o p i n i ã o Prevenção da doença renal crônica: um grande desafio A Doença Renal Crônica (DRC) pode ser atualmente entendida como um problema de saúde pública, sendo necessário este conceito tanto por parte dos profissionais da saúde quanto pelos demais segmentos da sociedade, uma vez que suas implicações acabam por afetar – direta ou indiretamente – a vida de todos nós. Os rins são considerados órgãos-chave para manutenção da homeostase corporal devido às inúmeras funções básicas que exercem: controle do volume corporal, regulação da pressão arterial, depuração das escórias nitrogenadas, manu- tenção do equilíbrio hidroletrolítico e ácido básico, produção de hormônios (eritropoetina, vitamina D), regulação do metabolismo ósseo, dentre outras. A perda progressiva da capacidade renal de executar estas funções é o que chamamos de DRC. De uma maneira mais objetiva, definimos que o indivíduo é portador de DRC quando seu clearance de creatinina (exame que demonstra o grau de funcionamento renal) encontra-se menor que 60 ml/min/1.73m2 de superfície corpórea e/ou quando o paciente apresenta evidência de lesão renal progressiva (principalmente proteinúria ou microalbuminúria) por um período superior a três meses. Tal definição permite a classificação da DRC em estadios (numerados de um a cinco) de acordo com o grau de perda de função renal do paciente. Quando o paciente apresenta-se com um clearance de creatinina menor que 15 ml/min/1.73m2 de superfície corpórea, ele é diagnosticado como portador de falência renal terminal (DRC estágio cinco) e necessita com urgência ser encaminhahemodíalise, diálise peritoneal ou transplante renal. Estima-se que existam atualmente no Brasil em torno de 90 mil indivíduos em programa crônico de diálise e mais de 20 mil transplantados renais com enxerto funcionante. Mais de 80% destes pacientes tem seu tratamento subsidiado pelo SUS. Apenas para o tratamento desta parcela de doentes, estima-se que 10% de todo o orçamento do Ministério da Saúde (algo em torno de dois bilhões de reais) é gasto para manutenção dos programas de dialise crônica (dialise peritoneal e hemodiálise) e fornecimento de drogas imunossupressoras para os transplantados renais. Ou seja, a despeito da necessidade imprescindível deste tratamento para a manutenção da vida destes pacientes, é um tratamento caro e extremamente oneroso para nosso sistema de saúde. Entretanto, os pacientes em TRS não são os únicos portadores de DRC. Estima-se que 2% de toda a população brasileira apresentam algum grau de disfunção renal. E os níveis atuais de incidência e prevalência de pacientes com DRC são preocupantes e crescentes. Tudo isto somado ao progressivo envelhecimento populacional brasileiro e aos níveis elevados de prevalência da hipertensão arterial e de diabetes em nosso meio (duas das principais etiologias de DRC) constituem um campo extremamente propício para a manutenção desta 20 AMBr revista Foto: Divulgação da para confecção de um acesso definitivo e/ou instituição de alguma das terapias renais substitutivas (TRS) existentes: n o t a s Foto: Divulgação pandemia em escala alarmante, com cada vez mais pacientes renais crônicos necessitando de tratamento dialítico. Durante muito tempo, os focos para combate desta pandemia se resumiam no estímulo a abertura de novas clínicas de hemodiálise (principal forma de TRS em nosso país) e no aumento no número de transplantes renais doadores vivos e cadáveres. Apesar de ambos serem alternativas válidas, tais medidas não resolvem o problema, uma vez que apenas atuam na parcela da população já dialítica, não conseguindo previnir a chegada de novos pacientes vindos dos outros estadios da DRC. Além do mais, são alternativas caras, perpetuando a dificuldade de autofinanciamento de nosso sistema de saúde. Devido ao fato de o rim apresentar uma grande reserva funcional, a maior parte dos indivíduos portadores de DRC é assintomático até níveis avançados da doença, quando já apresentaram uma perda expressiva de função renal. Desta maneira, não se pode simplesmente cruzar os braços e esperar que os doentes apareçam, pois os sintomas geralmente são tardios. A única maneira de conseguirmos conter esta epidemia de uma maneira racional, barata e efetiva é através da detecção precoce desta patologia, visando à instituição rápida do tratamento conservador objetivando a prevenção da progressão da Dr. Fábio Humberto Ribeiro Paes Ferraz DRC para níveis dialíticos. Uma alternativa que já vem funcionando em algumas regiões do país é a integração de centros nefrológicos com os Centros Primários de Saúde através do Programa de Saúde da Família. Por meio de palestras e de programas de educação continuada, os profissionais dos centros de saúde são treinados para realizar a busca ativa de novos casos de DRC, sobretudo na população de alto risco (idosos, diabéticos, hipertensos e aqueles com antecedente de DRC familiar) e instituem as medidas clínicas iniciais, triando os casos mais graves (com perda de função renal mais acentuada) para seguimento nefrológico secundário. É importante salientar que o paciente renal crônico é um paciente multidisciplinar, sendo necessário para seu seguimento conservador adequado a atuação não apenas do nefrologista, mas também da enfermagem, psicólogos, assistentes sociais, dentistas, dentre outros, visando à atuação conjunta para realização das medidas preventivas para evolução da DRC. Desta forma, conclamamos a todos os profissionais de saúde e a sociedade civil para participar conosco do World Kidney Day - Dia Mundial do Rim, em 10 de março de 2011. Trata-se de uma iniciativa internacional – no Brasil coordenada pela Sociedade Brasileira de Nefrologia com apoio de outras Sociedades Médicas afins – com o intuito de divulgar a imperiosa necessidade do rápido diagnóstico, prevenção e tratamento da DRC visando à promoção da saúde renal. Faça sua parte! Acompanhe-nos nesta luta contra a Doença Renal Crônica! Dr. Fábio Humberto Ribeiro Paes Ferraz CRM 13909-DF Presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia – Regional DF janeiro 2011 21