pág.137 Massas anexiais na gestaçao

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rEVISÃO
Massas anexiais na gestação
Adnexal masses in pregnancy
Francisco Edson de Lucena Feitosa1
Cristiane Maria Cavalcante Silveira1
Ana Cecília Lopes Mota1
Débora Silva Melo1
Munique Martins Monteiro1
Carlos Augusto Alencar Junior1
Palavras-chave
Cistos ovarianos
Gravidez
Quimioterapia
Keywords
Ovarian cysts
Pregnancy
Drug therapy
Resumo
O advento da ultrassonografia (US) durante o pré-natal tem contribuído para
o aumento da detecção de massas anexiais na gestação. A maior parte dos tumores tem resolução espontânea
por volta da 16a semana de gestação, sendo associada a cistos funcionais. Massas que persistem após esse
período podem acarretar riscos de torção, ruptura e obstrução do canal de parto, necessitando, muitas vezes,
de uma intervenção cirúrgica de emergência. A ocorrência de tumores malignos é rara. Além da US, que é
utilizada como primeira modalidade para o diagnóstico, o estudo do CA-125 e do β-hCG deve ser realizado.
Esses marcadores estão normalmente aumentados durante a gestação. No entanto, na presença de massas
tumorais, os níveis são bem mais alterados. O manejo dessa patologia na gravidez é desafiante para o médico e
acarreta ansiedade para a paciente. A cirurgia, quando indicada, deverá ser realizada entre o segundo e terceiro
trimestres da gestação, levando-se em conta os riscos de complicações para a mãe e o feto. Estudos mostram
que, havendo indicações precisas de tratamento adjuvante na gravidez, seu uso não deve ser adiado, pois, em
longo prazo, o prognóstico para fetos expostos à quimioterapia intra-útero parece ser bom.
Abstract
The advent of routine prenatal ultrasonography (US) has increased
the detection of adnexal masses during pregnancy. The majority of tumors spontaneously resolve around the
16th week of gestation, usually being associated with functional cysts. Masses that last after this period can
complicate on risks of torsion, rupture or obstruction of labor, requiring emergent surgical intervention. The
prevalence of malignant tumor is rare. Besides the use of US, which is the primary diagnostic modality, the study
of tumor markers, such as CA-125 and β-hCG, must be done. Their levels are already elevated during pregnancy.
However, in the presence of certain types of tumors, these levels are much more altered. The management of
this pathology during pregnancy is quite challenging to the medical team and involves psychological issues to
the patient. When indicated, the surgery must be taken place between the second and third trimester, always
considering the risks of complications to the mother and the fetus. Several studies report that if there are strong
indications for adjuvant therapy, it should not be delayed, because the longterm fetal outcomes appear to be
good for those fetuses exposed to chemotherapy in utero.
1
Maternidade-Escola Assis Chateaubriand da Universidade Federal do Ceará (UFC) – Fortaleza (CE), Brasil
Feitosa FEL, Silveira CMC, Mota ACL, Melo DS, Monteiro MM, Alencar Junior CA
Introdução
Etiologia
No ano 2000, foram diagnosticados 23.100 novos casos
de câncer ovariano nos Estados Unidos. No Brasil, não há
uma avaliação exata do número de casos. Nas gestantes, a
estimativa de câncer ovariano diagnosticado durante a gravidez fica em torno de 2 a 3% de todas as massas anexiais
vistas nesse período.1
O advento da ultrassonografia (US) obstétrica como rotina
em pré-natal contribuiu bastante para a detecção de massas
anexiais durante a gestação. Antigamente, quando a realização
de US não era tão acessível à população, as massas anexiais
eram flagradas acidentalmente durante o exame físico do
abdome e pelve, ou quando havia sintomatologia evidente.
Nesses casos, o tratamento tornava-se mais complexo, pois o
tamanho das massas já era maior, e o risco de complicações,
como torção, hemorragias e obstrução do canal de parto, bem
mais acentuado.
A possibilidade de malignidade de massa pélvica na gestação tem uma incidência variando entre 1 em 12.000 e 1
em 47.000 gestações, fazendo-se necessário seu diagnóstico
precoce. Na maioria das vezes, a paciente é assintomática,
o que gera dificuldade no diagnóstico inicial, ressaltando a
importância da US para a detecção da patologia. O manejo
dessa entidade e sua repercussão na evolução gestacional têm
sido bastante discutidos. A etiologia dessas massas anexiais,
na maioria das vezes, é de cisto de corpo lúteo que irá regredir
espontaneamente até a 16a semana de gestação. No entanto, a
não resolução espontânea desse ou o encontro de outra etiologia,
torna a abordagem do tratamento bastante difícil. A cirurgia
abdominal durante a gestação representa riscos tanto para a
mãe, como para o feto. No passado, todas as mulheres gestantes
com massas anexiais persistentes eram conduzidas por meio de
intervenção cirúrgica, preferivelmente no segundo trimestre.
Atualmente, em função dos avanços em métodos de imagem,
essa conduta tem sido questionada.2
Esse artigo de revisão propôs discutir métodos de diagnóstico,
etiologia de massas anexiais, incluindo os riscos de malignidade,
opções de tratamento, riscos maternos e fetais e o manejo do
câncer ovariano na gravidez.
Os cistos funcionais são particularmente comuns na gravidez, destacando os cistos de corpo lúteo que têm menos do que
5 cm. Esses regridem espontaneamente por volta da 16a semana
de gestação e devem ser primeiramente excluídos frente a uma
investigação etiológica. Alguns estudos mostram uma relação
entre cistos de corpo lúteo e doença trofoblástica gestacional.
A frequência com que tumores ovarianos não funcionais aparecem tem relação direta com a idade da paciente e com fatores
próprios da sua gestação.3 Tumores de células germinativas são
mais comuns em gestantes jovens. Por outro lado, os cânceres
ovarianos epiteliais são achados mais frequentemente em grávidas com mais idade.4
A prevalência dos tumores ovarianos é variável (Tabela 1). Esses
respondem por 2 a 3% das massas anexiais vistas na gravidez.
A etiologia definitiva da massa retirada por excisão cirúrgica
ou por biópsia é esclarecida frente ao estudo histopatológico
da amostra. O diagnóstico firmado é relevante para conduzir o
manejo e a instituição do tratamento. A conduta inapropriada
oferece sérios riscos maternos e/ou fetais.
A estimativa correta de prevalência das massas ovarianas em
pacientes gestantes, com ou sem o diagnóstico de malignidade,
não existe no Brasil. Estimativas seguras, como as dos Estados
Unidos, mostram que muitos casos de diagnóstico etiológico de
tumores ovarianos de baixo potencial de malignidade, como os
tumores ovarianos boderline, são incluídos na cota de cânceres;
percebe-se que esses são pouco agressivos e, na grande maioria
das vezes, indolentes.
A investigação etiológica será, então, baseada na idade da
paciente, na epidemiologia e na histologia, tendo o laudo da
biópsia como padrão-ouro. O prognóstico de tumor ovariano
na gravidez é favorável, já que a parcela acometida é pequena e
o diagnóstico pode ser precoce com a US no pré-natal.
Tabela 1 - Prevalência dos tumores ovarianos na gravidez
Histologia
%
Tumores boderline (seroso, mucinoso, endometrioide)
51
Células germinativas
39
Tumores epiteliais
37
Modificado de Gary e Leiserowitz.
1
138
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Métodos diagnósticos
O médico deve estar atento para as causas ginecológicas e
não ginecológicas das massas anexiais pélvicas em pacientes
gestantes. Dentre os exames complementares mais utilizados
para a elucidação diagnóstica, destacam-se a US, a ressonância
magnética e os marcadores tumorais.
A US é o método de imagem mais amplamente utilizado
devido à segurança em gestantes, por ser não invasivo e eficaz,
apesar de ser operador-dependente. A delineação anatômica e a
relação morfológica da massa anexial com as estruturas próximas
são os fatores primeiramente analisados a US. A diferenciação
Massas anexiais na gestação
necessária entre uma variedade benigna de uma maligna é feita
utilizando recursos tais como: tamanho do tumor, morfologia e
coloração com doplervelocimetria. Índice de pulsatibilidade menor
que 1 ao estudo com Doppler e uma área morfológica suspeita são
fatores preditivos para malignidade.3 Vale salientar que, levando
em conta esses fatores ultrassonográficos, poderão ocorrer falsosnegativos em torno de 50% quando a US com doplervelocimetria
é usada como único método de rastreamento. Além disso, o uso do
doplervelocimetria torna-se questionável em função da alteração
vascular própria da gestação na região pélvica.
Lerner et al.5 propuseram um sistema de escores para determinar o risco de malignidade de uma massa ovariana baseando-se
na US (Tabela 2).
A ressonância nuclear magnética (RNM) tem sido seguramente
indicada durante a gravidez para o diagnóstico e acompanhamento
de massas anexiais. A capacidade de visualização da massa em
três dimensões, delineação precisa dos tecidos circunvizinhos e a
caracterização da composição tissular da região abordada torna-a
vantajosa. O alto custo e a dificuldade de obtenção desse exame
em detrimento da US, torna esse método de imagem menos requerido.6 A utilização da RNM para diferenciar massas anexiais
suspeitas, como leiomiomas, de tumores ovarianos sólidos, foi
descrita desde 1993.7
O uso de marcadores tumorais para diagnóstico, acompanhamento e/ou prognóstico de massas anexiais na gestação é controverso. A própria gestação aumenta marcadores séricos de células
germinativas como ß-hCG e α-fetoproteína. Tem sido descrita
a dosagem de CA-125 como marcador tumoral; entretanto, a
elevação deste pode ocorrer em mulheres na pré-menopausa,
na fibrose uterina benigna e na gestação, comprometendo sua
especificidade . Quando se está pesquisando a etiologia de uma
massa pélvica na gestação, a solicitação do CA-125 poderá nortear, juntamente com outros achados, o diagnóstico, a conduta
e o prognóstico.6 Em estudo publicado em 1995, a elevação
do CA-125 foi encontrada em 16% das pacientes no primeiro
trimestre de gestação, sem evidências de malignidade.8
Qualquer elevação dos marcadores tumorais deverá ser considerada juntamente com os resultados de exames de imagem e
com a clínica da paciente.
Opções de tratamento
das massas anexiais na gestação
Conservador
As massas anexiais na gravidez podem ser abordadas de maneira
conservadora ou intervencionista. A decisão quanto à conduta depende,
principalmente, dos riscos e dos benefícios maternos e fetais.
Uma avaliação precisa dos riscos de malignidade deve ser um
dos principais determinantes dessa decisão, separando-se as raras
massas com características suspeitas da maioria que são benignas. O
estudo ultrassonográfico pode estratificar com sucesso tais riscos.
Apesar da existência de diversas publicações na literatura sobre
casos de massas anexias em gestantes, até o momento não existem
protocolos específicos sobre o manejo apropriado dessas pacientes.
A maioria dos cistos descobertos durante a gravidez se
resolverão espontaneamente e/ou não necessitarão de qualquer tipo de intervenção. Estudos baseados na triagem por
US obstétrica mostraram que a maioria das massas anexiais
conduzidas apenas de maneira expectante desapareceram, com
nenhuma ou com pequena porcentagem de complicações no
decorrer da gestação.6,9,10
Portanto, a simples observação da maioria das massas ovarianas
em gestantes parece ser uma opção terapêutica viável.1
Cirúrgico
As massas ovarianas que necessitam de intervenção cirúrgica
possuem, pelo menos, uma das indicações abaixo:
• forte suspeita de malignidade e/ou massas extensas (maiores
que 8 a 10 cm);
• apresenta-se com sintomatologia;
• risco aumentado de complicações (torção, ruptura e obstrução
da via de parto) que, muitas vezes, requerem intervenção
cirúrgica de emergência (Tabela 3).
Tabela 2 - Riscos de malignidade baseados nos achados
ultrassonográficos
Risco de câncer ovariano
Baixo
Intermediário
Alto
Critérios ultrassonográficos
Cística, unilobular, <5 cm
Cística, multilobular complexa, paredes finas
Massas sólidas, nódulos, >5 cm
Modificado de Lerner et al.5
Tabela 3 - Prevalência de complicações das massas anexiais durante a gestação
Estudo
Struyk e Treffers 14
Whitecar, Turner e Higby17
Bromley e Benacerraf 13
Bernhard et al.9
% Torção
12
8,5
0,8
1 (Massa palpável)
% Ruptura
9
-
% Obstrução da via de parto
17
-
% Abdômen agudo
12,3
-
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Feitosa FEL, Silveira CMC, Mota ACL, Melo DS, Monteiro MM, Alencar Junior CA
A probabilidade de uma massa ovariana complexa ser maligna
é relativamente baixa (29,4%), mas aumenta à medida que são
encontrados outros achados, como ascite ou aumento da espessura
do omento.11 Muitos autores enfatizam as complicações citadas
acima, no entanto, elas geralmente ocorrem em massas muito
extensas e sintomáticas. De uma maneira geral, os estudos mais
recentes, quando comparados aos mais antigos parecem mostrar
riscos menores de torção e ruptura.6,12-15 Isto provavelmente
reflete a maior proporção de massas ovarianas assintomáticas
detectadas precocemente por US, as quais possuem uma menor
tendência de complicar a gestação.1
Não existe consenso quanto à época exata para intervir cirurgicamente. Uma intervenção precoce pode ser favorável, no sentido
de evitar o atraso de uma terapia adjuvante, no caso de tumores
malignos, e de diminuir os riscos de futuras complicações. Por
outro lado, as vantagens de uma intervenção mais tardia consistem
em permitir a involução espontânea de um cisto funcional, sem
predispor a paciente a um procedimento cirúrgico desnecessário,
além de permitir uma melhor viabilidade do feto, caso ocorra
trabalho de parto prematuro (TPP) após a cirurgia. A maioria
dos autores defende adiar o tratamento cirúrgico até a metade
do segundo trimestre, a menos que a gestante se apresente com
sintomatologia aguda ou achados óbvios de malignidade.2
A escolha entre a laparoscopia ou laparotomia depende dos
riscos de malignidade, da urgência do procedimento e da habilidade
do cirurgião. Independentemente da técnica cirúrgica, deve-se
considerar cuidadosamente as alterações fisiológicas e anatômicas
maternas, além de monitorizar os batimentos cardíacos fetais
antes e, se possível, durante todo o procedimento. A manipulação
uterina deve ser a mínima possível, estando as equipes cirúrgica e
anestésica sempre preparados para uma possível operação cesariana
de emergência, caso a viabilidade fetal esteja ameaçada.2,16
À medida que os cirurgiões se tornam mais experientes,
ocorre uma maior tendência a cirurgias laparoscópicas durante
a gravidez, como já é bem descrito no tratamento da apendicite
e colelitíase, mostrando excelentes resultados e mínimos riscos
de morte fetal ou TPP A laparoscopia tem sido a abordagem de
Tabela 4 - Vantagens e desvantagens da cirurgia laparoscópica
no tratamento de tumores ovarianos na gravidez
Vantagens
Desvantagens
Minimamente invasiva
Não pode ser utilizada em casos
suspeitos de câncer ovariano
Menor tempo de recuperação
pós-operatória
Taxa de recorrência de 2,3% nos casos
de malignidade
Menor risco de perda fetal/TPP
Vazamento ou ruptura de cisto ovariano
maligno, reduzindo a sobrevida
Fontes: Gary e Leiserowitz1, Al-Fozan e Tulandi16Nagarsheth et al.19, Vergote et al.20.
TPP: trabalho de parto prematuro.
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escolha para massas ovarianas benignas em não grávidas, tendo
sido realizada em alguns casos de câncer ovariano. Consequentemente, tem havido um aumento deste tipo de cirurgia em
gestantes com massas anexiais.16-18
As pacientes que mais se beneficiam da cirurgia laparoscópica
são as que estão no primeiro ou no segundo trimestres de gestação e que não têm suspeita de malignidade. No entanto, uma
abordagem minimamente invasiva não elimina as chances de
resultados adversos para o feto.1 A Tabela 4 sintetiza as principais
vantagens e desvantagens da cirurgia laparoscópica.
As massas ovarianas muito extensas podem ser classificadas
em dois grupos: as que consistem em grandes cistos, porém,
uniloculares, e aquelas com cistos complexos. Em ambos os
casos, deve-se considerar o tratamento conservador, com a intervenção cirúrgica reservada para as possíveis complicações. Se
os achados ultrassonográficos forem sugestivos de uma massa
benigna, pode-se considerar a opção de cistectomia, seja por
laparoscopia ou laparotomia. Caso contrário, o manejo apropriado é a ooforectomia.1
Abordagem do câncer ovariano na gestação
Assim como na população geral, o câncer ovariano e as massas com baixo potencial de malignidade devem ser manejados
cirurgicamente nas gestantes. O cirurgião deve estar preparado
para um estadiamento cirúrgico completo, que inclui lavado
peritoneal, omentectomia, linfadenectomia paraórtica e pélvica.
Existem situações em que isto não é viável devido ao tamanho
do útero gravídico, que reduz o campo cirúrgico, sendo o tratamento baseado em informações incompletas. Felizmente, a
maioria das massas malignas e tumores bordeline são de baixo grau
e estágio precoce, o que permite um estadiamento definitivo a
ser completado durante a cesárea ou no pós-parto.19
Quando a doença é aparentemente unilateral, pode-se
preservar o ovário contralateral normal, não comprometendo a
fertilidade ou a sobrevida da paciente.20-22 A salpingooforectomia
ou até mesmo a cistectomia são as opções terapêuticas no caso
de tumores bordelines. As taxas de recorrência desses tumores são
maiores na cistectomia, sendo, porém, quase sempre passíveis
de intervenção posterior.1
Nos raros casos de doença metastática, a ressecção cirúrgica agressiva está indicada, abordando, inclusive, os focos
extraovarianos. Em todos os casos, a biópsia de congelação
é necessária na decisão quanto ao tipo de abordagem. Sua
acurácia é maior para tumores benignos, seguidos pelos
malignos e tumores bordeline. Se a biópsia de congelação não
for conclusiva, a ressecção cirúrgica é a melhor opção até o
Massas anexiais na gestação
resultado definitivo da biópsia, principalmente se o tumor
estiver limitado a um único ovário.1,21
Existem riscos específicos relacionados à malignidade e ao
seu tratamento para a mãe e feto. Leiserowitz et al.18 relataram
um acompanhamento a longo prazo de 191 pacientes diagnosticadas com câncer ovariano ou tumores com baixo potencial
de malignidade. Nesse estudo, foi observada uma mortalidade
materna associada ao câncer de ovário em apenas nove pacientes (4,7%), sendo esta fortemente associada à época em que foi
diagnosticada a massa anexial (Tabela 5).
Surpreendentemente, na maioria dos estudos, o prognóstico
fetal, no que se refere à prematuridade, baixo peso ao nascer,
estadia hospitalar prolongada e gastos hospitalares excessivos, não foram alterados diante da confirmação de neoplasia
ovariana.1,6,12,17,18
Quimioterapia na gestante
A necessidade de quimioterapia adjuvante é baseada no
estadiamento do tumor e no tipo histológico. Os benefícios
do controle do câncer versus os riscos maternos e fetais devem
ser cuidadosamente analisados. Em geral, o início da quimioterapia não deve ser adiado para permitir o parto a termo,
enquanto que o risco de progressão do câncer ameaça a vida
da gestante.
Os achados de metástases extraovarianas e/ou tumores de
células germinativas altamente agressivas geralmente requerem administração urgente de quimioterapia. Por outro lado,
riscos intermediários de recorrência podem ser avaliados para
uma conduta conservadora e administração de quimioterapia
após o parto.1
Deve-se evitar a quimioterapia no primeiro trimestre, pelos
riscos de teratogenicidade e malformações fetais.1,6,18 No segundo
e terceiro trimestres, esta pode afetar o crescimento fetal e o desenvolvimento funcional. Parece não haver riscos aumentados na
quimioterapia combinada em relação ao uso de quimioterápico
único.12 Entretanto, ainda há pouca experiência nesse assunto,
sendo relatados na literatura pouco mais de 20 casos de pacientes
com câncer ovariano que receberam quimioterapia durante a
gestação nos últimos dez anos.
As complicações do uso de agentes quimioterápicos incluem
prematuridade e diabetes gestacional no período perinatal, e doença da membrana hialina e síndrome do desconforto respiratório
no período neonatal. Em longo prazo, o prognóstico para fetos
expostos à quimioterapia intraútero parece ser bom, podendo
haver alguns poucos casos de alterações no desenvolvimento
neurológico e físico da criança.18
Tabela 5 - Risco de mortalidade relacionada ao período em que
foi diagnosticada a massa ovariana na gravidez
% Risco de mortalidade materna
Época do diagnóstico
11
Pré-natal
22
No parto
67
Pós-parto
Modificado de Leiserowitz.18
Portanto quando existem indicações fortes e precisas de
tratamento adjuvante na gravidez, seu uso não deve ser retardado devido a preocupações quanto aos seus efeitos no feto.
De modo geral, a abordagem é semelhante à da não grávida,
ajustando-se apenas alguns aspectos no sentido de preservar a
viabilidade fetal.
Prognóstico materno e fetal
As consequências adversas para a mãe e o feto são primariamente resultantes das complicações da massa ovariana e/ou
da terapêutica. Se existir malignidade, os riscos do respectivo
tratamento pioram o prognóstico. Muitas vezes, é difícil diferenciar se os efeitos adversos são resultantes do próprio tumor,
do tratamento ou não estão relacionados (por exemplo: aborto
espontâneo de feto com múltiplas anomalias).
Nas portadoras de massas benignas, os riscos são maiores
naquelas submetidas à intervenção cirúrgica, como indução de
TPP e baixo peso ao nascer.6
A dor é o sintoma mais comum (26%), sendo a etiologia
geralmente a torção, mas pode também ser devido à ruptura.6
Outras complicações são obstrução do trabalho de parto, sangramentos e infecção. O tamanho do tumor também afeta o
prognóstico e riscos de complicação, sendo de 35% em tumores
de 5 a 6 cm e 85% em tumores maiores. 1,14,15
Consequências adversas no feto são comumente resultado de
catástrofe abdominal resultante de torção ou ruptura ovariana,
ou ainda associadas à cirurgia abdominal. Na maioria dos casos, a relação entre um prognóstico sombrio e o tipo de massa
não é evidente. Cirurgia eletiva é preferível durante o segundo
trimestre, quando o risco de possível morte fetal subsequente é
minimizado. A eficácia de tocolíticos para a supressão de TPP
não é bem elucidada.1,6
Considerações finais
Massas anexiais são diagnosticadas durante a gravidez,
principalmente com o advento da US obstétrica, como rotina
no pré-natal. Raramente há malignidade. A ressecção cirúrgica está recomendada durante o segundo trimestre, levando
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Feitosa FEL, Silveira CMC, Mota ACL, Melo DS, Monteiro MM, Alencar Junior CA
em consideração os riscos de torção, ruptura ou obstrução da
massa pélvica. A pedra angular do manejo cirúrgico da paciente acometida é a biopsia de congelação, pois esta norteará
a magnitude operatória. Normalmente, tenta-se preservar o
útero gravídico e os anexos. Caso a paciente esteja acometida
por câncer ovariano, confirmado por biópsia, esta poderá ser
submetida à quimioterapia, com possível margem de segurança,
entre o segundo e terceiro trimestres de gestação. Portanto,
todo o manejo deverá ser focado na sobrevivência materna e
na vitalidade fetal.
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