rEVISÃO Massas anexiais na gestação Adnexal masses in pregnancy Francisco Edson de Lucena Feitosa1 Cristiane Maria Cavalcante Silveira1 Ana Cecília Lopes Mota1 Débora Silva Melo1 Munique Martins Monteiro1 Carlos Augusto Alencar Junior1 Palavras-chave Cistos ovarianos Gravidez Quimioterapia Keywords Ovarian cysts Pregnancy Drug therapy Resumo O advento da ultrassonografia (US) durante o pré-natal tem contribuído para o aumento da detecção de massas anexiais na gestação. A maior parte dos tumores tem resolução espontânea por volta da 16a semana de gestação, sendo associada a cistos funcionais. Massas que persistem após esse período podem acarretar riscos de torção, ruptura e obstrução do canal de parto, necessitando, muitas vezes, de uma intervenção cirúrgica de emergência. A ocorrência de tumores malignos é rara. Além da US, que é utilizada como primeira modalidade para o diagnóstico, o estudo do CA-125 e do β-hCG deve ser realizado. Esses marcadores estão normalmente aumentados durante a gestação. No entanto, na presença de massas tumorais, os níveis são bem mais alterados. O manejo dessa patologia na gravidez é desafiante para o médico e acarreta ansiedade para a paciente. A cirurgia, quando indicada, deverá ser realizada entre o segundo e terceiro trimestres da gestação, levando-se em conta os riscos de complicações para a mãe e o feto. Estudos mostram que, havendo indicações precisas de tratamento adjuvante na gravidez, seu uso não deve ser adiado, pois, em longo prazo, o prognóstico para fetos expostos à quimioterapia intra-útero parece ser bom. Abstract The advent of routine prenatal ultrasonography (US) has increased the detection of adnexal masses during pregnancy. The majority of tumors spontaneously resolve around the 16th week of gestation, usually being associated with functional cysts. Masses that last after this period can complicate on risks of torsion, rupture or obstruction of labor, requiring emergent surgical intervention. The prevalence of malignant tumor is rare. Besides the use of US, which is the primary diagnostic modality, the study of tumor markers, such as CA-125 and β-hCG, must be done. Their levels are already elevated during pregnancy. However, in the presence of certain types of tumors, these levels are much more altered. The management of this pathology during pregnancy is quite challenging to the medical team and involves psychological issues to the patient. When indicated, the surgery must be taken place between the second and third trimester, always considering the risks of complications to the mother and the fetus. Several studies report that if there are strong indications for adjuvant therapy, it should not be delayed, because the longterm fetal outcomes appear to be good for those fetuses exposed to chemotherapy in utero. 1 Maternidade-Escola Assis Chateaubriand da Universidade Federal do Ceará (UFC) – Fortaleza (CE), Brasil Feitosa FEL, Silveira CMC, Mota ACL, Melo DS, Monteiro MM, Alencar Junior CA Introdução Etiologia No ano 2000, foram diagnosticados 23.100 novos casos de câncer ovariano nos Estados Unidos. No Brasil, não há uma avaliação exata do número de casos. Nas gestantes, a estimativa de câncer ovariano diagnosticado durante a gravidez fica em torno de 2 a 3% de todas as massas anexiais vistas nesse período.1 O advento da ultrassonografia (US) obstétrica como rotina em pré-natal contribuiu bastante para a detecção de massas anexiais durante a gestação. Antigamente, quando a realização de US não era tão acessível à população, as massas anexiais eram flagradas acidentalmente durante o exame físico do abdome e pelve, ou quando havia sintomatologia evidente. Nesses casos, o tratamento tornava-se mais complexo, pois o tamanho das massas já era maior, e o risco de complicações, como torção, hemorragias e obstrução do canal de parto, bem mais acentuado. A possibilidade de malignidade de massa pélvica na gestação tem uma incidência variando entre 1 em 12.000 e 1 em 47.000 gestações, fazendo-se necessário seu diagnóstico precoce. Na maioria das vezes, a paciente é assintomática, o que gera dificuldade no diagnóstico inicial, ressaltando a importância da US para a detecção da patologia. O manejo dessa entidade e sua repercussão na evolução gestacional têm sido bastante discutidos. A etiologia dessas massas anexiais, na maioria das vezes, é de cisto de corpo lúteo que irá regredir espontaneamente até a 16a semana de gestação. No entanto, a não resolução espontânea desse ou o encontro de outra etiologia, torna a abordagem do tratamento bastante difícil. A cirurgia abdominal durante a gestação representa riscos tanto para a mãe, como para o feto. No passado, todas as mulheres gestantes com massas anexiais persistentes eram conduzidas por meio de intervenção cirúrgica, preferivelmente no segundo trimestre. Atualmente, em função dos avanços em métodos de imagem, essa conduta tem sido questionada.2 Esse artigo de revisão propôs discutir métodos de diagnóstico, etiologia de massas anexiais, incluindo os riscos de malignidade, opções de tratamento, riscos maternos e fetais e o manejo do câncer ovariano na gravidez. Os cistos funcionais são particularmente comuns na gravidez, destacando os cistos de corpo lúteo que têm menos do que 5 cm. Esses regridem espontaneamente por volta da 16a semana de gestação e devem ser primeiramente excluídos frente a uma investigação etiológica. Alguns estudos mostram uma relação entre cistos de corpo lúteo e doença trofoblástica gestacional. A frequência com que tumores ovarianos não funcionais aparecem tem relação direta com a idade da paciente e com fatores próprios da sua gestação.3 Tumores de células germinativas são mais comuns em gestantes jovens. Por outro lado, os cânceres ovarianos epiteliais são achados mais frequentemente em grávidas com mais idade.4 A prevalência dos tumores ovarianos é variável (Tabela 1). Esses respondem por 2 a 3% das massas anexiais vistas na gravidez. A etiologia definitiva da massa retirada por excisão cirúrgica ou por biópsia é esclarecida frente ao estudo histopatológico da amostra. O diagnóstico firmado é relevante para conduzir o manejo e a instituição do tratamento. A conduta inapropriada oferece sérios riscos maternos e/ou fetais. A estimativa correta de prevalência das massas ovarianas em pacientes gestantes, com ou sem o diagnóstico de malignidade, não existe no Brasil. Estimativas seguras, como as dos Estados Unidos, mostram que muitos casos de diagnóstico etiológico de tumores ovarianos de baixo potencial de malignidade, como os tumores ovarianos boderline, são incluídos na cota de cânceres; percebe-se que esses são pouco agressivos e, na grande maioria das vezes, indolentes. A investigação etiológica será, então, baseada na idade da paciente, na epidemiologia e na histologia, tendo o laudo da biópsia como padrão-ouro. O prognóstico de tumor ovariano na gravidez é favorável, já que a parcela acometida é pequena e o diagnóstico pode ser precoce com a US no pré-natal. Tabela 1 - Prevalência dos tumores ovarianos na gravidez Histologia % Tumores boderline (seroso, mucinoso, endometrioide) 51 Células germinativas 39 Tumores epiteliais 37 Modificado de Gary e Leiserowitz. 1 138 FEMINA | Março 2009 | vol 37 | nº 3 Métodos diagnósticos O médico deve estar atento para as causas ginecológicas e não ginecológicas das massas anexiais pélvicas em pacientes gestantes. Dentre os exames complementares mais utilizados para a elucidação diagnóstica, destacam-se a US, a ressonância magnética e os marcadores tumorais. A US é o método de imagem mais amplamente utilizado devido à segurança em gestantes, por ser não invasivo e eficaz, apesar de ser operador-dependente. A delineação anatômica e a relação morfológica da massa anexial com as estruturas próximas são os fatores primeiramente analisados a US. A diferenciação Massas anexiais na gestação necessária entre uma variedade benigna de uma maligna é feita utilizando recursos tais como: tamanho do tumor, morfologia e coloração com doplervelocimetria. Índice de pulsatibilidade menor que 1 ao estudo com Doppler e uma área morfológica suspeita são fatores preditivos para malignidade.3 Vale salientar que, levando em conta esses fatores ultrassonográficos, poderão ocorrer falsosnegativos em torno de 50% quando a US com doplervelocimetria é usada como único método de rastreamento. Além disso, o uso do doplervelocimetria torna-se questionável em função da alteração vascular própria da gestação na região pélvica. Lerner et al.5 propuseram um sistema de escores para determinar o risco de malignidade de uma massa ovariana baseando-se na US (Tabela 2). A ressonância nuclear magnética (RNM) tem sido seguramente indicada durante a gravidez para o diagnóstico e acompanhamento de massas anexiais. A capacidade de visualização da massa em três dimensões, delineação precisa dos tecidos circunvizinhos e a caracterização da composição tissular da região abordada torna-a vantajosa. O alto custo e a dificuldade de obtenção desse exame em detrimento da US, torna esse método de imagem menos requerido.6 A utilização da RNM para diferenciar massas anexiais suspeitas, como leiomiomas, de tumores ovarianos sólidos, foi descrita desde 1993.7 O uso de marcadores tumorais para diagnóstico, acompanhamento e/ou prognóstico de massas anexiais na gestação é controverso. A própria gestação aumenta marcadores séricos de células germinativas como ß-hCG e α-fetoproteína. Tem sido descrita a dosagem de CA-125 como marcador tumoral; entretanto, a elevação deste pode ocorrer em mulheres na pré-menopausa, na fibrose uterina benigna e na gestação, comprometendo sua especificidade . Quando se está pesquisando a etiologia de uma massa pélvica na gestação, a solicitação do CA-125 poderá nortear, juntamente com outros achados, o diagnóstico, a conduta e o prognóstico.6 Em estudo publicado em 1995, a elevação do CA-125 foi encontrada em 16% das pacientes no primeiro trimestre de gestação, sem evidências de malignidade.8 Qualquer elevação dos marcadores tumorais deverá ser considerada juntamente com os resultados de exames de imagem e com a clínica da paciente. Opções de tratamento das massas anexiais na gestação Conservador As massas anexiais na gravidez podem ser abordadas de maneira conservadora ou intervencionista. A decisão quanto à conduta depende, principalmente, dos riscos e dos benefícios maternos e fetais. Uma avaliação precisa dos riscos de malignidade deve ser um dos principais determinantes dessa decisão, separando-se as raras massas com características suspeitas da maioria que são benignas. O estudo ultrassonográfico pode estratificar com sucesso tais riscos. Apesar da existência de diversas publicações na literatura sobre casos de massas anexias em gestantes, até o momento não existem protocolos específicos sobre o manejo apropriado dessas pacientes. A maioria dos cistos descobertos durante a gravidez se resolverão espontaneamente e/ou não necessitarão de qualquer tipo de intervenção. Estudos baseados na triagem por US obstétrica mostraram que a maioria das massas anexiais conduzidas apenas de maneira expectante desapareceram, com nenhuma ou com pequena porcentagem de complicações no decorrer da gestação.6,9,10 Portanto, a simples observação da maioria das massas ovarianas em gestantes parece ser uma opção terapêutica viável.1 Cirúrgico As massas ovarianas que necessitam de intervenção cirúrgica possuem, pelo menos, uma das indicações abaixo: • forte suspeita de malignidade e/ou massas extensas (maiores que 8 a 10 cm); • apresenta-se com sintomatologia; • risco aumentado de complicações (torção, ruptura e obstrução da via de parto) que, muitas vezes, requerem intervenção cirúrgica de emergência (Tabela 3). Tabela 2 - Riscos de malignidade baseados nos achados ultrassonográficos Risco de câncer ovariano Baixo Intermediário Alto Critérios ultrassonográficos Cística, unilobular, <5 cm Cística, multilobular complexa, paredes finas Massas sólidas, nódulos, >5 cm Modificado de Lerner et al.5 Tabela 3 - Prevalência de complicações das massas anexiais durante a gestação Estudo Struyk e Treffers 14 Whitecar, Turner e Higby17 Bromley e Benacerraf 13 Bernhard et al.9 % Torção 12 8,5 0,8 1 (Massa palpável) % Ruptura 9 - % Obstrução da via de parto 17 - % Abdômen agudo 12,3 - FEMINA | Março 2009 | vol 37 | nº 3 139 Feitosa FEL, Silveira CMC, Mota ACL, Melo DS, Monteiro MM, Alencar Junior CA A probabilidade de uma massa ovariana complexa ser maligna é relativamente baixa (29,4%), mas aumenta à medida que são encontrados outros achados, como ascite ou aumento da espessura do omento.11 Muitos autores enfatizam as complicações citadas acima, no entanto, elas geralmente ocorrem em massas muito extensas e sintomáticas. De uma maneira geral, os estudos mais recentes, quando comparados aos mais antigos parecem mostrar riscos menores de torção e ruptura.6,12-15 Isto provavelmente reflete a maior proporção de massas ovarianas assintomáticas detectadas precocemente por US, as quais possuem uma menor tendência de complicar a gestação.1 Não existe consenso quanto à época exata para intervir cirurgicamente. Uma intervenção precoce pode ser favorável, no sentido de evitar o atraso de uma terapia adjuvante, no caso de tumores malignos, e de diminuir os riscos de futuras complicações. Por outro lado, as vantagens de uma intervenção mais tardia consistem em permitir a involução espontânea de um cisto funcional, sem predispor a paciente a um procedimento cirúrgico desnecessário, além de permitir uma melhor viabilidade do feto, caso ocorra trabalho de parto prematuro (TPP) após a cirurgia. A maioria dos autores defende adiar o tratamento cirúrgico até a metade do segundo trimestre, a menos que a gestante se apresente com sintomatologia aguda ou achados óbvios de malignidade.2 A escolha entre a laparoscopia ou laparotomia depende dos riscos de malignidade, da urgência do procedimento e da habilidade do cirurgião. Independentemente da técnica cirúrgica, deve-se considerar cuidadosamente as alterações fisiológicas e anatômicas maternas, além de monitorizar os batimentos cardíacos fetais antes e, se possível, durante todo o procedimento. A manipulação uterina deve ser a mínima possível, estando as equipes cirúrgica e anestésica sempre preparados para uma possível operação cesariana de emergência, caso a viabilidade fetal esteja ameaçada.2,16 À medida que os cirurgiões se tornam mais experientes, ocorre uma maior tendência a cirurgias laparoscópicas durante a gravidez, como já é bem descrito no tratamento da apendicite e colelitíase, mostrando excelentes resultados e mínimos riscos de morte fetal ou TPP A laparoscopia tem sido a abordagem de Tabela 4 - Vantagens e desvantagens da cirurgia laparoscópica no tratamento de tumores ovarianos na gravidez Vantagens Desvantagens Minimamente invasiva Não pode ser utilizada em casos suspeitos de câncer ovariano Menor tempo de recuperação pós-operatória Taxa de recorrência de 2,3% nos casos de malignidade Menor risco de perda fetal/TPP Vazamento ou ruptura de cisto ovariano maligno, reduzindo a sobrevida Fontes: Gary e Leiserowitz1, Al-Fozan e Tulandi16Nagarsheth et al.19, Vergote et al.20. TPP: trabalho de parto prematuro. 140 FEMINA | Março 2009 | vol 37 | nº 3 escolha para massas ovarianas benignas em não grávidas, tendo sido realizada em alguns casos de câncer ovariano. Consequentemente, tem havido um aumento deste tipo de cirurgia em gestantes com massas anexiais.16-18 As pacientes que mais se beneficiam da cirurgia laparoscópica são as que estão no primeiro ou no segundo trimestres de gestação e que não têm suspeita de malignidade. No entanto, uma abordagem minimamente invasiva não elimina as chances de resultados adversos para o feto.1 A Tabela 4 sintetiza as principais vantagens e desvantagens da cirurgia laparoscópica. As massas ovarianas muito extensas podem ser classificadas em dois grupos: as que consistem em grandes cistos, porém, uniloculares, e aquelas com cistos complexos. Em ambos os casos, deve-se considerar o tratamento conservador, com a intervenção cirúrgica reservada para as possíveis complicações. Se os achados ultrassonográficos forem sugestivos de uma massa benigna, pode-se considerar a opção de cistectomia, seja por laparoscopia ou laparotomia. Caso contrário, o manejo apropriado é a ooforectomia.1 Abordagem do câncer ovariano na gestação Assim como na população geral, o câncer ovariano e as massas com baixo potencial de malignidade devem ser manejados cirurgicamente nas gestantes. O cirurgião deve estar preparado para um estadiamento cirúrgico completo, que inclui lavado peritoneal, omentectomia, linfadenectomia paraórtica e pélvica. Existem situações em que isto não é viável devido ao tamanho do útero gravídico, que reduz o campo cirúrgico, sendo o tratamento baseado em informações incompletas. Felizmente, a maioria das massas malignas e tumores bordeline são de baixo grau e estágio precoce, o que permite um estadiamento definitivo a ser completado durante a cesárea ou no pós-parto.19 Quando a doença é aparentemente unilateral, pode-se preservar o ovário contralateral normal, não comprometendo a fertilidade ou a sobrevida da paciente.20-22 A salpingooforectomia ou até mesmo a cistectomia são as opções terapêuticas no caso de tumores bordelines. As taxas de recorrência desses tumores são maiores na cistectomia, sendo, porém, quase sempre passíveis de intervenção posterior.1 Nos raros casos de doença metastática, a ressecção cirúrgica agressiva está indicada, abordando, inclusive, os focos extraovarianos. Em todos os casos, a biópsia de congelação é necessária na decisão quanto ao tipo de abordagem. Sua acurácia é maior para tumores benignos, seguidos pelos malignos e tumores bordeline. Se a biópsia de congelação não for conclusiva, a ressecção cirúrgica é a melhor opção até o Massas anexiais na gestação resultado definitivo da biópsia, principalmente se o tumor estiver limitado a um único ovário.1,21 Existem riscos específicos relacionados à malignidade e ao seu tratamento para a mãe e feto. Leiserowitz et al.18 relataram um acompanhamento a longo prazo de 191 pacientes diagnosticadas com câncer ovariano ou tumores com baixo potencial de malignidade. Nesse estudo, foi observada uma mortalidade materna associada ao câncer de ovário em apenas nove pacientes (4,7%), sendo esta fortemente associada à época em que foi diagnosticada a massa anexial (Tabela 5). Surpreendentemente, na maioria dos estudos, o prognóstico fetal, no que se refere à prematuridade, baixo peso ao nascer, estadia hospitalar prolongada e gastos hospitalares excessivos, não foram alterados diante da confirmação de neoplasia ovariana.1,6,12,17,18 Quimioterapia na gestante A necessidade de quimioterapia adjuvante é baseada no estadiamento do tumor e no tipo histológico. Os benefícios do controle do câncer versus os riscos maternos e fetais devem ser cuidadosamente analisados. Em geral, o início da quimioterapia não deve ser adiado para permitir o parto a termo, enquanto que o risco de progressão do câncer ameaça a vida da gestante. Os achados de metástases extraovarianas e/ou tumores de células germinativas altamente agressivas geralmente requerem administração urgente de quimioterapia. Por outro lado, riscos intermediários de recorrência podem ser avaliados para uma conduta conservadora e administração de quimioterapia após o parto.1 Deve-se evitar a quimioterapia no primeiro trimestre, pelos riscos de teratogenicidade e malformações fetais.1,6,18 No segundo e terceiro trimestres, esta pode afetar o crescimento fetal e o desenvolvimento funcional. Parece não haver riscos aumentados na quimioterapia combinada em relação ao uso de quimioterápico único.12 Entretanto, ainda há pouca experiência nesse assunto, sendo relatados na literatura pouco mais de 20 casos de pacientes com câncer ovariano que receberam quimioterapia durante a gestação nos últimos dez anos. As complicações do uso de agentes quimioterápicos incluem prematuridade e diabetes gestacional no período perinatal, e doença da membrana hialina e síndrome do desconforto respiratório no período neonatal. Em longo prazo, o prognóstico para fetos expostos à quimioterapia intraútero parece ser bom, podendo haver alguns poucos casos de alterações no desenvolvimento neurológico e físico da criança.18 Tabela 5 - Risco de mortalidade relacionada ao período em que foi diagnosticada a massa ovariana na gravidez % Risco de mortalidade materna Época do diagnóstico 11 Pré-natal 22 No parto 67 Pós-parto Modificado de Leiserowitz.18 Portanto quando existem indicações fortes e precisas de tratamento adjuvante na gravidez, seu uso não deve ser retardado devido a preocupações quanto aos seus efeitos no feto. De modo geral, a abordagem é semelhante à da não grávida, ajustando-se apenas alguns aspectos no sentido de preservar a viabilidade fetal. Prognóstico materno e fetal As consequências adversas para a mãe e o feto são primariamente resultantes das complicações da massa ovariana e/ou da terapêutica. Se existir malignidade, os riscos do respectivo tratamento pioram o prognóstico. Muitas vezes, é difícil diferenciar se os efeitos adversos são resultantes do próprio tumor, do tratamento ou não estão relacionados (por exemplo: aborto espontâneo de feto com múltiplas anomalias). Nas portadoras de massas benignas, os riscos são maiores naquelas submetidas à intervenção cirúrgica, como indução de TPP e baixo peso ao nascer.6 A dor é o sintoma mais comum (26%), sendo a etiologia geralmente a torção, mas pode também ser devido à ruptura.6 Outras complicações são obstrução do trabalho de parto, sangramentos e infecção. O tamanho do tumor também afeta o prognóstico e riscos de complicação, sendo de 35% em tumores de 5 a 6 cm e 85% em tumores maiores. 1,14,15 Consequências adversas no feto são comumente resultado de catástrofe abdominal resultante de torção ou ruptura ovariana, ou ainda associadas à cirurgia abdominal. Na maioria dos casos, a relação entre um prognóstico sombrio e o tipo de massa não é evidente. Cirurgia eletiva é preferível durante o segundo trimestre, quando o risco de possível morte fetal subsequente é minimizado. A eficácia de tocolíticos para a supressão de TPP não é bem elucidada.1,6 Considerações finais Massas anexiais são diagnosticadas durante a gravidez, principalmente com o advento da US obstétrica, como rotina no pré-natal. Raramente há malignidade. A ressecção cirúrgica está recomendada durante o segundo trimestre, levando FEMINA | Março 2009 | vol 37 | nº 3 141 Feitosa FEL, Silveira CMC, Mota ACL, Melo DS, Monteiro MM, Alencar Junior CA em consideração os riscos de torção, ruptura ou obstrução da massa pélvica. A pedra angular do manejo cirúrgico da paciente acometida é a biopsia de congelação, pois esta norteará a magnitude operatória. Normalmente, tenta-se preservar o útero gravídico e os anexos. Caso a paciente esteja acometida por câncer ovariano, confirmado por biópsia, esta poderá ser submetida à quimioterapia, com possível margem de segurança, entre o segundo e terceiro trimestres de gestação. Portanto, todo o manejo deverá ser focado na sobrevivência materna e na vitalidade fetal. Leituras suplementares 1. Gary S, Leiserowitz MD. Managing Ovarian Masses During Pregnancy.Obstetrical and Gynecological Survey. 2006;61(7):463-71. 2. Silva CS, Paschoini MC, Ângelo AG, Paschoini GC, Murta EFC. Massa anexial e gravidez: Relato de caso e revisão da literatura. Revista Brasileira de Cancerologia. 2001;47(4):403-06. 3. Wheeler TC, Fleisher AC. Complex adnexal mass in pregnancy: predictive value of color Doppler sonography. J Ultrasound Med. 1997;16(6):425-28. 4. Montz FJ, Schlaerth JB, Morrow CP. The natural history of theca lutein cysts. Obstet Gynecol. 1988;72(2):247-51. 5. Giuntoli RL, Vang RS, Bristol RE. Evaluation and management of adnexal masses during pregnancy. Clinical Obstetrics and Gynecology. 2006;49(3): 492-505. 6. Lerner JP, Timor-Tritsch IE, Federman A, Abramovich G. Transvaginal ultrasonographic characterization of ovarian masses with an improved, weighted scoring system. Am J Obstet Gynecol. 1994;170(1):81-85. 7. Bernhard LM, Klebba PK, Gray DL, Mutch DG. Predictors of persistence of adnexal masses in pregnancy. Obstet Gynecol. 1999;93(4):585-89. 8. Zanetta G, Mariani E, Lissoni A, Ceruti P, Trio D, Strobelt N, et al. A prospective study of the role of ultrasound in the management of adnexal masses in pregnancy. BJOG. 2003;110(6):578-83. 9. Hogston P, Lilford RJ. Ultrasound study of ovarian cysts in pregnancy: prevalence and significance. Br J Obstet Gynaecol. 1986;93(6):625-28. 10. Curtis M, Hopkins MP, Zarlingo T, Martino C, Graciansky-Lengyl M, Jenison EL. Magnetic resonance imaging to avoid laparotomy in pregnancy. Obstet Gynecol. 1993;82(5):833-36. 11. Hermans RH, Fischer DC, Van der Putten HW, Van de Putte G, Einzmann T, Vos MC, et al. Adnexal masses in pregnancy. Onkologie. 2003;26(2): 167-72. 142 FEMINA | Março 2009 | vol 37 | nº 3 12. Bromley B, Benacerraf B. Adnexal masses during pregnancy: accuracy of sonographic diagnosis and outcome. J Ultrasound Med. 1997;16(7):447-52. 13. Struyk AP, Treffers PE. Ovarian tumors in pregnancy. Acta Obstet Gynecol Scand. 1984;63(5):421-24. 14. Ueda M, Ueki M. Ovarian tumors associated with pregnancy. Int J Gynaecol Obstet. 1996;55(1):59-65. 15. Marino T, Craigo SD. Managing adnexal masses in pregnancy. Contemp Obstet Gynecol. 2000;45(5):130-43. 16. Whitecar MP, Turner S, Higby MK. Adnexal masses in pregnancy: a review of 130 cases undergoing surgical management. Am J Obstet Gynecol. 1999;181(1):19-24. 17. Leiserowitz GS, Xing G, Cress R, Brahmbhatt B, Dalrymple JL, Smith LH. Adnexal masses in pregnancy: how often are they malignant? Gynecol Oncol. 2006;101(2):315-21. 18. Nagarsheth NP, Rahaman J, Cohen CJ, Gretz H, Nezhat F. The incidence of portsite metastases in gynecologic cancers. JSLS. 2004;8(2):133-39. 19. Vergote I, De Brabanter J, Fyles A, Bertelsen K, Einhorn N, Sevelda P, et al. Prognostic importance of degree of differentiation and cyst rupture in stage I invasive epithelial ovarian carcinoma. Lancet. 2001;357(9251):176-182. 20. Goff BA, Paley PJ, Koh WJ, Petersdorf SH, Douglas JG, Greer BE. Cancer in the pregnant patient. In: Hoskins WJ, Perez CA, Young RC, editors. Principles and Practice of Gynecologic Oncology, 3rd ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2000. p.501-28. 21. Boulay R, Podezaski E. Ovarian cancer complicating pregnancy. Obstet Gynecol Clin North Am. 1998;25(2):385-99. 22. Dgani R, Shoham Z, Atar E, Zosmer A, Lancet M. Ovarian carcinoma during pregnancy: a study of 23 cases in Israel between the years 1960 and 1984. Gynecol Oncolog. 1989;33(3):326-31.