envolvidos no tema. Será identificada a origem das discussões a respeito da independência do banco central, assim como serão conceituadas as diferenças entre os termos autonomia e independência. Ainda no capítulo 2, descreveremos quais são os instrumentos que os dirigentes de bancos centrais têm em mãos para cumprir seus objetivos, estudaremos como as funções dos bancos centrais têm evoluído nos últimos tempos, e analisaremos que fatores motivaram tal evolução. Finalizando o capítulo, analisaremos os métodos mais relevantes utilizados para a avaliação da independência dos bancos centrais. Daremos ênfase ao método proposto por Cukierman, um dos pioneiros neste campo. Em seguida, apresentaremos algumas críticas, tanto com bases teóricas quanto empíricas, ao método de avaliação proposto por Cukierman. o capítulo 3 faz uma análise do caso brasileiro à luz do que foi apresentado nos capítulos anteriores. Serão identificados os componentes que favorecem a adoção 13 de um banco central independente e os ganhos esperados para a economia brasileira. Posteriormente, serão expostas as razões que não permitiriam que a independência fosse adotada com sucesso, as dificuldades previstas caso o modelo de banco central independente seja adotado, e os riscos que a economia brasileira incorreria neste ambiente. Finalmente, o capítulo 4 relaciona as principais conclusões deste trabalho e relaciona sugestões para estudos futuros neste campo. 14 2 - CONCEITOS E FUNDAMENTOS Este capítulo trata das questões básicas relativas aos conceitos e fundamentos envolvidos nas discussões sobre os bancos centrais e nas teses que propõem sua autonomia/independência. O capítulo se inicia justamente discutindo as diferenças entre os conceitos de autonomia e de independência. Veremos que estes termos não são exatamente sinônimos - como pode aparentar ao se pesquisar a literatura existente. Em. seguida, analisaremos como a questão da autonomia/independência do banco central surgiu e qual a sua relevância para o arranjo institucional de uma economia nos tempos atuais. Como instituições relativamente modernas, os bancos centrais têm sofrido alterações - fruto de necessidades evidenciadas nos ambientes democráticos. No último século, estas alterações têm refletido em mudanças nas funções atribuídas aos bancos centrais e também aos instrumentos à disposição destas instituições para o cumprimento de seus objetivos. Este capítulo abordará a evolução destas funções e objetivos dos bancos centrais atuais. Por fim,· serão analisados os métodos de avaliação do grau de independência dos bancos centrais, com ênfase no trabalho de Alex Cukierman. I < I II ;;<:~1.~)~:,:;u~x::tib BhbsPS'lOme ~I <:'Em I I -"" ~ IBün<3::J q~)nB(i ob ~bn#jbni::Hi~"llr11 I .' O ?~""I;:,J't~i,r) ,-....'tj ....,.... em'!.JI ~ <,,~~~~~ ' ... ,_;.;;J, c!:~ "- "~ ... t""\jlç,:>o'~ .;..;;<, .·... '1,.» '''1 2:~ ....~ .<:>,,;:,'(',011'-'\)';\,''',,,, ... ({"'~~,.'''- '·~J' A ~.".", _h : ri·l~".e O:í!;onôtus Ifr~Jn9;j (K)(1sd rnG , , . _! • w,olf;; f_nbqz0!::HI 20 lr~rnm1EljeD I t:~~;YLi J3Jr~f;f f:'ttt/~) 8rfHJ 'jf)i1 aot:':~)rgn ~ 1 I ,:C I;-)í)r.t~, l18wil Ei'H3~::mí,J I 01"1".on61;)0 1f31~::3:) (YJ, l:ed r; I E,lEHibnsl~:tITldl.);:::'! , "O;~ ~ 8;)!1l l()q im • . , . ' . : : : ; .... • .. ;ornava,!? cleq :< ,...."t~ ".,1 . " llt':":;'t:ii' b h?' lt, ti' ' h . ~)Jn9,.A"H:1(l~~0", , ~l:; 'iips .ab 6\/ l~f:~it(:;i~~~íí~bc rr~ê?c!.tn;:,); f:<~~:" t,_~nq){;::~ " " >.. (,' ,,"li',,,,,;':'v '''!'''''''l(V':'!" t , , ", .....- f "" .... <,,'.. \ . . . . (;Sn H:'o:Hi l , 'ldÜ :~b\jq Sifrl(in(jlj;i..~ et Cf1~~?on p\ ,]1L',:::nr:t:):tihu, :~~1 " I""'" r,".,. 'I' 'i.i...~n"",,~ ,,'I\'!~:l' ~'1"''''-''''<' "l;-"" , i n,'.r"~.,«,,, -'.' !li'1"'"'- (1 o.-."~J,J •. 'i,~,; ...! ,"1"""",:·""" ' .. t::r"ah.~ llA.~ f~ 1., ~ '. '''' ,'~. "I. ;;:;.41 , t !pbi~~::,:rtf.Lt;-J,~:t;q~) , t} .. ..I, ;'f1c~~~·-~ ..,~J'f~,l tü~;'~njpr~ ;;;;jl~e!:;;;íi~;"e~ :ll;t~' :);} ;',:~:;i::H'ltSi;;)~~(,; ,x; ." ~3U(l'>; btnet-n~qf~bfjH r~3·t1rlS~J ::;».;l, ;'(>"·",~Il, nr. ~,L ,.·~r .....'L I o:,-;ndC! rnU '.~;i::,·y" lS;i ip'Ic'\'" "~+f'i<t;'r"I'q)(j,'r'i :::,....; "j'q--"~~.i ,-.. ~~. ~ -<,~..J ; ..,'~ ~J'$f '>.,1',1"'" "" ...;r ~.H) í8Ur).,Gup o J ' OVg~~~.etJp:). o /JV'1t,K'; . , ' , (; r:~C~) (-.".(1, r)r~:u ;:.~or.nqi:j,:~;-f ~~~;--:l~)r f~i:J r:'Bt):tiLd~"~!j~ ,,:,StJe e'Jrt~-:~,rr~~í:~t~~)' 5bf).':~} S (C ($~';;n t!,Gr:(!~,dbno:)f'li I -"Rft "1'-"4; i -.... ~ f f)t3;')8r::b'10~~q,~,'~ ;y!'::.);~ r;"'ôJ ~} é~i)rl1e;',;(!j ,~t?:V~8Ul0>t,~~ ~7 i;;~~;\n};S'l" T"\n("V'1 ~ ..h ..• 1:"1 "'·'(h' 'n '),U~''''l _,,' -It.,.,u}-, ,;,h"Hr'lí'~ ~"JL"'Ví" o, .)' ef$pr'~r,q <:~:·C}2·cU~2t0 .~ :fH)i!; "'>r~Jlt!S :~~.Ôl~U~[~e1q i~k)~r~·2)Jr;!J(l9tJní .,to~:,t::t;~lJ~t:j·t fj,;'nU c~:;.n9(t:~ . I S ;; tf1.8E./\ . f18".?·O~~~1(r, OCp•.JriQ C'1;'~ f() g'imOfH)tUf:. H (}l'lH~;P;~~) o,;"~!:.J~ç~~ds Bklnéi~}J1ue "f ... ) f'tb fflU r~ Sbfrb \,.,'1; " '" ,",<')[,1 ~- ~ • 16 Saddi (1997) argumenta que os termos vêm sendo utilizados de forma incorreta ou inapropriada: independentes seriam apenas os três poderes de um Estado, mas não o seria o órgão responsável pela política monetária. Entretanto, a literatura econômica acabou consagrando no mundo todo o termo Independência do Banco Central (IBC) - ou Central Bank Independence (CBI) - para designar a liberdade desta instituição, com relação ao restante do governo, para executar a política monetária. Assim, este será o termo adotado neste trabalho. Feito isto, o que se faz essencial é medir o grau de independência do banco central - tarefa a ser realizada mais adiante neste trabalho. 2.2 - A origem da discussão a respeito da independência do banco central A discussão em torno da independência dos bancos centrais é antiga e tem se aperfeiçoado com novas abordagens e com a inclusão de novos elementos na análise. Segundo um trabalho publicado pelo Reserve Bank of Australia em 1994, a discussão recente em torno da independência reflete os surtos inflacionários nos anos 1970 e o surgimento de um novo fenômeno: a estagflação - termo usado para indicar inflação persistente combinada com estagnação (decréscimo do nível de consumo e aumento do desemprego). Em parte, a intensificação da discussão ocorre devido ao reconhecimento de que as âncoras que sustentavam a estabilidade de preços - o padrão ouro, e mais tarde o sistema de Bretton Woods - foram eliminadas, e algo tinha que substituí-los. A tese de independência do banco central surgiu nesta busca por uma nova âncora. Assim, a responsabilidade pela manutenção da estabilidade de preços foi revertida para as autoridades nacionais. No entanto, o início da discussão a respeito da independência dos bancos centrais pode ser identificado num trabalho de David Ricardo sobre o estabelecimento de um banco nacional em 1824 (Austrália 1, 1994, p. 1, tradução nossa): 1 Retirado do Reserve Bank of Australia Bulletin, dez. 1994. 17 É dito que o governo não poderia ser confiavelmente habilitado com o poder de emitir moeda; ele certamente abusaria. [... ] Mas eu proponho depositar esta confiança nas mãos de comissionados, não removíveis de seus postos oficiais senão pelo voto de um ou dos dois poderes do Parlamento. [... ] Os comissionados não deveriam, sob hipótese alguma, emprestar dinheiro ao governo, nem estar sob seu controle ou influência por mais sutil que este controle possa ser. Se o governo quer dinheiro, deveria ser obrigado a obtê-lo de uma forma legítima: através de impostos, da emissão e venda de títulos do tesouro público, de empréstimos financiados, ou de empréstimos junto aos bancos privados; mas de maneira alguma ao governo deveria ser permitido emprestar daqueles que detém o poder de criar dinheiro. Keynes, num testemunho diante da Comissão Real Inglesa acerca de um Banco Central Indiano em 1913, também expressou a noção de que o banco central ideal "deveria combinar responsabilidade governamental com um alto independência operacional para os dirigentes do banco central" (Austrália grau 2 , de 1994, p. 1, tradução nossa). Keynes conclui que "seria desejável preservar a imparcialidade da autoridade dos dirigentes do banco, cuja tarefa seria abordar a política monetária de uma maneira ampla, e não puramente comercial" (Austrália 3 , 1994, p. 1, tradução nossa). Muitos estudos têm sido publicados no que se refere ao desenho ótimo das instituições, com grande enfoque para as instituições responsáveis pela política monetária. Em geral, os proponentes da tese da independência do banco central sustentam que há um viés inflacionário na economia, que se expressa por meio de políticas monetárias que são dinamicamente inconsistentes com a posição de equilíbrio correspondente à taxa natural de desemprego. Os agentes responsáveis pela elaboração das políticas monetárias podem freqüentemente julgar que os resultados econômicos de curto prazo sobre o nível do produto são mais importantes que a credibilidade nas regras de política monetária. Dados os incentivos em jogo, estes agentes podem flexibilizar a política monetária com o uso de ações discricionárias expansionistas, mas inconsistentes no longo prazo. Este estratégia pode levar à perda de credibilidade perante os agentes privados com sérias conseqüências para a economia. A independência do banco central tem como objetivo delegar a política monetária a uma agente que tenha a manutenção de sua 2 3 Retirado do Reserve Bank of Austrália Bulletin, dez. 1994. Retirado do Reserve Bank of Austrália Bulletin, dez. 1994. 18 reputação como incentivo, a fim de promover a credibilidade nas regras monetárias, e a estabilidade monetária num patamar sustentável e com baixa variabilidade~ A seguir, serão expostas idéias encontradas em alguns trabalhos que têm motivado e ajudado a sociedade nesta busca por soluções ideais para o arranjo institucional monetário. Kydland e Prescott (1977) analisaram a aplicação da teoria do controle ótimo para o planejamento econômico dinâmico. Segundo esta teoria, em cada instante do tempo existe a melhor decisão a ser tomada - dada a situação atual, e dado que decisões serão selecionadas de maneira similar no futuro. Kydland e Prescott argumentam que uma política discricionária na qual os agentes selecionam a melhor ação, dada a situação atual, tipicamente não resultará na maximização da função que descreve os objetivos sociais. Ao contrário, a performance econômica pode ser otimizada se for baseada em regras. As razões para este resultado se devem ao fato de que a teoria do controle ótimo é um dispositivo de planejamento apropriado para situações nas quais tanto os resultados atuais e quanto o movimento do estado do sistema dependem apenas de decisões atuais e de decisões passadas. Este não é o caso dos sistemas econômicos dinâmicos, onde as decisões atuais dos agentes econômicos dependem em grande parte das expectativas em torno das decisões futuras da política econômica. Mudanças na função que descreve os objetivos sociais, causadas por alterações na administração, têm um efeito imediato sobre as expectativas futuras dos agentes a respeito das políticas e afetam suas decisões atuais de modo a se ajustarem ao novo estado do sistema e às novas expectativas. Kydland e Prescott (1977) observam que há um paradoxo em situações onde a estrutura econômica não é bem entendida - como o que ocorre com a análise dos agregados financeiros. A prática comum é estimar um modelo econométrico e então, pelo menos informalmente, utilizar técnicas da teoria do controle ótimo para determinar a política econômica. Entretanto, mudanças nas regras induzem a mudanças na estrutura, o que por sua vez exige uma nova estimativa para as futuras mudanças na política. Freqüentemente, esta interação não converge, e os esforços de estabilização têm o efeito negativo de contribuir para a instabilidade econômica. Para a maioria dos casos, a interação converge, trazendo resultados consistentes, mas sub-ótimos. Com efeito, os responsáveis pela elaboração da política estariam 19 falhando por não levar em conta o efeito de suas regras políticas nas regras de decisões ótimas dos agentes econômicos. Assim, Kydland e Prescott (1977) propõem o uso da teoria econômica para avaliar regras políticas alternativas e selecionar uma que possua boas características operacionais. "Em sociedades democráticas, é provavelmente preferível que as regras escolhidas sejam simples e facilmente compreensíveis, a fim de que se torne evidente quando um responsável pela política se desvia dela". Kydland e Prescott propõem arranjos institucionais que tornem as mudanças nas regras políticas um processo difícil e demorado, exceto nas situações de emergência. Assim, a possibilidade de execução de uma política discricionária ficaria comprometida caso mudanças necessitassem da aprovação do congresso e/ou possuam um bom tempo de espera para entrar em vigor. Barro e Gordon (1983) argumentam que, num regime discricionário, a autoridade monetária pode emitir mais moeda e produzir mais inflação do que as pessoas esperam com o objetivo de promover a expansão da atividade econômica e a redução do valor real dos. passivos do governo. Entretanto, visto que as pessoas compreendem os incentivos dos governantes, este tipo de movimento não se sustenta indefinidamente em equilíbrio, pois as pessoas ajustam suas expectativas inflacionárias a fim de eliminar o padrão consistente das incertezas. Por outro lado, o comprometimento com regras monetárias ou de preços elimina o potencial do impacto das incertezas. Assim, as taxas de equilíbrio da inflação e do crescimento monetário podem ser diminuídas através da mudança de um desenho de instituições monetárias que permitem o comportamento discricionário para um desenho que garanta o cumprimento de regras. Segundo Barro e Gordon (1983), mesmo quando existem regras monetárias, os governantes se sentem tentados a trapacear a fim de assegurar benefícios a partir dos choques inflacionários. Entretanto, esta tendência a trapacear ameaça a viabilidade do equilíbrio das regras e tende a deslocar a economia para uma situação de equilíbrio inferi,or, tendendo àquele do comportamento discricionário. Devido à repetição das interações entre o governo e os agentes privados, é possível que as forças de reputação possam dar suporte à obediência às regras. Ou seja, a éob iSí18d -'!':t'1;'rh"-';;>'" ,"'". -~U~,'j(..n. .,I~ I" '~)i..;I ,; t ,',.., ~~ ,,) t' :,~'."'.,",~',)" ;Y -_ ... ""'11' 13:);8l~S .t~r-~.JD •• , ,':,. !:) ( ..•.. :l'i.. ""I'' "1"\"' "".t:. 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Persson e Tabellini (1993) criticam a abordagem macroeconômica tradicional - nas suas variedades Keynesiana, Monetarista e Neoclássica - na tentativa de explicar as questões referentes à reforma institucional, pois elas tratam a política monetária como exógena. Eles consideram que a literatura recente sobre jogos políticos macroeconômicos é mais útil por tratar a política monetária como endógena e por enfatizar os incentivos políticos de curto prazo. Entretanto, os autores ressaltam que, apesar de esta literatura ter sido bem sucedida ao trazer modelos positivos de políticas, ela não têm tido o mesmo sucesso com os modelos normativos de arranjos institucionais. Fischer (1995) analisa os trabalhos de alguns dos últimos autores mencionados (Rogoff e Persson-Tabellini) e define o modelo de Rogoff como um esquema de banco central com independência de objetivos e instrumentos, e o modelo de Persson-Tabellini como um esquema de banco central com independência apenas de instrumentos. Recentemente, King (2004) argumentou que a raiz do problema da política monetária é a incerteza acerca das decisões sociais futuras resultantes da impossibilidade e da indesejabilidade de comprometer sucessores - futuros responsáveis pela condução da política monetária - a uma dada estratégia de política monetária. A impossibilidade seria fruto da observação de que decisões coletivas não podem ser garantidas. E a indesejabilidade reflete o fato de que não podemos articular todos os possíveis estados do sistema no futuro. O arranjo institucional está no centro da questão a respeito das decisões coletivas num mundo de contratos incompletos. Assim, observa-se a grande importância do arranjo institucional para a operação da política monetária. Geralmente, segundo o autor, a reputação dos bancos centrais como instituições disciplinadas contrasta com os desejos de excessos dos ministros das áreas financeiras, incentivados a promover o 22 crescimento da economia a níveis acima do equilíbrio a fim de obter ganhos de curto prazo. Desta forma, King (2004) defende que é útil pensar no arranjo ótimo das instituições financeiras usando os princípios da teoria dos contratos incompletos. Esta teoria discute como seriam os contratos caso certos aspectos do mundo não pudessem ser verificados por um regulamentador (externo) que garantiria o cumprimento do contrato. Em termos de política monetária, existem dois aspectos relacionados, porém distintos: primeiro, a falta de habilidade para garantir o comprometimento, pois arranjos monetários podem ser alterados na falta de um regulamentador; segundo, não se pode descrever um arranjo monetário ótimo porque não conhecemos todos os possíveis "estados do sistema" e, assim, a regra política a qual gostaríamos de nos comprometer. Para King (2004), a estabilidade de uma instituição é um de seus maiores ativos. Um bom governo e um banco central têm profundo interesse em preservar suas reputações. Entretanto, como não há a possibilidade de se distinguir, a princípio, um bom governo de um mau governo, é desejável impor uma regra de política monetária a todos os governantes a fim de reduzir o dano que um mal governo pode causar no futuro. Apesar disto, mesmo se fôssemos capazes de nos comprometer com uma regra, a possibilidade de contar com certo grau de liberdade para a execução de ações discricionárias é bem vista. Assim, o ideal é que não haja regras extremamente rígidas na estrutura de tomada de decisão como, por exemplo, dar à regra força de lei, tornando-a parte da constituição. O ideal é uma estrutura que irá implementar o que se acredita ser a estratégia ótima para a política monetária e que irá se desviar dela somente se coletivamente alterarmos nossa percepção a respeito desta estratégia. Ainda segundo King (2004), é sensato delegar tanto decisões sobre a política monetária quanto à capacidade de aprendizado às instituições como o banco central, pois as instituições monetárias têm dois importantes papéis: expandir a possibilidade da tecnologia das decisões coletivas e exercitar o comportamento discricionário de forma restrita, porém inevitável - devido à necessidade de se estar sempre aprendendo sobre o ambiente econômico. As instituições funcionam como repositórios de experiência e conhecimento, que elas posteriormente repassam para a sociedade como um todo. 23 2.3 - A evolução das funções e objetivos dos bancos centrais Diferentes modelos de banco central existem e funcionam apropriadamente. Sem dúvida, fatores históricos e sociais contribuíram para o surgimento de diferenças nos desenhos das instituições responsáveis pela condução da política monetária. Às vezes, o peso dos fatores acidentais acaba superando o peso das intenções dos agentes econômicos. Um exemplo clássico de como um fator histórico pode influenciar a preferência dos agentes econômicos por um determinado modelo de banco central é o Bundesbank: devido ao surto inflacionário na Alemanha dos anos 1930, o banco central alemão sofre uma pressão muito grande para que mantenha a taxa de inflação a níveis baixos. Este objetivo está muito acima de qualquer outro, principalmente na opinião da parcela mais idosa da população. Entretanto, de modo oposto, a parcela mais jovem da população alemã pressiona as instituições públicas para que ocorra uma melhora nos índices de desemprego - que vêm aumentando nas últimas décadas - e estaria disposta a pagar por isto mesmo se a possível solução significasse índices de inflação um pouco menos rígidos. Schinasi (2003) destaca que, moderna mente, o banco central é tido como o principal responsável pela garantia da estabilidade financeira. Em segundo plano estaria o objetivo da estabilidade monetária. Schinasi (2003) lista as razões que caracterizam o papel dos bancos centrais na estabilidade financeira: • O banco central é o único provedor de meios legais de pagamento e de liquidação imediata; • O banco central é o responsável pelo correto funcionamento do sistema de pagamento de um país. É neste contexto que os agentes discutem e avaliam o risco sistêmico. Há uma grande preocupação em não permitir que a falência de uma instituição dê início a um efeito cascata, que poria em risco todo o sistema de pagamentos; • O sistema bancário é o mecanismo de transmissão através do qual a política monetária tem seu efeito sobre a economia real; 24 • Finalmente, há uma ligação explicita entre estabilidade monetária e estabilidade financeira. Há uma relação direta entre a base monetária e o fornecimento de moeda à economia. Em geral, a literatura destaca dois motivos que podem ameaçar a estabilidade de preços: a tendência de as autoridades políticas acelerarem a economia além das taxas sustentáveis - motivados por interesses próprios e de curto prazo -, e a tentação dos governantes de financiar seus gastos com recursos do banco central. Goodhart (1994) diz que, segundo o monetarismo, o equilíbrio da economia é estável e único. Deste modo, o resultado final de qualquer política monetária discricionária ativa é sempre nulo, pois a economia naturalmente retornará à posição original de equilíbrio onde vigora a taxa natural de desemprego. Então, o melhor resultado sustentável que as autoridades podem alcançar através da política monetária é a estabilidade de preços. Se a política monetária possui mais de um objetivo e estes se caracterizam por um processo de escolha onde emerge um frade-off, então a decisão sobre os rumos monetários acabará sendo uma decisão política, certamente tomada fora do banco central. Assim, Goodhart (1994) conclui que é mais provável que ocorra uma maior autonomia quando os bancos centrais buscam um único objetivo macro. Foi assim durante a manutenção do padrão ouro, a vigência do sistema de Bretlon Woods, e a estabilidade de preços hoje - pelo menos, na maioria das economias que adotaram a independência do banco central. Cukierman, Webb e Neyapti (1992) defendem que a independência de um banco central não significa somente autonomia para realizar políticas monetárias sem a interferência do governo central, mas independência para perseguir o objetivo da estabilidade de preços acima de tudo, mesmo que esta busca represente o sacrifício de outros objetivos que possam ser mais importantes para as autoridades políticas. Um banco central independente deve assumir a tarefa estatutária única de protetor da estabilidade do poder de compra da moeda. Segundo o boletim do Reserve Bank of Ausfralia (1994, tradução nossa), 26 da taxa de inflação. Nestas circunstâncias, o governo pode sempre mudar o objetivo do banco central. A segunda abordagem, a das metas intermediárias, prevê uma abordagem mecânica e automática à política monetária: se a taxa de câmbio está sob pressão descendente, aperte a economia; se o agregado monetário está crescendo acima da meta, aperte a economia também. Para alguns países, metas intermediárias têm promovido um ritmo valioso para a configuração da política monetária. Esta estratégia tem sido usada por Hong Kong e por muitos países europeus, que mantêm sua taxa de câmbio mais ou menos fixa em relação ao marco alemão, dada o histórico de preservação do valor da moeda pelo seu governo alemão. Para o ReselVe Bank of Australia (1994), nos anos que se seguiram ao colapso de Sretlon Woods a maioria dos bancos centrais experimentou taxas intermediárias como objetivo. Apesar de alguns ainda manterem este arranjo, ele se mostrou insatisfatório para muitos. A razão para o insucesso se deve ao fato de que qualquer relação que possa ter existido entre agregados monetários e PIS perdeu sentido com a desregulamentação financeira, ou porque a manutenção da taxa fixa de câmbio não era mais considerada uma opção sensata. O perigo potencial das metas intermediárias é que elas requerem ajustes políticos inconsistentes com os objetivos finais. Perseguir duramente uma meta monetária poderia resultar tanto em inflação quanto em deflação; uma política monetária direcionada à taxa de câmbio fixa poderia se mostrar muito branda, ou muito severa. Enfim, possuir uma meta intermediária ao invés de um objetivo final pode ajudar a ancorar. a política monetária, mas as autoridades têm que ter certeza de que a meta intermediária é a correta. A terceira e última abordagem identificada pelo ReselVe Bank of Australia é requerer que o banco central dê prioridade máxima à estabilidade de preços, embora sem perder completamente de vista outros objetivos, como crescimento e emprego. Neste caso, amarrar a prioridade do banco central ao combate à inflação a qualquer custo dependerá do perfil da diretoria do banco e do governo. O banco central da Austrália se encaixa nesta categoria: ele possui o claro compromisso de manter a 27 inflação sobre controle, mas isto não está formulado de maneira a restringir a flexibilidade no exercício da política monetária. Assim, o boletim do banco central australiano conclui que um banco central com objetivos múltiplos tem maior independência, pois possui dimensões extras para as tomadas de decisões, mesmo correndo o risco de diminuir a prioridade da estabilidade de preços. Goodhart et aI (1994) afirmam que a função principal dos bancos centrais é a manutenção interna e externa do valor da moeda. Enquanto durou o padrão ouro, até 1914, as operações dos bancos centrais eram basicamente simples. O instrumento mais importante para garantir a conversibilidade da moeda em ouro era a utilização da taxa de juros nominais de curto prazo. Nesta época, práticas padronizadas eram adotadas pela maioria dos bancos centrais, que possuíam autonomia em relação ao governo. O período entre as guerras, de 1914 a 1945, marca o fim desta autonomia dos bancos centrais, que passaram a ser subordinados ao Tesouro - até mesmo alguns que não eram bancos públicos. É o processo de nacionalização dos bancos centrais. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, as funções dos bancos centrais foram ampliadas com a busca do pleno emprego e do crescimento, claramente influenciadas pelas idéias de Keynes, aceitando-se o tradeof{ entre crescimento a longo prazo à custa de inflação baixa e constante. Novelli (1995) descreve: Com a crise dos anos 1970, o paradigma Keynesiano prevê a utilização tanto da política fiscal quanto da monetária. Contudo, a política fiscal era o instrumento mais poderoso para influenciar a demanda agregada. Cabia à política monetária manter as taxas de juros baixas para incentivar o investimento doméstico. Este paradigma sofreu o ataque dos monetaristas, pois manter a economia com alto nível da demanda resultaria em altos níveis de inflação. Com efeito, os níveis de inflação em várias economias mundiais pioraram no final da década de 1970. O Federal Reserve americano introduziu uma nova técnica de controle dos agregados 28 monetários. Apenas três anos depois, a meta monetária era abandonada. Novelli (1994) descreve o fato: Se o rigor científico impede de concluir que a razão dos bancos centrais não é rigorosamente monetarista e, atualmente, está caracterizada por um certo pragmatismo (utilização da taxa de juros), é preciso destacar que a contra-revolução monetarista foi responsável por acabar com a dominação do paradigma Keynesiano no campo, colocando em relevo a política monetária - que até então ocupava um posição secundária em relação à política fiscal - e, conseqüentemente, o papel dos bancos centrais. Para Gutiérrez (2003), uma definição clara e a priorização dos objetivos do banco central aumentam a credibilidade e a eficiência da política monetária e facilitam a sua accountability. A estabilidade dos preços deveria ser o principal objetivo do banco central e a melhor contribuição da instituição ao crescimento econômico sustentado. Outras formulações, tais como preservar a estabilidade monetária, poderiam impor um conflito entre os valores interno e externo da moeda. Além disto, o banco central pode dar suporte à política econômica do governo e perseguir outros objetivos. Entretanto, a prioridade da preservação da estabilidade de preços deve ser dada para evitar conflitos de políticas. Neste sentido, a delegação da supervisão bancária a uma instituição autônoma pode prevenir a existência de outros objetivos que poderiam interferir com o da estabilidade de preços. 2.4 - Os instrumentos da política monetária Blinder (1994) descreve que, em modelos simples e limitados, a escolha de instrumentos monetários se resume a uma decisão entre a taxa de juros e a oferta monetária, com estes parâmetros alternando o papel de variável endógena e instrumento da política. Entretanto, existem diversas definições para oferta monetária e muitas possibilidades para as taxas de juros, reservas bancárias e taxa de câmbio. Há também o problema de não se poder controlar rigidamente qualquer uma das variáveis anteriores por um período de tempo muito curto. Assim, o problema não pode ser resumido a um simples problema de otimização dinâmica de variáveis em busca de um instrumento ideal para a política monetária. 29 Quanto à dicotomia entre juros e oferta monetária, Blinder (1994) lembra que grandes choques de LM 4 atuam a favor das metas de taxas de juros, enquanto grandes choques de IS 5 atuam a favor das metas de oferta monetária. Entretanto, fortes instabilidades nas curvas estimadas de LM em vários países levaram à conclusão de que ter metas de oferta monetária não era uma opção viável. Não se conseguiu identificar relação estatística forte de longo prazo que pudesse justificar o uso de um dos agregados monetários como instrumento da política monetária. Assim, a estratégia de ter metas de taxas de juros de curto prazo parece ser a mais adequada. Para Blinder (1994), a questão é que taxa de juros a autoridade monetária deve tentar controlar, visto que os componentes da demanda agregada sensíveis à taxa de juros reagem principalmente ao longo prazo real, enquanto o banco central pode controlar apenas o curto prazo nominal. Ou seja, aparentemente, a taxa de juros que o banco central pode controlar não importa (muito), e as taxas que realmente importam não podem ser controladas. Observadores acadêmicos e de mercado concordam que a taxa de juros dos fundos federais deve ser o instrumento central da política monetária. Apesar de esta taxa de juros ser nominal, elas significam mudanças na taxa real de fundos federais. A distinção a longo prazo não é simples, e equívocos podem ser altamente prejudiciais: caso o banco central, ao escolher a taxa de juros nominal, coloque a taxa de juros real num patamar alto demais, haverá uma restrição na demanda .agregada que resultará numa diminuição nos níveis de inflação. Ao contrário, caso a escolha da taxa de juros nominal faça com que a taxa de juros real seja baixa demais, teremos um quadro inflacionário, que pode ser agravado a ponto de se ter uma corrida inflacionária se o banco central não ajustar adequadamente a taxa nominal de juros. A curva LM é a curva produzida por combinações de renda e taxa de juros que equilibram o mercado monetário. Quanto maiores os níveis de renda, maiores as taxas de juros necessárias para o controle do mercado monetário. O choque na curva LM pode ser produzido através de um aumento no estoque de moeda: para um determinado nível de renda, a taxa de juros que equilibra o mercado monetário é menor que a taxa de juros anterior ao aumento no estoque de moeda. S A curva IS é a curva produzida por combinações de renda e taxa de juros que equilibram o mercado de bens. Quanto maiores os níveis de renda, menores as taxas de juros exigidas para o controle do mercado de bens. 4 r"·)j:.-·11·'·~m ~' .... ,...t.! . . ;'-"1-"1 -,'l t .... tt'.'r i 11 ,\",,~ .. ~~~, ~".1 r·u~ ">!l1'~~U~ do ;;'''~ }" ..·q;.....·'.. n ~~·~~1r·I("'·"~' (''''''')i''"..-"" .. i <"~" r:; ~, ~ ....j.í(... ,.".I~t.~, ~,>~.lv,,.J.~. ~\.'t 1t.;:· P', .-;',) ~"'~~ ~l;..,.::\.; ~J .',\-1 ,..,'< ·~ .. t,1 I :;)~"lr.rJ , ; r~U~j t~h~Uç)g: 1St9~ uo tC)jt;f,~1 f~')\!if1 LieZ~ S ':~~jp 2e)n~5nSrnl'?tq r é:::fiJf)(.:r1:<; Zt)lJUC:' i'~ L::\tj~·;n?J~, I~ : "'; ()ff{O~ !Er- ! (',n" "hi"'",,1irl;y'" r..""e 1')''::I'j L'li, Íf"i(,' ....... .....'! _ .. . l.., 1 __ ! ',~ ,~Cf.~I",,q"q· ... '~,<il I ....f1 ...'l··.~ ;cJ\! ~<_,"'J I.pf'.n 9 : fo.,~ ~~" > .~.V...J ". ! !"Jt..;'t~, ~'.J ·,...,,-fJ ..··~Ji;'''·"'J·~J, 1 ..... ' .. .,.<' .... .. I ,tt." \/ , .. 'W'<:")Cl'l' f'r'\U OS~"'~<'''lnl''C>'''1 .;._, ",1.", , !,>~JI"':,1 o:é<~I~ ,,~!,,; ".t? ~r;f~\.:i ~·-·Jr\~>;.r r:),..... " -.. ~'." .... 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'i:::J ?~~b 'lB!f:{ÚE :-18 rn,:hc:q > <3Ln1jn~):) ~j·:O.:.~.rií~1(j (~t.} ~::~;,tfl-Bb1t11b 2(JS r ! r ~" •l..t_",J "."-'oL,I+8"'" "H...1 1,:;1' j $.,b I Lrz q~ &~f,er11;S\/ijt?,lt!t1Gtjp . ~~t;;ern 6t') ()f~~)~ 60 Sj(t;;;ü;j'!t:no:) ObO']~!frj I mu LJoh;j 31 avaliação do grau de independência dos bancos centrais. Por fim, serão expostas críticas que alguns estudos apresentaram ao modelo proposto por Cukierman. 2.5.1 - O modelo de Cukierman Para Cukierman (1992), a dificuldade básica em caracterizar e medir a independência de um banco central se baseia no fato de que ela é determinada por uma série de fatores legais, institucionais, e pessoais, muitos deles difíceis de quantificar e vários deles fora do alcance da observação do público em geral. Visto que mudanças de visão e alianças internas aos setores públicos ocorrem com baixa percepção da população, existe certo grau de incerteza a respeito do grau de independência do banco central. Enfim, os dirigentes do banco e o governo têm melhores informações sobre o grau de independência, e podem inclusive se valer deste fato para promover uma combinação de seus objetivos. o nível real de independência de um banco central, ao contrário do nível legal, depende de fatores pouco formais. As razões são: • A lei cobre apenas uma pequena parte das contingências que aparecem na prática; • Mesmo quando alei especifica explicitamente o que deve ser feito, a prática real pode se desviar da lei; • A independência real depende de uma variedade de fatores informais, como a personalidade dos agentes e desenvolvimentos internos ao banco, ao governo e a outras instituições do setor público. Estes fatores tendem a se modificar ao longo do tempo, e o público não iniciado somente percebe seu impacto após certo intervalo de tempo - quase sempre através dos efeitos sentidos nos resultados das políticas na economia. Segundo Cukierman (1992), acredita-se que o grau de independência do banco central em relação ao governo afeta a taxa de expansão monetária e de crédito e, através delas, importantes variáveis macroeconômicas como a inflação e o tamanho 32 do déficit orçamentário. Além disto, um alto grau de independência associado a um mandato explícito do banco central para focar no objetivo da estabilidade de preços são importantes dispositivos institucionais para a garantia da estabilidade de preços. A independência real, ao contrário da formal, depende do grau de independência conferido pela lei, mas também de vários fatores menos estruturados tais como arranjos informais entre o banco e seções do governo, da qualidade do departamento de pesquisa do banco e da personalidade de pessoas-chave no banco e nos órgãos responsáveis pela elaboração das políticas econômicas no governo. Por ser difícil medir estes fatores objetivamente, a maioria das pesquisas anteriores à de Cukierman tem focado na independência legal e têm se resumido a estudar os países desenvolvidos. Cukierman (1992) defende que indicadores adicionais deveriam ser incluídos por duas razões já descritas anteriormente: as leis dos bancos centrais são normalmente incompletas, não especificando explicitamente os limites de autoridade entre o banco central e o governo sobre todas as contingências, havendo espaço para práticas informais e uso de tradição; e, mesmo quando a lei é explícita, as práticas reais podem se desviar dela. Assim, Cukierman (1992) apresenta três conjuntos de indicadores para a independência dos bancos centrais em seu trabalho. O primeiro conjunto inclui medidas de independência legal, enquanto os outros dois conjuntos avaliam os desvios entre o que se observa na realidade e o que é previsto na legislação. Assim, os indicadores propostos por Cukierman são: • Medidas de independência legal; • Medidas da taxa de substituição dos diretores do banco central (turnover rate); • Respostas de especialistas em política monetária a um questionário construído para identificar fatores que podem induzir a divergências entre a lei do banco central e a prática real. A idéia de se usar conjuntos de indicadores está baseada na noção de que cada indicador capta um diferente aspecto do grau de independência: a combinação entre os indicadores promove o efeito da complementaridade e minimiza o ruído na 33 medida final, provocado por uma tendência acentuada num dos indicadores. Desta forma, num primeiro momento os indicadores produzem três classificações alternativas de grau de independência. Num segundo momento, os indicadores serão combinados usando seus respectivos impactos relativos sobre a inflação para produzir uma classificação geral. A amostra engloba todos os vinte e um países considerados desenvolvidos na época da execução do trabalho além de quarenta e nove países menos desenvolvidos e em desenvolvimento. 2.5.1.1 - Medidas legais de independência Os índices relacionados aos aspectos legais da independência do banco central apresentados a seguir foram construídos da seguinte maneira: primeiro, eles são baseados num número limitado de características legais relativamente precisas; segundo, um código numérico é associado para cada característica. Informações adicionais sobre como as leis são aplicadas foram deliberadamente ignoradas porque elas refletem características que serão discutidos separadamente na análise de outros índices. Este princípio torna possível classificar os bancos centrais pelo seu grau de independência com base em várias dimensões legais, o que reduziria a margem de subjetividade. As variáveis legais podem ser divididas em quatro grupos: • Variáveis relacionadas à escolha, demissão e o mandato do diretor do banco; • Variáveis relacionadas à resolução de conflitos entre o poder executivo e o banco central, e o grau de participação do banco central na formulação de políticas monetárias e no processo orçamentário; • Objetivos principais do banco central estabelecidos em estatuto; • Restrições legais à possibilidade de o setor público emprestar dinheiro do banco central. Cukierman (1992) utilizou os seguintes critérios: bancos centrais cujos diretores têm mandatos mais longos e sobre os quais o poder executivo tem baixa autoridade legal na escolha ou na demissão do diretor são considerados mais independentes. 34 Sob a mesma lógica, bancos centrais com maior autoridade na formulação de políticas monetárias e poder para resistir às pressões do poder executivo em casos de conflito são considerados mais independentes. Bancos centrais que possuem o objetivo principal ou o único objetivo de manter a estabilidade de preços são considerados mais independentes que aqueles que possuem 'um número maior de objetivos além da estabilidade de'preços, ou aqueles para.os quais este objetivo não , ' está. previsto. Bancos centrais com limites restritos sobre empréstimos para o setor , ' público são mais independentes para perseguir o objetivo da estabilidade de preços. O tipo' de limite estabelecido influencia a medida de independência: um valor absoluto máximo é mais restritivo que um percentual dos ativos do banco central, que por sua vez é mais restritivo que um percentual sobre a receita do governo. A princípio, Cukierman estabeleceu dezesseis variáveis 6 para a medida da independência legal dos bancos centrais. O ,grande número de variáveis tem a vantagem de facilitar uma classificação objetiva dos fatores. Entretanto, quanto maior o número de variáveis maior a possibilidade de colineariaade entre elas. Além disto, muitas, variáveis não poderiam ser avaliadas porque a característica que descreviam não era prevista nas legisla'ções dos bancos centrais~ Assim, as dezesseis variáveis foram agrupadas em oito grupos7, cujos índices são utilizados para a composição dos índices finais de independência legal: urn com rnédia simples e c;>utro com média ponderada. Para os'anos 1980, Cukierman encontrou 0$ seguintes reslÍltados para a média simples sendo que, numa escala de O a' 1, quanto mais alto o índice, maior a " independência do banco central: , ' .. , 6 7 Anexo A, Tabela 1: Lista das variáveis legais, respectivos significados e códigos numéricos. Anexo A, Tabela 2: Lista dos grupos de variáveis e respectivos pesos na composição do índice. 36 • Entre os sete países melhor classificados, quatro são desenvolvidos; • Entre os sete países pior classificados, seis são países menos desenvolvidos; • O nível médio total de independência legal foi de 0,33 - muito próximo do nível médio para os países desenvolvidos, que foi de 0,31; • Não há hiperinflação para estes países no período considerado. • A classificação para as médias ponderadas produz um resultado bastante similar à classificação das médias simples, com coeficiente de correlação de 0,91 entre os duas. Cukierman (1992) argumenta que este índice apresenta alta correlação negativa com a inflação média do período, mas destaca que existem vários pontos divergentes. Países como a Argentina (índice de 0,44), Peru (índice de 0,43) e Nicarágua (índice de 0,42) possuem índices acima da média geral e bem acima da média dos países em desenvolvimento. Entretanto, a inflação média anual destes países no período (1980's) é superior a 100%. É interessante observar que o Brasil apresentou índice igual a 0,26 - equivalente a um baixo nível de independência legal. Entretanto, este índice se situa acima dos índices de países desenvolvidos como a Itália (0,22), Espanha (0,21) e Japão (0,16). Para Cukierman (1992), a análise dos dados apresentados sugere que a independência legal de um banco central não é condição necessária nem suficiente para garantir um baixo índice de inflação. Entretanto, isto não é inconsistente com a noção de que, tudo o mais constante, um alto grau de independência legal contribui para uma baixa inflação. 2.5.1.2 - Medidas da taxa de substituição dos diretores do banco central (turnover rate) Este índice é baseado no número médio de trocas do diretor do banco central por ano, e foi avaliado para cinqüenta países no período de 1950 a 1989. O índice mínimo encontrado foi de 0,03 para a Islândia - o que corresponde a uma média de 37 trinta e três anos de tempo no cargo. O índice máximo igual a 0,93 foi encontrado para a Argentina - o que representa uma média de apenas treze meses de tempo no cargo. Além disto, Cukierman observou que: • O grupo de países menos desenvolvidos possui índices com uma maior distribuição, algo que não acontece para os países desenvolvidos - onde há clara concentração num nível mais baixo de trocas por ano; • O índice mais alto de trocas por ano ocorreu na Espanha e no Japão: 0,20; • Metade dos países menos desenvolvidos tem índices que superam 0,20; 38 Tabela 2.2 [ Classificação dos bancos centrais pela taxa de substituição L~aíses ~_esenvolvidos Países em desenvolvimento Islândia 0,03 Holanda Malásia 0,13 ·0,05 Honduras 0,13 Dinamarca 0,05 Zimbabwe 0,15 Luxemburgo 0,08 Barbados 0,11 Noruega 0,08 Filipinas 0,13 Itália 0,08 Tanzânia 0,13 Inglaterra 0,10 Israel 0,14 Canadá 0,10 Nigéria 0,19 Alemanha 0,10 Quênia 0,17 EUA 0,13 Grécia 0,18 Finlândia 0,13 África do Sul 0,10 Bélgica 0,13 Hungria 0,18 Suíça 0,13 Líbano 0,19 Suécia 0,15 Bahamas 0,19 Irlanda . 0,15 México 0,15 França 0,15 Romênia 0,20 Nova Zelândia 0,15 Colômbia 0,20 Japão 0,20 Tailândia 0,20 Espanha 0,20 Zaire 0,23 Iugoslávia 0,23 Panamá 0,24 Gana 0,28 Malta 0,28 Venezuela 0,30 Egito 0,31 índia 0,.33 Peru 0,33 Uganda 0,34 Zâmbia 0,38 Cingapura 0,37 Etiópia 0,20 Chile 0,45 Botswana 0,41 China 0,34 Turquia 0,40 Coréia do Sul 0,43 Uruguai 0,48 Costa Rica 0,58 Argentina 0,93 Fonte: Cukierman (1992) 39 Pode-se argumentar que um baixo índice de trocas não implica necessariamente em um alto grau de independência do banco central: um diretor relativamente subserviente tenderá a permanecer no poder por mais tempo que um diretor que se opõe ao poder executivo. Também é relativamente provável que, acima de certo patamar, quanto mais alto o índice de trocas menor deverá ser a independência do banco central. A razão disto é que, para índices de troca suficientemente altos, o mandato do diretor do banco central é mais curto que o do poder executivo: isto faz com que o diretor se torne mais suscetível às influências do poder executivo e o desencoraje a implementar políticas de longo prazo. Visto que na maioria dos países o ciclo eleitoral é de quatro ou cinco anos, é muito provável que o índice limite se situe entre 0,20 e 0,25. Como os índices encontrados para os países desenvolvidos não ultrapassam 0,20, não parece que este critério seja um bom avaliador para a independência do banco central neste grupo de países. Ao contrário, como a maioria dos países menos desenvolvidos tem índice maior que 0,20, é provável que o índice de trocas de diretores seja um bom avaliador do grau de independência dos bancos centrais deste grupo de países. 2.5.1.3 - Caracterização do grau de independência a partir de respostas a um questionários Questionários contendo perguntas a respeito de vários aspectos da independência do banco central foram respondidos por indivíduos qualificados em diversos bancos centrais. O questionário continha questões referentes aos cinco tópicos a seguir: • Aspectos legais da independência do banco central; • Práticas reais, quando elas são diferentes das estipuladas pela lei; • Instrumentos de política monetária e as agências que os controlam; • Objetivos e indicadores intermediários; • Objetivos finais da política monetária e sua importância relativa. Anexo A, Tabelas 3 e 4: Questionário elaborado por Cukierman para avaliação do nível de independência de um banco central e determinação de pesos para as variáveis. 8 !' , CiI ~if;p~:*d t\B ~,!9 ""-' ·'1i.'.:;,t':1 t~, m"·u ;~P'.. ".",[5..)l"..' rib 0161 q~~!;-. I. {'.hjf:l ",·h_.":II~:..,.tU""",,~ 08 eVüb Oii, ,n >E_',,' , í; 9 $ !sen sionêhf1~q{;lh'1í B Bl~!W 2f·:m:1;:~ ê!3{;ííf;~C';svib 1hdcC:I~:;t'ltJ aelqrrliz "- 1Uv j--' ;?cl fiiqOfj3 ., sit){HT1 .t)fl (\ .t.,.~ • .l ~ ~., z; ('[iO~, ((1:.J :;:;~i~)ít),':' (~l()b ',oqmo.:J !.:7in')i~::t~; r:;liS:,q r~n.::,q {miJES:!;ld tnS'íOl d~jB(x:::r: aA i' t"l' ir 'i 1"1 -,~ ~.,f. '.....' ''''l J:-1, ...~ .. f -,"" ... r·,.,··, ,"" (~ ~ .-~ .Q ·"'b~"'''~ . . .?,,~ " S.e'I'I .• ;'-..\1, """'~', -1("· \..~ .:k. nJ, :",1.;),0 t..tH1:;;} .... r~\"t.::.l';;'-'~, c. vU!.1.~ ('11;. • ü,lSc i)ol;:h,Jn0-.l ..cc, fí..."J 1)I}UC, 1" f'''' . (JO t f I 8S;bSrYl H~~ C";f;q 1 , I I (lS f8i;Ç~;)i Ct(j{O 9t) ê ee.~(1fTl;8 -if<' 41 Tabela 2.3 Classificação dos bancos centrais a partir do questionário Alemanha 1,00 Costa Rica 0,79 Itália 0,76 Finlândia 0,75 Austrália 0,73 Dinamarca 0,70 Bahamas 0,69 Luxemburgo 0,67 França 0,65 Zaire 0,64 África do Sul 0,61 Líbano 0,60 Inglaterra 0,60 Uganda 0,57 Bélgica 0,53 Barbados 0,51 Irlanda 0,51 Uruguai 0,49 Turquia 0,48 Tanzânia 0,40 Nepal 0,30 Peru 0,23 luguoslávia 0,18 Etióia 0,12 Fonte: Cukierman Os resultados nos levam a crer que o nível médio de independência dos países menos desenvolvidos aparenta ser significativamente menor que o nível médio para países desenvolvidos. 2.5.1.4 - Correlação entre os índices obtidos anteriormente Após a avaliação do grau de independência utilizando seus três índices (independência legal, taxa de troca de diretores e independência codificada pela 42 resposta a um questionário específico), Cukierman (1992) propõe uma análise do inter-relacionamento entre eles. Primeiramente, é analisada a correlação entre a independência legal e a, independência codificada pela resposta ao questionário. Esta análise mostra que a correlação entre estes índices é modesta para o grupo tomado como um todo. Entretanto, analisando-se separadamente entre os grupos de países, verifica-se que há uma correlação mais alta para os países desenvolvidos do que para países menos desenvolvidos. Da mesma forma, analisou-se a correlação entre a independência legal e a taxa de troca dos diretores, chegando-se a um valor baixo de correlação entre estas variáveis. Como resultado, os três índices podem ser usados para explicar três diferentes dimensões de independência do banco central. 2.5.1.5 - índice geral de independência Cukierman finaliza seu trabalho combinando os três índices anteriores, onde cada um deles captura uma dimensão da independência, num único índice geral ponderado. Os pesos são, de certa forma, arbitrários: o autor procura reduzir a arbitrariedade usando como pesos os coeficientes encontrados numa regressão em que os índices são utilizados para explicar a variação na taxa de depreciação da moeda. O resultado final para a década de 1980 pode ser visto no quadro a seguir. 43 Tabela 2.4 ~ Classificação dos bancos centrais pelo índice geral (1980's) Alemanha 0,66 México 0,36 Egito 0,53 Botswana 0,36 Grécia 0,51 Nigéria 0,33 Chile 0,49 índia 0,33 Tanzânia 0,48 Indonésia 0,32 Dinamarca 0,47 Inglaterra 0,31 Etiópia 0,47 Austrália 0,31 Canadá 0,46 Zâmbia 0,31 Malta 0,45 África do Sul 0,30 Bahamas 0,45 França 0,28 Quênia 0,44 Gana 0,28 Turquia 0,44 Samoa 0,28 Argentina 0,44 Suécia 0,27 Peru 0,43 Nova Zelândia 0,27 Filipinas 0,42 Tailândia 0,26 Israel 0,42 Brasil 0,26 Costa Rica 0,42 Nepal 0,25 Nicarágua 0,42 Hungria 0,24 Zaire 0,41 Zimababwe 0,23 Barbados 0,40 Coréia do Sul 0,23 EUA 0,38 Uruguai 0,22 Venezuela 0,37 Espanha 0,21 Islândia 0,36 Noruega 0,14 Fonte: Cukierman (1992) 2.5.2 - Críticas ao modelo de Cukierman Cukierman foi o pioneiro na introdução de fatores não legais para a determinação do grau de independência do banco central. Ele foi responsável pela criação de índices que levam em consideração fatores subjetivos relevantes, como o tempo médio de mandato dos diretores e respostas a um questionário, que buscam avaliar aspectos não previstos nos estatutos ou na constituição. Cukierman elevou o nível da discussão com a tentativa de captar estes elementos subjetivos inerentes à questão da independência do banco central. Portanto, é compreensível que, por ser uma proposta inovadora, o trabalho receba críticas. A seguir, serão apresentadas algumas críticas feitas por dois estudos brasileiros. 44 Crocco e Jayme Jr. (2003) apresentam inconsistências tanto nos pressupostos teóricos que sustentam a tese da independência quanto no argumento da credibilidade apontada pelos defensores da tese. Crocco e Jayme Jr. (2003) argumentam que o primeiro aspecto a ser analisado é a suposição de uma taxa natural de desemprego que, modernamente, é aceita como a taxa de desemprego compatível com a não aceleração da taxa de inflaçã0 9 . Os autores observam que, empiricamente, são raros ou mesmo inexistentes os períodos em que a economia operou na sua respectiva taxa natural de desemprego. Além disto, não há indícios de que o mercado de trabalho se ajuste automaticamente impondo salários reais de acordo com a oferta e procura por mão de obra. Uma possível explicação para o fato é que empregadores não contratam mais mão de obra a salários rebaixados simplesmente porque há excesso de mão de obra, mas contratam em função de sua expectativa de demanda de seus produtos - portanto, não em função do custo de sua produção. Ou seja, trabalhadores e empregadores não se confrontam com igualdade de forças. A segunda crítica de Crocco e Jayme Jr. (2003) é quanto ao conceito de credibilidade: para os adeptos da tese da independência do banco central, A credibilidade seria obtida pela autoridade monetária se ela se comprometesse a implementar uma política monetária que teria por objetivo exclusivo o combate à inflação, além de não surpreender os agentes econômicos com tentativas de aumentar o produto e o emprego no curto prazo à custa de uma escalada inflacionária. Ainda com relação à credibilidade, Crocco e Jayme Jr. (2003) tomam o Brasil como exemplo e argumentam que a concepção de economia no país nos anos FHC produziu um falso consenso de que existia uma única política econômica a ser implementada, e qualquer alternativa é vista com desconfiança. Os setores da sociedade fazem com que alternativas não possam ter o tempo necessário para atingirem seus objetivos. Assim, não há possibilidade para que ela ganhe credibilidade necessária para se sustentar no tempo. A credibilidade de uma política 9 Para Blinder, esta é a taxa de juros real neutra. 45 econômica é determinada endogenamente à sociedade, asseguradas pela mobilização de poderes políticos e econômicos. Políticas econômicas que têm o suporte de organismos e capitais internacionais facilitam o influxo de recursos, que acabam criando um ambiente favorável ao "surgimento" da credibilidade. Outra crítica ao trabalho de Cukierman, mais especificamente quanto ao método empregado na criação do índice baseado no questionário, merece menção. Como observa Sicsú (1996), não se encontra uma justificativa sobre os pesos que são atribuídos a cada pergunta do questionário nos trabalhos de Cukierman. Segundo o autor, Cukierman apenas declara que "os pesos refletem uma avaliação subjetiva da importância relativa da contribuição de cada variável para o banco central se concentrar no objetivo da estabilidade de preços". Gutiérrez também propõe críticas, além de sugerir um método alternativo. Ambos serão detalhados a seguir. 2.5.3 - O Método de avaliação do grau de independência constitucional Guriérrez (2003) observa que, tradicionalmente, a literatura tem focado na relação entre a independência de jure do banco central e os resultados da inflação. Seguiram esta linha os estudos de Alesina (1988 e 1989), Grilli, Masciandaro e Tabellini (1991), Eijfinger e Schalling (1993 e 1995), Cukierman (1992) e Cukierman, Webb e Neyapti (1992). Os autores construíram diferentes índices levando em consideração fatores como: • A localização da responsabilidade sobre a política monetária; • A presença de membros do governo no corpo diretor do banco central; • Os procedimentos de indicação e demissão dos diretores do banco central, assim como seus tempos de mandato; • A importância da estabilidade de preços em relação a outros objetivos; • Restrições à habilidade de o governo financiar seus gastos através da captação de recursos junto ao banco central. 46 Os índices têm sido largamente utilizados em estudos empíricos considerando diferentes grupos de países. A maioria dos estudos que estima a correlação entre inflação média e o índice de independência do banco central tem sofrido críticas por não incluir controles apropriados. Entretanto, alguns estudos incluíram variáveis tais como independência política (Grilli, Masciandaro e Tabellini), indicadores de abertura, rigidez da taxa de câmbio e déficit orçamentário (AI-Marhubi e Willet) e abertura, instabilidade política e coeficientes de déficit sobre o PIB (Campillo e Miron). Vários estudos também têm analisado a taxa de substituição dos dirigentes do banco central como um indicador de sua independência de fato. Autores que usaram este índice, com destaque para o trabalho de Cukierman, apontam uma correlação negativa entre este índice e a inflação nos países em desenvolvimento. Entretanto, Lybeck (1999) e Jacome (2001) não encontram esta mesma correlação em países da antiga União Soviética e na América Latina. Gutiérrez (2003) declara que os resultados dos estudos empíricos do tipo proposto por Cukierman indicam que a inflação está negativamente correlacionada com o grau de independência de jure do banco central em países desenvolvidos, mas não em países em desenvolvimento - sendo que o termo de jure significa que a independência está estabelecida na legislação do banco central. Uma possível explicação é que as garantias para o cumprimento da lei são mais fracas nos países em desenvolvimento, fazendo com que a autonomia de jure se revele um mal indicador para a autonomia de fato. Quanto à utilização da taxa de substituição dos diretores do banco central, Gutiérrez observa que os resultados também são inconclusivos. Assim, Gutiérrez propõe um indicador baseado exclusivamente no grau de independência garantido ao banco central pela constituição. Segundo a autora, existem várias razões para que o tratamento constitucional para o banco central possa refletir num grau de independência maior que o garantido por uma legislação específica ao banco. Mesmo em países onde garantias aos sistemas legais não são muito fortes, a constituição é provavelmente melhor protegida do que são os estatutos específicos. Além disto, alterações na constituição tendem a requerer maioria no congresso, eliminando potenciais ameaças no status legal dos 47 bancos centrais. Finalmente, o tratamento constitucional para a independência do banco central reflete um consenso político e social com relação aos objetivos e funções do banco. o nível com que é tratada a independência do banco central na constituição depende de vários fatores tais como: o sistema econômico do país, a tradição legal, seu grau de desenvolvimento econômico e sua história econômica. Muitos países latinos vivenciaram a hiperinflação e a recessão econômica causadas pela política monetária expansionista, principalmente nos anos 1980 e 1990. Isto provocou a introdução de capítulos devotados à garantia de autonomia dos bancos centrais e mecanismos para a supervisão de suas funções nas reformas constitucionais de vários países. Também foram previstas proibições para que o banco central forneça crédito direto ao governo. Em períodos subseqüentes, a inflação média diminuiu consideravelmente no continente a partir da segunda metade dos anos 1990. Gutiérrez (2003) concluiu que a correlação encontrada não implica em causalidade. Prever a independência do banco central na constituição requer um alto nível de consenso político quanto à importância do combate à inflação, o que acaba criando, de antemão, um ambiente antiinflacionário favorável. 2.6 - Análise dos argumentos sobre a independência do banco central Não há dúvidas de que há um consenso no meio acadêmico e no meio profissional de que são os fundamentos teóricos monetaristas e o viés inflacionário de uma economia que suportam a tese da independência do banco central. Sicsú (1996) destaca que, para os monetaristas, a questão se tornou um problema de inferência empírica. Assim, vários foram os testes que procuraram mostrar a correlação negativa entre independência e inflação. Entretanto, Santos (2001) analisou os resultados encontrados nos estudos de diversos autores relacionando a independência com a inflação: os trechos reproduzidos a seguir demonstram a falta de consenso quanto à questão. No 48 trabalho de Santos (2001), encontramos alguns estudos com argumentos favoráveis à independência: Estudo realizado por Alberto Alesina, considerando a taxa média de inflação de dezessete países industrializados no período de 1973 a 1986 e o grau de independência de seus bancos centrais [... ], concluiu que países com bancos centrais mais independentes apresentavam menores taxas médias de inflação do que países com bancos menos independentes. Além disso, segundo Maxfield, estudos econométricos permitem relacionar os níveis de independência do banco central e de investimento privado nos países em desenvolvimento: quanto maior a primeira, mais alto o segundo. Isso decorreria de duas razões: os investidores internacionais contam com bancos centrais com discrição e autoridade para manter a estabilidade da política econômica nacional e consideram ser maior a sua capacidade de influenciar a política quanto mais independente o banco central for do Governo. Entretanto, Santos também destaca estudos com argumentos contrários à independência do banco central: Em linha oposta, segundo Hunout e Ziltener (1999), recentes pesquisas econômicas têm posto cada vez mais em cheque o 'dogma' da independência dos bancos centrais, assim como a primazia da defesa da moeda. Segundo esses autores, estudo elaborado por Robert J. Barro [... ] comparando índices de inflação e crescimento de cem países por mais de trinta anos, constatou que a inflação somente afeta o crescimento no caso de taxas muito altas: a relação não é significativa para taxas de inflação abaixo de 10%. No mesmo sentido, afirma William Roberts Clark (2000) que políticas macroeconômicas feitas sob influência eleitoral parecem ser mais inflacionárias do que políticas feitas por formuladores imunes a essas pressões, mas aquelas políticas tendem a gerar mais crescimento e menos desemprego. [... ] E, na ausência de evidências empíricas de que os bancos centrais independentes possam assegurar vantagens insuperáveis, como, por exemplo, garantindo baixos níveis de inflação sem sacrifício de crescimento, emprego ou eqüidade, a política macroeconômica deve permanecer uma questão política, mais do que tecnocrática. 49 A seguir, analisaremos as duas vertentes - uma favorável à independência do banco central, e a outra contra a sua independência - mais detalhadamente. 2.6.1 - Argumentos a favor independência do banco central Nesta seção, serão relatados os argumentos, apresentados por diversos autores em seus estudos, que indicam que a independência do banco central é favorável para uma economia. Para Gutiérrez (2003), a literatura tem fornecido três argumentos complementares para explicar porque a delegação da elaboração da política monetária a um banco central independente produzirá baixas taxas de inflação. O primeiro argumento indica que o governo estará inclinado a exercer pressões políticas nas autoridades monetárias para que as condições monetárias sejam relaxadas. Políticas monetárias restritivas prejudicam a posição fiscal do governo através da redução da receita com senhoriagem 10, do aumento da parcela do déficit referente aos juros, e uma redução no recolhimento de impostos (devido aodesaquecimento da economia). A independência política permite que o banco central resista a estas pressões do governo sobre as condições monetárias. O segundo argumento aponta que, quando as autoridades monetárias são forçadas a financiar os déficits do governo através da emissão de moeda, a oferta da moeda se torna endógena. Portanto, um banco central que possui independência econômica do banco central forçará o governo a reduzir seu déficit. O terceiro argumento de Gutiérrez descreve o fato de que governantes têm objetivos de curto prazo que são inconsistentes com a estabilidade no longo prazo. Assim, os governantes podem tentar estimular a economia através da expansão monetária, explorando a rigidez de preços à custa de uma inflação futura mais alta. A falta de credibilidade no comprometimento do governo com os objetivos anunciados para a inflação leva os agentes econômicos racionais a demandar um maior retorno sobre 10 A receita de senhoriagem corresponde à renda auferida em decorrência do monopólio de cunhagem de moedas e emissão de cédulas. 50 seus investimentos (prêmio de risco) a fim de compensar o viés inflacionário. A delegação da política monetária a um banco central independente soluciona o problema da inconsistência temporal do governo e elimina a necessidade de um crescente retorno sobre os investimentos. Entretanto, Gutiérrez destaca que um banco central independente deve ser responsável do ponto de vista contábil - tanto perante os representantes eleitos democraticamente quanto perante a população - e precisa coordenar suas políticas com as do governo a fim de atingir um compromisso ideal entre crescimento e baixa inflação. Segundo Cukierman (1992), a despeito da possível variedade de formulações, algumas conclusões podem ser feitas. Primeiro, um baixo grau de independência do banco central está geralmente associado a maior variabilidade da inflação e maior incerteza inflacionária. Segundo, um baixo grau de independência também está associado com uma maior inflação média. Terceiro, variações na independência e nas diferenças entre os objetivos das autoridades políticas e do banco central tendem a produzir correlação positiva com a média e a variabilidade da inflação numa análise entre países. E, finalmente, quanto mais baixo o grau de independência, mais baixo será o nível de credibilidade - medida pela variação do desvio entre ações políticas atuais e a percepção do público em relação a estas ações. 2.6.2 - Argumentos contra a independência do banco central Ismihan (2003) mostra em seu trabalho que, em países onde a finança inflacionária é importante e a produtividade do investimento público é alta, delegar a elaboração de políticas monetárias a um banco central independente pode prejudicar os resultados da inflação no longo prazo. Ismihan aponta que uma baixa inflação atual produzida por um banco central independente reduz o volume disponível para o financiamento do investimento público, com impacto desfavorável sobre a capacidade produtiva da economia. Para Ismihan, esta é uma possível explicação para a constatação empírica de que não há relação negativa significativa entre independência e inflação média em países em desenvolvimento. BIBLIOTECA KARL A. BOEDECKER 51 Crocco e Jayme Jr. (2003) analisam criticamente alguns argumentos usados na defesa da tese da independência do banco central. Seguem os argumentos e suas críticas: • Um banco central independente atrai capitais internacionais. Este argumento é freqüentemente apresentado com base na crença de que a independência seria vista com bons olhos pelo mercado e, com isto, os capitais financeiros internacionais migrariam para o país com mais facilidade. O argumento possui certo de grau de veracidade, pois a possibilidade de agradar os investidores pode realmente facilitar o fluxo de capital externo para um país. Entretanto, não há provas de que o inverso seja verdadeiro, ou seja, de que a não adoção de independência ao banco central afastaria estes capitais. Por sinal, existem exemplos no mundo onde países que não adotam políticas pró-mercado atraem capital internacional. O interesse do investidor internacional pode simplesmente ser o de obter o maior lucro possível, independentemente do arranjo institucional do país. Atualmente, a China é um bom exemplo deste caso. Por outro lado, a Argentina instituiu o Currency Board nos anos 1990, mas isto não impediu que houvesse uma fuga de capitais - o que acabou gerando uma crise de enormes proporções. • A adoção da independência do banco central contribuiria para a redução da taxa de juros. Este argumento ilustra a ilusão de que um banco central independente, ao gerar uma maior confiança dos agentes econômicos na condução da política monetária, possibilitaria à autoridade monetária reduzir o prêmio de risco embutido nas taxas de juros dos títulos públicos. Entretanto, a adoção da independência não ataca a vulnerabilidade externa - que realmente faz com que as taxas praticadas em países com menor credibilidade no cenário mundial sejam maiores a fim de premiar o risco dos investidores. Países que dependem de capital externo têm a obrigação de se tornar atraentes aos olhos dos investidores internacionais, e altos prêmios de risco são, muitas vezes, um excelente atrativo. • O governo abrirá mão do controle da economia se ele definir a meta de inflação e o banco central tiver autonomia para definir os instrumentos 52 de como alcançar a meta estipulada. Caso o banco central tenha autonomia para determinar as taxas de juros e a política cambial, o controle da política econômica terá sido perdido. Neste contexto, parte significativa do perímetro de ação de uma política fiscal ficaria comprometida e sujeita aos humores do banco central. 53 3 - ANÁLISE DO CASO BRASILEIRO '---------------------~---~ -- Neste capítulo, veremos que o debate sobre a independência do Banco Central do Brasil não é novo: ele está presente desde a sua criação no final do ano de 1964. As discussões recentes sobre a função do Banco Central do Brasil envolvem as crenças de duas principais correntes de pensamento econômico: os monetaristas e os desenvolvimentistas. Os monetaristas defendem a tese de que a função exclusiva do banco central é a de garantir a estabilidade monetária; os desenvolvimentistas defendem um banco central que funcione como um instrumento de apoio às políticas voltadas para o desenvolvimento econômico. Durante mais de cinqüenta anos, de meados dos anos 1930 a meados dos anos 1980, as políticas econômicas praticadas no Brasil foram predominantemente desenvolvimentistas, fruto da hegemonia desta vertente na alta cúpula das instituições políticas do país, deixando pouco ou nenhum espaço para as idéias monetaristas. 54 3.1 - A história do Banco Central do Brasil Até 1945, as principais funções de um banco central eram exercidas pelo Banco do Brasil: • Emissão de moeda - função que dividia com o Tesouro - e redesconto através da Carteira de Redesconto (CARED); • Emprestador (última instância) e supervisão bancária através da Caixa de Fiscalização e Mobilização Bancária (CAMOB); • Operações de câmbio e utilização de reservas internacionais pela Carteira de Câmbio. Para Almeida (1992), dentre as funções de um banco central moderno, faltava apenas a utilização da reserva legal, o levantamento e análise dos dados econômicos e uma efetiva supervisão bancária. Sob pressão da sociedade, que demandava que o Brasil precisava ter uma moeda estável e que só se conseguia tal estabilidade com a criação de um verdadeiro banco central, finalmente em fevereiro de 1945 foi criado a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC). A SUMOC tinha como funções coordenar as políticas monetárias e creditícia, bem como preparar a organização de um banco central. Almeida destaca que, quanto à preparação de um banco central, a contribuição da SUMOC foi muito limitada à medida que as funções executivas de banco central permaneceram no Banco do Brasil. Enfim, o decreto lei nº 4595 de 31 de dezembro de 1964 criou o Banco Central do Brasil (BCB), após vinte anos de discussão no Congresso Nacional. O conselho da SUMOC foi extinto e substituído pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), com competência para formular a política da moeda e do crédito. Pelo texto original, a diretoria do Banco Central do Brasil deveria ser composta por quatro membros nomeados entre os seis conselheiros do CMN, todos com mandato fixo de seis anos. Inspirado no Federal Reserve Board, o conceito de mandatos fixos tinha por objetivo garantir a independência do BCB. Lundberg (2001) observa: 55 Como o Conselho Monetário Nacional foi criado originalmente com nove membros (seis conselheiros natos, com mandato, mais o Ministro da Fazenda e os presidentes do Banco do Brasil e do BNDE - hoje BNDES, estes dois últimos sem direito a voto), apesar de presidido pelo Ministro da Fazenda, o governo deveria ser minoritário nesse conselho, o que garantiria ao sistema CMN/BCB grande autonomia quanto à gestão e formulação da política monetária. Novelli (1994) relata: Houve pressões do BB, que era contra a criação de um banco central, pois assim já se considerava, e da burguesia industrial paulista através da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), que via no banco central um instrumento de restrição ao crédito. Percebe-se que preceitos neoliberais estavam presentes no momento da criação do BGB. Segundo Novelli (1994), seus idealizadores: • Eram partidários do princípio da redução da intervenção. do Estado na economia brasileira; • Manifestavam-se continuamente a favor de políticas de equilíbrio monetário e financeiro, evitando a discussão dos seus efeitos sobre o nível de renda e emprego; • Não propunham medidas de suporte ao projeto de industrialização e eram freqüentemente contrários a essas medidas. o objetivo dos idealizadores era a política da estabilização monetária. Entretanto, Novelli observa que: o desenho institucional traçado pelo alto escalão da burocracia econômica (Ministro da Fazenda e Presidente do BCB) estava em sintonia com sua filiação teórica mais geral, que não era a dominante no campo. Mas a independência limitou-se ao estabelecimento de mandatos fixos, pois não era possível criar um banco central com as funções clássicas, à medida que o BCB estava vinculado à estratégia desenvolvimentista. 56 Entretanto, a autonomia teve vida muito curta na prática, pois não sobreviveu à primeira mudança na Presidência da República. Na passagem do Governo de Castelo Branco para Costa e Silva, este último ignorou o texto legal, submetendo ao Congresso Nacional os nomes de uma nova diretoria para o BCB apesar de terem se passado apenas dois anos do mandato inicial. O ato expôs a falta de independência da instituição, provocando a renúncia coletiva de toda a diretoria do BCB. Adicionalmente, a composição do CMN foi se alterando aos poucos, de forma a dar ampla maioria de membros ao governo - e não mais ao BCB. No final do período ditatorial, o CMN era composto por mais de quinze membros, sendo que apenas um deles representava o BCB. Isto explica em grande parte a submissão do BCB no atendimento dos objetivos governamentais em detrimento da estabilidade monetária. Lundberg (2001) declara que o aspecto formal é o de menor importância. O regime autoritário teria utilizado as duas novas instituições (BCB e CMN) para desrespeitar as leis orçamentárias e transformar o orçamento monetário numa caixa preta de escassa ou nenhuma transparência: Operando o orçamento monetário, o BCB se transformou no principal instrumento do regime autoritário na viabilização de gastos e subsídios creditícios a diversas atividades econômicas, onerando e endividando o Estado (interna e externamente) à margem do que era aprovado nas leis orçamentárias anuais aprovadas pelo Congresso Nacional. Tais distorções ocorridas no âmbito do orçamento monetário (e a inflação conseqüente) provavelmente não teriam ocorrido se o BCB fosse de fato independente e sob o controle da sociedade. Lunderg (2001) declara que dois instrumentos foram utilizados para esconder as contas de gastos fiscais nas contas monetárias, tornando impossível a compreensão do que acontecia com as contas públicas brasileiras. O primeiro instrumento foi a manutenção do Banco do Brasil enquanto autoridade monetária, com acesso automático aos recursos do BCB através de uma conta de movimento. Esta conta de movimento foi um dispositivo criado no período de transição das atribuições de banco central pelo Banco do Brasil para o BCB, ajudando a viabilização da sua operacionalização. Entretanto, este arranjo transitório se manteve por mais de vinte 57 anos, quando foi efetivamente desativada em 1986. Durante este período, além de continuarmos a ter um Banco do Brasil sendo considerado uma autoridade monetária, havia uma forma de misturar as contas monetárias junto às de um banco comercial e de fomento, tornando difícil o completo entendimento das operações. O segundo instrumento foi a delegação da administração da dívida pública mobiliária ao BCB, autorizando a autoridade monetária a colocar títulos públicos em nome do Tesouro Nacional. A rigor, não haveria nenhum problema o fato de o BCB gerir o endividamento do Tesouro Nacional desde que se limitasse a ser um prestador de serviços financeiros. No caso do Brasil, o orçamento monetário não só passou a incluir as contas e responsabilidades relativas ao endividamento mobiliário do Tesouro Nacional como também passou a assumir gastos e dispêndios do governo a título de adiantamentos. Desta forma, subsídios à agricultura, às exportações, à importação de trigo e petróleo foram concedidos através de contas do orçamento monetário. Em curto espaço de tempo, o BCB e o CMN se tornaram instituições poderosas que controlavam as principais contas fiscais e financeiras do país, agindo sem transparência e controle por parte da sociedade. Nesta época, estas instituições eram vistas como autoritárias, gerando ressentimentos junto à classe política: afinal, elas se apossaram dos poderes e prerrogativas do Congresso Nacional em termos de política econômica. Lundberg (2001) continua, explicando que os prejuízos causados por este arranjo· institucional ainda eram pouco visíveis no período de 1968 a 1973 devido ao milagre brasileiro, fato que impôs elevadas taxas de crescimento econômico ao país. Entretanto, a administração monetária e fiscal se tornou mais complicada a partir da primeira crise do petróleo em 1973, tornando o orçamento monetário difícil de se entender e de administrar. Associado à falta de transparência e controle, isto fez com que o nosso banco central se tornasse um "aliado involuntário de operações suspeitas e muito desperdício de dinheiro público, ajudando a desorganizar ainda mais o Estado" (Lundberg, 2001). Com as crises de 1979 e 1983 na seqüência, o país acabou acumulando uma grande dívida externa, sendo que grande parte dela foi assumida diretamente pelo BCB, devidamente incluída no orçamento monetário. Em 1979, um projeto de Reforma Bancária estabelecia que o Banco do Brasil perderia suas funções de autoridade monetária, e incorporaria as funções de 58 fomento do BCB. Também, seria criada a Superintendência das Funções Financeiras, vinculada ao Ministério da Fazenda, com as funções de fiscalização e aplicação de penalidades. Para Tepedino (1979), o BCB se transformava num banco central clássico, com a função específica de controlar a moeda e o crédito. A nova legislação dava ao BCB os instrumentos de controle de depósito ou encaixe obrigatório (calculado sobre os depósitos à vista), empréstimos de liquidez, operações de open market e operações cambiais. O objetivo da reforma era estabelecer um controle mais rigoroso da expansão da base monetária como instrumento para um efetivo combate à inflação. Para Veloso (1980), as propostas de transformação do BCB não pareciam relevantes no momento em face das particularidades da realidade brasileira, país ainda em desenvolvimento. Desde esta época, o debate sobre a independência do banco central esteve incorporado às agendas econômicas e políticas, com opiniões divergentes se contrapondo entre a estabilização econômica (argumento usado por aqueles que defendiam a independência) e a atuação como instrumento de auxílio ao desenvolvimento nacional (argumento usado por aqueles que eram contra a independência). Em 1985, uma das primeiras iniciativas da "Nova República" foi a de buscar o reordenamento financeiro do governo, separando as contas e funções do Tesouro Nacional, Banco Central e Banco do Brasil. O orçamento fiscal de 1986 promoveu a unificação orçamentária: a inclusão, entre as despesas e receitas do Tesouro Nacional, de todas aquelas tipicamente fiscais que transitavam no orçamento monetário. Neste ano, foi criada a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), vinculado ao Ministério da Fazenda, com a função de gerir de forma mais eficaz e moderna as contas fiscais. Além disto, ficava extinta a conta de movimento, fazendo com que o Banco do Brasil deixasse definitivamente de ser uma autoridade monetária. Em 1988, ano da promulgação da Constituição da República, o BCB foi impedido de financiar o Governo direta ou indiretamente, pondo fim à sua participação na política fiscal e de fomento do Governo. A Constituição estabeleceu alguns dispositivos que nos dão a impressão de uma opção pela independência do BCB. Por exemplo, a nomeação de sua diretoria pelo Presidente da República está sujeita à aprovação do Congresso. Entretanto, a Constituição não estabelece a obrigação de o Presidente da República comunicar ao Congresso o fato e as razões da exoneração de um 59 diretor. A Constituição também declara que a competência da União para emitir moeda será exercida exclusivamente pelo BCB. Finalmente, este não pode conceder, direta ou indiretamente, empréstimos ao Tesouro Nacional e a qualquer órgão ou entidade que não seja instituição financeira, mas poderá comprar e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional com o objetivo de regular a oferta de moeda ou a taxa de juros. Durante os anos 1990, o tema da independência reaparece regularmente, com maior intensidade em momento de crise. Como exemplo, podemos citar duas situações: • Em 1995, devido à alteração das faixas de variação da banda cambial e, principalmente, em função da intervenção e liquidação de algumas instituições financeiras; • Em 1997, devido à crise asiática que, de certa forma, expôs a fragilidade de algumas economias emergentes. Pereira (2003) destaca que: o BCB é uma autarquia e já conta, nos termos da legislação vigente, com autonomia patrimonial e autonomia operacional para a execução de política. Então, só estaria faltando a autonomia administrativa, ou seja, a definição de mandatos fixos para seus diretores, bem como a instituição de mecanismos de prestação de contas à sociedade. Segundo a carta de intenções ao Diretor Gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) de janeiro de 2003, o governo brasileiro se compromete a "procurar garantir uma aprovação rápida pelo Congresso da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que facilitará a regulação do setor financeiro - um passo necessário para a passagem da desejada lei que formalizará a autonomia operacional e a responsabilização do BCB". 60 3.2 - Avaliação do grau de independência atual do Banco Central Diversos analistas e autoridades têm reconhecido que o Banco Central tem executado suas funções com autonomia operacional de fato. Uma das provas disto tem sido a forma como o BCB tem instrumentalizado a taxa básica de juros, anunciadas nas reuniões Comitê de Política Monetária (COPOM), com o objetivo principal de perseguir a estabilidade de preços. Apesar disto, esta atuação independente dos últimos anos vem sofrendo severas críticas de setores da opinião pública. Para Prado (2003), o BCB já é operacionalmente independente, entretanto: ... com o grande inconveniente de não prestar contas do que faz à Nação e nem estar sujeito a nenhum tipo de censura ou restrição por erros que eventualmente sejam cometidos em suas operações do dia a dia [... ]. Tem atuado nesses anos todos com a mais total autonomia, livre da cobrança da sociedade. Faz o que quer, e não dá satisfações a ninguém. Em muitas ocasiões, em momentos cruciais para a economia do País, nem mesmo satisfações foram dadas ao Presidente da República. Para Rigolon (1996), a baixa independência legal e real do BCB resultou em elevado ativismo da política monetária e na predominância das autoridades políticas na escolha dos instrumentos e nos resultados da política monetária, durante a maior parte da década de 1980 e início dos anos 1990. Além disto, a baixa independência do BCB permitiu que fatores menos permanentes - como personalidades, ideologias e alianças mutáveis no interior do setor público afetassem a independência real, os objetivos, a escolha dos instrumentos e os resultados da política monetária. No fim de 1993, o governo anunciou um programa de estabilização, o Plano Real, que provocou profundas mudanças no cenário nacional. O Plano foi implementado em três etapas: um ajuste fiscal de emergência, s desindexação e a reforma monetária. Houve sucesso na redução da inflação e promoveu alterações comportamentais que evidenciam um aumento de independência do BCB, possibilitando a busca pelo objetivo da estabilidade de preços. Rigolon destaca que a rotatividade dos presidentes do BCB caiu de 1,25 no período de 1990 a 1993 (mandato médio de dez meses) para 0,67 no período de 1994 a 1996 (mandato médio de um ano e meio). O financiamento ao setor público via expansão monetária 61 diminuiu sensivelmente e uma maior transparência na execução das políticas monetária e cambial pôde ser observada. Rigolon (1996) conclui que o aumento da confiança nas perspectivas de estabilização, a consolidação de um regime monetário-cambial compatível com o equilíbrio das contas externas e coma a recuperação da taxa de investimento requerem o aprofundamento do ajuste fiscal: assim, pode-se evitar uma deterioração das expectativas anti inflacionárias a médio prazo, e pode-se recuperar a capacidade de poupança doméstica e assegurar o financiamento do investimento não inflacionário a longo prazo. Com base no método apresentado por Cukierman, Rigolon (1996) estima o grau de independência do banco central. Os resultados são apresentados no quadro a seguir, onde se pode observar a evolução no grau de independência. Rigolon não explica como foram obtidas as repostas ao questionário e o porquê da separação dos períodos da maneira como estão. Tabela 3.1 [ Estimativas dos índices de independência do BCB L 1980-1985 0,25 1986 0,35 1987-1989 0,35 1990-1992 0,46 1994-1996 0,68 Fonte: Rigofon (1996) 3.3 - Argumentos favoráveis a uma maior independência do BCB A sociedade brasileira já é madura o suficiente para condenar o descontrole monetário, algo que fez parte da nossa realidade durante muito tempo. Para alguns autores, já há ambiente favorável a um maior grau de independência para o BCB. Troster (2003) apresenta forte argumentação favorável à independência do BCB: É fato que a inflação tem sido o maior freio para uma retomada do crescimento sustentado do Brasil e tem limitado severamente seu potencial econômico, prejudicando todas as camadas produtivas, 62 especialmente as mais pobres. Mesmo assim, ainda há setores que são complacentes com a inflação e criam pressões políticas para postergar o custo da estabilização definitiva de preços: conceder autonomia ao BCB, imunizando-o dessas pressões e tentações políticas conjunturais, permitindo que seus integrantes posterguem a popularidade imediata em troca de benefícios duradouros. Uma lei de autonomia do BCB envolve pontos importantes e complexos, dos quais se destacam a responsabilidade por definir a meta de inflação; a decisão sobre como alcançar a meta; a capacidade econômico-patrimonial de operar os instrumentos financeiros; a autonomia orçamentária; a transparência; a governança; as relações do BCB com outras instituições; e a diretoria - demarcação de direitos, estrutura, duração, nomeação e remoção. Convém lembrar que a independência, ordinariamente, refere-se tanto à proteção do interesse do país, como de seu governo, implicitamente assumindo que ambos se confundem. Na prática, isto não acontece, porque os interesses imediatos (leia-se popularidade) e pressões (leia-se politicagem) do governante se contrapõem aos interesses duradouros da sociedade (leia-se estabilidade e crescimento sustentado). Loyola (2003) destaca a importância do Banco Central do Brasil como fator de credibilidade para os investidores estrangeiros: É sabido que a autonomia do BCB é um tema particularmente sensível para os investidores estrangeiros, que prezam muito os avanços institucionais. Os investidores domésticos podem até relevar a inexistência de autonomia formal do BCB, em favor de uma autonomia de fato que se evidencie no dia a dia da política monetária. Os estrangeiros, contudo, poderão ter uma leitura muito negativa, caso fique patente a dificuldade de o governo encaminhar essa questão em sua base de apoio. 3.4 - Argumentos contrários a uma maior independência do BCB Pereira (2003) argumenta que "o Banco Central deve ter a responsabilidade e a capacidade para formular e executar política monetária restritiva ou expansionista, segundo a conjuntura prevalecente, e de acordo com os objetivos e as metas fixadas pela política econômica". 63 Freitas (2003) se mostra contrária à independência formal argumentando que a autonomia administrativa: ... é relativamente menos importante no momento atual. A troca dos dirigentes em janeiro de 2003 não provocou alteração na forma de atuação do banco que, desde junho de 1999, quando se introduziu o regime de metas de inflação, atua, na prática, de forma independente na formulação da política monetária. o regime de metas de inflação não é o UnlCO nem o melhor instrumento de política monetária. Nem sequer é o mais adequado num país periférico como o Brasil, que não apresenta moeda internacional conversível e apresenta enorme vulnerabilidade externa. A economia brasileira vive sujeita à volatilidade dos fluxos de capital, com impactos consideráveis sobre a taxa de câmbio, que contamina os preços 'controlados' das concessionárias de serviços públicos e dos produtos comercializáveis, pressionando a inflação. A elevação dos juros não tem tido o efeito esperado sobre a estabilidade de preços, mas é sério obstáculo à retomada do crescimento e geração de empregos. Já Batista Jr. (2003) possui uma visão contrária à independência fundamentada no relacionamento do BCB com o sistema financeiro privado: No Brasil, a questão de autonomia precisa ser abordada com cuidado especial. Na suas relações com o sistema financeiro, o BCB é um exemplo do conhecido fenômeno da captura do regulador pelo regulado. Estabeleceu-se uma relação simbiótica, para não dizer promíscua, entre autoridades monetárias e instituições financeiras privadas, que leva freqüentemente a uma dissociação entre a ação do BCB e os interesses públicos. Hoje, a possibilidade que tem o Presidente da República de substituir o dirigente do banco a qualquer momento funciona como um contrapeso (ainda que frágil) à influência hegemônica dos interesses financeiros. 3.5 - Conclusão a respeito da independência do BCB o BCB caminha para que suas funções se limitem às tradicionalmente aceitas como clássicas. Um passo importante foi dado: incorporar a visão de que o BCB tem por missão assegurar o poder de compra da moeda nacional. Percebe-se, também, a 64 priorização de funções: estabelecer diretrizes da política monetária e definir a Taxa Básica do Banco Central (TBAC) e a Taxa de Assistência do Banco Central (TBAN). Com certeza, as decisões do COPOM não podem se desviar das orientações mais gerais de política econômica traçadas pelo Ministério da Fazenda, mas cabe à alta cúpula do BCB a fixação das taxas de juros citadas anteriormente, e que constituem um instrumento fundamental para a administração da política monetária. Como o objetivo principal de um banco central moderno (a estabilidade de preços) é conflitante com os demais objetivos do governo (que demandam gastos para promover o aquecimento da economia), a sociedade democrática decidiu separar o poder executivo em dois: um cuida do Estado propriamente dito, com suas funções tradicionais, enquanto outro cuida da moeda, evitando que o primeiro destrua a moeda em nome de seus objetivos. É cada vez mais difícil encontrar países democráticos desenvolvidos que não adotem a independência do banco central. Países onde a independência ainda não é presente ou não está formalmente instituída estão, em grande maioria, caminhando para este arranjo. As democracias de países emergentes também estão concedendo independência aos seus bancos centrais. Entretanto, desenvolvimento e distribuição de renda são objetivos em que a utilização de instrumentos de política fiscal é mais indicada do ponto de vista econômico. Assim investimentos, gastos setoriais e até mesmo subsídios são instrumentos típicos para incentivar igualdade social. É papel da política monetária garantir uma estrutura de estabilidade favorável aos investimentos. Aumentar a oferta de moeda ou de crédito, em substituição aos instrumentos de política fiscal, gera o risco da inflação, que tem efeito devastador sobre a distribuição de renda, além de inibir os investimentos. Temos hoje, no Brasil, um quadro institucional melhor organizado. O amadurecimento das instituições democráticas tem possibilitado um debate aberto acerca dos principais problemas brasileiros. Nossa economia continua, como toda economia de país emergente, inspirando cuidados. No entanto, a sociedade começa a exercer maior acompanhamento e maior controle sobre a ação do Estado. Fruto da 65 necessidade de um maior controle, a Lei de Responsabilidade Fiscal impõe limites e restrições às ações dos governantes, obrigando-os a uma regular prestação de contas. o Banco Central do Brasil também já atua de forma mais independente, aberta e transparente. Há uma política monetária que privilegia o cumprimento de metas de inflação fixadas pelo Governo, embora esta independência não esteja consagrada em lei. Lundberg (2001) declara que "da mesma forma que o saneamento das finanças públicas no Brasil culminou com a Lei de Responsabilidade Fiscal, esse novo Banco Central também está demandando uma lei de responsabilidade monetária" . 66 4 - CONCLUSÃO É o anseio de sociedades democráticas possuir ferramentas que impeçam que um governo use de maneira irresponsável o poder de emitir moeda, pondo em risco a estabilidade monetária em favor de interesses eleitorais. o Objetivo principal da política econômica do Estado é o pleno emprego, que seria atingido através do gasto estatal, do estímulo ao entesouramento, da redução da incerteza (que exerce influência sobre as decisões de investimento do capital privado) e na redução da taxa de juros. A independência legal não significa necessariamente independência na prática, mas qualquer ação que limite a possibilidade de o governo financiar seu orçamento através da ajuda do banco central provavelmente contribui para a independência efetiva. A credibilidade do banco central é um fato útil na implementação de uma política monetária, e uma pré-condição para isto é que o banco central seja percebido como independente e livre de interferência política. Além disto, a credibilidade é algo que deve ser conquistado através de demonstrações consistentes de determinação na busca por objetivos de longo prazo. O banco central precisa demonstrar accountability: se suas decisões são transparentes e compreensíveis aos olhos dos agentes econômicos, haverá menos oportunidades e possibilidades para interferências políticas. Posen (1993) argumenta que a correlação negativa encontrada entre independência do banco central e inflação não é causal: países onde o conjunto de interesses é de cunho antiinflacionário constroem instituições para sustentar a sua aversão; por outro lado, países onde predominam interesses coniventes com a inflação não 67 desenvolvem instituições com aversão à inflação. Posem vai além argumentando que existem evidências de que há relação causal entre interesses antiinflacionários e maior independência do banco central, e não entre independência e baixa inflação. Sicsú (1996), num trabalho que analisa a independência do US Federal Reserve em vários momentos da história, diz que "a tese teórica da independência do banco central carece de mais elementos para transformar-se em modelo de organização institucional-real". Sicsú conclui que, mesmo quando a independência das autoridades monetárias é garantida por lei, dois fatores são os principais responsáveis pela determinação da verdadeira independência do banco central: a personalidade de seus dirigentes, e a conjuntura fiscal do país. Uma crescente independência do banco central não necessariamente induz a uma inflação decrescente. Isto se deve ao fato de que políticas monetárias, isoladamente, não podem garantir baixa inflação sem altos custos sociais, como desemprego e redução na produção. Políticas fiscais e salariais têm importantes papéis nos resultados de inflação, devendo ser compatíveis com as políticas monetárias antiinflacionárias. Normalmente, economistas que defendem a independência do banco central se apóiam em estudos estatísticos e econométricos mostrando a alta correlação positiva entre independência e inflação. Resta saber distinguir se estas avaliações têm apenas captado o efeito positivo dos regimes democráticos mais maduros, com maior capacidade de resolver seus conflitos econômicos - principalmente na área fiscal. Para muitos estudiosos, a responsabilidade fiscal é pré-condição necessária para a independência do banco central. Castro (2000) argumenta que inflação e independência do banco central dependem da capacidade da Autoridade Fiscal de obter consenso para a aprovação de orçamento não inflacionário - que é indicador da qualidade da democracia. Sem a estabilidade fiscal, "não é crível que a independência comportamental da Autoridade Monetária se sustente ao longo do tempo". Observando-se a experiência de diversos países com moeda estável e sem um banco central legalmente independente, conclui-se que a independência legal pode 68 ser simplesmente inócua ou supérflua. Para Castro, "a democracia causa a independência comportamental da Autoridade Monetária", ou seja, a independência só se torna possível quando ela já é supérflua: A verdadeira independência do banco central só é obtida quando se atinge disciplinamento fiscal. A independência do banco central só é capaz de promover restrições frágeis. A verdadeira independência do banco central é a lei que garanta responsabilidade fiscal. [... ] A maior virtude da independência do banco central é ser um instrumento no sentido de se aperfeiçoarem os mecanismos de controle do Estado pela sociedade. Embora não tenhamos a independência formal, uma série de comportamentos que foram adotados nos últimos anos está contribuindo para que a sociedade possa exercer um maior controle sobre a instituição, como veremos a seguir. O discurso de posse do Sr. Henrique Meirelles, sucedendo o Sr. Armínio Fraga na presidência do BCB, revela o grau atual de comprometimento desta instituição com a estabilidade de preços durante a gestão de Fraga (de 1999 a 2002), destaca a importância da estabilidade para o planejamento de longo prazo, e reafirma repetidamente este compromisso em seu mandato (Meirelles, 2003, grifos nossos): Todos nós queremos alto crescimento economlCO, inflação baixa, câmbio estável, reservas internacionais elevadas, baixo déficit externo, juros baixos, crédito abundante e boa distribuição de renda. Essas são, certamente, metas do governo e da sociedade. A finalidade de qualquer política é o crescimento econômico e o bem estar da população. Dentre os diversos órgãos e instituições do governo que buscam atender aos anseios sociais e atingir as metas de Governo, ao Banco Central cabe a importante tarefa de manter a inflação baixa. [... ] O governo passado elegeu como meta prioritária de Governo a estabilidade de preços, ou pelo menos como tal foi percebida pela sociedade. Existiram diversas conseqüências desta opção, entre as quais destaca-se a extraordinária atenção da sociedade ao papel do Banco Central. Vamos trabalhar para que a estabilidade de preços passe a ser lugar comum na paisagem econômica brasileira e onde todos possamos trabalhar com serenidade e planejamento de longo prazo. Um ambiente de preços estáveis cria as condições adequadas para o crescimento ao reduzir incertezas e distorções, alongar os horizontes de decisão e permitir a intensificação de investimentos e de ganhos de produtividade. 69 [... ] Não existe dicotomia entre a estabilidade de preços e o crescimento da economia, dado que a estabilidade pavimenta o caminho para o crescimento. A estabilidade é que permite ao país planejar as ações de governo. Deve-se ter claro também que não existe a opção de maior crescimento sustentável com mais inflação. Não há exemplos de países que tenham experimentado prolongados períodos de crescimento econômico com taxas de inflação elevadas. Existem, entretanto, vários exemplos de curtos períodos de crescimento induzidos por políticas equivocadas, normalmente de caráter inflacionário, que foram seguidos de recessão e de estagnação por períodos muito mais prolongados. O objetivo do Banco Central, portanto, é contribuir para o crescimento econômico por meio da manutenção da estabilidade dos preços. [... ] É importante notar, no entanto, que o foco principal de avaliação de uma política de investimentos reside no modelo de atuação do Banco Central. [... ] tenho segurança em concluir que é consenso no mundo de hoje que Bancos Centrais aos quais foram impostas multiplicidade de funções e metas traçam uma história de insucessos. Bancos Centrais de sucesso são aqueles que têm como único mandato a estabilidade de preços. Meirelles (2003) destaca a importante contribuição à instituição dada por Fraga no segundo governo FHC, com a implantação do regime de câmbio flutuante e do regime de metas de inflação: Não resta dúvida de que a implantação do regime de câmbio flutuante e do regime de metas de inflação no Brasil em um momento crítico da economia brasileira em 1999 constitui um marco na história de Bancos Centrais de países emergentes. A melhora substancial na transparência e credibilidade está incorporada à estrutura de trabalho do Banco Central. Aliado ao sistema de metas de inflação está o regime de câmbio flutuante. Em nosso país, onde ainda há dependência de capitais externos, esse regime mostra-se adequado, pois absorve diretamente parte dos choques externos. A taxa de câmbio nesse regime tem como função equilibrar o balanço de pagamentos. Sua flexibilidade ajuda a assegurar que a demanda por divisas se iguale à oferta, sem exaurir as reservas internacionais do BC. o regime de metas de inflação contribui para que os choques sofridos pela economia sejam administrados com o mínimo custo para a sociedade. A flexibilidade do sistema contribui para absorver os choques, enquanto a transparência nas regras de atuação, aliada às metas explícitas, reforça a credibilidade no combate à inflação. o Banco Central perseguirá uma trajetória de convergência para as metas de inflação, levando em conta que essa não se dará de forma instantânea. Em todo o mundo, é prática comum entre os Bancos 70 Centrais diluir a convergência da inflação corrente às metas em um período mais longo que um ano. Isto é particularmente importante quando ocorre uma bolha inflacionária devido a um choque de custos[ ... ]. A política monetária manterá, portanto, o objetivo de assegurar o retorno da inflação à trajetória estabelecida em um prazo que não resulte em custos desnecessários para a economia. Meirelles (2003) também cita os instrumentos usados pelo BCB para o cumprimento do objetivo único de estabilidade de preços: Embora sejam muitos os instrumentos de ação do governo na implementação de sua política econômica, ao Banco Central cabe o mandato de manter a inflação reduzida. Sobretudo porque o Banco Central dispõe de apenas um instrumento: a política monetária. Mesmo com apenas um objetivo e com apenas um instrumento, é teoricamente possível formalizar a atuação do BC de diferentes maneiras. Durante muito tempo a política monetária era executada via controle dos agregados monetários. Essa prática, contudo, mostrou-se crescentemente ineficiente à medida que os sistemas econômicos criavam mecanismos substitutivos de geração da moeda não oferecida pela autoridade monetária. Com os avanços da tecnologia da informação e seus efeitos sobre os processos produtivos, de comercialização e de consumo, esse componente de criação endógena da moeda tornou o mecanismo ineficaz, resultando em seu abandono pelos bancos centrais. É importante destacar que isso não significa falta de atenção ou de cuidado com a evolução dos agregados monetários, que permanecem sendo monitorados rigorosamente. Eles apenas deixaram de constituir a variável de política. Outra opção de atuação do Banco Central é exercer a política monetária via controle da taxa de câmbio, o que implica em todo o esforço realizado pela autoridade ser no sentido de gerir a trajetória do câmbio. Essa opção também tem sido abandonada devido aos elevados custos e à reduzida eficácia quando a economia sofre significativas transformações e choques. A opção que tem se mostrado mais eficiente como alternativa de condução de política monetária é o regime de metas para a inflação. Esse sistema tem como característica, e principal vantagem, a explicitação do objetivo da autoridade monetária, tornando transparente a meta que se persegue e dando ciência à sociedade do compromisso absoluto com a contenção da variação de preços. É 76 Anexo A - Tabelas com as relações de variáveis usadas por Cukierman Tabela 1 - Legal variables and their codings Group CEO Definition of variable Term of office of CEO in years Who appoints the CEO? Provisions for dismissal of CEO Is CEO allowed to hold another office? too LeveIs of independence and their meanings 1. too ~ O Numerical codings 1 0.75 0.50 0.25 App 2.8> too ~ 6 3. too = 5 4. too = 4 5. too < 4 1. CEO appointed by CB board 0.75 diss 2. CEO appointed by council composed of members from executive and legislative branches as well as from CB board 3. CEO appointed by legislative branch (Congress, king) 4. CEO appointed by executive branch (council of ministers) 5. CEO appointed through decision of one or two members of executive branch (e.g., prime minister or minister of finance) 1. No provision for dismissal Variable off 2. Dismissal possible only for nonpolicy reasons (e.g., incapability or violation of law) 3. Dismissal possible and at discretion of CB board 4. Dismissal for policy reasons at legislative branch's discretion 5. Unconditional dismissal possible at legislative branch's discretion 6. Dismissal for policy reasons at legislative branch's discretion 7. Unconditional dismissal possible at legislative branch's discretion 1. CEO prohibited by law from holding any other office in government O 1 0.50 0.25 O 1 0.83 0.67 0.50 0.33 0.17 O 1 77 Policy formulations Who formulates monetary policy? Government directives and resolution of conflict Is CB given an active role in the formulation of government's budget? CB objectives monpoí conf adv obj 2. CEO not allowed to hold any other office in government unless authorized by executive branch 3. Law does not prohibit CEO from holdinÇ! another office 1. CB alone has authority to formulate monetary policy 2. CB participates in formulation of monetary policy together with Ç!overnment 3. CB participates in formulation of monetary policy in an advisory capacity 4. Government alone formulates monetary policy 1. CB given final authority over issues clearly defined in the law as CB objectives 2. Government has final authority only over policy issues that have not been clearly defined as CB goals or in case of conflict within CB 3. In case of conflict final decision up to a council whose members are from CB, legislative branch, and executive branch 4. Legislative branch has final authorik on policy issues 5. Executive branch has final authority on policy issues, but subject to due process and possible ~rotest by_ CB 6. Executive branch has unconditional authority over policy 1. Yes 2.No 1. Price stability mentioned as the only or major goal, and in case of conflict with government CB has final authority to pursue policies aimed at achieving this goal 2. Price stability mentioned as the only goal 3. Price stability mentioned along with other objectives that do not seem to conflict with price stability (e.g., stable banking) 4. Price stability mentioned with a number of potentially conflicting goals (e.g., full employment) 5. CB charter does not contain 0.5 O 1 0.66 0.33 O 1 0.8 0.6 0.4 0.2 O 1 O 1 0.8 0.6 0.4 0.2 78 Limitations on advances Limitations on securitized lending Who decides control of terms of lending?a How wide is the circle of potential borrowers from CB? Type of limit when such limit exists lia IIs Idec Iwidth Itype any objectives for CB 6. Some goals appear on the charter, but price stability not one ofthem 1. Advances to government prohibited 2. Advances permitled but subject to limits in terms of absolute cash amounts or to other types of relatively strict limits (e.g., up to 15% of government revenues) 3. Advances subject to relatively accommodative limits (e.g., advances can exceed 15% of government revenues or are specified as fractions of Çjovernment expenditures) 4. No legal limits on advances; their quantity subject to periodic negotiations between .government and CB Specification of leveis identical to those for advances 1. CB controls terms and conditions of government borrowing from it 2. Terms of CB lending specified in the law, or CB given legal authori~ to set these terms 3. Law leaves the decision about the terms of CB lending to government to negotiations between CB and executive branch 4. Executive branch alone decide the terms of CB lending to government and imposes them on CB 1. Only central government can borrow from CB 2. Central and state governments as well as ali political subdivisions can borrow from CB 3. In addition to institutions mentioned under 2 public enterprises can borrow from CB 4. CB can lend to ali of the above as well as to the private sector 1. Limit specified as an absolute cash amount 2. Limit specified as a percentage of CB capital or other liabilities 3. Limit specified as a percentage of government revenues 4. Limit specified as a percentage of government expenditures O 1 0.66 0.33 O 1 0.66 0.33 O 1 0.66 0.33 O 1 0.66 0.33 O 79 Maturity of loans Restriction on b interest rates Prohibition on lending in primary market Imat lirt Iprm 1. Maturity of CB loans limited to a maximum of 6 months 2. Maturity of CB loans limited to a maximum of one year 3. Maturity of CB loans limited to a maximum of more than one year 4. No legal upper bounds on the maturity of CB loans 1. Interest rate on CB loans must be at market rate 2. Interest rate on CB loans to government cannot be lower than a certain floor 3. Interest rate on CB loans cannot exceed a certain ceilin_~ 4. No explicit legal provisions regarding the interest rate on CB loans 5. Law stipulates no interest rate charge on government's borrowing from the CB 1. CB prohibited from buying government securities in primary market 2. CB not prohibited from buying government securities in primary market 1 0.66 0.33 O 1 0.75 0.50 0.25 O 1 O Fonte: Cukierman (1992) a. Terms of lendmg concern matunty, mterest, and amount of loans sUbJect to the relevant legal hmlts b. The rationale for the classification of this variable is that minimum rates are likely to have been devised in order to discourage borrowing at the CB while maximum rates are probably meant to facilitate borrowing at the CB. But the requirement of a minimum rate is classified below "market rates", since minimum rates, when they exist, are usuaIJy lower than market rates. 80 Tabela 2 - Weights used in the construction of the index L V AW of legal CB independence Legal variable ceo Chief executive officer pf POlicy formulations obj Objectives lia Limitations on lending IIs Limitations on lending Idec Limitations on lending Iwidth Limitations on lending Im Limitations on lending Fonte: Cukierman (1992) advances securitized who decides width miscellaneous Weight 0.20 0.15 0.15 0.15 0.10 0.10 0.05 0.10 1.00 81 Tabela 3 - Questionnaire variables and their codings Questionnaire variable 1. Tenure overlap with political authorities Little overlap Some overlap Substantial overlap 2. Limitations on lending in practice This scale measures the tightness of limitations on lending and how they have been adhered to in practice as evaluated by the respondent to the questionnaire. The scale has four points: 1, 0,66, 0,33, and O, where 1 stands for the most binding limitations 3. Resolution of conflict In some cases clear evidence of resolution in favor of CB Everything except what is covered under the first and last items Clear evidence of resolution in favor of government in ali cases 4. Who determines the budRet of CB? Mostly CB Mixture of CB and executive and legislative branches Mostly executive and legislative branches 5. Who determines the salaries of high CB officials and the allocation of CB profits? Mostly CB or law Mixture of CB and executive and legislative branches Mostly executive and legislative branches Whenever the decision about salaries and the allocation of profits is not done by the same institution, the answer is coded according to the identity of the institution determining salaries 6. Are there quantitative monetary stock targets? Such targets exist and are well adhered to Such tarQets exist and there is mixed adherence Such targets exist and arepoorly adhered to There are no stock targets 7. Are there formal or informal interest rate targets? No Yes 8. What is the actual priority to price stability? First priority assigned to price stability First priority assigned to a fixed exchange rate Price or exchange rate stability are among the objectives of monetary policy-, but neither has first priority No mention of price or exchange rate stability as objectives at any priority levei 9. Does CB function as a development bank that grants credits at subsidy rates? No To some extent Yes CB is heavily involved in granting subsidized credits to the private and public sectors Fonte: Cukierman (1992) Variable na me qto Numerical codings 1 0.5 O qll qrc 1 0.5 O qbcb 1 0.5 O qsp 1 0.5 O qst 1 0.66 0.33 O qirt 1 O qpps 1 0.66 0.33 O qsc 1 0.66 0.33 O 82 Tabela 4 - Weights used in the construction of the questionnaire-based index QW AV of CB independence Questionnaire variable qto Tenure overlap qll Limitations on lending qrc Resolution of conflict qfi Financiai independence qit Intermediate targets qpps Priority to price stability qsc Subsidized crfedits Fonte: Cukierman (1992) Weight 0.10 0.20 0.10 0.10 0.15 0.15 0.20 1.00 "i ti I 11 'I ~j