18º Tema - 2008 - Regulaç o da Glicémia/Regulaç o da

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Formação e mobilização da glicose por tecidos hepáticos e
extra-hepáticos
O funcionamento celular depende da sua capacidade de disponibilizar glicose para várias das suas vias
metabólicas. A glicose para a célula está quer presente no sangue, quer em reservas próprias intra-celulares.
O fígado é o órgão fundamental na regulação da glicémia (concentração de glicose no sangue):
mantendo-a numa gama de valores normal, sendo esta nos mamíferos de 4.5-5.5 mM. O mecanismo principal
da homeostase da glicose celular, que seja em tecidos hepáticos ou extra-hepáticos, será então a troca entre
processos de formação e mobilização de glicose. Após a ingestão, as moléculas de glicose absorvidas no
intestino chegam ao fígado pela veia porta e são captadas pelos hepatócitos por difusão facilitada, uma vez que
não são capazes de se difundirem simplesmente pela membrana, utilizando predominante o transportador
GLUT-2. Ao nível dos músculos o transporte é feito pelo transportador GLUT-4.
Como possíveis destinos da glicose, vamos ter então:
- Degradação para fornecimento de energia de células (glicólise, ciclo de Krebs).
- Síntese de glicogénio para reserva (até 10% do peso total do fígado) pela glicogénese.
- Em excesso, também para reserva, formação de triacilgliceróis, a partir de acetil-CoA.
- Via das fosfopentoses, para formação de transportadores (NADPH) e nucleótidos.
Glicólise
A glicólise tem, como já vimos, o intuito de fornecer energia às células, mas também de fornecer
esqueletos de carbono para vias de síntese. De notar que ao degradar sacáridos com pelo menos duas unidades,
temos de transformar todo os monossacáridos resultantes em glicose para prosseguir a via. Isso faz-se através
de uma série de reacções, em que intervêm enzimas como uridiltransferase, epimerases e o intermediário UDPGlicose para finalmente formar a Glicose-1-fostato. Note-se que a passagem de glicose a glicose-6-fosfato é
efectuada no fígado essencialmente pela hexocinase IV (também denominada de glicocinase) enquanto no
músculo as enzimas intervenientes são unicamente a hexocinase I e II. Estas enzimas diferem em termos de
regulação e cinética (a hexocinase IV tem um Km mais elevado), e são codificadas por genes distintos, apesar de
terem a mesma acção, pelo que se denominam isoenzimas.
A glicólise transforma inicialmente a glicose em glicose-6-fosfato, originando no fim duas moléculas de
piruvato que farão parte de várias vias metabólicas. O piruvato pode dar origem à acetil-CoA que vai entrar no
ciclo de Krebs ao nível das mitocôndrias. Os neurónios dependem unicamente deste catabolismo da glicose para
a síntese de ATP. Noutros tecidos, nomeadamente o tecido muscular, o piruvato, em vez de entrar no processo
de respiração aeróbia, vai sofrer respiração anaeróbia, mais rápida, apesar de menos produtiva, mas importante
em situações de grande necessidade energética muscular, hipóxia ou isquémia, e com formação de lactato no
final. Este lactato é enviado para o sangue, onde no fígado é reconvertido em glicose, fechando assim o que se
chama de ciclo de Cori. Este ciclo, apesar de ter um baixo rendimento energético, previne a acidose láctica dos
músculos sob condições anaeróbias. Há ainda um ciclo análogo, ainda menos produtivo, em que, no músculo o
piruvato produz alanina por transaminação.
Nos tecidos adiposos, a glicose, após transformada em glicose-6-fosfato, para além de servir como fonte
de energia, vai ainda fazer parte da formação de triacilgliceróis, onde é primeiramente transformada em
glicerol-3-fosfato que vai estar na origem dos triacilgliceróis ao ser combinar com ácidos gordos.
Gliconeogénese
A gliconeogénese permite formar novamente glicose, a partir de precursores como: o piruvato, o
lactato, o glicerol e produtos do catabolismo de alguns aminoácidos, que entram no ciclo em pontos diferentes.
A glicose produzida nos hepatócitos é exportada para outros tecidos quando as reservas de glicogénio estão
(praticamente) esgotadas. Para exportar então a
glicose, temos o transporte da glicose-6-fosfato
do citosol para o lúmen do retículo
endoplásmico do hepatócito (pelo transportador
T1). Aí, por acção da enzima glicose-6-fosfatase
(inexistente no músculo), temos então a
molécula de glicose, lançada novamente para o
citosol, junto com o fosfato restante
(respectivamente pelos transportadores T2 e T3), e finalmente, pelo GLUT-2, a glicose é lançada na corrente
sanguínea aumentando a glicémia. Para além do fígado também os rins em capacidade de libertar glicose que
sintetizam para o sangue. Sendo vias, em termos
de sentido, inversas, quando a glicólise está
muito activada, a gliconeogénese está muito
inibida.
O fígado tem um papel importante na
gliconeogénese, já que é o órgão onde esta
ocorre com maior intensidade. O fígado
desempenha um papel importante no ciclo de
Cori, já que é neste, através da gliconeogénese
que o lactato é recuperado para produzir glicose.
Também no fígado a alanina é convertida em piruvato, que é um dos substratos da gliconeogénese.
Glicogénese
A glicogénese consiste na síntese do glicogénio (reserva), a partir de moléculas de glicose (a enzima
fundamental é a glicogénio sintase). Com a disponibilidade de glicose, a célula promove a criação de reservas,
que permite o armazenamento de grandes quantidades de glicose, sem afectar muito a osmolaridade do meio
intracelular, como aconteceria se a mesma glicose estivesse na sua forma livre. A glicose é transformada em
glicose-6-fosfato pela hexocinase correspondente e a glicose-6-fostato, por uma glicomutase, forma a glicose-1fosfato, que por sua vez é transformada em UDP-glicose pela UDP-glicose-pirofosforilase. A partir de uma
unidade iniciadora (“primer”) e com o “auxílio” da glicogenina, forma-se, por adição sucessiva de unidades de
UDP-glicose, em que posteriormente o UDP é libertado, uma cadeia linear, de ligações alfa-1,4. Posteriormente,
por acção da enzima ramificante, formam-se ligações alfa-1,6, dando a conformação final ramificada do
glicogénio.
O glicogénio produzido no músculo representa uma menor quantidade relativa do mesmo do que no
fígado, mas uma vez que a massa muscular é maior, é nos músculos que se encontra a maioria do glicogénio,
que serve como reserva de glicose para as próprias células musculares.
Glicogenólise
A glicogenólise é a degradação do glicogénio de modo a obter moléculas de glicose, em caso de
necessidade. Por acção da glicogénio-fosforilase, há redução da cadeia de glicogénio a menos uma unidade,
formando também uma molécula de Glicose-1-fosfato. Não é o inverso do processo anterior, pois não há o
intermediário UDP-Glicose. Nos lisossomas a cisão do glicogénio faz-se por hidrólise e não por fosforólise,
através de uma maltase ácida.
No fígado a glicogénese está activada quando, durante a absorção intestinal de glícidos, a glicemia
aumenta. A descida da glicemia leva ao desencadear de mecanismos homeostáticos que levam à activação da
glicogenólise. A presença de glicose-6-fosfatase neste órgão permite a formação de glicose que é vertida na
corrente sanguínea sendo utilizada pelos tecidos extra-hepáticos. O fígado é um órgão central no metabolismo
da glicose: acumula glicose na forma de glicogénio quando a glicemia é elevado e, através da glicogenólise e da
gliconeogénese, forma glicose que verte para o sangue e, em última análise, para os outros tecidos quando a
glicemia baixa durante o jejum. De recordar que, em jejum, o ATP formado no fígado é uma consequência da
oxidação dos ácidos gordos.
Nos músculos esqueléticos, o papel do glicogénio é muito distinto do do fígado. Nos músculos
esqueléticos, a acumulação de glicogénio está favorecida durante o repouso e quando a glicemia está elevada
enquanto a sua degradação está aumentada quando aumenta a actividade muscular. No músculo, a glicose-6fosfato (formada por acção da fosforílase e da fosfoglicomutase) e a glicose (formada por acção da enzima
desramificante) originadas durante a glicogenólise são consumidas na fibra muscular onde se formaram. No
músculo (e noutros tecidos) a degradação do glicogénio serve as necessidades energéticas da célula onde foi
armazenado.
Controlo da glicemia em condições alimentares normais
A glicemia varia consoante o estado fisiológico do organismo, dependendo de factores como a
alimentação e o exercício físico, entre outros. Os níveis de glicemia podem aumentar temporariamente devido a
situações de stress intenso, trauma, AVC, ataque cardíaco e cirurgia. Mas neste caso nos vamos focar-nos na
regulação da glicemia após a alimentação, situação em que há um aumento temporário dos níveis de glicemia.
O pâncreas é um órgão essencial na regulação do metabolismo energético do organismo, pois é ele que
secreta e lança para a corrente sanguínea hormonas como a insulina e a glicagina, que são os principais agentes
na homeostase dos hidratos de carbono.
A insulina é uma hormona polipeptídica formada nas células β dos ilhéus de Langerhans no pâncreas
que regula o metabolismo dos glícidos. Concentrações elevadas de glicose como as que ocorrem após a refeição
estimulam a secreção de insulina, tornando-a na hormona mais importante quando abordamos a situação de
condições alimentares normais.
No entanto, a secreção de insulina é influenciada por diversos factores para além dos níveis de glicemia.
As células β também são influenciadas pelo sistema nervoso autónomo, isto é, a acetilcolina e a colecistocinina
também provocam um aumento da secreção de insulina, enquanto que a epinefrina e a somatostatina
(hormona secretada pelas células δ dos ilhéus de Langerhans que inibe a secreção tanto de insulina como de
glicagina) a inibem.
Em situação de hiperglicemia, a regulação da síntese de insulina é efectuada através do seguinte
mecanismo: a glicose entra nas células β pelo transportador de glicose GLUT2, é catabolizada na glicólise e no
ciclo de Krebs, com produção de moléculas de ATP. A presença deste ATP vai fazer com que os canais de
potássio se fechem e a membrana seja despolarizada. Com a membrana despolarizada os canais de cálcio (Ca2+)
controlados pela diferença de potencial abrem-se e os iões cálcio difundem-se para dentro da célula. Para além
de haver uma entrada de iões cálcio para a célula, também o retículo endoplasmático liberta iões para o citosol,
para aumentar ainda mais a concentração destes no interior da célula. Este processo começa com a fosforilação
do fosfatidilinositol na membrana, formando o fosfatidilinositol-4,5-bifosfato (PIP2). A fosfolipase C, sensível à
glicose extracelular, vai hidrolisar a ligação entre o glicerol e o fosfato no fosfatidilonositol-4,5-bifosfato,
formando inositol-1,4,5-trifosfato (IP3) e diacilglicerol (DAG). O IP3 provoca uma libertação de iões cálcio pelo
reticulo endoplasmático. Esta grande concentração de iões cálcio no citosol da célula provoca então a libertação
de insulina. É importante referir que enquanto se desencadeia todo este processo de secreção da insulina a
glicose já está a ser degradada por outros processos que não envolvem a insulina. A enzima glicocinase é a
enzima que tem uma acção mais imediata no combate ao excesso de glicose. Esta enzima catalisa a fosforilação
da glicose a glicose-6-fosfato e contrariamente à hexocinase IV não é inibida por uma elevada concentração de
glicose-6-fosfato, sendo por isso uma enzima bastante eficaz a baixar os níveis de glicemia mais rapidamente
que o processo mediado pela insulina.
Depois de ser secretada a insulina vai actuar ao nível das células para diminuir os níveis de glicemia
através de diversos mecanismos. A insulina liga-se ao seu receptor na membrana do hepatócito e do músculo
esquelético desencadeando cascatas de activações enzimáticas que provocam a activação da fosfoproteína
fosfatase-1 e a inactivação da glicogénio sintase cinase 3, bem como a síntese da hexocinase II, PFK-1 e piruvato
cinase. A activação da fosfoproteína fosfatase-1, inibe a fosforilase cinase e a glicogénio fosforilase inibindo a
glicogenólise, fazendo com que a glicose seja armazenada sob a forma de glicogénio. A inactivação da glicogénio
sintase cinase 3 promove a activação da glicogénio
sintase. Como estas enzimas pertencem à
glicogénese, há então um aumento da glicogénese.
Como já foi referido anteriormente na explicação do
mecanismo de secreção da insulina há também um
aumento da glicólise aquando da entrada de glicose
nas células por meio do transportador GLUT2. O
aumento da glicólise deve-se, para além do aumento
da concentração de glicose na célula ao facto da
insulina induzir a síntese de hexocinase II, PFK-1,
piruvato cinase e glicocinase. A insulina suprime
também a produção de glicagina e, consequentemente, reduz a produção hepática de glicose, sendo assim
bastante eficaz na redução da glicemia.
Em suma, a insulina promove uma descida da glicemia através da inibição da glicogenólise, do aumento
da glicogénese e do aumento da glicólise. Quando a glicemia se estabelece nos valores fisiológicos normais,
cessa ou diminui a secreção de insulina a partir das células β dos ilhéus de Langerhans.
Controlo da glicemia em jejum
Em estado de jejum, ocorre exactamente o oposto do que ocorre em estado de alimentação. Neste caso,
os níveis de glicémia podem baixar bastante (hipoglicémia), o que em casos prolongados pode levar ao
esgotamento das reservas energéticas hepáticas, e ter graves consequências, principalmente a nível cerebral, e
que pode resultar em coma ou em casos mais raros à morte. São as hormonas que têm o papel principal na
regulação da glicémia em jejum, sendo que a principal é a glicagina, que é produzida nas células α dos ilhéus de
Langerhans, e actua de forma contrária à insulina (hormona principal na regulação da glicémia em estado
alimentado).
Quando os níveis de glicémia baixam, há libertação de
glicagina, que vai gerar AMPc (por via da adenilato ciclase, a partir
de ATP, via esta que é favorecida pela proteína GSα, activada pela
glicagina e também pela epinefrina). Este AMPc é responsável
pela activação da proteína cinase 1 (PKA). É esta PKA que vai ser a
mediadora de todos os efeitos da glicagina, através de processos
de fosforilação. As acções da glicagina são:

Inibição da glicólise e activação da gliconeogénese, que pode ser alcançada de duas formas
distintas: por um lado, através da fosforilação da proteína bifuncional fosfofrutocinase-2/frutose-2,6bifosfatase (PFK-2/FBPase-2), e consequente activação da FBPase2,
o que leva à diminuição da concentração de frutose-2,6-bifosfato,
convertida em frutose-6-fosfato, que tem como efeito a
inactivação da fosfofrutocinase-1 (PFK-1), e consequente inibição
da glicólise, e activação da enzima gliconeogénica frutose-1,6bifosfatase (FBPase-1), o que ajuda na estimulação da
gliconeogénese; por outro lado, pela fosforilação da enzima
glicolítica piruvato cinase, e sua consequente inactivação. Esta
inactivação da enzima piruvato cinase é também alcaçada pelo
aumento da concentração de frutose-6-fosfato acima referido.

Estimulação da glicogenólise, que é conseguida
através da fosforilação da fosforilase cinase (forma inactiva b), novamente pela PKA, activando-a, dando
origem à forma activa da fosforilase (forma a), o que leva à activação da glicogénio fosforilase. Esta enzima é
responsável pela fosforilação do glicogénio e formação de glicose-6-fosfato, que é convertida em glicose nos
tecidos hepáticos pela glicose-6-fosfatase, e depois libertada para a corrente sanguínea, levando ao aumento
dos níveis de glicémia.

Inactivação da glicogénese, alcançado através da fosforilação da glicogénio sintase a (forma
activa), privilegiando a forma b da glicogénio sintetase (inactiva), e consequentemente inactivando a
glicogénese.
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