- Congresso Brasileiro de Meteorologia

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XII Congresso Brasileiro de Meteorologia, Foz de Iguaçu-PR, 2002
AVALIAÇÃO DAS PREVISÕES DE MARÉ METEOROLÓGICA REALIZADAS COM
O PRINCETON OCEAN MODEL NO LABORATÓRIO MASTER/IAG/USP
Ricardo de Camargo1, Joseph Harari2, Thiago Souza Biscaro1 & Bruno Biazeto1
1 IAG/USP - Rua do Matão 1226 - [email protected] ; [email protected] ; [email protected]
2 IO/USP - Praça do Oceanográfico 191 - [email protected]
ABSTRACT
Numerical simulations of large low-frequency mean sea level oscillations at South-Western Atlantic Ocean
are evaluated in terms of the imposed atmospheric forcing. The procedure considers the numerical model of
oceanic circulation developed at Princeton University, POM, which is forced through large scale (NCEP) and
mesoscale (RAMS) meteorological wind fields. The main goal is the evaluation of the performance of POM in past
events, in order to validate the simulations results and to consolidate the storm surge forecast system for the SWAO
region actually employed at MASTER/IAG/USP.
1 – INTRODUÇÃO
A porção sul da costa sul-americana do Oceano Atlântico freqüentemente sofre a influência de sistemas
meteorológicos de escala sinótica e de mesoescala, os quais podem induzir perturbações significativas no oceano.
Estes distúrbios ocorrem basicamente em duas formas: a ocorrência de variações no nível médio do mar (conhecida
como “maré meteorológica”) e a geração de ondas de superfície (“ressacas”); ambos efeitos podem acarretar sérias
implicações para as atividades humanas na orla marítima. O fechamento de portos devido à condições
meteorológicas adversas, os processos de erosão costeira, a destruição de construções à beira-mar e as enchentes
anômalas são algumas das implicações diretas da passagem de sistemas meteorológicos de escala sinótica e subsinótica por regiões costeiras.
Define-se maré meteorológica como sendo a diferença entre a maré observada e a maré astronômica (Pugh,
1987). Duas causas provocam a maré meteorológica: as variações da pressão atmosférica e a troca de momentum
entre o campo de vento e a superfície do mar. Em geral, os efeitos devidos unicamente à ação da pressão
atmosférica são inferiores a 10% do efeito total observado, sendo o restante devido exclusivamente à tensão de
cisalhamento do vento na superfície do oceano. A maré meteorológica é, portanto, responsável pelo aumento ou
diminuição do nível do mar em relação às marés astronômicas observadas num dado local. Este fenômeno pode
implicar em intrusão de água do mar em locais onde isso normalmente não ocorre, causando as grandes inundações;
ou então, pode acarretar níveis extremamente baixos, impedindo a navegação nos canais de acesso a portos. É
importante enfatizar que ambas as situações apresentam impactos do ponto de vista ecológico nas áreas costeiras.
O presente trabalho busca explorar situações de interesse pretéritas caracterizadas por marés
meteorológicas intensas, para as quais é possível resgatar as correspondentes situações sinóticas através da
utilização de análises meteorológicas operacionais dos centros de previsão de tempo, como o Centro de Previsão do
Tempo e Estudos Climáticos - CPTEC ou o National Climate and Environmental Prediction - NCEP. Foram
avaliadas as condições oceânicas através da utilização do modelo numérico de circulação oceânica POM (Blumberg
& Mellor, 1987). Dispondo das informações meteorológicas, pretende-se simular os distúrbios nas elevações da
superfície do mar, bem como nas correntes sobre a plataforma.
Os campos analisados de larga escala podem fornecer diretamente os valores do vento de superfície sobre a
área oceânica através de interpolação espacial e temporal, ou então podem ser assimiladas em modelos
meteorológicos de mesoescala, permitindo um maior detalhamento do campo de vento sobre o mar. Neste trabalho,
considerou-se o Regional Atmospheric Modeling System - RAMS (Cotton et al., 1982; Pielke et al., 1992),
intensivamente utilizado no Departamento de Ciências Atmosféricas do IAG/USP, tanto em pesquisa como em
atividades operacionais de previsão de tempo.
Buscou-se contemplar, portanto, a verificação da qualidade das simulações oceânicas segundo forçantes
atmosféricas com diferentes resoluções espaciais e temporais, possibilitando avaliar a viabilidade do
estabelecimento de um sistema de previsão deste tipo de fenômeno com base nos prognósticos meteorológicos de
escala global e de mesoescala.
Para os propósitos do presente projeto, julga-se suficiente a região compreendida pelos paralelos 18°S e
45°S e pelos meridianos 035°W e 065°W, aqui denominada SWAO - South Western Atlantic Ocean. Esta área
compreende todo o litoral dos Estados do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Sul, o litoral do Uruguai e a parte norte
do litoral da Argentina. O fato da área a ser modelada ser estendida em direção ao sul deve-se à intensa atuação dos
sistemas meteorológicos no litoral do Uruguai e da Argentina, os quais podem ser de extrema importância para o
extremo sul do País (Climanálise, 1986). Cabe ressaltar que foi dada ênfase aos fenômenos meteorológicos que
afetam as condições oceânicas apenas em termos de variações de elevação da superfície cujos períodos são
relativamente longos.
2 – METODOLOGIA
A modelagem numérica da circulação oceânica na região de estudo foi realizada com o modelo
desenvolvido pela Universidade de Princeton, nos Estados Unidos da América, o Princeton Ocean Model. O
código que deu origem ao atual modelo de domínio público POM já foi aplicado a diversas escalas espaciais e
temporais, tendo representado com sucesso as circulações observadas em diversas regiões.
O domínio computacionalmente mais adequado para os processamentos é orientado de maneira paralela e
perpendicular à orientação média da linha de costa na área de interesse, ou seja, o eixo paralelo à costa possui uma
inclinação de 45° no sentido horário em relação ao Norte Geográfico (Fig. 1a). A resolução adotada nos
processamentos foi de 1/12 de grau em latitude e em longitude, o que equivale a cerca de 7800 m no extremo sul do
domínio e a cerca de 9100 m no extremo norte.
Para a parte meteorológica, propõe-se o uso do Regional Atmospheric Modeling System - RAMS (Cotton
et al., 1982; Pielke et al., 1992), desenvolvido na Colorado State University. O domínio dos processamentos do
RAMS compreende toda a região de estudo (Fig. 1b), com resolução horizontal de 32 km. A inicialização e a
especificação de condições de contornos abertos para este domínio regional é realizada através de assimilação
tetradimensional de campos analisados de larga escala, os quais tem resolução no tempo entre 6 e 12 horas,
resolução horizontal entre 200 e 250 km e resolução vertical com 15 a 20 níveis relativos aos valores padrão de
pressão atmosférica. Os campos assimilados são geopotencial, temperatura, umidade, vento e pressão.
Figura 1a - Mapa geográfico da região de estudo, com
destaque para o domínio do POM orientado paralela e
perpendicularmente à linha de costa. Valores de
profundidades em metros.
Figura 1b - Mapa geográfico da região de estudo, destacando
a área do domínio do RAMS. Cotas topográficas em metros.
No instante inicial, estas informações são devidamente interpoladas para a grade adotada no RAMS, tanto
na horizontal quanto na vertical, de modo a ajustar os campos às características de superfície da grade (topografia,
rugosidade, etc). Por sua vez, a evolução no tempo das bordas laterais e do topo da grade do modelo considera dois
instantes consecutivos dos campos analisados e avalia as tendências dos valores de larga escala; estas tendências
são impostas às variáveis do modelo em uma faixa de pontos dos contornos laterais e de topo, através de relaxação
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newtoniana (nudging). Através desse procedimento, é possível detalhar os campos através da dinâmica de
mesoescala, mantendo a influência da escala sinótica.
Cabe acrescentar que o MASTER/IAG realiza simulações operacionais com o RAMS no domínio
apresentado acima com assimilação de campos analisados do CPTEC, o que viabiliza a disponibilização diária de
campos de vento de superfície de larga e de mesoescala para as simulações de marés meteorológicas com o POM.
3 – RESULTADOS E DISCUSSÃO
Durante o desenvolvimento deste trabalho, foram consideradas algumas situações de interesse identificadas
por significativas variações do nível médio do mar (Caruzzo & Camargo, 1998). Foram considerados diversos
períodos de interesse, desde intervalos relativamente curtos de 4 a 5 dias, períodos de 15-20 dias, de 1 mês e
também de 3 meses. De modo geral, as comparações indicaram que os resultados correspondentes às forçantes de
mesoescala são consideravelmente melhores do que aqueles relacionados às forçantes de larga escala. Desta forma,
pôde-se observar uma sensível melhora na estimativa das perturbações do nível médio do mar quando a forçante
atmosférica possui melhor representação no espaço e no tempo.
Os resultados dos experimentos relativos a períodos mais longos estão apresentados na forma de gráficos
comparativos das séries temporais de nível médio do mar e serão devidamente discutidos a seguir. Nestas
comparações encontram-se superpostas 3 curvas: observada, modelada com larga escala e modelada com
mesoescala.
As comparações entre os resultados de nível médio do mar para o período Julho-Agosto-Setembro de 1983
para as estações de Punta del Este, Cananéia e Santos encontram-se respectivamente nas Figuras 3 a 5. Nestas
figuras, o período total de 2196 horas de simulação foi dividido em 3 partes para facilitar a visualização dos
resultados obtidos, ficando aproximadamente um mês de comparação por trecho graficado.
Figura 3 - Comparação entre as oscilações do nível médio do mar em Punta del Este: Observações em vermelho,
modeladas com forçante de larga escala do NCEP em amarelo e modeladas com forçante de
mesoescala do RAMS em azul, no período de Julho a Setembro de 1983.
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Pode-se perceber a performance do modelo de circulação oceânica e a qualidade dos dados meteorológicos
pela representatividade das simulações realizadas em termos da fase das perturbações modeladas em comparação às
observações nas 3 estações consideradas. Pode-se notar uma clara melhoria na representação do fenômeno de
interesse em um número considerável de situações através da utilização dos campos meteorológicos de mesoescala,
dada a maior proximidade entre as curvas RAMS (azuis) em relação às curvas NCEP (amarelas) quando
comparadas às curvas OBS (vermelhas).
Figura 4 - Ídem à Fig. 3 para Cananéia.
Figura 5 - Ídem à Fig. 3 para Santos.
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A simulação realizada para o mês de Agosto de 1988 envolveu os dados das estações de Paranaguá,
Cananéia, Santos e Ubatuba para as comparações (Fig. 6). Ao considerar a forçante de mesoescala, pode-se notar
valores bastante próximos de amplitude das perturbações modeladas no nível médio do mar nas 4 estações
consideradas, o que sugere não apenas a propagação para norte de um distúrbio gerado mais ao sul, mas sim a
efetiva geração de transporte de água na costa também pelo vento local. Esse raciocínio é coerente com a melhoria
da representatividade do fenômeno a partir do emprego de campos de mesoescala.
Figura 6 - Comparação entre as oscilações do nível médio do mar: Observações em vermelho, modeladas com forçante de
larga escala do NCEP em verde e modeladas com forçante de mesoescala do RAMS em azul, no mês de Agosto de 1988.
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O caso estudado no mês de Junho de 1989 também considerou as mesmas 4 estações citadas anteriormente
(Fig. 7). Neste caso fica bem evidente a diminuição da amplitude das perturbações observadas e modeladas da
estação mais ao sul para a estação mais ao norte, associado a casos típicos com atuação mais efetiva dos sistemas
frontais na parte sul do domínio modelado em relação à parte norte. Nesses casos, a ocorrência de perturbações nas
estações na parte norte se dá como uma combinação de um pequeno distúrbio gerado localmente superposto ao
distúrbio propagado desde as estações mais ao sul. Novamente pode-se notar uma boa representação das fases das
oscilações do nível médio, embora as amplitudes tenham sido bastante subestimadas, tanto pela forçante de larga
quanto de mesoescala, principalmente com relação aos valores mais elevados. Nesse caso, a melhoria dos
resultados ao considerar a forçante de mesoescala não foi significativa, o que é coerente com o raciocínio de um
distúrbio gerado mais ao sul que se propagou para norte.
Figura 7 – Ídem à Figura 6, para o mês de Junho de 1989.
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4 – COMENTÁRIOS FINAIS
Além das comparações gráficas mostradas acima, foi também realizada uma estatísica básica das séries
observadas e modeladas, no intuito de avaliar de forma mais quantitativa os resultados obtidos. Apesar dá maré
meteorológica ser o enfoque específico do presente projeto, é importante frisar que todas as simulações realizadas
consideram componentes astronômicas de maré, as quais variam significativamente ao longo do dominio
modelado. A inclusão da maré astronômica justifica-se no sentido de permitir que haja interação entre as distintas
bandas de oscilação, dada a grande importância relativa da parte astronômica nos extremos norte e sul da área de
estudo.
Uma vez cumprida a etapa de verificação da qualidade de simulações referentes a períodos pretéritos de
interesse, de modo a ter identificado as limitações e as características típicas do procedimento empregado, o
produto prático deste projeto subsidiou a implementação de um sistema operacional de previsão de marés
meteorológicas no domínio SWAO, o qual se baseia nos diagnósticos e prognósticos de larga e de mesoescala
disponíveis no MASTER - Laboratório de Meteorologia Aplicada a Sistema de Tempo Regionais, do
Departamento de Ciências Atmosféricas do IAG/USP. Os resultados são disponibilizados através da homepage
http://www.master.iag.usp.br opção Produtos Oceânicos ou http://www.surge.iag.usp.br, sob a forma de
distribuições horizontais das perturbações em elevações e correntes sobre a plataforma, e também na forma de
gráficos das séries temporais de determinadas estações costeiras.
Não obstante, é importante considerar que a qualidade das previsões de maré meteorológica vai obviamente
depender da qualidade dos prognósticos meteorológicos, da mesma forma que qualquer outro produto assim
gerado. Nesse sentido, a idéia básica da continuidade dos trabalhos consiste em ampliar os processamentos do
modelo de circulação oceânica com as fontes de previsão de larga escala disponíveis (MRF/NCEP e
COLA/CPTEC) bem como com as previsões dos modelos regionais (ETA/CPTEC e RAMS/IAG). Dessa forma,
eventuais usuários irão dispor de diversas fontes de informação para consultar sobre previsões de maré
meteorológica.
Por fim, cabe mencionar que vários esforços foram investidos pelo Grupo de Modelagem Oceânica do
Departamento de Ciências Atmosféricas do IAG/USP no sentido de implementar um modelo numérico de agitação
marítima para a região de interesse, a partir do código de domínio público WAVEWATCH-III disponibilizado pela
NOAA/OMB. Desta forma, torna-se possível incluir as oscilações de alta freqüência da superfície do mar
associadas às ondas de superfície geradas pela ação do vento na área de estudo, que associado aos efeitos de
elevação do nível médio, completa o estudo numérico de influências meteorológicas nos padrões de elevação da
superfície oceânica.
Referências
BLUMBERG, A.F. & MELLOR, G.L. 1987 A description of a three-dimensional coastal ocean circulation model.
In: Three-Dimensional Coastal Ocean Models, Vol. 4, American Geophysical Union, Washington D.C.,
208p.
CARUZZO, A. & CAMARGO, R. 1998 Influências Sinóticas no Atlântico Sudoeste: Levantamento Preliminar das
Situações de Interesse. X Congresso Brasileiro de Meteorologia e VIII Congresso da Federação LatinoAmericana e Ibérica de Sociedades de Meteorologia, Anais Digitais.
COTTON, W.R., STEPHENS, M.A., NEHRKORN, T. & TRIPOLI, G.J. 1982. The Colorado State University
three-dimensional cloud/mesoscale model - 1982. Part II: An ice phase parametrization. J. Res. Atmos., 16,
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CLIMANÁLISE 1986 Boletim de Monitoramento e Análise Climática, Número Especial, Centro de Previsão de
Tempo e Estudos Climáticos - MCT/INPE.
PIELKE, R.A., COTTON, W.R., WALKO, R.L., TREMBACK, C.J., LYONS, W.A., GRASSO, L.D.,
NICHOLLS, M.E., MORAN, M.D., WESLEY, D.A., LEE, T.J. & COPELAND, J.H. 1992. A
comprehensive meteorological modeling system - RAMS, Meteorol. Atmos. Phys., 49, 69-91.
PUGH, D.T. 1987 Tides, Surges and Mean Sea Level. John Wiley & Sons. Chichester, U.K. 472 p.
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