Projeto Diretrizes Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva Gestão 2007-2008 Presidente: Dr. Artur A. Parada Comissão de Diretrizes Presidente: Edivaldo Fraga Moreira Membros: Lix Alfredo de Oliveira, Paulo Roberto Alves de Pinho Walton Albuquerque Profilaxia com Antibioticoterapia para Pacientes de Risco Submetidos à Endoscopia Gastrointestinal Elaboração final: 25 de maio de 2008 Participantes - Capítulo SOBED do Piauí: Conceição Sá Thelma Nascimento Antônio Moreira Filho Wilson Almino. Descrição do método de coleta dos estudos baseados em evidências: 1- Busca bibliográfica nas bases de dados MEDLINE, COCHRANE LIBRARY e LILACS/BIREME através de descritores gerais e específicos relacionados ao tema; 2- Revisão manual das citações dos artigos selecionados; 3- Classificação dos trabalhos selecionados segundo grau de recomendação e força de evidência 1: A- Estudos experimentais e observacionais de melhor consistência B- Estudos experimentais e observacionais de menor consistência C- Relatos ou séries de casos D - Publicações baseadas em consensos ou opiniões OBJETIVOS Estabelecer orientações e recomendações práticas quanto ao uso do antibiótico para evitar a infecção associada aos procedimentos endoscópicos: 1. Mencionar os procedimentos que oferecem a possibilidade da ocorrência do processo infeccioso. 2. Tornar conhecidas as recomendações quanto à indicação ou não da antibioticoprofilaxia . INTRODUÇÃO O controle da infecção durante a endoscopia gastrointestinal é um tema que abrange diferentes aspectos. Conceitualmente a abordagem pode ser dividida em três categorias: complicações infecciosas endógenas ou originadas da flora bacteriana do enfermo; infecções exógenas resultantes da transmissão de patógenos de paciente para paciente se houver falha no reprocessamento do endoscópio e infecções transmitidas entre o doente e o profissional de saúde 1(1C) . A escassez de estudos placebo-controlados, multicêntricos e randomizados possibilita questionamentos envolvendo a profilaxia com antibióticos e, essencialmente os benefícios do uso desses medicamentos. Entretanto, a bacteremia transitória durante e após procedimentos endoscópicos pode ser registrada em 2% - 5% dos casos, portanto, inferior à freqüência de bacteremia encontrada após atividade diária de escovação dentária igual a 25% 2(1D). A despeito do grande número de procedimentos endoscópicos realizados, existem poucos relatos de endocardite infecciosa ou complicações sépticas. A possibilidade da ocorrência da endocardite atribuída aos procedimentos endoscópicos foi a justificativa para a elaboração de recomendações americanas e européias, embora a literatura relate apenas quinze casos nos últimos vinte anos conseqüentes à endoscopia 4(1D). A antibioticoprofilaxia tem como objetivo reduzir a incidência dessas complicações, mas, apesar dos debates envolvendo o tema, existem poucas evidências mostrando que a profilaxia reduza a incidência de endocardite infecciosa e da bacteremia sintomática 5,6(1D). A antibioticoterapia associada à endoscopia é recomendada em algumas terapêuticas sabidamente acompanhadas de elevadas taxas de bacteremia (dilatação esofágica, escleroses e lazerterapia) realizadas em pacientes considerados de alto risco, em procedimentos com elevada incidência de infecção local, ou aqueles que podem evoluir com complicações sépticas, (por exemplo, a colangiografia endoscópica retrógrada e a gastrostomia percutânea) 7 (1D). As recomendações para o uso de antibióticos em pacientes submetidos a procedimentos endoscópicos são embasadas em guidelines, ferramentas úteis no controle da infecção, porém, não substituem o julgamento clínico. ENDOSCOPIA GASTROINTESTINAL E O RISCO DE COMPLICAÇÕES INFECCIOSAS Procedimentos considerados de baixo risco também podem ocasionar bacteremia, porém só raramente associam-se à infecção com sinais e sintomas clínicos. A gastroscopia com ou sem biópsia pode causar bacteriemia em 0-8% dos casos, com uma freqüência média de 4,4%, sem risco de infecção. A mesma taxa evidenciada nos pacientes submetidos à colonoscopia tem valor variável entre 0-25% com freqüência média igual a 4,4%. O tratamento das varizes esofágicas realizado por meio da ligadura elástica, pode ocasionar índice de bacteremia variando de 1% a 25% sendo inferior a taxa após esclerose (10-50%) 8,9(1D). Os patógenos comumente isolados são S.viridans, S. aureus, S. epidermidis, 10(1D),11 (1C). PROCEDIMENTOS E INCIDÊNCIA DE BACTEREMIA13 36(1D). PROCEDIMENTO Gastroscopia Proctoscopia Sigmoidoscopia Colonoscopia Esclerose de varizes Ligadura de varizes Dilatação/ Prótese esôfago Laserterapia esofágica Colangiografia endoscópica retrógrada com obstrução biliar BACTERIEMIA(%) 0-8 5 0-1 0-25 0-52 1-25 12-22 35 18 O objetivo da antibioticoprofilaxia associada à endoscopia digestiva é reduzir o risco de infecção iatrogênica. Após inúmeros debates esta conduta foi divulgada pela American Society for Gostrointestinal Endoscopy (ASGE), por meio de protocolos que orientam a profilaxia de acordo com o risco e a condição clínica do paciente 36(1D) PROCEDIMENTOS ENDOSCÓPICOS ASSOCIADOS A ELEVADO RISCO DE COMPLICAÇÕES INFECCIOSAS 12(D) 1. 2. 3. 4. 5. Dilatação de estenose de esôfago Escleroterapia de varizes esofágicas Laserterapia Gastrostomia percutânea CPRE em pacientes com obstrução biliar ou pseudocisto pancreático A estratificação do risco para complicações infecciosas após endoscopia pode ser realizada para pacientes cardiopatas e não cardiopatas, avaliando-se o risco em elevado, moderado ou baixo. RISCO PARA INFECÇÃO EM PACIENTES CARDIOPATAS BAIXO Revascularização miocárdio MODERADO Disfunção valvular adquirida ELEVADO Endocardite prévia bacteriana Implante marcapasso Miocardiopatia hipertrófica Cardiopatia congênita Prolapso válvula mitral Prolapso válvula mitral (com regurgitação) Prótese valvular RISCO PARA INFECÇÃO EM PACIENTES NÃO CARDIOPATAS BAIXO MODERADO Prótese ortopédica Cirrose compensada Enxerto vascular (após um ano) Neutropenia moderada Shunt transjugular (TIPS) ELEVADO Enxerto vascular Cirrose( ascite) Neutropenia Diálise Peritoneal ESCLEROSE DE VARIZES ESOFAGIANAS (EVE) A Esclerose de varizes esofágicas (VE) foi introduzida nos anos trinta e, na atualidade continua sendo considerada uma terapêutica hemostática eficaz pelos resultados satisfatórios que oferece frente à indicações específicas tanto para interromper sangramento ativo, para prevenir o ressangramento imediato ou tardio e na profilaxia secundária das varizes com o propósito de erradicá-las. A esclerose de varizes esofagogástricas é um procedimento associado à elevada taxa de bacteremia transitória. A antibioticoprofilaxia está indicada nos pacientes com condições de elevado risco para endocardite infecciosa como: prótese valvar, história prévia de endocardite infecciosa, prolapso de válvula mitral com regurgitação e shunt pulmonar-sistêmico. Em situações de emergência, a identificação destas condições de risco nem sempre é fácil, no entanto, nunca se deve negligenciar esforço para identificá-las. O esquema recomendado de profilaxia é com 2g de ampicilina IV mais gentamicina 1,5mg/kg IV (até 80 mg) injetados 30 minutos antes do procedimento, seguido de amoxicilina 1,5g VO 6h após o procedimento. Vancomicina 1g IV é substituta da ampicilina em pacientes alérgicos37(D). Em pacientes que receberam uma prótese vascular sintética recente, antes da pseudointimoepitelização da prótese que deverá completar-se em um ano, existe um risco de infecção da prótese pela bacteremia transitória da EVE. Esta infecção está associada com uma morbimortalidade muito alta, risco este, que decresce com o tempo. Durante o primeiro ano após a colocação de uma prótese vascular sintética, indica-se a antibioticoprofilaxia em pacientes submetidos à EVE. O esquema supracitado é suficiente47(D). Para outras situações clínicas o endoscopista pode considerar a antibioticoprofilaxia baseando-se caso a caso. COLANGIOPANCREATOGRAFIA (CPRE) ENDOSCÓPICA RETRÓGRADA Colangite e septicemia são complicações diagnosticadas em 0,5 – 3% dos pacientes após a realização da CPRE. Embora a profilaxia possa reduzir a incidência da bacteremia associada ao procedimento, os resultados obtidos a partir de estudos placebo controlados não mostraram benefícios do uso do antibiótico para prevenção da colangite36(1A). A antibioticoprofilaxia deve ser considerada antes da CPRE em paciente com obstrução biliar confirmada ou não, e diante da não possibilidade da realização da drenagem completa, por exemplo, em portador de estenose biliar e colangite escleronte primária 2(1C). Em caso de drenagem incompleta a continuação do uso do antibiótico após o procedimento é recomendada 36 (2C) Vale mencionar que para os portadores de lesão biliar obstrutiva submetidos à drenagem completa não se recomenda a antibioticoprofilaxia antes da CPRE. GASTROSTOMIA ENDOSCÓPICA PERCUTÂNEA A gastrostomia endoscópica percutânea (GEP) consiste na construção de uma fistula temporária ou permanente, que comunica a luz do estomago com a pele. A Associação Americana de Gastroenterologia recomenda que a GEP seja a via escolhida para a administração da alimentação enteral, em pacientes que necessitam de suporte nutricional via sonda, em geral, por período superior a quatro semanas 37(1C) Os pacientes que são submetidos à gastrostomia são considerados vulneráveis à infecção devido à enfermidade e ao estado nutricional ruim. Embasada em estudos controlados e envolvendo o total de 1100 pacientes, pesquisadores da Instituição Cochrane divulgaram que houve redução da incidência de infecção periostomal em conseqüência do uso do antibiótico antes do procedimento 36(1A) PRÓTESE ORTOPÉDICA O surgimento de foco infeccioso em sítio onde haja prótese ortopédica, é condição rara. Existe relato de somente dois pacientes que receberam o diagnóstico de artrite piogênica após realizarem o exame endoscópico. Entretanto, não há até o momento orientação consensual para a prescrição,de antibiótico nestes casos, inclusive para os portadores de próteses há pelo menos 6 meses e que serão submetidos à colonoscopia e polipectomia. 36(1D) CIRROSE E HEMORRAGIA DIGESTIVA A antibioticoprofilaxia pode reduzir a incidência de infecção bacteriana e a mortalidade em pacientes com cirrose e hemorragia no trato digestório.Admite-se ser consensual que o uso do antibiótico durante a admissão do paciente, possa trazer benefícios ao mesmo, amenizando as suas complicações. A ceftriaxona na dose de 1,0g EV ao dia é a droga de escolha para prevenir a infecção no paciente cirrótico com lesões digestivas sangrantes 36(1C). Os protocolos da AASLD(American Association for Study of Liver Disease) de 2007 recomendam usar-se norfloxacino oral 400 mg BID 7 dias ou ciprofloxacino venoso 400 mg BID 7 dias (caso a via oral não esteja disponível) nos casos de alergia a cefalosporinas. ENDOCARDITE BACTERIANA: RISCOS E PROFILAXIA A endocardite infecciosa (EI) é infecção pouco freqüente com elevadas taxas de morbidade e mortalidade. Trata-se de uma enfermidade que afeta pacientes com anomalias cardíacas estruturais e que desenvolvem bacteremia após serem submetidos a procedimentos invasivos odontológicos, no trato respiratório, digestório e genitourinário. A prevenção da endocardite por meio da antibioticoprofilaxia tem suscitado inúmeras publicações científicas e guidelines nos últimos 50 anos. A Associação Americana de Cardiologia (AHA), no período de 1955 a 1997 publicou nove protocolos com recomendações relativas à prevenção. Discute-se a antibioticoprofilaxia fundamentada em poucos estudos de caso controle, na opinião de especialistas com vasta experiência clínica no assunto. Atualmente há relato na literatura da ocorrêcia de quinze casos de endocardite após procedimentos endoscópicos, dos quais apenas quatro foram associados a condições clínicas que representavam risco para bacteriemia. Onze casos relatados ocorreram após realização de gastroscopia 4,9,10,(1D) 11(1C) sigmoidoscopia e colonoscopia. *A American Heart Association (AHA) lista condições cardíacas associadas a riscos mais altos de complicações associadas a EI: (1) prótese valvar cardíaca; (2) história de EI prévia; (3) receptores de transplante cardíaco que desenvolvem valvulopatia cardíaca; (4) pacientes com cardiopatia congênita, incluindo (a) aqueles com cardiopatia cianogênica não corrigida (incluindo shunts e condutos paliativos), (b) aqueles com cardiopatia congênita perfeitamente corrigida mas com material protético instalado cirurgicamente ou por cateter nos 6 meses que antecedem o procedimento, e (c) aqueles com cardiopatia congênita corrigida com defeitos residuais no sítio ou adjacente ao sítio do mecanismo protético. Para pacientes com estas condições cardíacas que vão se submeter a um procedimento endoscópico que vai elevar o risco de bacteremia (como CPER, dilatações, escleroterapia de varizes de esôfago), a AHA sugere que é razoável o uso de um esquema antimicrobiano profilático que inclua um agente ativo contra enterococci. Entretanto, a AHA reitera que não há estudos demonstrando que esta terapia preveniria EI enterocócica. (Grau D). ANTIBIOTICOPROFILAXIA E ENDOSCOPIA DIGESTIVA CONDIÇÃO CLÍNICA Patologia cardíaca PROCEDIMENTO ENDOSCÓPICO OBJETIVO PROFILAXIA GRAU DE RECOMENDAÇÃO Qualquer procedimento Prevenção endocardite Não indicada 1C infecciosa (*Vide texto acima) Obstrução biliar CPRE com Prevenção colangite Não indicada 1C sem colangite drenagem completa Obstrução biliar CPRE com Prevenção colangite Indicada 2C sem colangite drenagem incompleta Coleção pancreática CPRE Infecção cisto Indicada 3D com comunicação para ducto Coleção pancreática Drenagem Infecção cisto Indicada 3D sem comunicação transmural para dueto Lesão sólida trato US – procedimento Prevenção infecção Não indicada 1C digestório superior invasivo local Lesão sólida trato US – procedimento Prevenção infecção Dados Avaliar digestório inferior invasivo local insuficientes caso Lesão cística trato US – procedimento Prevenção da infecção Indicada 1C digestório incluindo invasivo caso a mediastino Todos os pacientes Gastrostomia percutânea com Todos procedimentos Cirrose hemorragia digestiva CONDIÇÃO CLÍNICA Prótese vascular Prótese articular Prevenção da infecção Indicada periostomal os Prevenção de infecção Indicada e redução da mortalidade PROCEDIMENTO ENDOSCÓPICO Qualquer procedimento Qualquer procedimento OBJETIVO PROFILAXIA Prevenção infecção Não indicada local Prevenção da artrite Não indicada séptica 1A 1B GRAU DE RECOMENDAÇÃO 1C 1C ANTIBIOTICOPROFILAXIA A antibioticoprofilaxia é o uso de droga efetiva e não tóxica para prevenir infecção causada por microorganismo específico ou para erradicar precocemente uma infecção já instalada. Na endoscopia gastrointestinal se justifica o uso do antibiótico para evitar infecção local ou sistêmica em algumas condições clínicas ou procedimentos endoscópicos: I- ENDOCARDITE BACTERIANA 1. Amoxicilina: 2g, via oral, IM ou EV, 1h antes do procedimento( ou 50mg/kg para crianças); 2. Alérgicos à penicilina: clindamicina (600mg ou 20mg/kg), 1h antes do procedimento; cefalexina ou cefadroxil (2,0g ou 50mg/kg), 1h antes do procedimento: II- COLANGIOGRAFIA ENDOSCÓPICA: OBSTRUÇÃO BILIAR E LESÕES CISTICAS DO PÂNCREAS 1. Ampicilina 2g e gentamicina 1,5mg/kg (até 120mg) 30 min antes do procedimento. 2. Alérgicos à penicilina: vancomicina 1g EV, ou ciprofloxacina oral 750mg EV 30min antes do procedimento. III- GASTROSTOMIA ENDOSCÓPICA PERCUTÂNEA 1- Cefazolina: 1g EV, 30 minutos antes do procedimento. 2- Cefotaxime: 2g EV, 30 minutos antes do procedimento. IV- CIRROSE E HEMORRAGIA DIGESTIVA 1. Ceftriaxona durante 7 dias REFERÊNCIAS 1. 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