UNIJUI – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL TAISA JULHANA FISCHER CONCURSO DE AGENTES NO INFANTICÍDIO Ijuí (RS) 2013 TAISA JULHANA FISCHER INFANTICÍDIO Monografia final apresentada ao Curso de Graduação em Direito, objetivando a aprovação no componente curricular Monografia. UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais. Orientador: MSc. Fernando Antonio Sodré de Oliveira Ijuí (RS) 2013 À minha querida e amada família (pai, Mauricio, Shane e Pedro) que sempre esteve presente em cada passo dessa jornada. Ao meu noivo Tiago, a quem reservo o mais puro sentimento de amor e respeito. Amo vocês! AGRADECIMENTOS A Deus, que me deu a vida e me fez forte para enfrentar os obstáculos. A meu pai Nelson que me ajudou a enfrentar cada dificuldade com coragem e determinação, meus irmãos Mauricio, Shane e Pedro que sempre estiveram do meu lado e acreditaram em mim. Ao restante da família, meus cunhados Ariele, Rodrigo e Martin, sogros Bernadete e Tarcisio que apesar de serem “intrusos” na família também fizeram parte nessa caminhada. Ao meu professor orientador, pela dedicação e disponibilidade. Ao carinho, amor! meu noivo paciência, Tiago, pelo compreensão e “A justiça sustenta numa das mãos a balança que pesa o direito, e na outra, a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do direito.” (Rudolf Von Ihering) RESUMO O presente estudo propõe a análise critica do delito de infanticídio constante no Código Penal, a fim de investigar as peculiaridades que cercam o delito. Para tanto, em um primeiro momento, será feito uma analise de como o crime surgiu e se desenvolveu com o passar dos tempos, desde os primórdios da civilização até os dias de hoje. Em seguida, faz-se um estudo do delito de infanticídio e sua evolução histórica, seguindo uma abordagem sobre os princípios fundamentais dentre eles o direito a vida. Finalmente conceitua-se o delito de infanticídio, e estudam-se as características peculiares do delito, a delimitação temporal do delito, os transtornos psicológicos que levam a parturiente a cometer o infanticídio e a questão do concurso de agente que ainda é uma questão controvertida no nosso ordenamento jurídico. Palavras-chave: Direito Penal – Infanticídio. Privilégio. Estado Puerperal. Concurso de agentes. ABSTRACT This study proposes a critical analysis of the crime of infanticide constant in the Penal Code in order to investigate the peculiarities surrounding the offense. Therefore, at first, will be an analysis of how the crime arose and developed with the passage of time since the dawn of civilization to the present day. Then it is a study of the crime of infanticide and its historical evolution, following an approach on the fundamental principles among them the right to life. Finally conceptualizes up the crime of infanticide, and we study the peculiar characteristics of the offense, the temporal delimitation of the offense, psychological disorders that lead the mother to commit infanticide and the issue of the tender agent is still a controversial issue in order legal. Key words: Criminal Law - infanticide. Privilege. Puerperal State. Contest agents. SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................................10 1. O CONCEITO DE CRIME E SEUS ASPECTOS HISTÓRICOS ......................12 1.1. Evolução histórica do infanticídio no Brasil e no mundo.......................... 16 1.2. Os direitos fundamentais e os princípios constitucionais acerca do delito.... .......................................................................................................................... 19 1.3. Preliminares à compreensão do delito de infanticídio ............................... 22 1.3.1. Gravidez ............................................................................................................. 22 1.3.2. Parto ................................................................................................................... 23 1.3.3. Depressão pós-parto ....................................................................................... 25 2. 2.1. 2.1.1. 2.1.2. 2.1.3. 2.1.4. 2.1.5. 2.1.6. 2.2. 2.3. 2.4. 2.5. CONCEITO E CONSIDERAÇÕES GERAIS DE INFANTICIDIO.....................28 Conceito de infanticídio .................................................................................. 28 Motivo de honra ................................................................................................ 29 Puerpério ........................................................................................................... 30 Alterações anatômicas e fisiológicas no puerpério ................................... 32 Estado Puerperal .............................................................................................. 34 Bem jurídico tutelado....................................................................................... 37 Sujeitos do delito .............................................................................................. 38 Consumação e tentativa .................................................................................. 40 Concurso de pessoas ...................................................................................... 41 Distinção entre aborto, homicídio e infanticídio. ........................................ 44 Pena e ação penal ............................................................................................ 45 CONCLUSÃO .................................................................................................................46 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................48 10 INTRODUÇÃO O delito de infanticídio está previsto no Código Penal Brasileiro em seu art. 123: “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após. Pena: detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos”. É um delito autônomo, mas a maioria dos doutrinadores considera um homicídio privilegiado, pois a conduta prevista em ambos os delitos (homicídio e infanticídio) é matar, porém a pena imposta no delito de infanticídio é mais branda que a prevista para o homicídio. Atenuando a pena, o legislador beneficiou a mãe que se encontra sob a influência de transtornos psicológicos, não possuindo necessário discernimento diante do fato de ter dado a luz. A falta de qualquer um dos requisitos desconfigura o delito. Dessa forma o crime de infanticídio é considerado um crime próprio, vez que o sujeito ativo do delito é a mãe que esta sob o estado puerperal. Ocorre que alguns doutrinadores consideram o estado puerperal um elementar do delito, nesse caso existe a comunicabilidade com o terceiro que ajuda a mãe a praticar o ato. Outros doutrinadores por sua vez consideram o estado puerperal uma circunstancia do parto sendo que somente a mãe pode sofrer esses transtornos, levantando um caloroso debate em torno da 11 possibilidade do estado puerperal se comunicar ou não ao coautor ou partícipe do crime. O presente estudo constitui-se de uma análise detalhada do delito de infanticídio previsto no Código Penal. Os principais objetivos propostos para o estudo consistem em demonstrar a evolução histórica do crime e as particularidades que o cercam, analisando de forma detalhada o fator fisiopsíquico da mulher após o parto e as suas características peculiares, o que é e quando ocorre o estado puerperal, e as opiniões dos profissionais do direito em torno das diversas questões que cercam o delito, principalmente sofre o privilegio da coautoria, pois essa questão ainda não é pacifica, trazendo consequências nas decisões da Justiça que alem de conflitantes às vezes são até injustas. Para a realização deste estudo monográfico foram efetuadas pesquisas nas doutrinas e legislações vigentes Este trabalho está dividido em dois capítulos. Inicialmente tratar-se-á da origem d crime e sua evolução do longo do tempo, posterior será analisado o delito de infanticídio, fazendo um breve percurso de sua evolução histórica até os dias de hoje. No segundo capítulo, será discutido cada um dos elementos do delito, o parto, o estado puerperal da parturiente, o momento da consumação do delito, a comunicabilidade e incomunicabilidade de circunstâncias e elementares e a pena cominada, mostrando as diversas opiniões que os doutrinadores têm a respeito do crime, como a polemica que cerca o concurso de agentes. A realização deste estudo permitirá verificar o conceito do crime de infanticídio e as questões divergentes que o rodeiam de acordo com a doutrina atual, permitindo conhecer e compreender as peculiaridades previstas no Código Penal vigente. 12 1. O CONCEITO DE CRIME E SEUS ASPECTOS HISTÓRICOS O crime existe desde os primórdios dos tempos, pois o ser humano sempre viveu em grupos, destacando seu impulso associativo, e quando obrigado, se utilizava dele para autodefesa, como ocorria no tempo das cavernas que para defender seu clã o individuo tinha que matar os invasores que deturpavam seu alimento, a violência era uma forma de impor respeito e medo nos adversários, ocorre que com o passar dos tempos o ser humano passou a violar as regras de convivência, ferindo seus semelhantes e a própria sociedade em que vivia, tornando-se necessária a aplicação de uma punição, porém, não se entendiam as formas de castigo como se fossem penas, no sentido técnico-jurídico que hoje possuem. Primeiramente a sanção era aplicada como fruto da libertação do clã, pois acreditava-se que os deuses ficavam enfurecidos com a violação cometida e a repreensão por essa violação era a expulsão do agente da comunidade, o qual ficava exposto a sua própria sorte. Acreditava-se que os fenômenos da natureza como a chuva, o trovão eram nada mais do que as forças sobrenaturais, a ira dos deuses e quando o agente era devidamente punido o povo imaginava que os acalmava. O vínculo existente entre os membros de um grupo era dado pelo totem, que, na visão de Pessagno e Bernardi “era um animal, uma força sobrenatural (ou uma planta, mas, preferencialmente, um animal) e se considerava vinculado, de modo particular, aos indivíduos integrantes de uma tribo, uma família, uma casta ou um setor da comunidade, que poderiam, ou não, ser transmitidos hereditariamente, quando individualizados. Isto porque, ao lado dos totens individuais, existiam os de grupo, de membros da comunidade, do clã a estabelecer-se entre eles uma hierarquia e graduação”. (NUCCI, 2013, p.46) Nessa relação quando houvesse a quebra de algum tabu, quando alguém cometia alguma infração ligada as religiões primitivas instituía-se a punição, se não houvesse a aplicação de uma sanção acreditavas-se que os deuses ficavam 13 enfurecidos e essa ira afetaria todo o grupo, dessa forma atingiu-se o que foi chamado de vingança privada, onde os próprios membros da comunidade reagiam contra o infrator, essa justiça que era realizada pelas próprias mãos nunca teve sucesso, porquanto era uma autentica forma de agressão, pois isso gerava uma contrarreação e o circulo vicioso acabava levando ao extermínio do clã. Dessa forma o vinculo totêmico deu lugar ao vinculo de sangue, onde os indivíduos que possuíam a mesma descendência se reuniam para então formar um novo grupo, assim afirma Nucci (2013). Com o tempo adveio à vingança privada, onde os poderes se concentravam nas mãos dos chefes do clã, com isso nasceu uma forma mais segura de repreensão, onde não havia margens para qualquer contra-ataque, nessa época o que prevalecia era o critério do talião, onde se acreditava que o causador do dano deveria padecer do mesmo mau que havia causado a outrem, as sanções eram brutais e cruéis. Assim entende Nucci (2013, p.47): No Oriente antigo, fundava-se a punição em caráter religioso, castigandose o infrator duramente para aplacar a ira dos deuses. Notava-se o predomínio do talião, que, se mérito teve, consistiu em reduzir a extensão da punição e evitar a infindável onda de vingança privada. Na Grécia antiga, como retratam os filósofos da época, a punição mantinha seu caráter sacro e continuava a representar forte tendência expiatória e intimidativa. Em uma primeira fase, prevalecia à vingança de sangue, que terminou cedendo espaço ao talião e à composição. O direito Romano, dividido em períodos, contou, de inicio, com a prevalência do poder absoluto do pater famílias, aplicando as sanções que bem entendesse ao seu grupo. Na fase do reinado vigorou o caráter sagrado da pena, firmando-se o estágio da vingança publica. Na fase do reinado a pena era tida como sagrada, onde se firmou o estagio da vingança publica, e no período republicano prevaleceu o talião e a composição, existia a possibilidade de entregar um escravo para padecer a pena no lugar do infrator, desde que a vitima concordasse. 14 Mesmo assim ainda existiam as penas cruéis e de morte, durante muito tempo os acusados foram submetidos aos mais funestos testes de culpa, como caminhar pelo fogo, ser colocado em água fervente e se sobrevivessem, seriam considerados inocentes, nessa época também surgiram os excessos cometidos pela Santa Inquisição a qual se valia inclusive das torturas para obter a confissão e punir com medidas cruéis e publicas os culpados. Essa situação perdurou por muito tempo, não havendo qualquer proporcionalidade entre a pena e o delito cometido, sendo, necessário à intervenção do Estado de forma que não mais fosse permitido a vingança pelas próprias mãos, e foi no decorrer do iluminismo que iniciou o denominado período humanitário, um movimento que pregou a reforma das leis e da administração, o homem moderno passa a tomar consciência do problema penal, ocorreu uma conscientização quanto às barbaridades que vinham acontecendo, almejava-se uma lei penal que fosse simples, a qual deveria ser severa para poder combater a criminalidade, tornando o processo penal rápido e eficaz. Em 1764 Beccaria publicou um pequeno livro o qual demonstrou a necessidade de reforma das leis penais, inspirado no contrato social de Rousseau, o qual propõe um novo fundamento à justiça penal, com um fim utilitário e político que deve ser limitado pela lei moral é o que apresenta Fabrini (2012). Era necessário que o legislador estabelecesse divisões nas distribuições das penas, e que estas fossem proporcionais aos delitos cometidos, para não ocorrer à aplicação dos menores castigos ao maiores crimes. Foi imperioso que se fizesse uma divisão dos delitos e das penas aplicadas para cada um deles, pois havia crimes que atingiam o cidadão em sua vida, em seus bens e em sua honra, surgindo assim o principio da proporcionalidade, onde para não se tornar um ato de violência contra o individuo a pena deveria ser proporcional do delito cometido e determinada pela lei. 15 Assim todos os delitos cometidos passaram a ser analisados de forma que a pena cominada não fosse além nem aquém do necessário, dividindo os delitos entre aqueles mais e menos graves, dessa forma os crimes contra a vida foram recebendo penas mais severas, sempre de acordo com a gravidade da lesão praticada e dos meios empregados. Seguindo essa linha, o Estado sempre considerou a vida humana o bem jurídico de maior valor, buscando proteger ela de toda e qualquer lesão, e a lei penal atual protege a vida humana desde a sua concepção, incriminando qualquer tipo de agressão em qualquer de suas fases, bem como a agressão antes do nascimento. Dessa forma o Código Penal vigente elenca quatro figuras de delitos contra a vida, sendo eles: homicídio simples (matar alguém), induzimento, instigação ou auxílio a suicídio (induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça), infanticídio (matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após) e aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento (provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque), cominando as penas de acordo com a gravidade da lesão praticada e levando em consideração os meios empregados pelo autor Sendo assim o delito de infanticídio é considerado uma forma privilegiada do crime de homicídio, pois protege a vida do recém-nascido contra o ato praticado pela mãe durante o estado puerperal, que pode causar transtornos psicológicos capazes de levarem ao cometimento do delito. 16 1.1. Evolução histórica do infanticídio no Brasil e no mundo O crime sempre existiu, sendo praticado desde os tempos das cavernas como forma de proteção de certo grupo, e com o crime de infanticídio não é diferente, existem evidências históricas muito amplas para documentarem a impressionante propensão de alguns pais a matarem seus próprios filhos sob a pressão de condições estressantes. O relato bíblico no livro do Gênesis a respeito do sacrifício de Isaac, filho de Abraão é uma das primeiras referências históricas sobre o infanticídio. Esse delito é e sempre foi praticado em todos os continentes e por pessoas com diferentes níveis de complexidade cultural desde a antiguidade. Era comum entre os povos primitivos, praticavam o delito com o intuito de obter uma raça vigorosa, evitando assim crianças fracas e deformadas. Nas civilizações antigas como no Egito o pai que matasse o próprio filho era obrigado a permanecer três dias e três noites abraçado ao seu cadáver. Licurgo o legislador militar espartano preocupando-se apenas com a qualidade de seus guerreiros autorizava que o pai matasse o filho recém-nascido que apresentasse alguma deformação ou condições de saúde incompatível com o serviço militar, adotando Sólon na Grécia o mesmo comportamento. Na cidade de Roma, as crianças que nascessem aleijadas eram jogadas no rio Tibre. No antigo direito romano quando a mãe matava o próprio filho esse delito se equiparava ao parricídio, tanto que não se conhecia a palavra infanticídio. Na idade media mães que secretamente matavam seus próprios filhos de maneira voluntaria e perversa eram enterradas vivas ou empaladas. Todavia foi comum na antiguidade e na idade media a autorização da morte do recém-nascido disforme assim descreve Muakad (2002). 17 Como propõe Maggio (2004) analisando a evolução do tratamento jurídico do infanticídio observamos três períodos distintos: um período de permissão ou indiferença, um de reação em favor do filho e um período de reação em favor da mulher infanticida. No período de permissão ou indiferença (período Greco-romano), o pai tinha o direito de vida ou morte sobre seus filhos e demais dependentes, exercendo sobre eles o direito de vida ou morte, nessa época era frequente o rei determinar que seus agentes ou soldados matassem seus filhos recém-nascidos devido à escassez de alimentos. A lei das XII Tabuas autorizava a morte do recém-nascido disforme ou monstruoso, podendo eles serem mortos pelos pais depois do nascimento. Especificamente na cidade de Esparta (Grécia), em torno do ano de 800 a.C., as crianças eram propriedades do Estado, que decidia sobre a morte ou a vida dos meninos. Neste ultimo caso, desde os sete anos de idade, o menino era preparado na escola oficial para ser um soldado em condições de enfrentar a fome e o frio. (MAGGIO, 2004, p 41) O período intermediário foi destacado pela visível reação jurídica em favor do recém-nascido, onde as mães eram punidas de forma severa quando praticassem o infanticídio, quaisquer fossem os motivos. Como houve muita influencia do cristianismo, a punibilidade do infanticídio variou do direito ou impunidade absoluta até a aplicação da pena de morte passando a constituir crime gravíssimo, a influencia religiosa inspirou os juristas que passaram a considerar que ninguém tinha o direito de tirar a vida de seu semelhante principalmente uma criança indefesa frágil e desprotegida. Diante desse entendimento, o delito passou a ser visto de forma repugnante e repulsiva, merecendo severa condenação assim descreve Maggio (2004). Na lição de Hungria (apud MAGGIO, 2004, p 42): As mulheres que matam secreta e perversamente os filhos, que delas receberam vida e membros são enterradas vivas e empaladas segundo o 18 costume. Para que se evite o desespero, sejam estas malfeitoras afogadas, quando no lugar do julgamento houver para isso comodidade de água. Onde, porem, tais crimes se dão frequentemente, permitimos, para maior terror dessas mulheres perversas, que se observe o dito costume de enterrar e empalar, ou que, antes da submersão, a malfeitora seja dilacerada com tenazes ardentes. O terceiro período, o atual, surgiu pela reação jurídica em favor da mulher infanticida, o delito passou a ser tratado de forma mais privilegiada, isso decorre de ideias mais humanitárias. Segundo Hungria (apud MAGGIO, 2004, p 43) a partir do século XVIII, verificou-se um movimento entre os filósofos do direito natural, especialmente por Beccaria e Feuerbach, no sentido do abrandamento da pena do crime de infanticídio. Houve nessa época uma mudança de mentalidade e costumes, “o deprimente espetáculo na execução da pena das mães condenadas acabou, efetivamente, sensibilizando a consciência dos povos [...]” (MAGGIO, 2004, p 43). Os filósofos de direito natural possuíam fortes e relevantes argumentos dentre eles: a pobreza, o conceito de honra, o trauma psíquico que muitas vezes levava a loucura, bem como a prole portadora de doenças ou deformidades, consequentemente o ordenamento jurídico passou a considerar o infanticídio um homicídio privilegiado quando praticado pela mãe ou um parente, a pena de morte foi sendo abolida, em razão dessa rápida mudança foram se formando novos conceitos e concepções jurídicas assim ensina Maggio (2004). Como apresenta Pierangelli (apud BITENCOURT, 2012, p. 147), o Código Criminal de 1830 tipificava o crime de infanticídio nos seguintes termos: Se a própria mãe matar o filho recém-nascido para ocultar sua desonra – pena de prisão com trabalho por 1 a 3 anos. O Código Penal de 1890 deu ao infanticídio a seguinte tipificação: matar recém-nascido, isto é infante, nos sete primeiros dias de seu nascimento, quer empregando meios diretos e ativos, quer recusando a victima os cuidados necessários “a manutenção da vida e a impedir sua morte – pena de prisão celullar por seis a vinte e quatro anos”. Parágrafo único. Se o crime 19 for perpetrado pela mãe para ocultar desonra própria – pena de prisão celular por três a nove anos (sic) (art. 298). “O legislador de 1890 cominou, equivocadamente, para o infanticídio a mesma pena que cominara para o homicídio (seis a vinte e quatro anos)” (BITENCOURT, 2012, p. 148), tornando desta forma injustificável a distinção entre esses dois delitos, nesse caso somente quando o crime fosse praticado pela mãe e por motivo de desonra seria abrandado a pena, assim ensina Bitencourt (2012). Maggio (2004) argumenta que a lei penal atual trata o infanticídio como um delito de natureza privilegiada, levando em consideração o estado puerperal da mulher, nesse crime a mãe dirige sua conduta criminosa ao próprio filho analisando o contexto do crime leva-se a crer que o infanticídio deveria constituir uma modalidade criminosa revestida de maior gravidade que o homicídio, já que a vitima não possui as devidas condições físicas para sua capacidade defensiva. 1.2. Os direitos fundamentais e os princípios constitucionais acerca do delito De acordo com o Art. 5º da Constituição Federal Brasileira, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Nos ensina Pedro Lenza (2009) que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imedita, e o direito a vida abrange tanto o direito de não ser morto, como também o direito de ter uma vida digna. 20 Nessa mesma linha de pensamento afirma Hesse (apud BONAVIDES, 2004, p. 560) que os direitos fundamentais almejam criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana. No dizer de Jacques Robert (apud SILVA, 2005, p. 198). O respeito à vida humana é há um tempo uma das maiores ideias de nossa civilização e o primeiro principio da moral médica. É nele que repousa a condenação do aborto, do erro ou da imprudência terapêutica, a não aceitação do suicídio. Ninguém terá o direito de dispor da própria vida, a fortiori da de outrem e, até o presente, o feto é considerado um ser humano. O direito à existência consiste: No direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a própria vida, de permanecer vivo. É o direito de não ter interrompido o processo vital senão pela morte espontânea e inevitável. Existir é o movimento espontâneo contrario ao estado morte. Porque se assegura o direito a vida é que a legislação penal pune todas as formas de interrupção violenta do processo vital. É também por esta razão que se considera legitima a defesa contra qualquer agressão a vida, bem como se reputa legitimo até mesmo tirar a vida a outrem em estado de necessidade da salvação própria. (SILVA, 2005, p. 198). Alexandre Moraes (2008, p. 35) acerca dos direito fundamentais dispõe: “O direito a vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em prérequisito à existência e exercício de todos os demais direitos”, ou seja, não há nenhum outro direito se não existir vida. O estado garante a todos o direito à vida, considerando todos iguais, independentemente de cor, sexo, idade, religião não permite ninguém dispor da 21 própria vida, muito menos da de outrem, somente em casos excepcionais como explica Jose Afonso da Silva, quando se trata de repelir uma agressão injusta, disponibilizando de ferramentas legais para a excludente da legitima defesa, ocorre é que um adulto tem total capacidade para cessar uma agressão injusta contra a própria vida, e uma criança não possui essa capacidade, muito menos um nascente, eles precisam da ajuda daquela pessoa que o carregou em seu ventre, antes da proteção do Estado eles necessitam e esperam a proteção da própria mãe. O delito de infanticídio é considerado pouco comum, aparentemente é um delito social, mais comum entre mulheres de camadas pobres da população, geralmente solteiras, abandonadas por maridos ou companheiros, ou que engravidaram em relação extraconjugal, porem alguns especialistas questionam o papel influente do estado puerperal e da pobreza para que determinadas mães realizem esta espécie de crime e outras não. A alegação de que a gestante esta sobre uma perturbação psíquica por motivo de desonra, vergonha etc., que diminua sua capacidade de entendimento não pode ser considerado um beneficio para abrandar a sua pena, pois se trata de um crime de natureza repugnante e repulsiva, ademais, o Estatuto da Criança e do Adolescente (grifo nosso) prevê a assistência as gestantes, conforme dispõe os artigos: Art. 8º É assegurado à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o atendimento pré e perinatal. § 1º A gestante será encaminhada aos diferentes níveis de atendimento, segundo critérios médicos específicos, obedecendose aos princípios de regionalização e hierarquização do Sistema. § 2º A parturiente será atendida preferencialmente pelo mesmo médico que a acompanhou na fase pré-natal. § 3º Incumbe ao poder público propiciar apoio alimentar à gestante e à nutriz que dele necessitem. § 4o Incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós-natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as 22 consequências do estado puerperal. (BRASIL, 2013, [?], grifo nosso). De acordo com o disposto nos artigos acima, o Estado de diversas formas vai garantir a gestante tudo aquilo que for necessário para que ocorra uma gravidez tranquila e longe de qualquer risco, propiciando todas as formas de tratamento e assistência. Por isso, nem mesmo a mãe acometida por um transtorno psicológico tem o direito de dispor da vida de uma criança alegando motivo de honra, pois segundo o que ensina Alexandre de Moraes (2008) a honra é o conjunto de qualidade que caracterizam a dignidade da pessoa, o bom nome, a reputação. E a vida é o mais fundamental de todos os direitos, não sendo admitido dispor dela para reaguardar “a honra”. 1.3. Preliminares à compreensão do delito de infanticídio O delito de infanticídio somente pode ser praticado pela mãe durante ou logo após o parto sobre a influência do estado puerperal, dessa forma se faz necessário, para entender melhor o delito, conhecer alguns conceitos que estão diretamente ligados à parturiente e ao crime. 1.3.1. Gravidez Segundo o que nos ensina Louredo (Brasil Escola, 2013), gravidez é o período de crescimento e desenvolvimento de um ou mais embriões no interior do útero, para que isso ocorra é necessário que óvulo, seja fecundado pelo espermatozoide. Durante as primeiras semanas após a fecundação, a futura 23 mamãe ainda não sente os efeitos da gravidez, mas isso não significa que o feto não esteja desenvolvendo, ele continua crescendo. o corpo da mulher também sofrerá diversas transformações. A primeira delas é a ausência de menstruação a partir da quarta semana após a fecundação, começam os sintomas como náuseas, cansaço e dores nos seios. Aproximadamente na sétima semana de gestação, um tampão de muco com a função de impedir o contato do útero com o meio externo se desenvolverá no colo uterino, dando ao bebê uma maior proteção. É provável que a gestante sinta cólicas leves à medida que o embrião se implanta no útero. Segundo o dicionário Aurélio, gravidez é o estado da mulher, e das fêmeas em geral, durante a gestação; prenhez ocorre quando um ovo, óvulo fecundado após um ato sexual, se fixa à mucosa uterina. (DICIONÁRIO DO AURÉLIO, 2013). Segundo Delton Croce (apud, MUAKAD, 2002, p. 54, grifo do autor). Denomina-se gravidez – do latim gravidus, de gravis, prenhe - ou gestação, o período fisiológico da mulher compreendido desde a fecundação do ovulo, ou dos óvulos, até a morte ou expulsão, espontânea ou propositada, do produto da concepção. Segundo o entendimento de França (apud, MUAKAD, 2002, p. 55) “é o estado fisiológico da mulher o qual ela traz dentro de si o produto da concepção”. Dentro de um contexto geral, gravidez é um o período em que a mulher carrega dentro de si por cerca de nove meses uma vida . 1.3.2. Parto Segundo Araguaia (Brasil Escola, 2013) parto é quando o bebê deixa o útero materno, e passa a conhecer o mundo, nas vésperas do parto, o bebê se 24 movimenta mais ativamente; os seios se apresentam maiores, os ligamentos se tornam mais flexíveis, e contrações uterinas são sentidas. O trabalho de parto se inicia com a dilatação do útero, identificada pela ocorrência de contrações rítmicas e frequentes, há também a liberação de um muco avermelhado. Após a saída do bebê, a placenta é expelida, cerca de meia hora após. Alguns médicos e parteiros fazem uma incisão no útero, chamada episiotomia, para ajudar na saída do bebê. Outros sugerem que a posição de cócoras é mais propícia para o parto, sendo desnecessária tal intervenção cirúrgica, ou mesmo a aplicação de hormônios. Existem situações em que é necessária a intervenção cirúrgica, sendo feitos os partos cesáreos, também chamados de cesarianas, nesse caso, existe a possibilidade de marcar uma data para o nascimento da criança, mas, por outro lado, a recuperação da mãe é mais demorada. Segundo o que conceitua Delton Croce (apud MAGGGIO, 2004, p. 32) “é o conjunto de fenômenos mecânicos fisiológicos e psicológicos expulsivos do feto a termo, ou já viável, e de seus anexos, do álveo materno para o exterior”. Genival Veloso (apud MAGGGIO, 2004, p. 32): É o conjunto de fenômenos fisiológicos e mecânicos, cuja finalidade é a expulsão do feto viável e dos anexos. Da-se seu começo, para os obstetras, com as contrações uterinas, e, para nós com a rotura da bolsa, e termina com o deslocamento e o expelimento da placenta. Conforme dispõe o dicionário Aurélio parto é o Ato de parir, de dar à luz. (DICIONÁRIO DO AURÉLIO, 2013). Para Maggio (2004, p. 32,33): O parto pode ocorrer pelas vias naturais ou por meio de intervenção cirúrgica, denominada cesariana. De qualquer forma, verifica-se que para os obstetras o inicio do parto se da com as contrações uterinas; para medicina legal, com o rompimento da bolsa amniótica. Porem, em ambos os casos, seu termino se caracteriza pela expulsão da placenta, momento em que tem inicio um outro ciclo, o puerpério. 25 Segundo o que conceitua Heleno Fragoso (apud BITENCOURT, 2012, p. 151), parto é o conjunto dos processos (mecânicos, fisiológicos e psicológicos) através dos quais o feto a termo ou viável separa-se do organismo materno e passa ao mundo exterior. Segundo Almeida Jr e J. B. O e Conta Junior (apud MAGGIO, 2004, p. 25) “é o período que vai do deslocamento e expulsão da placenta à volta do organismo materno às condições pré-gravidicas”. Conforme dispõe Genival Veloso de França (apud MAGGIO, 2004, p. 26) parto “é o espaço de tempo variável que vai do desprendimento da placenta até a involução total do organismo materno às suas condições anteriores ao processo gestacional. Dura, em media, seis a oito semanas”. Ânsias e dores que acompanham o período do parto. Tempo que vai do parto até que os órgãos genitais e o estado geral da mulher voltem ao normal (MICHAELIS, 2013). Do ponto de vista obstétrico, há quem entenda que o estado puerperal ou puerpério inclui a própria gravidez, o parto, e o tempo necessário para involução clinica do útero, é o que ensina Nerio Rojas, citado por Magalhães Noronha (apud MAGGIO, 2004, p. 26). 1.3.3. Depressão pós-parto Segundo o que diz Araguaia (Brasil Escola, 2013): Aproximadamente 85% das mulheres apresentam algum nível de melancolia após o parto, relacionado principalmente à nova rotina e desafios que se estabelecerão em sua vida: é o postpartum blues. Na maioria dos casos, os sintomas são brandos e desaparecem em 26 aproximadamente duas semanas. Entretanto, cerca de 10% podem sofrer de depressão pós-parto, e destas, menos de 1% pode desenvolver a psicose puerperal, caso em que a mulher pode sofrer alucinações, perda de senso de realidade e cometer atos extremos, como rejeitar o bebê ou mesmo praticar homicídio. Esses dois últimos não surgem por um acaso, manifestando-se em mães com tendência à depressão, associada a fatores como: - Variação nos níveis hormonais; - Questões socioeconômicas; - Problemas conjugais; - Baixa autoestima; - Gravidez não planejada ou não desejada; - Medo de perder o bebê; - Mudança de paradigmas em relação a si mesma, como mãe e também filha; ao bebê; ao companheiro; e às mudanças que ocorreram em seu corpo; - Perda do status de gestante; - Revivência inconsciente do trauma do próprio nascimento; - Sentimento de perda de uma parte de si, ao separar a criança de seu corpo; - Sentimento de abandono por parte do companheiro, familiares e amigos, uma vez que o bebê é, por muito tempo, o foco das atenções; - Medo de não ser uma boa mãe. Alguns dos sintomas da depressão pós-parto ou da psicose puerperal são: fadiga, desânimo, irritabilidade, distúrbios do sono, alterações no apetite, choro incontrolável, hiperatividade, moleza, desânimo, desinteresse pelo bebê ou medo de fazer mal a ele, mudanças de humor, sentimento de culpa, desinteresse pelas atividades antes prazerosas, baixa autoestima, dificuldades de concentração e pensamentos relacionados à morte e ao suicídio. Segundo a Associação Americana de Psiquiatria, a manifestação de pelo menos cinco desses sintomas, por mais de duas semanas, indica a necessidade de se buscar ajuda médica. Em alguns casos, será necessário o uso de antidepressivos, prescritos pelo profissional. Quanto à psicose puerperal, além da medicação, muitas vezes é necessária à internação da paciente e acompanhamento psicológico. Além do mal-estar que gera para a mulher, esse quadro pode gerar tensão no ambiente familiar e também dificultar o estabelecimento de um vínculo afetivo seguro entre mãe e filho, o que pode interferir nas futuras relações interpessoais estabelecidas pela criança. Por tal motivo, é importante, além do acompanhamento médico, o apoio e a compreensão da família, evitando críticas e hostilidades. Segundo Varella (Dr. Dráuzio, 2013): O pós-parto é um período de deficiência hormonal, pois durante o período de gestação, a mulher esteve submetida a altas doses de hormônios, os quais agem no sistema nervoso central, mexendo com os neurotransmissores que estabelecem a ligação entre os neurônios algumas horas depois do parto, o nível desses hormônios cai vertiginosamente, o que pode ser um fator importante no desencadeamento dos transtornos pós-parto, outros fatores também contribuem para a depressão pós- 27 parto como: mulher com história de depressão no passado, gravidez não desejada ou não planejada esses fatores causam aumento do estresse ao longo da gestação e podem contribuir para o aparecimento do problema. Como se observa o período pós parto é muito delicado para a mulher, principalmente se esta não esta preparada para receber o recém-nascido, sendo de extrema importância o apoio e compreensão da família, para que a parturiente possa lidar de forma correta com os transtornos que possam vir a surgir durante o estado puerperal. 28 2. CONCEITO E CONSIDERAÇÕES GERAIS DE INFANTICIDIO 2.1. Conceito de infanticídio O infanticídio é um homicídio cometido pela mãe contra seu filho, nascente ou recém-nascido, sob a influencia do estado puerperal, trata-se de uma hipótese de homicídio privilegiado, pois devido a circunstancias particulares e especiais o legislador conferiu tratamento mais brando à autora do delito. Assim dispõe o Código Penal: Infanticídio Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena - detenção, de dois a seis anos. A partir das contínuas mudanças da lei penal, ocorreram significativas alterações na concepção do delito, sendo adotado pela legislação dois critérios para tipificarem o crime, os quais levam em consideração o estado psicológico ou fisiopsíquico da mulher. O primeiro é chamado de psicológico, o qual leva em consideração o motivo de honra, ou seja, o medo da vergonha por haver concebido extramatrimonio, ou quando o concepto é resultado de relações adulterinas, esse critério era usado pelo Código Criminal e 1830 e pelo Código Penal de 1890. O Código Penal vigente seguiu orientação diferente abraçou o critério fisiopsicológico o qual tem por fundamento o estado puerperal da mulher, levando em conta o desequilíbrio fisiopsíquico oriundo do parto. 29 2.1.1. Motivo de honra Analisando o crime de infanticídio através dos tempos, constata-se que o mesmo nasceu com a humanidade e sua punibilidade variou da impunidade absoluta até a aplicação da pena de morte; com o passar dos anos os filósofos foram argumentando que este crime não acontecia por perversidade, e sim pelos motivos de honra os quais se procurava salvar, em decorrência do critério psicológico, houve uma forte influencia na legislação, momento em que a pena de morte foi abolida, começando pela Áustria, posterior Alemanha, a partir de então o crime passou a ser considerado como homicídio privilegiado quando praticado por motivo de honra é o que ensina Maggio (2004). Maggio (2004) analisa o critério de honra sobre dois aspectos. O primeiro como um sentimento que o grupo social tem a respeito de alguém, é a honra objetiva, o que os outros pensam a respeito do sujeito. O segundo diz respeito ao que cada um pensa de si mesmo, é a honra subjetiva, o seu amor próprio. Verifica-se assim que o conceito de honra leva uma ideia de patrimônio moral, consistindo na consideração ou respeito que cada individuo possui, e pela estima própria. Para Heber Soares Vargas (1990), a infanticida atua quase sempre sob a influência de um conceito de honra, preocupada em ser descoberta em seu erro que cometeu, sentindo que a sociedade não irá perdoar a gravidez fruto de um adultério, dessa forma a mulher sente medo de se expor aos olhos da sociedade, a mortificação e o remorso em torno das consequências desta situação ilegítima e não desejada, esses motivos são capazes de provocar conflitos de ordem afetiva causadores de uma intensa tensão emocional, que levam, às vezes, a mulher a consumar o infanticídio 30 Francesco Carrara (apud Maggio, 2004) afirma que a conduta praticada pela infanticida é para salvaguardar a reputação que os outros possuem dela, fazendo de tudo para que essa reputação se mantenha integra, mesmo que sua consideração provoque a destruição de uma vida, dessa forma a sociedade ao se deparar com o delito deve reagir de forma piedosa para com o agente. Esses juristas acreditam que exista um estado de necessidade onde se verifica um conflito entre a honra do agente e a vida do recém-nascido, isso provoca disputa pela manutenção da honra em detrimento da vida da criança, outros preferem descriminalizar o infanticídio por considerar ele um delito moral. Dessa forma a causa do tratamento de infanticídio apoiou-se no critério psicológico para a concessão do privilegio, verificando então que o critério psicológico relaciona o conceito de honra com a gravidez ilegítima. Até o advento do Código Penal de 1940 todos os textos penais brasileiros adotaram o critério psicológico do motivo de honra, somente em 1927 Virgilio de Sá Pereira no anteprojeto do Código Penal suscitou por substituir o critério vigente pelo de natureza fisiopsicológico do estado puerperal, e foi na composição do Código de 1940 que a comissão revisora decidiu pela inovação (Maggio, 2004). 2.1.2. Puerpério O período posterior ao parto é o puerpério, durante esse período a mulher irá se recuperar das mudanças ocorridas durante a gestação e o parto, é um momento delicado, pois o receio do novo pode acabar causando uma sensação de insegurança, durante o puerpério organismo retorna às condições prégravídicas. 31 Durante esse período e recuperação que compreende o puerpério a mulher pode sofrer alguns transtornos, classificados como: disforia do pós-parto (puerperal blues) e psicose puerperal. Conforme nos ensina CAMACHO (Revista de Psiquiatria clínica, 2013): A puerperal blues costuma acometer as mulheres nos primeiros dias após o nascimento do bebê, atingindo um pico no quarto ou quinto dia após o parto e remitindo de maneira espontânea, no máximo, em duas semanas. Inclui choro fácil, labilidade do humor, irritabilidade e comportamento hostil para com familiares e acompanhantes. Esses quadros normalmente não necessitam de intervenção farmacológica. A depressão pós-parto pode ser uma parte ou até mesmo a continuação da depressão que teve seu inicio durante a gestação. Sobre a psicose puerperal institui CAMACHO (Revista de Psiquiatria clínica, 2013): A psicose puerperal costuma ter início mais abrupto. Estudos verificaram que 2/3 das mulheres que apresentaram psicose puerperal iniciaram sintomatologia nas duas primeiras semanas após o nascimento de seus filhos. Descreve-se um quadro com presença de delírios, alucinações e estado confusional que parece ser peculiar aos quadros de psicose puerperal. Pode haver sintomas depressivos, maníacos ou mistos associados. Não foi estabelecida nenhuma apresentação típica. No entanto, essas mulheres costumam apresentar comportamento desorganizado e delírios que envolvem seus filhos, com pensamentos de lhes provocar algum tipo de dano. Apesar de o suicídio ser raro no período puerperal em geral, a incidência deste nas pacientes com transtornos psicóticos nesse período é alta, necessitando muitas vezes de intervenção hospitalar por esse motivo, bem como pelo risco de infanticídio. Sintomas depressivos, mais do que maníacos, em geral estão associados aos quadros em que ocorrem infanticídio ou suicídio (Chaudron e Pies, 2003). Estudos neurocientíficos recentes sustentam a hipótese de que a mulher portadora de psicose puerperal que comete infanticídio necessita mais de tratamento e reabilitação do que de punição legal, a fim de se evitarem outras fatalidades decorrentes da gravidade do quadro; atualmente, alguns países já defendem essa hipótese. A educação familiar também estaria presente nesse tipo de intervenção. Necessário se faz a intervenção da família para que de o tratamento adequado à mulher evitando que esses transtornos possam levar ao cometimento do delito de infanticídio. 32 2.1.3. Alterações anatômicas e fisiológicas no puerpério A partir do momento em que o Código Penal de 1940 resolveu adotar o critério fisiopsicológico atrelando ao tipo penal a influencia do estado puerperal, criou um desafio para a pericia medico legal, pois foi transferida ao exame medico toda a responsabilidade de documentação material do crime. Roberson Guimarães (apud Maggio, 2004) afirma que é fato biológico bem estabelecido que a parturição desencadeia uma súbita queda em níveis hormonais e alterações bioquímicas no sistema nervoso central, cuja disfunção promove estímulos psíquicos com subsequente alteração emocional. Em situações especiais, como nas gestações conduzidas em segredo, não assistidas e com o parto em condições extremas, pode ocorrer um transtorno dissociativo da personalidade com a desintegração temporária do ego. Maggio (2004, p. 72) ainda acrescenta: O sintoma característico desse transtorno é uma alteração súbita e geralmente temporária nas funções normalmente integradas de consciência, identidade e comportamento motor, de modo que uma ou duas dessas deixa de ocorrer em harmonia com as outras. Alguns desses sintomas estão taxativamente presentes nas autoras de infanticídio que, em regra, são: amnésia, alucinações auditivas, e o transtorno da despersonalização. No transtorno de despersonalização ocorre uma alteração na percepção de si mesmo, a um grau em que o senso da própria realidade é temporariamente perdido. Os pacientes com transtorno de despersonalização podem sentir-se mecânicos, autômatos, que estão em um sonho, ou distanciados do próprio corpo. Diante disso pode-se admitir que o estado puerperal trata-se de uma modalidade do Transtorno de Estresse Agudo, porem o caráter transitório e a ausência de distúrbio mental prévio fazem desse diagnostico pericial um verdadeiro desafio, pois muitas vezes ao realizar o exame, os sintomas já 33 desapareceram e nem sempre o legista disporá de elementos pra concluir pela realidade de um estado puerperal. O Ministério da saúde estabeleceu regras básicas de assistência à mulher no puerpério, onde é possível compreender as alterações anatômicas, e fisiológicas, esclarecendo então resumidamente: A puérpera apresenta um estado de exaustão e relaxamento, principalmente se ela ficou longo período sem adequada hidratação ou alimentação, alem dos esforços desprendidos no periodo expulsivo. Este estado pode se manifestar por sonolência que exige repouso. Após despertar e receber alimentação adequada, sem restrições, a mulher poderá passear e dedicar-se aos cuidados com o filho. A puérpera pode apresentar ligeiro aumento da temperatura axilar (de 36,8° a 37,9°) nas primeiras vinte e quatro horas, sem necessariamente ter um quadro infeccioso instalado. Podem ocorrer ainda calafrios, mais frequentes nas primeiras horas após o parto. Estas alterações podem ocorrer sem traduzir um à saúde da mulher, mas exigem do examinador cautela, pois também podem corresponder a processos mórbidos, como a infecção puerperal. O sistema cardiovascular experimenta nas primeiras horas pósparto, um aumento do volume circulante que pode se traduzir pela presença de sopro sistólico de hiperfluxo. Nas puérperas com cardiopatia, em especial naquelas que apresentam comprometimento da válvula mitral, o período expulsivo e as primeiras horas após o deslivramento representam uma fase critica e de extrema necessidade de vigilância medica. Porém, neste período, a puérpera tem seu padrão respiratório reestabelecido, passando o diafragma a exercer funções que haviam sido limitadas pelo aumento do volume abdominal. A volta das vísceras abdominais à situação original, alem da descompressão do estomago, promove um melhor esvaziamento gástrico. Os esforços desprendidos no período expulsivo agravam as condições de hemorroidas já existentes. Esta situação causa desconforto e impede o bom esvaziamento intestinal. Nas mulheres que pariram por cesárea, soma-se ainda o íleo (ultima parte do intestino delgado) paralisado pela manipulação da cavidade abdominal. Traumas podem ocorrer à uretra ocasionando desconforto e micção e até mesmo retenção urinaria, situação atenuada pelo aumento da capacidade vesical que ocorre normalmente neste período. A puérpera pode experimentar nos primeiros dias pós-parto um aumento do volume urinário, pela redistribuição dos líquidos corporais. A leucocitose no puerpério é esperada, podendo atingir 20,000 leucócitos / mm³, contudo sem apresentar formas jovens em demasia (desvio à esquerda) ou granulações tóxicas em percentagem expressiva dos leucócitos. A quantidade de plaquetas está aumentada nas primeiras semanas, assim como o nível de fibrinogênio, razão para se preocupar com a imobilização prolongada no leito, situação que facilita o aparecimento de complicações tromboembólicas. 34 A pele seca e queda de cabelos podem ocorrer. As estrias tendem a se tornar mais clara e a diminuírem de tamanho, embora muitas permaneçam para sempre. Alterações do humor, com instabilidade emocional, são comuns no puerpério. Entretanto, o estado psicológico da mulher deve ser obsevado, uma vez que quadros de profunda apatia ou com sintomas de psicose puerperal devem ser identificados precocemente. Nestas situações, um tratamento adequado deve ser instituído rapidamente. Nas mulheres que tiveram um óbito fetal, atenção especial deve ser dada, pois a perda do filho pode provocar um sentimento de luto que necessita de tempo e algumas vezes de ajuda para supera-lo. Nestes casos, recomenda-se instalar estas mulheres em alojamentos sem a presença de criança, para não provocar lembranças e comparações. Nas mulheres que tiveram filhos que necessitam de tratamento imediato, em especial os recém-nascidos malformados, deve-se procurar compreender os sentimentos da mulher diante desta nova e inesperada situação. O entendimento destas situações (natimorto e malformados) pelos acompanhantes é importante para a melhor recuperação da puérpera. (Maggio, 2004, p. 72,73 e 74) Dessa forma, durante o puerpério a mulher tem uma maior necessidade de atenção tanto física quanto psíquica, devendo ser tratada pelo nome, com respeito e atenção. Nos primeiros dias após o parto essa relação entre mãe e filho não esta bem elaborada, por isso não se deve concentrar toda a atenção na criança, devido ao fato de que isso possa ser interpretado como desprezo às suas ansiedades e queixas. 2.1.4. Estado Puerperal O estado puerperal é consequência normal e comum de qualquer parto, pois este nem sempre provoca distúrbios psíquicos, motivo pelo qual se torna a circunstancia elementar no crime, é a situação da mulher que sob o trauma da parturição e dominada pelos elementos psicológicos peculiares se depara com o produto talvez desejado temido de suas entranhas (Alves, 1999). É aquele que envolve a parturiente durante a expulsão da criança do ventre materno. Neste momento, há intensas alterações psíquicas e físicas, que chegam 35 a transformar a mãe, deixando-a sem plenas condições de entender o que está fazendo (DIREITO NET, 2013). O estado puerperal pode determinar alterações no psiquismo da mulher, esse estado existe sempre, durante ou logo após o parto, ocorre que nem sempre produz perturbações emocionais que podem levar a mãe a matar o próprio filho (BITENCOURT, 2012, p. 150). O atual Código Penal Brasileiro considera fundamental essa perturbação psíquica que o estado puerperal pode provocar, é essa perturbação que transforma a morte do próprio filho em um delictum exceptum, se não ficar provado que a mãe tirou a vida do próprio filho nascente ou recém-nascido sob a influencia desse estado, a morte ira se enquadrar na figura típica do homicídio, mesmo que o crime tenha sido praticado durante o parto, nesse sentido e torna indispensável uma relação de causalidade entre o estado puerperal e a ação delituosa, caso contrario manter esse privilegio representaria: [...] “uma inversão odiosa da ordem natural dos valores protegidos pela ordem jurídica” (BITENCOURT, 2012, p. 150). Assim ensina Bitencourt (2012, p. 150): O indigitado estado puerperal pode apresentar quatro hipóteses, a saber: a) o puerpério não produz nenhuma alteração na mulher; b) acarreta-lhe perturbações psicossomáticas que são a causa da violência contra o próprio filho; c) provoca-lhe doença mental; d) produz-lhe perturbação da saúde mental diminuindo-lhe a capacidade de entendimento ou de determinação. Na primeira hipótese, haverá homicídio, na segunda, infanticídio; na terceira, a parturiente é isenta de pena em razão de sua inimputabilidade (art. 26, caput, do CP); na quarta, terá uma redução de pena, em razão de sua semi-imputabilidade. Durante o estado puerperal, a mãe pode sofrer profundas alterações psíquicas e físicas, as quais provocam transtornos que a deixam sem condições de entender o que esta fazendo, devendo ficar provado que a pratica do crime de infanticídio se deu por consequência desse transtorno psicológico. 36 Segundo Bitencourt (2012, p. 150, grifo do autor): O estado puerperal pode determinar, embora nem sempre determine a alteração do psiquismo da mulher dita normal. Em outros termos, esse estado existe sempre, durante ou logo após o parto, mas nem sempre produz as perturbações emocionais que podem levar a mãe a matar o próprio filho. Segundo Nelson Hungria (apud Maggio, 2004) o critério fisiopsicológico, ao contrario do psicológico não distingue a gravidez legitima ou ilegítima, sendo sua causa a particular perturbação decorrente do parto. O estado puerperal não pode ser confundido com as psicoses puerperais, essas psicoses encontram no puerpério condições propicias para sua instalação, sendo assim o estado puerperal não é psicose e nem estado de alienação, como também não é um estado normal segundo o que ensina Maggio (2004, p. 66), trata-se de “um transtorno mental transitório incompleto, por ser de curta duração e porque não chega a constituir um estado de alienação mental. É apenas um estado crepuscular, um estado de obnubilação das funções psíquicas”. Havendo a incapacidade de autodeterminação que decorre do estado puerperal que a mãe sofre e a morte do filho recém-nascido, estará configurado o delito de infanticídio, pelo entendimento penal essa influencia do estado puerperal é um quadro fisiopsicológico das mulheres desassistidas, e decorrente de gravidez indesejada, que acabam durante o curso da gravidez gerando relevantes conflitos emocionais, esse quadro conduz a mãe a matar o próprio filho, do ponto de vista obstétrico, o estado puerperal não é pacifico, há quem entenda que esse período inclua a gravidez, o parto e o tempo à involução clinica do útero, sendo necessário que haja a relação de causalidade entre o estado puerperal da mulher e o crime, pois nem sempre o estado puerperal produz perturbações psíquicas na mulher, é o que se verifica na exposição de motivos do código penal (Maggio, 2004). 37 O infanticídio é considerado um delictum exceptum quando praticado pela parturiente sob a influência do estado puerperal. Esta cláusula, como é óbvio, não quer significar que o puerpério acarrete sempre uma perturbação psíquica: é preciso que fique averiguado ter esta realmente sobrevindo em consequência daquele, de modo a diminuir a capacidade de entendimento ou de auto-inibição da parturiente. Fora daí, não há por que distinguir entre infanticídio e homicídio. Ainda quando ocorra a honoris causa (considerada pela lei vigente como razão de especial abrandamento da pena), a pena aplicável é a de homicídio. (BRASIL, 2013, [?]). É pacifico o entendimento de que o estado puerperal simplesmente diminui ou reduz a capacidade de compreensão, discernimento, e resistência da mulher, assim verificado essa relativa incapacidade, estará configurado o delito previsto no art. 123 do Código Penal. Ocorre que alguns dias após o parto, esse estado pode causar na mulher uma perturbação psicológica chamada de psicose puerperal, que esta associada a uma doença mental que anula a capacidade de compreensão, inexistindo o crime por falta de agente culpável. O que se verifica é que a psicose puerperal ainda é motivo de discórdia restando ser esclarecido se os transtornos que acompanham o estado puerperal constituem entidade clinica decorrente da gravidez e do parto ou tem uma função circunstancial agravante de um problema que já existia (Maggio, 2004). 2.1.5. Bem jurídico tutelado Bem é definido por Hilton Japiassu (apud MAGGIO, 2004, p. 53) como sendo: tudo o que possui um valor moral ou físico positivo, constituindo o objeto ou o fim da ação humana. Na verdade é a palavra que indica a beleza, a dignidade, a virtude do ser humano. Todo o bem tem o seu valor, porem se ele tiver dignidade jurídica, será um bem jurídico que são valores ético-sociais que o direito seleciona com o objetivo de assegurar a paz sociais, se modo que estes não sejam expostos a 38 perigo de ataque ou lesos efetivas, é aquele que exige proteção especial no âmbito das normas de direito penal. Na parte especial do código penal os fatos puníveis se classificam segundo o bem jurídico ameaçado ou agredido, sendo este o elemento central contido na norma penal. O código penal ao definir os crimes contra a vida protege e tutela a vida do ser humano como um direito personalíssimo e individual, assim a objetividade jurídica do crime de infanticídio é a tutela da vida humana, protege-se aqui a vida do nascente e do recém-nascido, sendo necessário tão somente e presença de vida biológica que pode ser representada pela existência do mínimo de atividades funcionais de que o feto já dispõe antes de vir à luz. 2.1.6. Sujeitos do delito Os sujeitos no direito penal são aqueles que praticam a ação (sujeito ativo) e aqueles que sofrem a ação (sujeito passivo), como no crime de infanticídio existem peculiaridades referentes aos sujeitos, de maneira que somente a mãe pode praticar o crime contra o filho nascente ou recém-nascido. Na concepção de Maggio (2004) o delito de infanticídio é um crime próprio ou especial, para que se caracterize o fato o sujeito ativo deve reunir certas qualidades ou condições, sendo dessa forma um delito de autoria limitada, somente pode ser praticado pela mãe, desde que ela se encontre sob a influencia psíquica do estado fisiológico decorrente do puerpério. Nesse sentido, qualquer pessoas que pratique tal conduta e não seja a genitora, ou se ela não estiver sob a influencia do estado puerperal cometera homicídio. 39 O que se questiona é o fato daqueles que eventualmente concorreram para a pratica do delito, estes respondem também por infanticídio ou respondem por homicídio, diante da ausência de previsão não existe a uniformidade de soluções, sendo assim parte da doutrina se manifesta contraria a comunicabilidade do privilegio. Sustenta-se que o concurso de pessoas é inadmissível, notadamente porque o estado puerperal – que provocaria uma atenuação da culpabilidade – é circunstancia pessoal, insuscetível de extensão aos coautores ou participes. O terceiro que realiza atos de execução ou auxilia, induz ou instiga a mãe a perpetra-los responderia pelo delito de homicídio. Outra vertente doutrinaria, estribada na regra prevista no artigo 30 do Código Penal, defende a possibilidade de coautoria e participação. Argumenta-se que, segundo o mencionado dispositivo, “não se comunicam as circunstâncias e sim condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”. O estado puerperal é, indiscutivelmente, condição de cunho pessoal. Todavia figura como elementar do tipo de infanticídio, essencial a sua configuração. Eliminada tal circunstancia, resta caracterizado o crime de homicídio. Tratando-se, pois, de elementar, comunica-se ao coautor ou participe. De seguinte, impõe reconhecer que, em face da legislação penal pátria, reponde pelo delito de infanticídio – e não pelo delito de homicídio – o terceiro que executa o crime atendendo a pedido da mãe ou a ajuda a matar o próprio filho. São três as hipóteses a serem examinadas: a mãe e o terceiro realizam dolosamente o núcleo do tipo (matar); a mãe mata o nascente ou recém-nascido e é ajudada pelo terceiro (partícipe); terceiro mata a criança, com a participação da mãe. Na primeira hipótese, a mãe e o terceiro são coautores do delito de infanticídio (art. 123 c/c art. 29, CP). Também na segunda hipótese, o delito é de infanticídio para ambos – mãe (autora) e terceiro (participe). Por fim, no ultimo caso, o terceiro responde como aturo do crime de homicídio e a mãe como participe. As soluções apontadas para a primeira e segunda hipóteses são as que se impõe diante da regra do artigo 30 do Código Penal. O terceiro só responderia por homicídio se o infanticídio fosse convertido em tipo derivado (privilegiado) do delito de homicídio. Desse modo, o estado puerperal seria circunstancia de ordem pessoal, e não elementar do delito – logo, incomunicável no concurso de pessoas. Se assim fosse, o terceiro responderia pelo delito de homicídio – como autor (hipótese a) ou participe (hipótese b) e a mãe como autora do homicídio privilegiado (praticado sob a influencia do estado puerperal, durante ou logo após o parto). (PRADO, 2006, p. 95, 96). Porém se unicamente o terceiro realiza os atos de execução e a mãe apenas induz ou auxilia, o terceiro pratica o delito de homicídio previsto na hipótese c. (Prado, 2006). 40 É o ser humano, nascente ou recém-nascido, ou seja, na transição da vida uterina para a extrauterina, sendo suficiente a prova da vida biológica. O nascimento consiste na total separação do feto do útero da mãe, ganhando o ser humano, desse modo, vida autônoma. O código penal ao tipificar este crime, tutela o nascente e o neonato. Nascente “é o que esta nascendo, já começou mas ainda não acabou de nascer, é aquele de que uma parte do corpo (cabeça, um braço, uma perna) já atravessou o canal pélvico”. Neonato é o recém-nascido, o que acabou de nascer, ganhando vida extrauterina. É indiferente para a caracterização da figura delituosa do art. 123, se o recém-nascido ou o nascente possuem anomalias congênitas ou aspecto monstruoso (ALVES, 1999, p. 179). O feto vindo à luz já representa do ponto de vista biológico uma vida humana, do ponto de vista jurídico-penal é assim antecipado o inicio da personalidade, o feto nascente apesar de não possuir todas as suas atividades vitais é considerado um ser vivo. 2.2. Consumação e tentativa O infanticídio é um crime material, motivo pelo qual admite-se o fracionamento da conduta, sendo assim a tentativa pode ocorrer a partir do primeiro ato de execução, desde que a morte não ocorra por circunstâncias alheias a vontade da autora, para que realmente ocorra a tentativa, a autora deve ter a intenção de produzir um resultado mais grave do que aquele que consegue, sendo o elemento subjetivo da tentativa o dolo. O crime pode ser interrompido por dois motivos: a) pela vontade da agente, onde ocorre apenas o arrependimento eficaz ou desistência voluntaria, nesse caso não ha o que se falar em tentativa; b) por circunstancia alheias a vontade da autora, nesse caso se iniciou a fase de execução, porem o resultado não se verificou existindo a tentativa punível. 41 O momento consumativo do crime se da com a morte do filho nascente ou recém-nascido, sendo que para o crime existir é indispensável que exista um sujeito passivo que só pode ser alguém nascente ou recém-nascido. Haverá o crime impossível quando a mãe praticar o fato com a criança já morta, também não haverá crime se a criança nascer morta e a mãe com a ajuda de um terceiro se desfazer do cadáver abandonando em um lugar ermo é o que explica Bitencourt (2012). 2.3. Concurso de pessoas O terceiro que contribui com a mãe para ajudar a matar o filho logo após o parto concorre para qual crime? Segundo o que ensina Bitencourt (2012) uma corrente sustenta que há comunicabilidade da influencia do estado puerperal da parturiente outra corrente entende que o estado não se comunica por esse motivo o participante devera responder pelo crime de homicídio. Nesse sentido acrescenta Nelson Hungria (apud Alves 1999): o crime de infanticídio é personalíssimo, sendo a condição do estado puerperal incomunicável, não se estendendo aos demais participantes, dessa forma o coparticipe responde pelo crime de homicídio, sendo que somente a parturiente responderá pela forma privilegiada do homicídio, qual seja o infanticídio, esse privilégio legal não pode ser estendido, uma vez que o crime somente é reconhecido quando praticado sobre a influencia do estado puerperal que pode provocar na parturiente transtornos psicológicos, o terceiro que pratica o crime o faz de maneira consciente. 42 Maggio (2004) relata que o fulcro dessa discussão esta ligada a comunicabilidade do elemento influencia do estado puerperal, conforme o que afirma Magalhães Noronha (apud Maggio) essa não comunicação do corréu somente poderia ser possível se o delito de infanticídio fosse caso de atenuação do homicídio e não um delito a parte, completamente autônomo. Aníbal Bruno (apud Maggio, 2004) entende que somente a mãe pode praticar a conduta delituosa do infanticídio, uma vez que esta sob a influencia do estado puerperal, (período pós-parto ocorrido entre a expulsão da placenta e a volta do organismo da mãe para o estado anterior a gravidez), sendo que para os outros mantém o sentido comum da ação de destruir uma vida humana. Com relação ao concurso de agentes, assim ensina Nucci (2013, p. 666): Tendo o código penal adotado à teoria monista, pela qual todos os que colaborarem para o cometimento de um crime incidem nas penas a ele destinadas, no caso presente coautores e partícipes respondem igualmente por infanticídio. Assim, embora presente a injustiça, que poderia ser corrigida pelo legislador, tanto a mãe que mate o filho sob a influencia do estado puerperal, quanto o partícipe que a auxilia, respondem por infanticídio. O mesmo se da se a mãe auxilia, nesse estado, o terceiro que tira a vida do seu filho e ainda se ambos (mãe e terceiro) matam a criança nascente ou recém-nascida. A doutrina é amplamente predominante nesse sentido. Segundo alguns doutrinadores, a influencia do estado puerperal compõe elementar do crime de infanticídio, por essa razão, em regra torna-se comunicável a terceiros de acordo com o que elenca o art. 30 do Código Penal in verbis: Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. Verifica-se a possibilidade de três situações distintas segundo (Maggio, 2004): 43 1. Mãe mata o próprio filho com a ajuda de terceiro: a mãe responde por infanticídio, sendo que as elementares desse crime se comunicam ao participe, respondendo ele também pelo delito de infanticídio, nessa circunstancia, o terceiro beneficia-se do privilegio por meio da norma. 2. O terceiro mata o recém-nascido com a ajuda da mãe: inquestionavelmente o terceiro respondera pelo delito de homicídio a mãe como sua participe em tese deveria responder também por infanticídio nos termos do art. 29 do Código penal, porem essa teoria não poderia ser adotada, pois haveria um contrassenso. 3. Mãe e terceiro executam em coautoria a conduta delitiva: a mãe será autora do delito de infanticídio e o terceiro por força da comunicabilidade respondera pelo mesmo crime. A posição defendida neste trabalho é que o estado puerperal, que é característica particular da parturiente, não pode ser considerado uma elementar do delito de infanticídio, pois o delito só pode ser cometido pela mãe, como elementar do crime acaba atenuando a pena na participação de um terceiro. O crime de infanticídio tem caráter personalíssimo que é a influencia do estado puerperal que acomete somente as mulheres que acabaram de dar a luz, causando transtornos psicológicos capazes de levarem ao cometimento do delito, ocorre que a pena cominada ao terceiro que ajuda na pratica desse delito é inadequada e injusta, pois este no momento do fato tem pleno discernimento do que esta fazendo, e deveria tentar evitar que a mulher cometesse o delito e não ajudar a fazê-lo, devendo então o participe ou coautor responder pelo delito de homicídio e não pelo privilegio do delito de infanticídio. Segundo as concepções de Basileu Garcia (apud Maggio, 2004) somente com a eliminação da figura autônoma do infanticídio estaria resolvido o problema da coautoria, o respectivo delito deveria ser transformado em um tipo privilegiado 44 do homicídio, dessa forma a mãe parturiente responderia pelo delito de homicídio privilegiado pela influencia do estado puerperal, e o terceiro responderia pelo crime de homicídio sem atenuação, dessa forma seria estabelecido um critério mais homogêneo na legislação penal não permitindo assim a criação de uma situação injusta com a aplicabilidade da lei. 2.4. Distinção entre aborto, homicídio e infanticídio. Deve-se ficar bem delimitado o momento fronteiriço entre aborto, infanticídio e homicídio, segundo o que dispõe o Código Penal em seu artigo 121: Homicídio simples é matar alguém, ou seja, cessar as funções vitais de um ser humano, qualquer pessoa com qualquer condição de vida, de saúde, posição social raça, estado civil, recém-nascido, pois o vocábulo alguém restringe-se ao ser humano. Já o delito de infanticídio requer a analise de algumas peculiaridades, pois conforme dispõe o Código Penal infanticídio é matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após, nesse caso quem pode praticar o delito é a mãe, desde que acometida pelos transtornos do estado puerperal, o crime deve ser praticado durante ou logo após o parto, sendo assim estabelecido um limite temporal para o cometimento do crime, o sujeito passivo do delito é o próprio filho nascente ou recém-nascido, se ainda não tiver iniciado o parto será qualificado como aborto. Segundo o que dispõe o Código Penal em seu artigo 124 provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena - detenção, de um a três anos. O aborto é a cessação da gravidez, onde é causada a morte do feto ou embrião, o sujeito ativo do aborto nesse caso é a gestante, sendo que o agente passivo é o feto, então se iniciado o parto o delito praticado deixa de ser 45 considerado aborto, passando segundo analise da situação ao delito de homicídio ou infanticídio. Nesse caso a expressão durante ou logo após o parto é elemento normativo do tipo, pois antes do parto, a morte dada do feto ira caracterizar o delito de aborto, após o parto ter começado, caracteriza o delito de infanticídio se a mãe estiver sob influencia do estado puerperal, pois se isso não restar comprovado, terá cometido o delito de homicídio. 2.5. Pena e ação penal O delito de infanticídio tanto na forma tentada ou consumada é crime de ação penal publica incondicionada, sendo seu julgamento de competência do tribunal do júri conforme dispõe o artigo 5º, inciso XXXVIII da Constituição Federal, se consumado o delito é competente o juízo do local onde ocorreu a morte, e na tentativa do local onde cessou a atividade do agente. A pena cominada para o delito de infanticídio é de dois a seis anos de detenção. No momento em que a autoridade policial tomar conhecimento do fato, deve proceder de oficio o inquérito policial, o Ministério Publico ao receber o inquérito deve iniciar a ação penal por meio da denuncia é o que dispõe Maggio (2004). 46 CONCLUSÃO Antigamente o delito de infanticídio era permitido se a criança tivesse alguma deformação, nesses casos o pai podia dispor da vida do filho, no decorrer dos tempos o delito de infanticídio foi recebendo alterações, algumas vezes foi considerado crime bárbaro, sendo punido com a pena de morte em alguns países, outras vezes foi considerado um crime mais brando por levar em consideração o motivo de honra da mulher, independentemente disso, sempre tiveram discussões divergentes em torno do delito. Nota-se que o delito atinge a mulher que não esta preparada para ter aquela gravidez, sendo que após o parto esta entra em um estado puerperal que a deixa fragilizada e sensível, essa situação se não tratada e acompanhada acarreta transtornos psicológicos graves capazes de levar a mulher a cometer o delito. Através da pesquisa foi possível concluir que o delito tem suas particularidades, que dão a parturiente a possibilidade de ter sua pena atenuada devido a influência do estado puerperal, ocorre que alguns doutrinadores defendem que o terceiro que ajuda no cometimento do delito deveria responder também pelo crime de infanticídio, pois isso seria uma elementar do crime, motivo pelo qual teria sua pena atenuada, já outros defendem que o estado puerperal é uma característica apenas da mulher que acabou de dar a luz, motivo pelo qual defendem que o terceiro que comete o delito deveria responder única e 47 exclusivamente pelo delito de homicídio, sem obter o privilegio da atenuação da pena pelo infanticídio. Acerca das diversas hipóteses levantadas no decorrer da pesquisa concluise que o delito de infanticídio é uma forma privilegiada do homicídio, onde o agente ativo é a mãe durante ou logo após o parto sobre a influência do estado puerperal, motivo pelo qual tem o privilegio na cominação da pena, o agente passivo é o nascente ou recém-nascido, se fazendo necessário a pericia médicolegal para determinar o momento exato do cometimento do crime, pois se cometido antes do nascimento deixara de ser infanticídio e passara a ser aborto. Apesar de alguns doutrinadores defenderem que o estado puerperal se comunica com o terceiro que participa em razão de ser considerada uma elementar do crime, pois esta descrito na lei, entendem que não é a solução mais correta e entram em um embate quanto a questão do terceiro que participa do delito. Como pode ser visto os doutrinadores tentam buscar formas de apresentar a solução mais adequada para o caso em questão, mas encontram diversos obstáculos, essa questão é bastante complexa e não esta pacificada na doutrina, devendo receber maior atenção do legislador no sentido de preencher essa lacuna que tem gerado muita polemica pelos profissionais do direito. Diante do exposto conclui-se que o delito de infanticídio deveria ser uma atenuante do homicídio, onde seria levado em consideração o estado puerperal da mulher como motivo atenuante, sendo que dessa forma acabaria com a lacuna que existe na lei quanto à divergência da participação do terceiros, podendo ser cominado a estes a pena prevista no delito de homicídio, pois no momento do cometimento do delito estes tem plena consciência do que estão fazendo, não sendo justo a legislação privilegiar uma pessoa plenamente capaz. 48 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAGUAIA, Mariana. Partos. . 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