MEDICINA LEGAL - INFANTICÍDIO (34610)

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SUMÁRIO
1. Histórico
2. Legislação
3. Elementos do Infanticídio
a. Caracterização do Crime
i. Natimorto
ii. Feto Nascente
iii. Infante Nascido
iv. Recém Nascido
v. Provas de Vida Extrauterina
vi. Causa Jurídica de Morte
vii. Exame da Puérpera
b. Concurso de Pessoas no Infanticídio
4. Perícia
a. Exames Periciais
b. Estado Puerperal
c. Desafio da Medicina Legal
5. Casos Atuais
6. Bibliografia
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1. Histórico
Desde os primórdios da história da humanidade e de seu instrumento de harmonia
social, o direito, o ser humano vem elaborando um conjunto de normas e princípios
visando disciplinar o convívio em sociedade. Foco especial tem sido dado à
definição de crimes e suas respectivas penas. Registrando que o ser humano livre e
voluntariamente nunca conseguiu viver em harmonia; dentre as condutas
prejudiciais encontramos os crimes, em especial, os que atentam contra a vida.
Os crimes que ceifam vidas ao longo do caminhar humano sempre receberam
rigorosa reprimenda, por vezes consistindo na imposição de um dano cruel e
degradante ao autor de lesão à vida, tendo os estudiosos buscando uma proporção
entre o dano e a pena, o que fez a sociedade evoluir, passando pela lei de Talião e
na sequência abolindo a vingança privada.
A doutrina considera infanticídio a morte da criança em seus primeiros minutos,
horas, dias de vida, o que tem ocorrido desde os primeiros seres humanos.
Contemporaneamente, o direito pátrio considera infanticídio a morte do filho,
causado, em regra, pela mãe sob influência do estado puerperal.
O direito deve zelar pela justiça. Ao longo da aplicação do direito verifica-se que
inúmeras mulheres, logo após o parto eliminaram a vida de seus filhos, dentre esse
rol, varias foram condenadas por homicídio, em que pese a existência do tipo penal
que define o crime de infanticídio e sua respectiva pena, pelo fato dos julgadores
não aceitarem e não compreenderem o instituto do infanticídio, sua natureza
jurídica, alcance e meios de prova.
2. Legislação
A legislação penal brasileira, através dos estatutos repressivos de 1830, 1890 e
1940, tem conceituado o crime de infanticídio de formas diversas. O Código Penal
de 1890 definia o crime com a seguinte proposição:
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" Matar recém-nascido, isto é infante, nos sete
primeiros dias de seu nascimento, quer
empregando meios diretos e ativos, quer
recusando à vítima os cuidados necessários à
manutenção da vida e a impedir a sua morte "
O parágrafo único cominava pena mais branda " se o crime for perpetrado pela
mãe, para ocultar a desonra própria ".
O Código Penal de 1940 adotou critério diverso, ao estabelecer em seu artigo 123:
" Matar, sob a influência do estado puerperal, o
próprio filho, durante ou logo após o parto ".
A legislação vigente adotou como atenuante no crime de infanticídio o conceito
biopsíquico do " estado puerperal ",como configurado na exposição de motivos do
Código Penal, que justifica o infanticídio como delictum exceptum, praticado pela
parturiente sob influência daquele tal estado puerperal. Assim, como nos lembra
DAMÁSIO DE JESUS, trata-se de crime próprio, pois só pode ser cometido pela
mãe contra o próprio filho.
Percebe-se portanto, que houve alteração radical do conceito do crime, quando em
vez de, segundo a lei anterior, adotar o sistema psicológico, fundado no motivo de
honra ( honoris causa ), que é o temor à vergonha da maternidade ilegítima, optou o
legislador pelo sistema biopsíquico ou fisiopsicológico, apoiado no estado puerperal.
Esta orientação tem merecido críticas e é motivo de controvérsia, muito por se
entender não comprovada a suposta problemática influência do estado puerperal no
psiquismo da parturiente.
Buscar as reais motivações de tão especial delito, sempre amparado nos mais
atualizados conceitos científicos e na análise dos levantamentos epidemiológicos e
relatos de casos disponíveis na literatura, e, ainda, estabelecer um novo paradigma
para a perícia médico-legal nestes casos é o que se propõe esse artigo.
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3. Elementos do Infanticídio
a. Caracterização do Crime
No que concerne à demonstração da materialidade o crime de infanticídio exige para
a sua caracterização:
a) Prova da condição de recém-nascido;
b) Prova de vida extrauterina;
c) Diagnóstico da causa morte;
d) Exame de puérpera.
No contexto probatório, destaca-se por relevância a idade do Feto. O infanticídio,
geralmente, se pratica num recém-nascido. Antes de proceder à necropsia de um
feto o médico-legista precisa adquirir os sinais do feto. Na dinâmica dos estudos
vem na sequencia e destaque o Exame de Puérpera. O exame da mãe é
indispensável nos crimes de infanticídio. Este exame dirá, em primeiro lugar, se
houve ou não parto e se este é recente ou antigo. Acusada uma mulher de ter
cometido infanticídio, a verificação pericial de uma gravidez ou de um parto antigo
afastará imediatamente a imputação.
São Analisados nesses exames em qual fase se enquadra a vítima, se a mãe
realmente se encontra na classificação de estado puerperal e se há realmente a
qualificação do crime em questão.
O sujeito passivo pode ser:
i. Natimorto
É o feto morto no período Perinatal, este iniciado na 22ª semana da gestação e com
peso corporal maior de 500g.
ii. Feto Nascente
É aquele que acabou de nascer, mas não respirou. É chamado de Feticídio nesse
período.
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iii. Infante Nascido
É aquele que acabou de nascer, respirou, mas não recebeu nenhum cuidado.
Deve ter as seguintes características:
- Estado sanguinolento
- Induto sebáceo (coberto de vernixcasosum)
- Tumor de parto ou bossa serosanguinea (desaparece em 24-36h)
- Presença de cordão umbilical ligado á placenta (o seu corte descaracteriza
o infanticídio).
- Presença de mecônio
- Respiração autônoma
iv. Recém Nascido
Caracterizado pelos vestígios que provam que houve vida intrauterina. Este estágio
vai desde os primeiros cuidados após o parto até o sétimo dia de nascimento.
v. Provas de Vida Extrauterina
Essas provas oferecem ao perito condições de um diagnóstico de vida
independente. São chamadas de docimásias, que são provas baseadas na possível
respiração do recém-nascido ou nos seus efeitos sistêmicos.
Para a caracterização do infanticídio o mais importante é a analise da mãe, sem o
estado Puerperal, o crime não se encaixa nas definições e sanções do crime.
vi. Exame da Puérpera
Se faz necessário avaliar o estado geral da paciente, o aspecto dos órgãos genitais
externos, a presença de corrimento genital, exame dos órgãos genitais internos pelo
toque, a involução uterina, o aspecto das mamas, a presença de colostro ou leite, a
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parede abdominal com estrias e a pigmentação clássica (presença da linha nigra).
Também exames laboratoriais para comprovar lóquios, induto sebáceo, colostro,
leite e mecônio.
b. Concurso de Pessoas no Infanticídio
O artigo que trata do infanticídio não dispõe sobre conduta de terceiros, porém não é
por isso que estes não serão punidos em caso de participação no delito.
A doutrina majoritária entende a comunicabilidade do crime a terceiros que, de
alguma forma, induzindo, instigando, auxiliando ou co-executando, façam parte da
ação delituosa. Boa parte desta doutrina considera que a participação do terceiro
deva ser acessória na conduta da autoria principal, ou seja, não deve o terceiro ser
co-executor. Porém o núcleo do infanticídio é “matar”, o mesmo do homicídio, delito
pelo qual, diante da lei, pouco importa se o sujeito praticou o núcleo ou contribuiu
para o mesmo, responderão todos por homicídio.
O fundamento utilizado pela doutrina para defender a comunicabilidade vem com
base no texto dos arts. 29 e 30 do Código Penal. O primeiro trata do concurso de
pessoas, determinando que:
Art. 29 – Quem, de qualquer modo, concorre para o crime
incide nas penas a este cominadas, na medida de sua
culpabilidade.
§ 1º Se a participação for de menor importância, a pena
pode ser diminuída de um sexto a um terço.
§ 2º Se algum dos concorrentes quis participar de crime
menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena
será aumentada até metade, na hipótese de ter sido
previsível o resultado mais grave.
O artigo descreve exatamente a teoria monista. De acordo com esta teoria há
identidade de infração para todos os participantes, isto é, todos responderão pelo
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mesmo crime, diferenciando-se apenas na quantidade da pena, pois cada um
responde na medida de sua culpabilidade. No mesmo sentido trata o art. 30, sobre
circunstâncias incomunicáveis:
Art. 30 – Não se comunicam as circunstâncias e as
condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do
crime.
Estar sob influência do estado puerperal é, sem dúvida, circunstância elementar do
crime de infanticídio. Portanto, de acordo com o artigo 30, o estado puerperal se
comunica a terceiro que participar do delito.
Podemos observar em exemplo: O pai que mata o nascente, a pedido da mãe, que
se encontra sob influência do estado puerperal. Neste caso, de acordo com a
legislação, tanto o pai quanto a mãe responderão por infanticídio.
Ora, se estado puerperal se caracteriza por distúrbios físicos e psicológicos
causados à mulher em decorrência do parto, por que o pai, ou terceiro qualquer, que
com certeza não está sob influência de tal estado, beneficia-se do infanticídio? Pois
bem, a resposta está no próprio código, como já foi exposto nos artigos acima
citados.
O infanticídio é delito autônomo, mas a qualificação doutrinária o entende como um
homicídio privilegiado, pois a mãe tem o “privilégio”, por estar passando por
condições especiais, que a levam a matar o próprio filho. Se assim fosse, isto é, se o
fato de matar o nascituro, sob influência do estado puerperal, fosse considerado
homicídio privilegiado pela legislação, responderia a mãe por este e terceiro que
participasse da conduta por homicídio simples, o que, a meu ver, seria o correto. O
fato é que inúmeros doutrinadores, como Luiz Regis Prado, Mirabete, Damásio,
Bitencourt, adotam o ponto de vista da comunicabilidade, pois estudam a questão
sob a ótica da legislação, que é bem clara em seu artigo 30. Pois bem, não há o que
se discutir que a teoria monista prevalece sobre o crime de infanticídio, comunicando
o ato punível aos demais partícipes.
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4. Perícia
A doutrina médico-legal tradicional, como se vê, não é consensual. E essa tem
seguido ainda um caminho paralelo à Psiquiatria, especialidade médica em que
dever-se-ia ancorar. O fato é que o infanticídio tem sido negligenciado como campo
de estudo. Relatos de caso bem documentados de infanticídio, raros, descrevem um
quadro de negação da gestação, sintomas dissociativos ou mesmo psicose.
Todavia, não há muitos estudos de investigação sistemática usando critérios de
diagnóstico contemporâneos.
a. Exames Periciais
O exame pericial, segundo França, será orientado na busca dos elementos
constituintes do delito a fim de caracterizar: os estados de natimorto, o de feto
nascente, o de infante nascido ou o de recém-nascido (diagnóstico do tempo de
vida); a vida extrauterina (diagnóstico do nascimento com vida); a causa jurídica de
morte do infante (diagnóstico do mecanismo de morte); o estado psíquico da mulher
(diagnóstico do chamado “estado puerperal”); e a comprovação do parto pregresso
(diagnóstico do puerpério ou do parto recente ou antigo da autora).
Sob a luz da nossa legislação penal, é salutar, para a configuração do crime de
infanticídio, que a mulher seja portadora de grave perturbação psicológica.
O exame pericial na questão da avaliação do estado mental da infanticida deve
consistir em apurar determinados quesitos:
-Se o parto transcorreu de forma angustiante ou dolorosa;
-Se a parturiente, após ter realizado o crime, tratou ou não de esconder o
cadáver do filho;
-Se ela se lembra ou não do ocorrido ou se simula;
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-Se a mulher tem antecedentes psicopáticos ou se suas conseqüências
surgiram no decorrer do parto;
-Se há vestígios de outra perturbação mental cuja eclosão, durante o parto ou
logo após, foi capaz de levá-la a praticar o crime.
O cerne para esse tipo de perícia é, sem dúvida, a constatação de parto pregresso.
O diagnóstico leva-se em conta o aspecto geral, os aspecto dos órgãos genitais
externos, a presença de corrimento genital, o aspecto das mamas, a presença de
colostro ou leite, as paredes abdominais com vergões e a pigmentação clássica e os
exames de laboratório para comprovação dos lóquios, induto sebáceo, colostro, leite
e mecônio.
b. Estado Puerperal
É fato biológico bem estabelecido que a parturição desencadeia uma súbita queda
em níveis hormonais e alterações em bioquímicas no sistema nervoso central. A
disfunção ocorreria no eixo Hipotálamo-Hipófise-Ovariano, e promoveria estímulos
psíquicos com subsequente alteração emocional. Em situações especiais, como nas
gestações conduzidas em segredo, não assistidas e com parto em condições
extremas, uma resposta típica de transtorno dissociativo da personalidade e com
desintegração temporária do ego poderiam ocorrer.
A Associação Americana de Psiquiatria, em seu manual DSM-IV, estabelece os
critérios diagnósticos para uma entidade nosológica denominada Transtorno de
Estresse Agudo (TEA). A característica essencial do TEA é o desenvolvimento de
uma ansiedade característica, sintomas dissociativos e outros, que ocorrem dentro
de até um mês após a exposição a um agente estressor externo. Enquanto vivencia
o evento traumático ou logo após ( grifo nosso ), o indivíduo tem pelo menos três
dos seguintes sintomas dissociativos: um sentimento subjetivo de anestesia;
distanciamento ou ausência de resposta emocional; redução da consciência sobre
aquilo que o cerca; desrealização; despersonalização ou amnésia dissociativa. A
perturbação dura pelo menos dois dias e não persiste além de quatro semanas após
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o evento traumático. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de
uma substância ( droga de abuso, medicamento ), ou a uma condição médica geral;
não são melhor explicados por um Transtorno Psicótico Breve; nem representam
uma mera exacerbação de um transtorno mental preexistente.
Constata-se, dessa forma, que o sintoma característico desse transtorno é uma
alteração súbita e geralmente temporária nas funções normalmente integradas de
consciência, identidade e comportamento motor, de modo que uma ou duas dessas
deixa de ocorrer em harmonia com as outras.
A amnésia, as alucinações auditivas e o transtorno de despersonalização são quase
que regra. No transtorno de despersonalização ocorre uma alteração na percepção
de si mesmo, a um grau em que o senso da própria realidade é temporariamente
perdido. Os pacientes com transtorno de despersonalização podem sentir-se
mecânicos, autômatos, que estão em um sonho, ou distanciados do próprio corpo.
Diante dessa evidente superposição de características epidemiológicas e clínicas,
poder-se-ia admitir que o chamado " estado puerperal " oriundo de nosso Código
Penal, trata-se de uma modalidade do " Transtorno de Estresse Agudo "estabelecido
na DSM-IV da Academia Americana de Psiquiatria. Em decorrência desse fato a
perícia médico-legal disporia de elementos para a comprovação material do estado
puerperal. Contudo, a curta duração dos sintomas, o caráter transitório dessa
perturbação, e a ausência de distúrbio mental prévio, fazem desse diagnóstico
pericial um verdadeiro desafio, pois muitas vezes, ao realizar o exame, os sintomas
já desvaneceram. Ao examinar uma puérpera o legista nem sempre disporá de
elementos para concluir pela realidade de um estado puerperal.
A corrente psicológica aponta que a gravidez normalmente é um estágio de crise na
vida da mulher. Representa uma transição que faz parte do processo normal do
desenvolvimento, envolvendo uma mudança de identidade e uma nova definição de
papéis, sendo que, no caso, a grávida, além de filha e mulher, passa a ser mãe.
No elenco dos saberes, Langer esclarece que a gravidez na mulher sã, que tenha
um mínimo de angústia e sentimento de culpa e que aceite prazerosamente sua
feminilidade, ocorre sem transtornos.
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Assim também que se refere aos significados psicológicos dos diversos sintomas
presentes na gestação. Durante os primeiros meses de gravidez, a mulher vive um
conflito de as náuseas e os vômitos, que coincidem com a ansiedade determinada
pela incerteza da existência da gravidez, exprimem o conflito de ambivalência.
No que tange ao tema, Maldonado, em seu estudo sobre a psicologia da gravidez,
faz uma separação dos aspectos psicológicos da gestação em três trimestres, tendo
verificado que cada um deles possui características peculiares, observáveis na
maioria das mulheres, independentemente do nível sociocultural.
Para o estudioso Soifer, o período puerperal é uma etapa de “delimitação entre o
perdido – a gravidez – e o adquirido – o filho. Também de delimitação entre
devaneio, fantasia inconsciente e realidade”.
Visualiza-se sobre o assunto a sapiência de Debray, que salienta a importância da
distância entre o “bebê real” e o “bebê fantasioso” como um fator originário de
decepções para a mãe no período puerperal. Segundo a autora, durante a gravidez,
o escasso contato com o bebê real leva ao predomínio da interação da mãe com o
”bebê fantasioso”. Nos primeiros tempos após o parto, as características do bebê
recém-nascido vão, em muitos casos, ajudar a desenvolver na mãe o sentimento de
competência e confiança em si para desempenhar seu papel.
Muito relevante, pelo fato de que é no período puerperal que se inicia o interrelacionamento entre a mãe e o bebê, este período se reveste de uma significação
psicológica fundamentalmente importante para ambos. A genitora desenvolver-se-á
a possibilidade de desempenhar plenamente suas capacidades maternais. O vínculo
inicial entre o bebê e a mãe fornecerá a base de sua saúde mental posterior, tal
como foi enfatizado pela Psicanálise. Algumas consequências da depressão
puerperal materna sobre o desenvolvimento psíquico da criança foram abordadas
por Felice, por meio do delineamento de estudo de caso.
O crime de infanticídio, para o Direito Penal brasileiro, é um delito autônomo, com
denominação própria. Contudo, sob o ponto de vista doutrinário, esta situação é
criticada, pois se trataria de um homicídio privilegiado.
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Segundo a medicina, é muito comum que as mulheres, durante o parto e logo após
o mesmo, sofrerem alterações sensíveis, de natureza física e psíquica, que podem
levar a uma redução da capacidade de entendimento dos fatos. Ele, portanto, se
adéqua ao homicídio em circunstâncias privilegiadas.
Em síntese, utiliza-se o critério biopsicológico, tratar-se-á de infanticídio desde que
ela tenha cometido o crime sob o efeito do estado puerperal, durante o parto ou logo
após. A pena é a detenção de 2 a 6 anos, para o crime consumado como estabelece
o artigo 123, do código penal de 1940.
Euclides Custódio da Silveira afirma que:
O critério justificador do privilégio concedido à infanticida era, por conseguinte, de
natureza psicológica. Decorria a benignidade do estado de angústia em que se
encontrava a parturiente, diante das lastimáveis consequências do seu erro e da sua
fraqueza, trazendo ao mundo um ser estigmatizado com a ilegitimidade originária.
Antes da edição do Código penal de 1940 as legislações penais que vigoraram no
Brasil consideravam o infanticídio como uma espécie de homicídio privilegiado
quando praticado por motivo de honra pela mãe ou por algum parente próximo, para
esconder gravidez ilegítima.
O Código Penal de 1940 veio substituir a preservação da honra pela influência do
estado puerperal.
Para Euclides Custódio da Silveira:
A razão fundamental da escolha desse novo critério foi evitar a injustiça que o
tradicional propiciava, por restringir a honoris causa à gravidez ilegítima. A mulher
casada, que concebia legitimamente, mas era abandonada pelo esposo, sem
recursos financeiros, às vésperas do parto, não podia invocar a honoris causa, se
matasse o recém-nascido impelido pela situação de desespero e dos distúrbios
físicos e morais decorrentes do puerpério. O que se pretendeu, portanto, foi ampliar
o privilégio de molde a abranger todos os casos em que a parturiente sofresse tais
distúrbios fisiológicos e psíquicos ou morais. Vale dizer, pois, que a lei presume uma
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perturbação psíquica: é preciso que fique averiguado ter ação psíquica especial, não
patológica, em decorrência do estado puerperal. Perturbação emotiva que
comumente deriva do estado fisiológico determinado pelo parto.
Nestes casos, em decorrência do critério psicológico “honoris causa”, atenuava-se a
pena de quem matasse um recém-nascido para ocultar a própria desonra ou a de
algum parente próximo. O conceito de honra e gravidez ilegítima passou a adotar
um critério fisiopsicológico relacionado à influência exercida pelo puerpério no
psiquismo da mulher.
Desta forma, o Código Penal Brasileiro de 1940 passou a reconhecer o infanticídio
como uma espécie de homicídio privilegiado, com pena mais branda, não mais se
baseando no motivo de honra, mas à “influência do estado puerperal”.
A influência do estado puerperal é o efeito normal de qualquer parto onde se fará um
exame na mãe para saber se houve ou não parto e se este é recente ou antigo.
c. Desafio da Medicina Legal
A mudança no conceito do crime de infanticídio contextualizada no Código Penal de
1940 transferiu à perícia médico-legal a responsabilidade pela comprovação material
desse delito. A definição e a existência do chamado estado puerperal têm sido
motivo de controvérsia, tanto do ponto de vista jurídico quanto médico-legal. Os
recentes avanços científicos no campo da psicobiologia, com maior esclarecimento
da dinâmica dos eventos fisiológicos no período pós-parto contribuem decisivamente
para o estabelecimento de novos critérios diagnósticos. A categorização dos
distúrbios mentais transitórios em resposta a eventos traumáticos como o Transtorno
de Estresse Agudo (DSM-IV) e os estudos sistemáticos de casos de infanticídio
possibilitam uma nova visão sobre tão difícil situação. Apesar desses avanços, a
avaliação pericial ainda reveste-se de grande dificuldade, graças à transitoriedade
dos sintomas nesses transtornos
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O estado puerperal é considerado uma alteração temporária na mulher previamente
sã, com colapso do senso moral e diminuição da capacidade de entendimento
seguida de liberação de instintos, culminando com agressão ao próprio filho.
A legislação vigente adotou como atenuante no crime de infanticídio o conceito
biopsíquico do “estado puerperal”, como configurado na exposição de motivos do
Código Penal, que justifica o infanticídio como “delictumexceptum”, praticado pela
puérpera sob influência daquele tal estado puerperal. A adoção deste critério
biopsíquico não é um consenso e tem resistência dentro da Medicina Legal. Não
existe elemento biopsíquico capaz de fornecer à perícia provas consistentes e
seguras para afirmar que uma mulher matou seu próprio filho, durante ou logo após
o parto, motivada por uma alteração chamada de “Estado Puerperal”. Também
porque tal distúrbio não existe como patologia nos tratados médicos atuais.
A perícia no delito de infanticídio constitui o maior dos desafios médico-legais,
devido às inúmeras dificuldades em tipificar o crime, sendo inclusive chamada por
alguns autores de “a cruz dos peritos”.
Por este motivo o perito, quando acionado para examinar esse crime, deve se
concentrar num exame físico da puérpera bem feito, só assim será possível
esclarecer se a mãe encontrava no momento do crime sofrendo de distúrbios
biopsíquicos derivados do estado puerperal, que é um dos elementos essenciais que
caracterizam o delito, levando com isso a uma pena mais branda.
5. Casos Atuais
6. Bibliografia
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Disponível
em
< http://www.direitonet.com.br/artigos/perfil/exibir/107392/Michelle-
Catuzzo> Acesso em 29/10/2016.
Disponível em < http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,infanticidio-o-desafio-dapericia-medico-legal,50989.html> Acesso em 29/10/2016
JESUS, DE: Direito Penal – Editora Saraiva 2001; PP 105-110.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 13ªEd. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2013.
GUIMARÃES, Roberson. O crime de infanticídio e a perícia medico-legal. Uma
Análise Crítica. 1ª ed. Teresina, 2016.
FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. 9ª Ed. Rio de Janeiro: Editora
Guanabara Koogan S.A., 2013.
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