AS ORIGENS DO TEATRO Profª Ms. Valéria Biondo Não se sabe exatamente como o teatro começou, mas existem muitas teorias sobre suas origens na Grécia. A teoria mais largamente aceita nos dias de hoje baseia-se numa suposta relação entre o teatro e o ritual. Os rituais contêm muitas das sementes do drama. Seja no âmbito da natureza ou da religião, é possível citar vários exemplos que demonstram essa relação. As celebrações ligadas às estações do ano e à colheita, certos hábitos ligados à caça e à subsistência e os próprios sacrifícios oferecidos aos deuses pelos povos antigos foram sendo formalizados ao longo do tempo e se tornaram rituais. O simples ato de um sacerdote usar uma máscara e assumir a aparência de um outro ser – outro homem, um animal, ou mesmo um ser sobrenatural – já traz à tona certos atributos do ator. Essa idéia se reforça com os escritos de Aristóteles, filósofo grego do século 4 a.C., que afirmou que o homem tem um instinto de imitação, que os seres humanos gostam tanto de imitar outros quanto de ver tais imitações. Ainda segundo Aristóteles, a imitação é um dos principais métodos que o homem utiliza para aprender as coisas do mundo que o cerca. O instinto de contar histórias também é inerente ao homem, e este impulso, em parte, também deu origem ao drama. O drama grego, por exemplo, teve origem nos ditirambos, ou hinos, em louvor ao deus Dioniso. Tais hinos, que contavam a história de Dioniso, eram encenados e o drama acabou emergindo com o tempo. Segundo Nélson de Araújo, “descobertas relativamente recentes (...) deram conta da existência de representações litúrgicas no Egito antigo” (1991, p. 69). O Drama da Paixão de Osíris trazia anotações de uma espécie de mestre de cerimônias denominado Ikhernofret, descrevendo o ritual da morte e do esquartejamento do deus Osíris e sua posterior rejunção por Ísis e Hórus. Esses rituais datam de 4000 a.C. Enfim, quaisquer que sejam as teorias sobre as origens do drama, todas acabam convergindo para um ponto comum: o teatro é a comunhão de um público com um espetáculo vivo, normalmente baseado no cunho religioso em seus inícios. 1 OS INÍCIOS DO DRAMA NA GRÉCIA Muito embora haja a indicação de que o drama apareceu inicialmente no Egito, é para a Grécia que devemos nos voltar a fim de encontrar dados concretos sobre as primeiras grandes manifestações dramáticas de que se tem notícia. Durante vários séculos, o drama grego apresentou-se ligado aos festivais em honra de Dioniso, o deus do vinho e da fertilidade. Supostamente, Dioniso, filho de Zeus com a mortal Sêmele, foi morto e esquartejado para depois ser ressuscitado por Zeus. Os mitos que surgiram a partir daí colocavam Dioniso estreitamente relacionado ao ciclo da vida e às mudanças sazonais: nascimento, crescimento, declínio, morte e renascimento, ou seja, primavera, verão, outono, inverno, o retorno da primavera, e assim sucessivamente. A adoração a Dioniso era uma forma de assegurar o retorno da primavera e, desta forma, a continuidade da vida. Vem daí a relação desse deus com a idéia da fertilidade. As celebrações a Dioniso datam do século 13 a.C. Nos séculos 7 e 8 a.C., já eram realizados concursos de danças corais durante os festivais dionisíacos, acompanhados pelos hinos em honra ao deus chamados de ditirambos, conforme mencionado acima. O primeiro ato dramático concreto na Grécia ocorreu em 534 a.C., quando Téspis ganhou o primeiro concurso trágico instituído, ao representar o papel de Dioniso. Aparece, desta forma, o primeiro ator num ato dramático. A TRAGÉDIA GREGA A palavra "tragédia" tornou-se uma aplicação para designar um acontecimento doloroso, catastrófico, acompanhado de muitas vítimas, ou ainda para descrever o desenlace de uma paixão qualquer que redundou num horrível assassinato. Para os gregos, entretanto, tragikós era outra coisa. A tragédia definia acima de tudo uma forma artística, ou algo que somente ocorria entre os grandes. Na visão de Aristóteles, um dos primeiros a estudar o impacto dos espetáculos teatrais, a tragédia seria "uma representação imitadora de uma ação séria, concreta, de certa grandeza, representada, e não 2 narrada, por atores em linguagem elegante, empregando um estilo diferente para cada uma das partes, e que, por meio da compaixão e do horror provoca o desencadeamento liberador de tais afetos”. Aristóteles não se preocupou em estabelecer qualquer teoria sobre a tragédia nem se concentrou nos aspectos técnicos do espetáculo mas no comportamento do público. Concluiu que o espetáculo trágico para realizar-se como obra de arte deveria sempre provocar a catarse (Katarsis) isto é, a purgação das emoções dos espectadores. Assistindo as terríveis dilacerações do herói trágico, sensibilizando-se com o horror que a vida dele se tornara, sentindo uma profunda compaixão pelo infausto que o destino reservara ao herói, o público deveria passar por uma espécie de exorcismo coletivo. Atribuise à concepção de Aristóteles, que associa a tragédia à purgação, ao fato dele ter sido médico, o que teria contribuído para que ele entendesse a encenação dramática como uma espécie de remédio da alma, ajudando as pessoas do auditório a expelirem suas próprias dores e sofrimentos ao assistirem o desenlace. O centro do espetáculo teatral gira em torno do destino infeliz do herói, tema comum a maior parte das narrativas e das sagas antigas. Nelas ele é apresentado como uma figura radiante, um vencedor que está no esplendor da vida, usufruindo os feitos das suas armas, envolto numa auréola de glória quando, repentinamente, vê-se vítima de uma alteração brusca do destino. Um acontecimento sensacional e terrível sufoca as suas alegrias, conduzindo-o à desgraça, arremessando-o ao mundo das sombras. Assim é que Édipo é rei de Tebas, onde casou com a rainha viúva e com a qual teve quatro belos filhos (dois homens e duas moças), quando tudo deu para desabar ao seu redor. Em outra peça, Agamenon, o rei de Micenas, ao retornar para casa vitorioso depois de ter pilhado Tróia, sucumbe pelo golpe assassino de Clitemnestra, sua mulher, e do amante dela. Prometeu, o titã que trouxe do Olimpo o fogo dos céus para os homens, banido, termina preso e encadeado no alto das montanhas do Cáucaso. Para poder-se dizer que um espetáculo é uma tragédia é preciso que ele apresente certas características facilmente identificadas pelo público. Em primeiríssimo lugar, deve revelar a dignidade da queda. O herói é sempre uma figura reconhecidamente grande e importante, que consegue manter a 3 integridade moral quando as coisas desandam ao seu redor. Depois, há de verificar-se a importância da altura da queda, transmitindo a idéia da queda de um mundo de segurança e felicidade, que se vê ilusório, para as mais profundas das misérias. Queda, diga-se, que o herói deve aceitar em sua consciência. Não se entende como tragédia o caso da vítima ser alguém sem vontade, conduzido como se fosse um surdo-mudo para a desgraça, um joguete inconsciente dos deuses. E, por último, a tragédia resulta de uma falta absoluta de solução. Não há outra saída do que aquela determinada pelos acontecimentos que vão se descortinando frente ao herói. As encenações trágicas, tais como as conhecemos, tiveram início com a institucionalização da chamada Dyonissia, os "Concursos Trágicos", no governo do tirano ateniense Pisístrato (cerca de 536-534 a.C.). Famoso por suas habilidades intelectuais e estratagemas políticos, o autocrata rapidamente compreendeu a potencialidade política do Teatro, dele lançando mão para popularizar o seu regime. Sólon (668-559 a.C.), o mais famoso legislador ateniense, ao dar-se conta disso, certa vez abandonou em pleno andamento, uma representação que assistia em protesto contra a manipulação política das artes. O velho sábio, desiludido, retirou-se do teatro sentindo-se vencido. Naquela época a encenação teatral ainda dava seus primeiros passos e seu apogeu só se deu no século seguinte, no século V a.C., ao surgir a trindade dos soberbos autores trágicos: Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. O ciclo da tragédia só encerrou-se quando, à época de Aristóteles, no século 4 a.C., o jovem teatrólogo Agaton compôs peças cujos elementos não se inspiram mais na tradição, e sim resultam da sua própria criação. O período abarca mais ou menos uns cento e cinqüenta anos, mas o seu apogeu concentrou-se do início das guerras persas (490-480 a.C.) até encerrar-se com a morte de Eurípedes em 406 a.C. (dois anos antes da capitulação de Atenas perante Esparta). Literariamente seus marcos seriam a primeira apresentação de Os Persas de Ésquilo, que se supõe tenha ocorrido em 472 a.C., e as As Troianas de Eurípedes em 415 a.C. 4 A organização das dionisíacas Mês Denominação da festa Dezembro As Pequenas Dionisíacas Janeiro A Lenea Fevereiro Anthesteria Março As Grandes Dionisíacas, celebradas após a procissão das Panatenéias, que duravam seis dias. Em cada uma delas, concorriam apenas três poetas, escolhidos pelo Honorável Arconte, o patriarca da cidade. A inscrição era voluntária, cabendo ao autor apresentar três tragédias e um drama satírico, ou seja, uma tetralogia. Cabia ao Estado (Theorica) a premiação dos poetas e a manutenção, durante a temporada, do sustento dos atores (os hypocrites). Os integrantes do coro por sua vez eram mantidos por patrocinadores privados, em geral atenienses ricos que procuravam ganhar o respeito da sociedade e o reconhecimento público com a prática do mecenato. Feita a escolha dos três autores, o nome deles era submetido a uma votação por uma comissão de 500 juízes (50 de cada um dos demos da cidade) que colocavam o nome do seu preferido escrito numa pequena esfera que, depois, era depositada numa das dez urnas existentes no Parthenon. A obra daquele que fora indicado começava a ser representada a partir do horário matutino, sendo que as dos outros preencheriam os dias restantes até que o festival se encerrasse. O poeta escolhido tinha o seu nome anunciado pelo arauto e, em seguida, ele era coroado pelo Honorável Arconte com uma coroa de hera, a planta sagrada de Dionísio. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ARAÚJO, Nélson de. História do Teatro. Salvador: Empresa Gráfica da Bahia, 1991. 5