A (in)formação da infância na cultura de mídia tecnológica1 FERREIRA, Mayra Fernanda. Mestranda em Comunicação Midiática. Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Bauru-SP. 1. Introdução Pensar na criança2 como ser inexperiente, frágil e dependente, que precisa ser protegida de tudo e de todos, já não se articula com o novo cenário social, ou melhor, com o ambiente tecnológico. A geração da infância do século XXI já nasce respirando tecnologias. A curiosidade e a espontaneidade naturais das crianças fazem com que elas se utilizem das tecnologias como extensões do corpo, dialogando com a tese de McLuhan (2002). Essa geração Net3, nas palavras de Tapscott (1999), está familiarizada com o mundo das Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação, assim como seus pais se aventuraram com a televisão. A Internet é a principal ferramenta dessa relação, na qual se constrói o que chamamos de infância digital. Afirmar que essa é uma nova infância implica analisar sua relação com o entorno social, perpassando, principalmente, a cultura infantil e o processo de aprendizagem, permeados pela presença da mídia digital no cotidiano dessas crianças. Diante do acesso a informações, antes restritas ao universo adulto, a infância se depara com uma nova realidade, distinta dos filmes e personagens infantis. A identidade e a construção do conhecimento dessa geração se dão independentemente do controle dos pais e das instituições, como a escola. As crianças adquirem maior autonomia, uma vez que dominam o mundo digital de uma forma tão natural que causa espanto e estranhamento entre os “mais velhos”. 1 Trabalho submetido ao GT Educomídia no XII Colóquio Internacional sobre a Escola Latino-Americana de Comunicação. 2 De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1991), criança é qualquer pessoa de até 12 anos de idade incompletos. 3 “O termo Geração Net ou N-Gen refere-se à geração de crianças que, em 1999, tem entre 2 e 22 anos de idade, não apenas aquelas que são ativas na Internet. A maioria dessas crianças ainda não tem acesso à Internet, mas tem algum grau de fluência no meio digital. A vasta maioria dos adolescentes afirma saber usar um computador. Quase todo mundo tem experiência com videogames. A Internet está entrando nos lares tão rapidamente quanto a televisão o fez na década de 50.” (TAPSCOTT, 1999, p. 03) Nesse contexto, discutir a cultura, ou melhor, a cibercultura infantil é fundamental para se entender quem são essas crianças da Geração Net e como estabelecem suas relações sociais e culturais a partir da mediação tecnológica e educativa da mídia. Pensar na independência, perda de inocência e auto-aprendizado é apenas um dos caminhos para se compreender o valor social das crianças. Cabe destacar que adotamos a perspectiva de valorização da infância enquanto uma fase da vida, na qual as crianças se deparam com o mundo ao seu redor e já formulam, com certa autonomia, suas teorias. Além disso, reconhecemos a visão crítica infantil para afirmar, recusar ou negar um produto cultural, midiático ou não, a fim de valorizar a voz infantil como verdadeira porta-voz dos interesses e necessidades das crianças. Face a essas considerações, encontramos na proposta de Kellner (2001a), pedagogia crítica dos meios, uma forma de entender a cultura de mídia da infância, principalmente via novas tecnologias, na qual se verificam relações de consumo e aprendizagem, criando novos valores para caracterizar a infância digital. Aliado a isso, uma geração, que vêm, em tese, conquistando sua liberdade e autonomia frente às tecnologias e, conseqüentemente, adquirindo um maior destaque na sociedade, merece ser instruída e estimulada a reconhecer os discursos sociais e midiáticos sobre si e sobre os assuntos pertinentes ao seu cotidiano. Nesse sentido, destacamos a comunicação educativa de Mário Káplun (1984), por meio do método cassete-fórum, no qual os receptores devem ser considerados ativos e críticos em todo o processo comunicacional, estimulados a participar da produção e difusão de informações. Entretanto, antes de adentrarmos na infância digital, é cabível discutir, mesmo que sucintamente, o cenário, no qual as crianças começam a se relacionar com o universo das informações e, conseqüentemente, com a mídia. 2. As crianças e a mídia Para compreender a infância digital, torna-se necessário perceber a relação entre a informação e o surgimento da infância para a sociedade. De acordo com Postman (1999, p.50), antes da renascença não havia necessidade da idéia de infância porque todos compartilhavam o mesmo ambiente informacional, mas quando a prensa tipográfica de Gutenberg surgiu, em 1450, alterou-se o mundo social e intelectual. As crianças teriam que aprender a ler e a escrever para conquistar a vida adulta (POSTMAN, 1999). E, esse conhecimento era passado pelos adultos às crianças no ambiente familiar e nas escolas, que foram criadas para fornecer a base da educação. Considerando essa relação da infância com a informação, exclusivamente controlada pelos adultos, Postman (1999, p. 86) explica que a subsistência da infância dependia dos princípios da informação controlada e da aprendizagem seqüencial. Porém, com o surgimento do telégrafo, a escola e a família começaram a perder o controle do ambiente informacional. Esse fato se acentuou com as revoluções gráficas e eletrônicas, que emergiram, alterando a estrutura social e intelectual do mundo alfabetizado. Assim, para o autor, há o desaparecimento da infância, já que não se têm segredos para com as crianças. Nesse sentido, as noções tradicionais da infância como inocência e dependência do adulto foram minadas pelo acesso das crianças à cultura popular. Entretanto, essa modificação da infância tradicional faz surgir uma nova caracterização das crianças que, aliada à curiosidade e à espontaneidade infantis, formam a geração da informação e da comunicação. “A informação adulta é incontrolável; agora, a criança vê o mundo como ele é (ou pelo menos como é descrito pelos produtores de informação corporativos).” (KINCHELOE; STEINBERG, 2001, p. 34). Devido a isso, a cultura infantil passa a ser mediada e, em alguns casos, construída pela mídia. Com produtos midiáticos em diversos meios, as crianças se deparam com várias formas de entretenimento e difusão de informação que, muitas vezes, não são adequadas às características e necessidades infantis, principalmente no que se refere à linguagem e à percepção de mundo. Esta questão se agrava, como aponta Kellner (2001b, p. 135), ao observarmos a cultura de mídia como educadora, substituindo a escola e a família, tornando-se instrumento de socialização e fornecedora de elementos formadores de identidade das crianças. Além disso, as representações da infância na mídia tendem a ser sensacionalistas ou apelativas, uma vez que as crianças ou são consideradas bonitinhas ou vítimas. Ao mesmo tempo, não se observa uma participação efetiva das crianças na mídia, ou seja, essa cultura de mídia não apresenta satisfatoriamente o ponto de vista e interesses infantis. No entanto, é importante reconhecer a infância e o potencial da criança porque “embora seja um ser humano de pouca idade, é capaz de representar o mundo e a si mesma” (QUINTEIRO, 2002, p. 42). E, a cultura infantil deve ser considerada, segundo Florestan Fernandes (apud PRADO, 2002, p. 101), como aquela que se expressa por pensamentos e sentimentos que emergem na dinâmica social, na capacidade das crianças de transformar a natureza, e no interior das relações sociais, tanto com seus companheiros de idade quanto com os adultos. Essa expressividade e atividade infantis também devem ser percebidas na relação com a mídia, uma vez que o uso que as crianças fazem dos produtos midiáticos dependem de suas necessidades, experiências, origem sociocultural e contexto de vida. Como são ativas e curiosas, as crianças querem construir significados, aprender e se relacionar também por meio da mídia (BUCHOT; FEILITZEN, 2002). Pensando na autonomia e na construção da identidade a partir da relação das crianças como o ambiente ao seu redor, chegamos à presença das tecnologias no cotidiano infantil, uma vez que, em pleno século XXI, as constantes transformações sociais também atingem a infância. Considerando a criança usuária crítica de mídia, seu relacionamento com o mundo tecnológico, especialmente com a Internet, implica uma reconfiguração dessa infância, já que as crianças deste século nasceram junto com as Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação. Para esse fenômeno, damos o nome de infância digital. 3. Infância Digital: uma nova cultura Segundo Castro (2001), a criança ao agir pode criar, modificar o mundo e, ao mesmo tempo, é construída por ele. Essa afirmação é perfeitamente perceptível na relação com o mundo digital, tendo em vista que a Geração Net, como denomina Tapscott (1999), é a primeira geração a crescer cercada por essa mídia, querendo ser uma usuária interativa. Embora essa definição do autor já tenha completado oito anos, essa geração continua conquistando um espaço singular no ambiente tecnológico, utilizando a mídia para seu entretenimento, aprendizado, consumo e sua comunicação. Dessa forma, o desenvolvimento infantil também é afetado por essa relação, já que a autonomia diante das tecnologias permite que as crianças se desenvolvam mais rapidamente, ao contrário de um ambiente onde elas apenas observam passivamente. O computador, conectado à Internet, é o exemplo maior desse processo de independência da infância. Esse novo meio de comunicação, segundo Dizard Jr (2000), é a terceira grande transformação nas tecnologias da mídia de massa nos tempos modernos, principalmente com a popularização da Internet em meados de 1995. Tal transformação, ao nos dirigirmos ao universo infantil, ganha destaque, uma vez que as crianças podem controlar o uso que fazem dessa tecnologia. “Pela primeira vez crianças estão assumindo o controle de elementos críticos de uma revolução nas comunicações” (TAPSCOTT, 1999, p. 25). Diante da habilidade infantil ao lidar com as novas tecnologias, percebemos um abismo entre as gerações. Se, nos séculos passados, as informações eram transmitidas dos mais velhos para os mais novos, quando nos referirmos ao mundo digital, as crianças estão na dianteira. “Como já nascem com a tecnologia, as crianças da geração Net a assimilam [...]. Para muitas crianças, usar a tecnologia é tão natural como respirar.” (TAPSCOTT, 1999, p. 38). Dessa forma, reconhecemos a tecnologia como extensão das crianças, como nos escreveu McLuhan (2002, p. 64): “contemplar, utilizar ou perceber uma extensão de nós mesmos sob forma tecnológica implica necessariamente em adotá-la”. E, é exatamente isso que essa geração vem fazendo, apropriando-se do mundo digital de tal forma que os adultos perdem o controle. Essa realidade se agrava, tendo em vista que muitos adultos não estão predispostos a se relacionar com as tecnologias com a mesma intimidade que fazem as crianças. Além disso, consideram negativa a influência da mídia tecnológica. A principal queixa é que as tecnologias tornam as crianças solitárias, confinadas em lares e instituições atrás de uma simples tela. Capparelli (2002) e Tapscott (1999) discordam dessa afirmação. Para os autores, a infância, no ciberespaço, está se relacionando com novas realidades e pessoas, já que a configuração espaço-temporal é modificada na rede. Ao mesmo tempo, as crianças retomam brincadeiras no ambiente virtual e são estimuladas a buscar informações sobre aquilo que as interessam. Essa geração de jovens e adolescentes, incluindo crianças em tenra idade, cria comunidades virtuais, desenvolvem softwares, fazem amigos virtuais, vivem novos relacionamentos, simulam novas experiências e identidades, encurtam as distâncias e os limites do tempo e do espaço e inventam novos sons, imagens e textos eletrônicos. Enfim, vivem a cibercultura. (FERREIRA; LIMA; PRETTO, 2005, p. 247-248) Nesse sentido, surge uma nova cultura infantil, conforme nos aponta Capparelli (2002, p. 131): “compartilhamos igualmente a idéia da construção e reconstrução da cultura infantil bem como da própria infância, na medida em que essas construções e reconstruções se baseiam em tecnologias originadas na cultura.” Pensando nessa relação cultural, visualizamos que a cibercultura infantil será responsável por moldar a sociedade no futuro, uma vez que está formando os futuros líderes tanto no âmbito econômico e político quanto social e cultural. No entanto, devemos balizar até que ponto essa cibercultura infantil traz apenas benefícios para a Geração Net. A liberdade e a autonomia propiciadas pela mídia digital às crianças podem ser utilizadas a serviço dos interesses e ideologia da cultura de mídia, que como já pontuamos, exerce um papel de educadora da infância. Nesse ponto, retomamos a questão do controle dos conteúdos disponíveis na rede: como ensinar e educar as crianças a decodificar o volume de informações disponíveis nessas mídias? Segundo Castells (2002), o paradigma da sociedade na era da informação é caracterizado pelo poder que a informação adquire, já que estamos trabalhando com tecnologias para agir sobre a informação, além da penetrabilidade da mesma em diferentes setores da vida humana. Para o autor, os processos de nossa existência são moldados pelo novo meio tecnológico. Como uma das características da cultura da infância digital é a interatividade, e como a Internet, nas palavras de Castells (2002), já é o meio de Comunicação interativo universal via computador da Era da Informação, é importante verificar a interação existente entre as crianças e as Novas Tecnologias. Ao navegar na Internet e interagir com as mensagens e entre si, as crianças constroem, então, novos tipos de relações sociais e culturais que caracterizam a cibercultura infantil. Tendo em vista que essa geração vivencia a cultura de mídia tecnológica em vários setores de sua vida, é inegável que as tecnologias atuam na sua (in)formação, sendo necessário discutir até que ponto elas têm um potencial educativo. Concomitantemente, cabe pontuar de que forma as crianças devem ser instruídas para uma melhor e produtiva relação com essa cibercultura, já que em breve essa geração estará no mercado de trabalho e comandará as estruturas sociais. Considerando, então, o atual cenário na busca por uma alternativa positiva para a infância digital, não podemos desvincular as crianças das Novas Tecnologias, uma vez que o processo dialógico dessa relação pode se tornar um dos caminhos para garantir a transformação social. Nesse sentido, a comunicação educativa é essencial porque pode promover uma ação-reflexão por parte dos sujeitos envolvidos no processo comunicativo. E, o diálogo entre os sujeitos, educadores e educandos, produtores/emissores e receptores, torna-se fundamental para a formação cidadã e crítica dos mesmos porque Paulo Freire (2002) aponta que ser dialógico é o que caracteriza uma comunicação efetiva, ao mesmo tempo em que se compromete com a transformação da realidade. 4. Mídia e tecnologia: uma prática educativa Como Internet é sociedade, expressando os processos, interesses, valores e instituições sociais (CASTELLS, 2003), sua função para a infância adquire mais uma dimensão: estabelecer novas formas de relacionamento para e com as crianças. Nessa perspectiva, não podemos nos esquecer do processo de aprendizagem infantil, no qual a educação é tão fundamental para o desenvolvimento do senso crítico das crianças. “Novas ferramentas de mídia oferecem grandes promessas de um novo modelo de aprendizado – baseado na descoberta e na participação. Essa combinação de uma nova geração com novas ferramentas digitais ocasionará uma revisão na natureza da educação.” (TAPSCOTT, 1999, p. 124). Pensando, assim, na Geração Net, as tecnologias são um dos instrumentos para se construir uma nova dinâmica no modo de educar. De hecho, Internet descansa sobre la cuestión de la emancipación por la educación. La finalidad de la educación es formar a un individuo libre apto para desarrollar un espíritu crítico. Durante siglos, esta emancipación dependía del volumen de informaciones a las que se podía acceder. Por tanto, hemos asimilado la libertad para la capacidad de cada uno de acceder a más informaciones y conocimientos. Hoy em día, el problema ya no es el acceso a un elevado número de informaciones, sino saber qué hacer con ella. La función crítica es más importante que la capacidade de acceso. (WOLTON, 2000, p. 97) Considerando que apenas o acesso às informações não garante um aprendizado efetivo para as crianças, é necessário que se desenvolvam novos mecanismos para se valorizar o potencial das tecnologias, especialmente a Internet, no processo comunicativo e educativo. Castells (2003) pontua que se deve reconhecer a capacidade educativa e cultural de utilizar a Internet, uma vez que ela é quem transforma a informação disponível na rede em conhecimento para determinado fim específico. Nesse sentido, o processo de aprender a aprender e saber fazer com o que se aprende deve ser estimulado para que não se acentuem as desigualdades entre a infância digital. Aliado a isso, está a interatividade proporcionada pelas tecnologias, já que as crianças conquistam um espaço para escrever, falar e se ver, mesmo que não seja totalmente reconhecido pelos demais membros da sociedade. Hoje, as crianças estão tendo a oportunidade de exercitar essa esperteza de rua na Internet, onde elas não são vistas, mas ouvidas. Por ironia, a leitura e a escrita vão se beneficiar disso. Na Internet, elas vão ler e escrever para se comunicar, e não apenas para completar algum exercício abstrato e artificial. [...] A Internet oferece um novo veículo para se sair em busca de conhecimento e sentido. (NEGROPONTE, 2001, p. 192) Ao valorizarmos esse processo de busca das crianças pelo conhecimento e significação das mensagens, é preciso que elas sejam instruídas para vivenciar a cultura de mídia tecnológica, percebendo seus mecanismos de manipulação, ao mesmo tempo em que conquistam liberdade e autonomia para decidirem o que lhes interessa. Caso não haja essa instrução, Wolton (2000) acredita que podemos ter uma geração perdida, decepcionada com a tecnologia. Como uma saída para essa situação, Kellner (2001a) propõe a pedagogia crítica da mídia que pode contribuir para uma (in)formação reflexiva das mensagens midiáticas. [...] uma pedagogia crítica capaz de conferir o poder de discernir as mensagens, os valores e as ideologias que estão por trás dos textos da cultura da mídia. Quando as pessoas aprendem a perceber o modo como a cultura da mídia transmite representações opressivas de classe, raça, sexo, sexualidade, etc. capazes de influenciar pensamentos e comportamentos, são capazes de manter uma distância crítica em relação às obras da cultura da mídia e assim adquirir poder sobre a cultura em que vivem. (KELLNER, 2001a, p. 83) Na concepção dessa pedagogia dos meios, o receptor, visto como ativo, pode interferir no processo de análise e leitura da mídia a partir do seu repertório cultural, já que não podemos desconsiderar o poder simbólico de sua cultura e como ele influencia em sua interpretação dos fenômenos comunicacionais. “Ao avaliarmos os efeitos da cultura da mídia, devemos evitar o extremo de romantizar o público ou de reduzi-lo a uma massa homogênea incapaz de pensar ou agir criticamente. Precisamos compreender uma contradição: a mídia de fato manipula mas também é manipulada e usada.” (KELLNER, 2001a, p. 142). Diante dessa contradição, percebemos sua presença na infância digital, uma vez que, como pontuamos, as crianças e as tecnologias mantêm uma relação de interdependência: elas se desenvolvem concomitantemente. Ao passo que as tecnologias promovem uma nova cultura da infância, as crianças criam uma nova cultura de mídia tecnológica. Nesse mútuo desenvolvimento, é inegável que constantes transformações ocorram para a (re)construção de valores e relacionamentos. As inovações tecnológicas, principalmente no campo da comunicação midiática, cada vez mais conquistam adeptos mais jovens, uma vez que estes se encontram em um momento de descoberta. Ao possibilitar a interatividade, as tecnologias são vistas pelas crianças como meios de participar ativamente da sociedade. Elas reconhecem o domínio que têm sob essa nova cultura de mídia e estão dispostas a utilizá-la para restabelecer a ordem social. Efectivamente, existe una generación Internet, la cual inventa nuevos terrenos de aventura. Ha restablecido el optismo que hacía falta a la generación precedente, desbaratada por el paro. En Occidente, esta generación se beneficia de la paz, de un nível de vida elevado y de todas las aquisiciones de la comunicación desde hace cincuenta años. Internet es el soporte de este salto cultural. Sin embargo, mucho más que el rendimiento de las tecnologías, lo que es realmente interesante es el regreso de las utopías, ese deseo de cambiar las cosas. (WOLTON, 2000, p. 32) Embora ainda viva de utopias, essa nova geração da infância já conhece as possibilidades que as tecnologias oferecem, já que “é através do uso da mídia digital que a Geração Net desenvolverá e imporá sua cultura à sociedade. [...] Elas são a força para a transformação social.” (TAPSCOTT, 1999, p. 02). Dessa forma, a leitura crítica dessa cultura de mídia tecnológica deve ser estimulada pelos processos comunicativos e educativos, nos ambientes formais de ensino ou fora deles, porque as crianças, em breve, estarão no mercado de trabalho e intervindo mais diretamente nas relações sociais. Sendo, assim, é fundamental essa instrução, por meio de uma comunicação educativa, para promover na infância uma reflexão crítica do uso que ela faz da mídia digital, uma vez que as crianças vão querer agir no espaço social com a mesma autonomia e liberdade que vivenciam no ambiente tecnológico. Considerá-las também como produtoras e difusoras de informações nessa mídia digital é um dos caminhos para se contribuir com a valorização da infância, já que, como demonstrou o método cassetefórum de Kaplún (1984), a comunicação educativa, por meio da participação, é um instrumento para promover a auto-expressão e autovalorização dos sujeitos. 5. Considerações Finais Ignorar a infância digital já não é possível. O avanço das Novas Tecnologias e sua relação de extensão com as crianças da Geração Net tornam esse segmento social alvo de produtos de cultura de mídia. Seja como consumidora ou simples usuária dos meios digitais, essa geração não pode mais ser considerada passiva. Sua atividade é vislumbrada no domínio que tem das tecnologias. No ciberespaço, a criança vem conquistando uma nova dimensão social. É inegável que há autonomia e liberdade na rede para essa geração. Os adultos podem desconfiar das vantagens das tecnologias para o desenvolvimento infantil, porém, as possibilidades interativas e a diversidade de informações disponíveis na cultura de mídia tecnológica garantem que a infância perceba o mundo como ele realmente é: múltiplo, diverso e interconectado. No ambiente tecnológico, muito mais do que se divertir, as crianças também aprendem. De pesquisas escolares a novos relacionamentos com crianças de outros países, o intercâmbio simbólico permite que a nova geração vivencie experiências singulares. Nesse contexto, o processo de aprendizado é alterado porque a mediação tecnológica se faz necessária em todos os processos educativos, formais ou não de ensino. Na escola, a utilização das mídias digitais pode ser um recurso para estimular a aprendizagem, não apenas como suporte dos conteúdos tradicionais, uma vez que a comunicação não é apenas um suporte mediático e tecnológico, mas pedagógico (KAPLÚN, 1998). Já no cotidiano, as tecnologias permitem que as crianças desenvolvam seu auto-aprendizado, visto que se aventuram, sem medo, por um ambiente livre que não lhes é nada estranho. Desse modo, a criança conquista, de certa forma, sua independência e não está mais suscetível ao controle incontestável das instituições tradicionais. Ela descobre o mundo sozinha, escolhe as informações que lhe interessa e define as ações que condizem com suas necessidades. Entretanto, diante da cultura de mídia tecnológica, é necessário que essa geração aprenda a distinguir as mensagens e os produtos. A pedagogia crítica da mídia, por meio de uma comunicação educativa, pode ser o processo de aprendizado que permite uma leitura reflexiva por parte das crianças. Ao reconhecerem criticamente a mídia tecnológica, a infância digital estará mais preparada para enfrentar os desafios. “[A vida digital] é quase genética em sua natureza, pois cada geração vai se tornar mais digital que a anterior. Os bits de controle desse futuro digital estão mais do que nunca nas mãos dos jovens. Nada seria capaz de me deixar mais feliz do que isso.” (NEGROPONTE, 2001, p. 219). Essa profecia de Negroponte já é uma realidade, como tentamos demonstrar ao longo deste trabalho. Porém, é preciso que a cultura de mídia tecnológica possibilite ainda mais a participação efetiva das crianças na construção dessa cultura, ao mesmo tempo em que a sociedade desenvolva mecanismos para favorecer a cibercultura infantil e a formação crítica dessa Geração Net. Quando nos referimos a uma (in)formação da infância no contexto tecnológico, visamos à valorização desse período da vida, especialmente, porque lidamos com uma fase em amadurecimento. As mensagens, as relações sociais e culturais e os valores precisam reconhecer a autonomia e a liberdade infantis, além de estimular a visão crítica e a ação social das crianças. Esse reconhecimento da infância na cultura da mídia tecnológica é apenas o primeiro passo para novas mudanças, porque essa infância, ao mesmo tempo em que cresce com as tecnologias, desenvolve novos olhares e perspectivas sobre o futuro tecnológico de toda uma geração. Referências BRASIL. Estatuto da Criança e do adolescente. 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