um arroto de dúvida

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Pakistan National Institute of Oceanography
Clima
Costa do Paquistão, setembro:
nasce uma ilhota de lama,
areia, rochas, detritos
orgânicos e exalando gás
metano. É a quarta desde 1945
UM ARROTO
DE DÚVIDA
O surgimento de uma pequenina ilha na costa do
Paquistão lança mais dúvidas sobre as polêmicas
previsões do mais recente relatório do IPCC
por Álvaro Caropreso
FOI COMO UM pum gigante. De repente, uma bolha de gás e lama subiu do
fundo do mar na manhã de terça-feira,
24 de setembro, na costa do Paquistão, e
fez brotar uma ilha de cerca de 100 metros de diâmetro e 20 metros de altura.
Aconteceu logo após um terremoto na
região em torno da cidade litorânea de
Gwadar. O novo chão é uma mistura de
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lama, areia, rochas e detritos orgânicos,
exalando gás metano. O lugar é zona de
choque entre placas tectônicas, onde
são frequentes os terremotos. O de
setembro remexeu os sedimentos no
fundo do mar, o gás que o permeava
se agitou, vazou e empurrou tudo para
cima, como um vulcão que, em vez de
lava e cinzas, vomita lama e metano.
Os cientistas do clima também devem ter dado atenção ao fato, embora
naqueles dias estivessem mais ligados
nas previsões em vias de serem divulgadas pelo Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na
sigla em inglês). O metano é um dos
gases que asseguram o efeito estufa responsável pela manutenção da atmosfera
agradavelmente aquecida na superfície
da Terra. Em excesso, ele pode desequilibrar as equações do clima mais do
que o dióxido de carbono (CO2), que
tem sido citado pelo IPCC como o
principal vilão de uma tendência geral
de aquecimento. Isso porque o metano
tem uma capacidade de reter calor cerca
de 22 vezes maior do que a do CO2.
Dias depois de sua eclosão, a nova
ilha ainda exalava metano. Rashid Tabrez, diretor do Instituto Nacional de
2FHDQRJUDÀDGR3DTXLVWmRGLVVHDRsite
BBC que essa é a quarta ilhota desse
tipo na região desde 1945. Segundo
ele, ali o fundo do mar tem vastos
depósitos de hidrato de metano, um
sólido formado na mistura da água e
do gás produzido pela decomposição de
matéria orgânica. Vulcões de lama são
comuns ali. Em terra, ao longo da costa
há um punhado deles exalando metano
há muito tempo. A ilha que eclodiu em
setembro é apenas mais um.
As preocupações com o futuro do
clima têm sido centradas no papel do
CO2 produzido pela atividade humana
(antropogênico), principalmente com
a queima de combustíveis fósseis e
atividades agrícolas. O homem pouco
interfere na produção de metano, se
comparado com o conjunto dos seres
vivos. A decomposição é feita por bactérias. Acredita-se que a massa dos seres
vivos nos oceanos seja muito maior do
que a dos continentes. E que somente
a massa das bactérias nos oceanos seja
muito maior do que a de todos os demais seres vivos juntos, em terra e nos
PDUHV1mRKiDLQGDXPDTXDQWLÀFDomR
precisa disso. Tampouco se sabe com
exatidão como funcionam os processos
de sedimentação no fundo do mar dos
resíduos orgânicos continuamente em
decomposição. Ainda está por ser feito
um mapeamento preciso das zonas poWHQFLDOPHQWHVXVFHSWtYHLVD´SXQVµFRPR
esse que surgiu na orla do Paquistão.
E
stima-se que existam de mil a 5
mil vulcões de lama, a maioria
no mar e em zonas de atividade sísmica. Não se conhece em maior
profundidade o processo desencadeado
por um terremoto que faz com que
o metano aprisionado nos depósitos
sólidos escape e alcance a atmosfera. É
preocupante.
A vida na Terra já passou mais de
uma vez por eventos de extinção em
massa. O mais violento dos que se
têm notícia dizimou quase tudo cerca
de 250 milhões de anos atrás, antes do
tempo dos dinossauros, e pode ter sido
causado por um megapum de metano
oceânico que aumentou drasticamente
a concentração desse gás na atmosfera
e bagunçou o clima e as rotinas da vida.
É uma hipótese defendida por vários
cientistas. O surgimento repentino da
ilhota paquistanesa e o fato disso não
ser incomum reforçam a necessidade de
se manter o megapum pré-dinossáurico
no rol das ideias não descartáveis. Mas
sem alarmismo, o oposto do que tem
feito boa parte da mídia desde que o
IPCC divulgou seu primeiro relatório,
em 1990, cravando o centro das preo-
cupações sobre mudanças climáticas futuras no aumento da concentração dos
gases de efeito estufa, particularmente
o dióxido de carbono antropogênico.
A mais recente avaliação do IPCC
sobre as tendências do clima – a quinta
desde que a primeira veio a público em
1990 –, sustenta com ainda mais ênfase
a tese da tendência de aquecimento
global antropogênico ao longo deste
século. Porém, o fato é que, ao contrário
das previsões do IPCC, a temperatura
média na superfície da Terra tem se
mantido relativamente estável desde
R ÀQDO GRV DQRV YHU ´$OpP GD
imaginação”, Retrato do Brasil nº 71, juQKRGH,VVRQmRVLJQLÀFDTXHRV
dados dos últimos 15 ou 16 anos sejam
VXÀFLHQWHVSDUDOLYUDUDFXOSDKXPDQD
mas, certamente, reconduzem o assunto
ao âmbito do debate.
Quando os dados sobre a estabilidade da temperatura passaram a ser
citados com mais frequência, houve
uma reação no sentido de lhes diminuir
RVLJQLÀFDGR(VVHSHUtRGRIRLWUDWDGR
como um hiato – ou uma pausa –
dentro da tendência de aquecimento
inexorável até o final do século. O
próprio IPCC aderiu a essa nomenclatura, mas provavelmente terá de estar
mais disposto a dosar o tom dos seus
próximos relatórios sobre mudanças
climáticas ou mesmo mudar a forma
como eles são redigidos e divulgados.
2TXHIRLYHQGLGRFRPR´XPDYHUGDGH
inconveniente” – para lembrar o título
GR ÀOPH SURGX]LGR SRU $O *RUH H[-vice-presidente dos EUA, campeão
GDV LGHLDV PDLV FDWDVWURÀVWDV VREUH R
aquecimento global – agora não cola
com a mesma facilidade. Alguma coisa
terá de mudar no IPCC.
É o que sugerem, por exemplo, as
revistas Nature e The Economist, dois
portentos dos establishmentsFLHQWtÀFRH
HFRQ{PLFR UHVSHFWLYDPHQWH ´e KRUD
de repensar o IPCC”, diz o editorial de
NatureQDHGLomRGHGHVHWHPEUR´$
organização merece agradecimento e
respeito de todos os que se preocupam
com o princípio de se fazer políticas
públicas baseadas em evidências cienWtÀFDV PDV R UHODWyULR DWXDO GHYH VHU
sua última mega-avaliação”. De fato,
os relatórios do IPCC têm sido longos,
complexos e, geralmente, chegam ao
público já desatualizados. A revista
cita o caso do hiato, sobre o qual já há
trabalhos interessantes. Pondera ainda
que a profundidade e a abrangência dos
relatórios do IPCC se expandiram junto
com uma formidável base de dados.
3RUpP ´RV FLHQWLVWDV FRQWLQXDP VHP
SRGHU DÀUPDU FRP FHUWH]D GH TXDQWR
seria o aquecimento que se deveria
esperar ou para quais dos seus efeitos a
humanidade deveria se preparar a qualquer custo para evitar ou proteger-se”.
Talvez por isso, diz a revista, a maioria
dos governos resista em tomar iniciativas de vulto com base na hipótese do
aquecimento antropogênico. E sugere
que os relatórios deveriam ser mais
compactos e frequentes, focalizados em
questões mais prementes que tenham
interesse político.
N
a mesma linha veio The Economist, semanário que sempre
deu bom espaço às teses do
IPCC, mas que recentemente enfatizou
os dados sobre a estabilidade da temperatura. Em sua resenha das conclusões
do quinto relatório do IPCC, a revista
DLQGD DVVXPH D PHVPD EDQGHLUD ´$
mudança climática não parou e o homem é a principal causa”. Mas aposta
que esse pode ter sido o último relatório
GHVVHWLSR´8PFUHVFHQWHFRURGHHVSHcialistas acredita que seriam mais úteis
avaliações menos sensacionalistas, mais
frequentes e atuais quando divulgadas”.
E segue: esse relatório do IPCC é o
primeiro desde que fracassaram em Copenhague, em 2009, as negociações para
um tratado global de controle das emissões de carbono. É também o primeiro
´GHVGH TXH IRL FRORFDGD HP G~YLGD D
integridade do próprio IPCC, com uma
enxurrada de pedidos de errata sobre a
velocidade de derretimento das geleiras
do Himalaia” – no quarto relatório. E,
mais importante, é o primeiro desde que
se tornou evidente que as temperaturas
do ar na superfície da Terra estão se
comportando diferentemente do que o
,3&&HVSHUDYD´0XLWDFRLVDHVWiDFRQtecendo em torno das suas conclusões,
da credibilidade pública da ciência do
clima às possibilidades de um novo
tratado global”.
De fato, bem ou mal, hoje os deEDWHVDÁRUDPHVHHVSDOKDPIDFLOPHQWH
entre o público com mais condições
de interferir nos acontecimentos. E
os críticos acabam sendo ouvidos. Um
dos mais notórios é o brasileiro Luiz
Carlos Baldiero Molion, climatologista
da Universidade Federal de Alagoas.
76 retratodoBRASIL
|
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O hiato do IPCC: ao contrário das suas
SUHYLV}HVGHVGHRÀQDOGRVDQRV
a temperatura média da Terra se mantém estável
´2,3&&MiQDVFHXHUUDGRµHVFUHYHX
ele no diário Folha de S.Paulo no início
GHRXWXEUR(VVHRUJDQLVPR´IRLFULD
do em 1988 com o objetivo de provar
TXHRKRPHPLQÁXHQFLDRFOLPDQmR
o de entender as causas naturais de
VXDYDULDELOLGDGHµ1R´6XPiULRSDUD
formuladores de políticas”, o relatório
GR,3&&´pRPLVVRHPSRQWRVIXQGD
mentais, como a sensibilidade climática
(SC), que relaciona o aumento esperado da temperatura global à variação da
concentração de dióxido de carbono
atmosférico”. Molion destaca que a
QRWD Q~PHUR GR VXPiULR DÀUPD
TXH ´D 6& QmR SRGH VHU GDGD DJRUD
devido à falta de concordância de seus
YDORUHVµ(SHUJXQWD´2TXHpIDOWD
de concordância em processos físicos
naturais?”.
Para ele, o texto do IPCC parece ser
XPDFRQÀVVmRGHTXHQmRVHVDEHTXDO
fração do aquecimento observado decorre da atividade humana nem quanto subirá a temperatura média com o aumento
da concentração de CO2. No entanto, os
DXWRUHVGRUHODWyULRDÀUPDPTXHPDLV
da metade do aquecimento entre 1951
e 2010 foi causada pelo homem; que o
principal controlador do aquecimento é a
emissão total de CO2 e que as simulações
mostram uma tendência da temperatura
média global que concorda com a tendência observada, com 95% de certeza.
Para Molion, do modo como escreYHR,3&&ÀFDHPEDUDoRVRH[SOLFDUR
PACÍFICO FRIO, ANO FRIO
A recente estabilidade da temperatura pode relacionar-se
com La Niña, que esfria as águas do maior dos oceanos
0,6ºC
0,4ºC
0,6ºC
0,4ºC
0,2ºC
0,2ºC
0ºC
1990 1995 2000 2005 2010
2015
0ºC
-0,2ºC
-0,4ºC
Evolução da temperatura média na superfície
da Terra em relação ao valor médio registrado
entre 1961 e 1990, em °C (1850-2012)
-0,6ºC
1850
1900
1950
2000
A curva principal mostra a variação da temperatura média na superfície da Terra
em relação ao valor médio no período entre 1961-90. No detalhe destaca-se a
variação no período entre 1993 e 2012. Os quadrados verdes indicam os anos
em que prevaleceram o fenômeno La Niña, quando ocorre o resfriamento das
águas do Pacífico equatorial. Os vermelhos indicam a prevalência do fenômeno
El Niño, quando as águas se aquecem. O tamanho dos quadrados dá uma ideia
da intensidade desses fenômenos em cada ano.
Fonte: Yu Kosaka e Shang-Ping Xie, Universidade da Califórnia, Nature (19/10/2013)
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atual hiato de temperaturas estáveis, a
despeito de a concentração de CO2 ter
aumentado 8% nos últimos 16 anos e,
por isso, as simulações terem projetado
elevações superiores a 1ºC. Molion não
prega no deserto.
´)XLDODUPLVWDVREUHRFOLPDµGLVVH
em abril o britânico James Lovelock,
influente pesquisador sobre o meio
ambiente, famoso como autor da hipótese de Gaia, segundo a qual a Terra
funciona como um superorganismo
YLYRYHU´8PHSLWiÀRSDUD*DLDµQHVWD
edição). Em 2006, ele previa que, antes
GR ÀQDO GHVWH VpFXOR ´ELOK}HV GH QyV
morreremos e os poucos casais férteis
que sobreviverão estarão no Ártico, onde
o clima continuará tolerável”. Em abril
passado, contudo, ele se corrigiu em entrevista ao site1%&1HZV´([WUDSROHL
fui longe demais”.
O
utro ferino em relação ao IPCC
é o climatologista americano
Richard Lindzen, do Instituto
de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
Velho conhecido por suas críticas ao
IPCC, ele propôs em 2001 uma hipótese
segundo a qual o efeito estufa é atenuado quando aumenta a temperatura da
superfície dos oceanos na zona equatorial – o chamado efeito Íris. Isso reduz
a formação de nuvens cirrus, de grandes
altitudes, e deixa escapar para o espaço
mais calor da atmosfera, atenuando a
temperatura perto da superfície. Perguntado pela Folha de S.Paulo em outubro
se ele acredita que o último relatório é
SDUWLFXODUPHQWHDODUPLVWDHOHGLVVH´1D
verdade, não. Ele é apenas estúpido. Qual
RVLJQLÀFDGRGHXPFLHQWLVWDHVSHUDUSDUD
ouvir o que os políticos acham que ele
deve dizer?”. Para Lindzen, é nítido que
´KiXPDGHPDQGDGRVSROtWLFRVSDUDTXH
[em cada relatório do IPCC], os cientistas
soem como se tivessem cada vez mais
certeza”. O fato é que os modelos de
simulação do clima discordam cada vez
PDLVGDVREVHUYDo}HV´PDVR,3&&WHP
GHFRQFOXLUTXHHOHVVmRFRQÀiYHLVRTXH
é simplesmente insano”.
UM HIATO INCÔMODO
A estabilização da temperatura nos últimos anos traz sérias dificuldades
para as previsões catastróficas do aquecimento antropogênico
A hipótese de que a tendência de elevação da temperatura média na superfície da Terra nos últimos 150 anos
é causada pela atividade humana nunca foi um consenso
científico. Os dados desse período vinham mostrando
uma correlação positiva até 1997-98. A partir daí, no
entanto, a temperatura média global está praticamente
estável, apesar de a concentração de CO2 ter aumentado
cerca de 8%. Ou seja, a correlação ficou negativa.
A maioria dos modelos matemáticos usados para prever
as respostas do clima ao aumento da concentração de
CO2 não estava calibrada para a nova situação. Ganhavam
notoriedade apenas as projeções das reações do clima
em um quadro de correlação sempre positiva. Assim,
os cientistas têm por fazer duas coisas mais imediatas:
1. confirmar se existe, de fato, alguma ou nenhuma
correlação – positiva ou negativa – entre a temperatura
média global e a concentração de CO2;
2. conforme o que se concluir daí, recalibrar os modelos
matemáticos e ver no que é que dão.
Enquanto isso, corre solto o debate. De um lado, os céticos em relação ao aquecimento antropogênico dizem que
o atual período de estabilidade é suficiente apenas para
confirmar que o comportamento do clima é mais complexo do que se imagina; e que nossa compreensão dele
é ainda tão incipiente que tem pouca serventia prática
fixar algumas variáveis em um modelo matemático de
simulação e disso tirar diretrizes para políticas públicas
destinadas igualmente a todos os governos do mundo
no sentido de se prevenir catástrofes globais.
De outro lado, os que se consideram convencidos da
culpa humana pelo aquecimento previsto pelo IPCC
dizem que o atual período de 15 ou 16 anos de estabilidade na temperatura é apenas uma pausa curta – um
hiato – numa tendência geral. Em prazo mais longo, a
temperatura voltará a subir conforme as previsões. Por
isso, o IPCC minimiza o significado de longo prazo dessa
relativa estabilidade. Lembra que os anos de 1997 e 1998,
pontos de partida desse hiato, foram muito influenciados
pela alta intensidade do fenômeno climático conhecido
com El Niño (o aquecimento das águas superficiais do
oceano Pacífico equatorial) e isso produziu um pico na
curva das temperaturas.
Diz também o IPCC que, é certo que as temperaturas não
subiram, mas deveriam ter subido, pois a concentração
de CO2 no ar continua aumentando e retendo mais calor.
E que, se esse calor extra não ficou na atmosfera, deve
ter ido para outro lugar. Aonde? Para as águas profundas
dos oceanos.
Entretanto, o relatório diz que o calor retido nos oceanos
em profundidades de zero a 700 metros aumentou mais
lentamente durante o período 2003-2010 do que durante
1993-2002. Isso não bate com a ideia de que o calor extra
que estaria sendo retido pelo aumento de CO2 no ar esteja
pagando algum pedágio nas águas superficiais dos oceanos antes de ir se acumular nas águas mais profundas.
Para afirmar que as águas profundas são candidatas
plausíveis para explicar o hiato na tendência de aumento da temperatura, o IPCC diz que “é provável”
que os oceanos se aqueceram abaixo dos 3 mil metros
de profundidade no período entre 1992 e 2005; e que
esse calor penetrou a partir da superfície. O problema
é que as medições em grandes profundidades ainda são
irregulares, embora existam esforços para melhorar a
base de dados.
Outra possível explicação para o hiato, segundo o IPCC,
está na melhora acentuada da qualidade das medições
de temperatura. Mas isso coloca obrigatoriamente
algumas questões. O que se deve fazer com a confiabilidade dos dados do período anterior aos últimos 15
anos? Os modelos de simulação que se valiam desses
dados certamente serão ajustados a eles. Quais serão
as consequências desse ajuste nas projeções até agora
tratadas como previsões e tidas como infalíveis? Com
ou sem IPCC, cientistas estudam.
É o caso, por exemplo, de Yu Kosaka e Shang-Ping Xie,
do Instituto Scripps de Oceanografia, da Universidade da
Califórnia, em San Diego. Eles publicaram em setembro
na Nature artigo em que relatam simulações nas quais
conseguiram encaixar o tal hiato global de 15 anos nos
dados de temperatura que mostram uma tendência de
resfriamento nas águas superficiais do leste do Pacífico
equatorial (ver “Pacífico frio, ano frio”, na página ao lado).
Em outras palavras, mostraram uma correlação positiva
entre a estabilidade das temperaturas no ar e a prevalência na maioria desses anos do fenômeno conhecido
como La Niña, em que se resfriam as águas da superfície
nessa região do Pacífico. Nos demais anos, prevaleceu o
El Niño, fenômeno que provoca a aquecimento das águas.
Além das oscilações El Niño e La Niña, Kosaka e Xie citam
outras explicações para o hiato, também colocadas pela
comunidade científica:
šZkhekcW_iZegk[kikWbef[h‡eZeZ[c‡d_cWfheZkção da energia que vem do Sol no mais recente ciclo de
manchas solares de 11 anos;
šj[ci_Zeh[bWj_lWc[dj[XW_nW"Z[iZ[(&&)"WgkWdj_ZWZ[
de vapor d’água na estratosfera. Esse vapor absorve a
radiação infravermelha emanada por tudo o que há na
Terra e a impede de se dissipar no espaço, o que contribui
para o aquecimento. Com pouco vapor na estratosfera,
a radiação infravermelha escapa com mais facilidade e
isso arrefece a superfície. Modelos climáticos como o de
Kosaka e Xie ajudam a reduzir a incerteza nas projeções
sobre o clima para os próximos dez ou cem anos. Mas não
fazem profecias.
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