Efeito de estressores físicos em células do sistema - CCEN

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA
DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA MOLECULAR
LABORATÓRIO DE BIOLOGIA CELULAR E DO DESENVOLVIMENTO
Efeito de estressores físicos em células do sistema imune, gametas e células
embrionárias de ouriços-do-mar Echinometra lucunter
Raianna Saskia Boni de Vasconcelos Mendes
Prof. Dr. Luis Fernando Marques-Santos
Orientador
Profa. Dra. Patrícia Mirella da Silva Scardua
Co-orientadora
João Pessoa – 2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA
DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA MOLECULAR
LABORATÓRIO DE BIOLOGIA CELULAR E DO DESENVOLVIMENTO
Efeito de estressores físicos em células do sistema imune, gametas e células
embrionárias de ouriços-do-mar Echinometra lucunter
Raianna Saskia Boni de Vasconcelos Mendes
Prof. Dr. Luis Fernando Marques-Santos
Orientador
Profa. Dra. Patrícia Mirella da Silva Scardua
Co-orientadora
Trabalho - Monografia apresentada ao
Curso de Ciências Biológicas (Trabalho
Acadêmico de conclusão de Curso), como
requisito parcial à obtenção do grau de
Bacharel em Ciências Biológicas
João Pessoa – 2014
Catalogação na publicação
Universidade Federal da Paraíba
Biblioteca Setorial do CCEN
M538e Mendes, Raianna Saskia Boni de Vasconcelos.
Efeito de estressores físicos em células do sistema imune,
Gametas e células embrionárias de ouriços-do-mar Echinometra
lucunter / Raianna Saskia Boni de Vasconcelos Mendes. - João
Pessoa, 2014.
55f. : il. Monografia (Bacharelado em Ciências Biológicas) Universidade Federal da Paraíba.
Orientador: Profº Dr. Luis Fernando Marques-Santos.
1. Ouriços do mar. 2. Estressores físicos. 3. Celomócitos.
4. Fagocitose. I. Título.
FPB/BS-CCEN
CDU: 563.95 (043.2)
Raianna Saskia Boni de Vasconcelos Mendes
Efeito de estressores físicos em células do sistema imune, gametas e células embrionárias
de ouriços-do-mar Echinometra lucunter
Trabalho – Monografia apresentada ao Curso de Ciências Biológicas, como requisito parcial à
obtenção do grau de Bacharel em Ciências Biológicas
Data:_________________________________
Resultado: ____________________________
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. Luis Fernando Marques-Santos (Orientador)
Departamento de Biologia Molecular – UFPB
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. José Antônio Novaes da Silva
Departamento de Biologia Molecular – UFPB
___________________________________________________________________________
M.Sc. Jocelmo Cássio de Araujo Leite
Programa de Pós-Graduação em Produtos Naturais e Sintéticos Bioativos
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador Prof. Dr. Luis Fernando Marques dos Santos por ter me aceitado como
orientanda, por ter me inspirado e me passado a paixão pela ciência e ter me ensinado a ter
senso crítico. Obrigada pelas palavras de incentivo e pelo apoio nos momentos de crise.
À Prof. Dra. Patrícia Mirella da Silva Scardua por também ter acreditado em mim e me
aceitado como orientanda no primeiro período. Obrigada também pela co-orientação.
À minha mãe, Joana Boni, por me incentivar a estudar desde sempre, mesmo antes de entrar
na escola. Por me ensinar o valor da educação e por me incentivar a fazer o meu melhor.
Obrigada por tudo e obrigada pela pessoa que eu sou hoje.
Ao meu pai, Augusto Vasconcelos, pelos sacrifícios que sempre fez e faz por mim, por
sempre estar presente na minha vida. Obrigada pela minha educação e pelo apoio nas minhas
decisões. Muito obrigada por tudo.
Aos meus cachorros, Thor, Lori e Fred, pela companhia enquanto escrevia a monografia e
pelos momentos de alegria durante o processo.
Às minhas amigas e irmãs Rauani e Virgínia por toda a força que me deram em todo o tempo
de amizade e durante a minha formação.
Aos meus amigos Natan e Cairé pela força durante a graduação, pelas ajudas nos
experimentos e por ficarem até tarde no laboratório comigo quando eu precisei.
Aos amigos Larissa, Elis, Diógenes, Érick, Luke, Flavinha, Marina, Yuri, Dudu, Melissa e
Aurora pelo apoio e pelos momentos de alegria.
Aos amigos do LABID Jocelmo, Thaís, Leo, Andrezza, Thyago e Dalliane pela companhia e
pela amizade.
A Jocelmo, especialmente, pela paciência e por todo o ensinamento durante esse tempo.
A Leo que aguentou minhas lamentações e me ajudou nas minhas decisões.
Aos colegas do LABIPI Fernando, Sâmia, Jaíse e Pedro pela companhia.
Ao Sr. Antônio Bosco pela atenção e carinho diários.
Ao CNPq pelo apoio financeiro e à UFPB pela estrutura e formação acadêmica.
RESUMO
Ações antropogênicas têm provocado tanto o aumento da temperatura quanto a
depleção da camada de ozônio, sendo, esta última, responsável pelo aumento na incidência de
radiação ultravioleta na superfície terrestre. Os ouriços-do-mar Echinometra lucunter estão
sujeitos a constantes variações ambientais, como temperatura e salinidade, além de estarem,
também, expostos às radiações ultravioletas. Assim, o objetivo do presente trabalho foi
investigar o efeito de agentes estressores físicos – estresse térmico e radioativo – nas células
do sistema imune, gametas e células embrionárias de E. lucunter. Os animais foram coletados
na praia de Cabo Branco e mantidos em aquário a 25 + 2ºC com constante aeração. Os
celomócitos, gametas e embriões foram submetidos a diferentes doses de UVA ou UVB ou
diferentes temperaturas. A produção de ROS nos celomócitos foi mensurada pela sonda
fluorescente H2DCFDA, e a capacidade fagocítica foi analisada através da incubação das
células com microesferas fluorescentes de látex. A análise das amostras foi realizada em
citometria de fluxo. Para ensaios de desenvolvimento, os embriões foram mantidos em cultura
e os estágios do desenvolvimento foram analisados sob microscopia óptica. Os níveis
intracelulares basais de ROS dos celomócitos diminuíram com o tempo de cultura, assim
como a porcentagem de células com capacidade fagocítica. Nenhuma das doses de UVA
afetou a produção de ROS ou a capacidade fagocítica dos celomócitos, assim como o
desenvolvimento embrionário. A maior dose de UVB utilizada (14.400 J/m²), porém,
diminuiu, em cerca de 40%, a produção de ROS, 4 e 8 horas após a irradiação, e diminuiu o
índice fagocítico. A capacidade fagocítica dos celomócitos diminuiu entre 10% e 20% quando
as células foram incubadas a 10ºC ou 40ºC, quando comparadas às células mantidas à 25ºC.
Também foi observada a redução do índice fagocítico nos celomócitos mantidos à 10ºC e
40ºC. Os embriões incubados a 20ºC apresentaram um atraso no desenvolvimento, enquanto
que os embriões incubados à 34ºC se desenvolveram mais rapidamente. Os celomócitos de E.
lucunter foram resistentes aos danos oxidativos causados pela exposição à radiação
ultravioleta, assim como os embriões expostos à radiação UVA, enquanto que celomócitos e
embriões foram sensíveis à variação de temperatura. Estudos adicionais podem permitir que
os parâmetros celulares investigados no presente trabalho possam ser utilizados como
bioindicadores no monitoramento ambiental.
Palavras-chave:
ouriços-do-mar,
desenvolvimento embrionário
estressores
físicos,
celomócitos,
ROS,
fagocitose,
ABSTRACT
Anthropogenic actions have caused both increasing temperature as depletion of ozone
layer, and this last one being responsible for the increased incidence of ultraviolet radiation on
the earth's surface. Sea urchins Echinometra lucunter are subject to constant environmental
changes such as temperature and salinity, and are also exposed to ultraviolet radiation. The
aim of the present study was to investigate the effect of physical stressors - thermal and
radioactive stress - in immune cells, gametes and embryonic cells of E. lucunter. Animals
were collected at Cabo Branco beach and kept in aquarium at 25 + 2°C with constant aeration.
Coelomocytes, gametes and embryos were submitted to different UVA or UVB doses or
different temperatures. Coelomocytes ROS production was measured by the fluorescent probe
H2DCFDA, and phagocytic capacity was analyzed by incubating cells with fluorescent latex
microspheres. Analysis of samples was conducted under flow cytometry. Embryonic
developmental stages were analyzed under light microscopy. Basal intracellular ROS levels of
coelomocytes decreased with time in culture as well as the percentage of cells with
phagocytic capacity. None of the doses of UVA affect the production of ROS or the
phagocytic capacity of coelomocytes, as well as embryonic development. The higher dose of
UVB (14,400 J/m²), however, decreased about 40% production of ROS, 4 and 8 hours after
irradiation, and decreased phagocytic index. The phagocytic capacity of coelomocytes
decreased between 10% and 20% when the cells were incubated at 10°C or 40°C when
compared to cells maintained at 25°C. We noted the reduction of phagocytic index in
celomócitos kept at 10°C and 40°C. The embryos incubated at 20°C showed a delay in
development, while the embryos incubated at 34°C developed more quickly. E. lucunter
coelomocytes were resistant to oxidative damage caused by exposure to ultraviolet radiation,
as well as the embryos exposed to UVA, whereas coelomocytes and embryos were sensitive
to temperature variations. Additional studies may allow that the cell parameters investigated
in this study can be used as biomarkers in environmental monitoring.
Keywords: sea urchin, physical stressors, coelomocytes, ROS, phagocytosis, embryonic
development
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Espectro da luz……………………………………………………………….....
13
Figura 2. Danos oxidativos causados pela radiação UVA..................................................
14
Figura 3. Formação de dímeros de pirimidina entre timina-timina e timina-citosina.........
14
Figura 4. Mudanças na (A) temperatura média global, (B) nível dos oceanos e (C)
cobertura de gelo no hemisfério norte..................................................................................
16
Figura 5. Geração de espécies reativas de oxigênio pela NADPH oxidase presente em
fagossomos............................................................................................................................
19
Figura 6. Echinometra lucunter em seu habitat natural.......................................................
23
Figura 7. Identificação do sexo dos animais........................................................................
25
Figura 8. Injeção de KCl na região perioral do animal para obtenção dos gametas............
25
Figura 9. Coleta de espermatozoides (A) e óvulos (B)........................................................
26
Figura 10. Irradiação de (A) óvulos, (B) espermatozoides e (C) zigotos............................
27
Figura
11.
Análise
da
capacidade
fagocítica
de
celomócitos
(histograma
representativo).......................................................................................................................
28
Figura 12. O nível basal de ROS diminui com o tempo de cultura.....................................
31
Figura 13. A porcentagem de células que fagocitam diminui com o tempo de cultura.......
32
Figura 14. Efeito da radiação UVA nos níveis intracelulares de ROS................................
33
Figura 15. Efeito da UVB nos níveis intracelulares de ROS...............................................
34
Figura 16. Efeito da radiação UVA na capacidade fagocítica de celomócitos de ouriçosdo-mar...................................................................................................................................
35
Figura 17. Efeito da radiação UVB na capacidade fagocítica de celomócitos de ouriçosdo-mar...................................................................................................................................
36
Figura 18. Avaliação da capacidade fagocítica de celomócitos de ouriços-do-mar
expostos a diferentes temperaturas.......................................................................................
38
Figura 19. Efeito da exposição de óvulos à radiação UVA no desenvolvimento
embrionário............................................................................................................................ 39
Figura 20. Efeito da exposição de espermatozoides à radiação UVA no desenvolvimento
embrionário............................................................................................................................ 40
Figura 21. Efeito da exposição de zigotos à radiação UVA no desenvolvimento
embrionário............................................................................................................................ 40
Figura 22. Efeito da temperatura no desenvolvimento embrionário....................................
42
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Índice fagocítico de celomócitos expostos à radiação UVA...............................
35
Tabela 2. Índice fagocítico de celomócitos expostos à radiação UVB...............................
36
Tabela 3. Índice fagocítico de celomócitos expostos a diferentes temperaturas................. 37
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO..............................................................................................................
12
2. OBJETIVOS...................................................................................................................
22
2.1. Objetivos gerais.............................................................................................................
22
2.2. Objetivos específicos....................................................................................................
22
3. MATERIAL E MÉTODOS...........................................................................................
23
3.1. Coleta de animais..........................................................................................................
23
3.2. Coleta de celomócitos e de fluido celômico..................................................................
24
3.3. Determinação da concentração total de celomócitos....................................................
24
3.4. Determinação do sexo dos animais...............................................................................
24
3.5. Obtenção dos gametas...................................................................................................
25
3.6. Coleta e armazenamento dos gametas...........................................................................
25
3.7. Fertilização in vitro.......................................................................................................
26
3.8. Irradiação de gametas, embriões e celomócitos............................................................
26
3.9. Efeito das radiações UVA e UVB na capacidade fagocítica e no índice fagocítico de
celomócitos............................................................................................................................ 28
3.10. Efeito das radiações UVA e UVB na produção de espécies reativas de oxigênio em
celomócitos............................................................................................................................ 29
3.11. Efeito da temperatura na capacidade fagocítica de celomócitos.................................. 29
3.12. Efeito da temperatura no desenvolvimento embrionário.............................................
29
3.13. Análise estatística......................................................................................................... 30
4. RESULTADOS................................................................................................................ 31
4.1. Influência do tempo de cultura na produção de ROS e na capacidade fagocítica de
celomócitos............................................................................................................................ 31
4.2. Efeito de estressores físicos em celomócitos de ouriços-do-mar................................... 32
4.2.1. Efeito das radiações UVA e UVB na produção de ROS....................................... 32
4.2.2. Efeito das radiações UVA e UVB na capacidade fagocítica e no índice
fagocítico............................................................................................................................... 34
4.2.3. Efeito da temperatura na capacidade fagocítica e no índice fagocítico................
37
4.3. Efeito de estressores físicos no desenvolvimento embrionário de ouriços-do-mar.......
39
4.3.1. Efeito da radiação UVA no desenvolvimento embrionário..................................
39
4.3.2. Efeito da temperatura no desenvolvimento embrionário......................................
41
5. DISCUSSÃO....................................................................................................................
43
6. CONCLUSÕES...............................................................................................................
49
7. REFERÊNCIAS..............................................................................................................
50
13
1. INTRODUÇÃO
Durante milhares de anos, até a Revolução Industrial (nos anos 1760), a média da
temperatura global mudou muito pouco – em média 0,5ºC – e a concentração atmosférica de
CO2 não variou mais do que 4 ppm. As espécies e ecossistemas atuais são adaptados para
essas condições climáticas. Após a Revolução Industrial, essas condições começaram a mudar
(RIDGWELL; VALDES, 2009). Com a queima de combustíveis fósseis e utilização de
máquinas e equipamentos refrigeradores, por exemplo, altas concentrações de gases danosos
são emitidas para a atmosfera. A concentração atmosférica de CO 2 em 2005, por exemplo, foi
a mais alta dos últimos 650.000 anos (dado de 2007). Os gases emitidos ficam retidos ou
interagem com moléculas presentes na atmosfera, como o ozônio, e interferem no equilíbrio
climático do planeta (IPCC, 2007).
A camada de ozônio (O3) presente na estratosfera é capaz de absorver a radiação
ultravioleta (UV) emitida pelo Sol e evitar danos causados pela radiação, como o câncer de
pele e a catarata. No início dos anos 1970, foi observado que ações humanas podiam causar a
depleção da camada de ozônio através da emissão de gases como os clorofluorcarbonos
(CFCs). Durante as últimas quatro décadas, a camada de ozônio sofreu uma redução de 3,5%
e, como consequência, houve um aumento na incidência da radiação UV na superfície
terrestre (WORLD METEOROLOGICAL ORGANIZATION, 2011).
A luz ultravioleta é um tipo de radiação eletromagnética que possui um comprimento
de onda menor do que o da luz visível (HOCKBERGER, 2002) e pode ser dividida em três
segmentos, de acordo com seu comprimento de onda: UVC (200-290 nm), que é
completamente absorvida pela camada de ozônio e não atinge a superfície terrestre, sendo
bastante utilizada como germicida; UVB (290-320 nm), que consiste em 5% de toda a
radiação solar e é responsável por diversas doenças de pele; e UVA (320-400 nm),
consistindo em 90-95% da radiação emitida pelo Sol (NICHOLS; KATIYAR, 2010) (Fig. 1).
14
LUZ VISÍVEL
ULTRAVIOLETA
INFRAVERMELHO
COMPRIMENTO DE ONDA (nm)
Figura 1. Espectro da luz. Modificado de: http://www.bestuv.com/about-uv/what-is-uv-light
A descoberta da radiação ultravioleta (UV) teve início no século 17, quando Sala
observou que a luz solar fazia com que os cristais de nitrato se tornassem pretos
(HOCKBERGER, 2002). No século 19, físicos como Wollaston (1802) e Fraunhofer (1814)
contribuíram para a elucidação das propriedades da radiação UV. Em 1920, com a ajuda de
cientistas que estudavam a atmosfera, a existência da UV, suas propriedades e sua relação
com a luz solar estavam estabelecidas. Neste mesmo século, tiveram início os estudos sobre
os efeitos da luz solar nos seres vivos (HOCKBERGER, 2002). Essas primeiras observações
indicavam que a exposição à luz do Sol culminava em efeitos positivos para a saúde dos
indivíduos: aumentava o crescimento, o desenvolvimento, a respiração e o metabolismo. Os
efeitos negativos da radiação só começaram a ser vigorosamente investigados no século 20
(HOCKBERGER, 2002).
A radiação UVA pode causar danos oxidativos nas células através de interações com
cromóforos
endógenos
(porfirinas,
vitaminas,
derivados
de
flavinas
etc.).
Essa
fotossensibilização pode levar a formação de radicais livres, como espécies reativas de
oxigênio (ROS, do inglês Reactive Oxygen Species) que podem interagir com o DNA,
danificando-o (CADET et al., 2012). A interação de radicais livres com o DNA pode levar à
modificação
de
bases
nitrogenadas,
como
a
formação
de
8-oxo-7,8-dihidro-2’-
desoxiguanosinas (8-oxodGuo), 2,6-diamino-4-hidroxi-5-formamidopirimidina (FapyGua),
5,6-diidroxi-5,6-diidrotimidina (Thd Glycols) e 5-hidroxi-2’-desoxicitidina (5-OHdCyd)
(CADET et al., 2012; KIELBASSA; ROZA; EPE, 1997) (Fig. 2).
15
Ruptura das fitas de DNA
Figura 2. Danos oxidativos causados pela radiação UVA. A UVA pode interagir com
moléculas e promover a formação de radicais livres, como oxigênio singlete (1O2), elétrons
fotossensibilizados e radicais hidroxil(.OH). Estes radicais são altamente reativos e podem se
ligar ao DNA, modicando ou quebrando as ligações das bases nitrogenadas e podendo causar
mutações. Modificado de CADET et al., 2012.
A radiação UVB, por outro lado, interage diretamente com o DNA. A ligação dupla
entre os carbonos 5 e 6 das pirimidinas é a região de maior absorção da radiação UVB e o
efeito principal dessa absorção é a formação de um anel ciclobutano, dando origem a um
dímero de pirimidina (CADET et al., 2012) (Fig. 3). A UVB também é capaz de gerar ROS,
como o peróxido de hidrogênio, porém em menor escala quando comparada à UVA
(SCHALLREUTER; WOOD, 2001).
Fotorreativação
(Fotoliase)
Fotorreativação
(Fotoliase)
Figura 3. Formação de dímeros de pirimidina entre timina-timina (A) e timina-citosina
(B). Modificado de HÄDER; SINHA, 2005.
16
Além do aumento na incidência de radiação ultravioleta na superfície terrestre, ações
antropogênicas também levaram ao aumento da temperatura global, inclusive em ambientes
aquáticos. A emissão excessiva de gases como CO2, CH4 e N2O para a atmosfera impede a
perda eficiente de calor, resultando no aquecimento do planeta, fenômeno conhecido como
efeito estufa (RIDGWELL; VALDES, 2009). Caso esses gases continuem a ser emitidos
indiscriminadamente, a temperatura do ar pode chegar a aumentar de 3ºC a 4ºC no fim deste
século. O aumento da temperatura global, nos dias de hoje, é inegável (Fig. 4A) e é mais
evidente ao norte do planeta. No Ártico, a temperatura média atingiu quase o dobro do
observado há 100 anos e a temperatura das superfícies congeladas aumentou mais de 3ºC
(IPCC, 2007). Cerca de 80% do calor retido na atmosfera é absorvido pelos oceanos e
observações realizadas desde 1961 mostraram que a temperatura dos oceanos, até uma
profundidade de aproximadamente 3.000 m, está, de fato, aumentando. Como consequência
ao aumento de temperatura, o nível dos oceanos também está aumentando devido ao
derretimento das calotas polares (IPCC, 2007) (Fig. 4B e 4C). Embora a temperatura dos
oceanos aumente numa taxa menor do que a temperatura dos continentes (0,13ºC e 0,27ºC por
década, respectivamente) (IPCC, 2007), os ecossistemas marinhos são mais sensíveis a essa
mudança (HALPERN et al., 2008).
A temperatura é um dos fatores ambientais (junto com a salinidade) que mais
influencia a vida das populações marinhas (VERNBERG, 1962). A expressão de genes pode
variar entre espécies distribuídas em diferentes latitudes, e essa diferença pode ser
consequência das variações de temperatura. Na espécie de bivalve Mytilus californianus, por
exemplo, há diferença na expressão de genes que regulam o ciclo celular, na expressão de
chaperonas e proteassomas entre indivíduos coletados em diferentes lugares (PLACE;
O’DONNELL; HOFMANN, 2008). No ouriço-do-mar Strongylocentrotus purpuratus, por
exemplo, há diferença na expressão da chaperona hsp70 (do inglês, Heat Shock Protein) entre
indivíduos coletados em diferentes latitudes (OSOVITZ; HOFMANN, 2005). Variações na
temperatura podem, também, afetar o desenvolvimento embrionário de espécies aquáticas.
Em temperaturas acima de 24ºC, a taxa de desenvolvimento embrionário do ouriço-do-mar
Heliocidaris erythrogramma diminui bruscamente (BYRNE et al., 2009), enquanto para a
espécie Echinometra lucunter a temperatura ótima de desenvolvimento embrionário inicial é
de 27-34ºC (SEWELL; YOUNG, 1999).
A
Diferença entre 1961 e 1990
B) Média do nível dos oceanos
C) Cobertura de gelo do Hemisfério Norte
(milhões de km²)
C
(milhões de km²)
B
A) Temperatura média global
Temperatura (ºC)
17
Figura 4. Mudanças na (A) temperatura média global, (B) nível dos oceanos e (C)
cobertura de gelo no hemisfério norte. Modificado de IPCC, 2007.
Interações entre as variações de temperatura e a incidência de radiação ultravioleta são
refletidas nos ecossistemas terrestres e aquáticos. As espécies que habitam zonas entremarés
podem atuar como excelentes bioindicadores devido à constante variação ambiental que esta
região está sujeita. Ouriços-do-mar da espécie Echinometra lucunter, em especial, são ótimos
modelos para estudos ambientais por habitarem regiões entremarés e possuírem uma
movimentação limitada (PEARSE, 2006), tornando-os vulneráveis às variações ambientais.
Além disso, os ouriços-do-mar têm sido extensivamente utilizados como modelos nos estudos
de biologia do desenvolvimento devido à facilidade de obtenção dos gametas e de fertilização
in vitro, o grande número de gametas obtidos de um animal e o fato de os embriões serem
relativamente grandes (75-200 μm) (HINMAN; JARVELA, 2014; MCCLAY, 2011;
SANTELLA; VASILEV; CHUN, 2012). Uma parte considerável do conhecimento sobre
fertilização e desenvolvimento embrionário foi adquirida a partir de estudos com ouriços-domar. A origem materna das mitocôndrias, o papel do centrossomo na fertilização e divisão
celular, a reação acrossômica e o papel biológico das ciclinas também foram elucidados tendo
como modelo experimental os ouriços-do-mar (ERNST, 1997; EVANS et al., 1983;
MONROY, 1986).
18
Os ouriços-do-mar pertencem ao filo Echinodermata, reunindo cerca de 7.000 espécies
viventes (cerca de outras 13.000 espécies são conhecidas a partir do registro fóssil). São
animais dioicos, com fertilização externa e desenvolvimento indireto, com formação de larva
com simetria bilateral. Estes animais, assim como os vertebrados, são deuterostômios, o que
faz com que possuam diversas características do desenvolvimento embrionário em comum. O
desenvolvimento embrionário dos ouriços-do-mar é caracterizado por uma clivagem radial e
holoblástica, formação do celoma de origem enterocélica e onde blastóporo – primeira
abertura embrionária – dá origem ao ânus. A boca é formada por uma abertura secundária
(BRUSCA; BRUSCA, 2011).
As clivagens dos embriões ocorrem rápida e sincronicamente, permitindo a
identificação de atrasos ou interrupção de alguma fase do ciclo celular. Os óvulos dos ouriçosdo-mar, ao serem liberados, já completaram a meiose e possuem um núcleo haploide
(SANTELLA; VASILEV; CHUN, 2012).
Depois de fecundado, o óvulo se encontra envolvido por uma membrana dupla, onde o
embrião se desenvolve até o estágio de blástula. A membrana, então, se rompe e a blástula
sofre gastrulação, desenvolvendo-se numa larva livre-natante denominada plúteo. O óvulo de
ouriço-do-mar possui polos animal e vegetal bem definidos e que parecem estar relacionados
ao local de adesão do ovo ao ovário dos animais. O desenvolvimento inicial está ligado a essa
polarização do óvulo. As duas primeiras clivagens dividem o óvulo ao longo do eixo animalvegetal e a terceira clivagem ocorre de forma perpendicular às duas primeiras. A quarta
clivagem passa a ser desigual, formando blastômeros de tamanhos diferentes. Quatro
pequenos micrômeros e quatro macrômeros surgem no polo vegetal e oito mesômeros surgem
no polo animal. Outras clivagens dão origem a uma blástula oca. A gastrulação é iniciada no
polo vegetal a partir da entrada de cerca de 40 células no interior da blastocele. O arquêntero
se desenvolve e funde-se ao lado oposto do embrião, formando a boca. A formação da boca
define outro eixo do embrião, o eixo oral-aboral, que será o eixo de simetria da larva plúteo
(WOLPERT et al., 2008).
Com o sequenciamento do genoma do ouriço-do-mar Strongylocentrotus purpuratus
(SODERGREN et al., 2006), foi observado que cerca de 5% dos genes identificados estão
envolvidos diretamente com o sistema imune desses animais (HIBINO et al., 2006), o que faz
desses organismos ótimos modelos, também, para o estudo das respostas imunológicas. Os
animais invertebrados, ao contrário dos vertebrados, apresentam uma resposta imune inata,
não adaptativa, não clonal e não antecipatória. Os principais mecanismos de defesa contra
agentes infecciosos utilizados por esses animais são a síntese e secreção de proteínas
19
antimicrobianas, aglutinação e formação de nódulos, encapsulamento de partículas estranhas e
fagocitose (TAHSEEN, 2009). Assim sendo, a resposta imune desses animais é dividida em
humoral (mediada por moléculas presentes nos fluidos corporais) e celular (mediada por
células). Nos equinodermos (e outros invertebrados celomados), as células responsáveis pelas
respostas imunológicas são conhecidas como celomócitos (do grego koilos, oco; e kytos,
compartimento) e são encontrados na cavidade celômica perivisceral, no sistema vascular de
água, no sistema circulatório, no tecido conjuntivo e em diversos órgãos (GLINSKI;
JAROSZ, 2000) e, nos ouriços-do-mar, são divididos em quatro populações: fagócitos,
esferulócitos vermelhos, esferulócitos incolores e células vibráteis.
Os fagócitos constituem a maior parte dos celomócitos e estão envolvidos na
fagocitose, encapsulamento, aglutinação, coagulação, quimiotaxia e rejeição a transplantes.
Os fagócitos parecem ser o tipo celular que apresenta a maior expressão de genes do sistema
imune (GROSS et al., 1999; HILLIER; VACQUIER, 2003; SMITH et al., 2006). Os
esferulócitos vermelhos e incolores apresentam tamanho e forma (ameboides) semelhantes,
porém os esferulócitos vermelhos são mais densos e contêm grânulos ricos em equinocromo
A, o que dá às células a cor vermelha. O equinocromo A tem propriedades antimicrobianas e
é liberado na presença de bactérias. As funções do esferulócitos incolores ainda não foram
elucidadas (JOHNSON, 1969; MATRANGA et al., 2006; SMITH et al., 2006). As células
vibráteis são esféricas e não apresentam movimentos ameboides, possuindo um único flagelo
responsável por sua mobilidade. Essas células parecem estar relacionadas às reações de
coagulação (BERTHEUSSEN; SELJELID, 1978; SMITH et al., 2006).
A análise do genoma do S. purpuratus revelou a presença de diversos receptores de
imunidade inata nesses animais, como receptores do tipo Toll (TLR, do inglês Toll-Like
Receptors) e receptores scavenger (HIBINO et al., 2006), responsáveis pelo aumento na taxa
fagocítica de fagócitos (ADEREM; UNDERHILL, 1999). A fagocitose consiste no
engolfamento de partículas grandes (> 0,5 μm) pela célula e envolve o reconhecimento e
ligação da partícula a ser fagocitada pelos receptores presentes na superfície celular. A actina
é polimerizada no local do reconhecimento do ligante por GTPases da família Rho, formando
os pseudópodes. Em resposta ao acúmulo de PI(4,5)P2 na membrana, uma Rho-GTPase ativa
PI-cinases locais, que desencadeiam a polimerização da actina. A actina é despolimerizada
quando a PI3-cinase converte a PI(4,5)P2 em PI(3,4,5)P3, o que promove o fechamento do
fagossomo (ALBERTS et al., 2010; FLANNAGAN; JAUMOUILLÉ; GRINSTEIN, 2012).
Organismos mais basais, como protozoários, poríferos e cnidários, utilizam esse processo para
a obtenção de nutrientes e reconhecimento de elementos estranhos. Através da evolução, essas
20
células mantiveram a capacidade de reconhecimento e consequente fagocitose de corpos
estranhos, porém com o intuito de defesa do hospedeiro (BUCHMANN, 2014).
Uma vez fagocitada, a partícula estranha ao organismo fica enclausurada no
fagossomo, cuja membrana deriva da membrana plasmática. Essa organela recém-formada
passa rapidamente por uma sucessão de mudanças bioquímicas e se funde ao lisossomo, se
transformando em uma organela com baixo pH e grande potencial microbicida
(FLANNAGAN; JAUMOUILLÉ; GRINSTEIN, 2012). A formação do fagossomo ativa a
NADPH oxidase (NOX, sendo a NOX2 a mais estudada) na membrana da organela, que gera
um grande influxo de elétrons a partir de NADPH. O oxigênio molecular presente no
fagossomo é reduzido a ânion superóxido (O2-) pelos elétrons, que por sua vez é reduzido a
peróxido de hidrogênio (H2O2). O H2O2 pode combinar-se ao Cl- e formar ácido hipocloroso
(HOCl) (Fig. 5), que é o antimicrobicida mais efetivo de neutrófilos (ROOS;
WINTERBOURN, 2002; WINTERBOURN, 2008).
Figura 5. Geração de espécies reativas de oxigênio pela NADPH oxidase presente em
fagossomos. Modificado de WINTERBOURN, 2008.
As espécies reativas de oxigênio - .OH, O2-, H2O2 - podem ter outras origens na célula
e atuam, também, em outras funções. A principal fonte de ROS é a cadeia respiratória
mitocondrial (BARTOSZ, 2009) e, como citado anteriormente, estressores físicos (radiação
21
ultravioleta e variação de temperatura, por exemplo) ou químicos podem levar à geração de
ROS (GRABELNYCH et al., 2014; IMLAY; LINN, 1988; ROSSETI; ROCHA; COSTA,
2014; SCHALLREUTER; WOOD, 2001).
A maior parte do oxigênio consumido por organismos aeróbicos é reduzida a H2O
através da cadeia respiratória mitocondrial. Uma pequena parte desse oxigênio (1-2%),
entretanto, acaba sendo convertido em ânion superóxido que, pela superóxido dismutase
presente nas mitocôndrias, é rapidamente convertido em H2O2. O H2O2 pode difundir-se para
o citosol e ser convertido em H2O e O2 pela catalase ou pela citocromo c peroxidase na
própria mitocôndria (DAVIDSON; SCHIESTL, 2001; TURRENS, 1997). Em situações de
estresse ou patologias, a formação de ROS pode ser amplificada e causar danos oxidativos à
célula. Quando plantas da espécie Populus yunnanensis são expostas a altas temperaturas e
falta de água por mais de 24h, os níveis intracelulares de H2O2 e O2- aumentam, enquanto a
atividade de enzimas antioxidantes diminui gradativamente (LI et al., 2014). A radiação UVB
promove a formação de H2O2, em queratinócitos humanos, de maneira dose dependente.
Surpreendentemente, foi observado que a enzima responsável pela formação do H2O2 nestas
células, após a irradiação, é a catalase, enzima antioxidante responsável, em condições
normais, pela degradação do H2O2. Acredita-se que a UVB modica o sítio de ligação ao H2O2,
permitindo que a água se ligue à enzima. A água se torna uma fonte de prótons que interagem
com o O2, formando H2O2 (HECK et al., 2003).
Desde a descoberta do papel do óxido nítrico (NO) como molécula sinalizadora, a
possibilidade de que outras espécies reativas pudessem ter o mesmo papel começou a ser
aceita (BARTOSZ, 2009). O O2- e o H2O2 também são produzidos enzimaticamente, além de
sua síntese através da redução do O2, e suas concentrações são controladas também por
enzimas. Este fato reforçou a hipótese de que estas moléculas, além de causarem dano
oxidativo, também atuam na sinalização celular. E, de fato, as espécies reativas de oxigênio
podem atuar modificando alvos moleculares das proteínas e/ou provocando mudanças no
estado redox na célula (BARTOSZ, 2009). Já foi demonstrado que espécies reativas de
oxigênio aumentam a resposta à insulina, amplificando o sinal (KRIEGER-BRAUER;
KATHER, 1992); a ausência de ROS (mais especificamente a presença de catalase) bloqueia
a sinalização por fatores de crescimento como PDGF e EGF (BAE et al., 1997; BARTOSZ,
2009) e alguns fatores de transcrição também são afetados por ROS, como o NF-κB
(BARTOSZ, 2009; BUBICI et al., 2006). Além disso, tem sido especulado que espécies
reativas de oxigênio podem ter um papel na regulação da progressão do ciclo celular
(MENON; GOSWAMI, 2007).
22
Assim, com base no exposto, o estudo da ação de estressores ambientais nos sistemas
biológicos pode contribuir para uma melhor compreensão dos efeitos das mudanças climáticas
que ocorrem no planeta, especialmente nos organismos marinhos. Desta forma, além de uma
contribuição no campo das ciências básicas, o presente trabalho também pretende contribuir
na área ambiental, permitindo um melhor entendimento dos mecanismos celulares em
resposta a diversas mudanças ambientais nos ecossistemas marinhos.
23
2. OBJETIVOS
2.1. Objetivos gerais
O objetivo do presente trabalho foi investigar o efeito de agentes estressores físicos –
estresse térmico e radioativo – nas células do sistema imune, gametas e células embrionárias
de ouriços-do-mar.
2.2. Objetivos específicos
Os objetivos específicos deste trabalho foram investigar:

O efeito da radiação UV na produção de ROS e na fagocitose de celomócitos de
ouriços-do-mar;

O efeito da variação de temperatura na fagocitose de celomócitos de ouriços-do-mar;

O efeito da radiação UV no desenvolvimento embrionário de ouriços-do-mar;

O efeito da temperatura no desenvolvimento embrionário de ouriços-do-mar.
24
3. MATERIAL E MÉTODOS
3.1. Coleta de animais
Os ouriços-do-mar Echinometra lucunter foram coletados na Praia do Cabo Branco, João
Pessoa, Paraíba – Brasil (7°08’54’’S e 34°47’44’’O). As coletas foram realizadas em maré
baixa entre 0,1 e 0,4 m (código de autorização do ICMBio: 32105-1). Os animais foram
retirados das fendas de rochas e transportados ao laboratório em recipiente plástico contendo
água do mar do mesmo local da coleta.
Figura 6. Echinometra lucunter em seu habitat natural.
No laboratório, os animais foram lavados com FSW (do inglês, Filtered Sea Water) e
mantidos em recipiente plástico com um volume de FSW que não os cobrisse por completo,
para aclimatação. Após duas horas, os animais foram transferidos para o aquário contendo
cerca de 4 L de FSW por indivíduo. A oxigenação foi feita através de bombas de aeração e a
água apresentava salinidade de 35‰, variando entre 34‰ e 37‰, pH 8,0 e temperatura em
torno dos 25°C. A água do mar utilizada foi coletada na praia do Seixas – João Pessoa (7° 09’
S, 34° 47’ O), filtrada no laboratório com uma rede de malha de 50 μm e armazenada em
baldes.
25
3.2. Coleta de celomócitos e de fluido celômico
Os celomócitos foram obtidos através de punção realizada na região perioral (membrana
peristomial) dos animais. A seringa (3 mL) utilizada estava pré-carregada com a solução
isosmótica anticoagulante ISO-EDTA (20 mM Tris, 0.5 M NaCl, 70 mM EDTA, pH 7.5).
Após serem retiradas do animal, as células foram centrifugadas a 500g, por 5 minutos, a 4ºC,
e ressuspendidas em fluido celômico. Para a retirada dos celomócitos, não foi realizada a
identificação do sexo do animal para não estressá-los.
O fluido celômico utilizado nos experimentos também foi obtido através de punção na
membrana peristomial do animal, porém a seringa não continha ISO-EDTA. O fluido retirado
foi centrifugado a 3000 rpm por 30 minutos em temperatura ambiente para remoção das
células e armazenado a -20ºC para futura utilização.
3.3. Determinação da concentração total de celomócitos
A concentração total de celomócitos foi determinada a partir da contagem do número total
de células presentes no fluido celômico em câmara de Neubauer. Para os experimentos
envolvendo espécies reativas de oxigênio, a concentração foi ajustada para 5 x 105
células/mL. Para experimentos envolvendo fagocitose, foi realizada uma contagem
populacional e, a partir desta contagem, a concentração das células foi ajustada para 5x105
fagócitos/mL.
3.4. Determinação do sexo dos animais
Para os ensaios de desenvolvimento embrionário, os sexos dos animais foram
previamente determinados. Os ouriços-do-mar foram retirados do aquário e, em seguida,
estimulados com uma corrente elétrica de 12 V, o que causa uma pequena liberação de
gametas, permitindo a identificação do sexo dos animais. As fêmeas liberam uma secreção
alaranjada, enquanto os machos liberam uma secreção esbranquiçada (Fig. 7).
26
Figura 7. Identificação do sexo dos animais. As fêmeas liberam uma secreção alaranjada
(esquerda), enquanto os machos liberam uma secreção esbranquiçada (direita).
3.5. Obtenção dos gametas
Após a identificação do sexo dos animais, foram injetados 3 mL de KCl (0,5 M) na
região perioral do animal (Fig. 8). O KCl induz a contração dos músculos que revestem as
gônadas, causando a liberação dos gametas. Os óvulos ou espermatozoides foram coletados
durante 10 minutos após a injeção do KCl para evitar a utilização de gametas imaturos.
Figura 8. Injeção de KCl na região perioral do animal para obtenção dos gametas.
3.6. Coleta e armazenamento dos gametas
Os espermatozoides foram coletados a seco com micropipeta de 200 μL e transferidos
para tubos de microcentrífuga (capacidade de 1,5 mL) previamente armazenados a 4ºC. Após
coletados, permaneceram a 4ºC até o momento da fertilização, sendo armazenados por, no
máximo, 10 dias (Fig. 9a).
Os animais do sexo feminino foram colocados em béqueres preenchidos com FSW
(volume do béquer de acordo com o tamanho do animal), de forma que os seus gonóporos
27
permaneceram em contato com a água para precipitação dos óvulos (Fig. 9b). Uma vez
coletados, os óvulos foram transferidos para provetas de 500 mL para que fossem realizadas
duas lavagens em FSW com o intuito de retirar a camada gelatinosa que envolve o gameta
feminino, facilitando, assim, o processo de fertilização. Após a segunda lavagem, os óvulos
foram ressuspendidos em 50 mL de FSW e armazenados a 28 + 2ºC. Os gametas femininos
foram utilizados até duas horas após o armazenamento.
Figura 9. Coleta de espermatozoides (A) e óvulos (B).
3.7. Fertilização in vitro
Após a lavagem, a concentração da suspensão dos óvulos foi determinada com auxílio
de uma câmara de Neubauer e, então, ajustada para 1x104 óvulos/mL. Os espermatozoides
secos foram ativados em mFSW (proporção 1:50) para que a fertilização pudesse ser
realizada. A mFSW é filtrada em um sistema de filtração à vácuo a partir da FSW armazenada
nos baldes. São utilizados dois filtros milipore (0,45 μm).
Uma vez ativados, os espermatozoides foram adicionados à suspensão de óvulos em
uma proporção de 1:100. Realizada a fertilização, os embriões foram mantidos a 28ºC.
3.8. Irradiação de gametas, embriões e celomócitos
O aparelho Mineralight UV Lamp, modelo UVSL 25 (UVP, Inc.) foi utilizado como fonte
de UVA, e as doses foram monitoradas com um dosímetro Black-Ray UV Intensity Meter,
modelo J221 (UVP, Inc.). As fontes de UVB utilizadas foram duas lâmpadas Philips
TL20W/12RS e as doses foram monitoradas com um dosímetro Vilber Lourmat modelo
VLX-3W (Vilber Lourmat) equipado com sensor para o comprimento de onda de 312 nm.
Em experimentos distintos, suspensões de óvulos, espermatozoides e embriões foram
irradiados em placas de vidro de 50 mm de diâmetro, abertas, em um volume final de 7 mL.
28
Os óvulos irradiados foram transferidos para placas de cultura de 24 poços e fertilizados com
espermatozoides não irradiados (Fig. 10A). Os espermatozoides irradiados foram utilizados
para fertilizar óvulos não irradiados (Fig. 10B). Para a irradiação dos embriões, a fertilização
foi realizada em placas de vidro com gametas não irradiados, e os embriões expostos à
radiação 10 minutos após a indução da fertilização (Fig. 10C). Os embriões foram fixados
com formaldeído 2% 90 minutos (estágio de duas células), 120 minutos (estágio de quatro
células), 240 minutos (estágio de mórula) e 480 minutos (estágio de blástula) após a
fertilização e analisados em microscopia óptica.
Para espermatozoides e embriões, foram utilizadas as doses de 1.800, 3.600, 7.200 e
14.400 J/m² de UVA; para óvulos foram utilizadas as doses de 3.600, 7.200, 14.400 e 28.800
J/m² de UVA.
A
B
C
Figura 10. Irradiação de (A) óvulos, (B) espermatozoides e (C) zigotos.
29
O mesmo aparelho de UVA e UVB foi utilizado para irradiar os celomócitos. Após
ajustada a concentração (5x105 células/mL ou 5x105 fagócitos/mL, dependendo do
experimento), os celomócitos foram irradiados em placas de vidro de 50 mm de diâmetro,
abertas, com um volume final de 2 mL (para ensaios de fagocitose) ou 4 mL (para ensaios de
produção de ROS). Os volumes da suspensão celular foram estabelecidos de forma que a
menor quantidade de fluido celômico fosse utilizada. As células foram irradiadas com doses
de 3.600, 7.200 e 14.400 J/m² de UVA e de UVB.
3.9. Efeito das radiações UVA e UVB na capacidade fagocítica e no índice fagocítico de
celomócitos
Depois de irradiados, os celomócitos foram incubados com microesferas fluorescentes de
látex
(2
μm,
Fluoresbrite®
Yellow
Green,
2%
v/v)
na
proporção
de
1:10
(células:microesferas) por uma hora a 25ºC. As amostras foram fixadas com formol 2% e a
análise realizada em citometria de fluxo (FACSCalibur, BD Biosciences) no canal de
fluorescência FL1 (verde). O total de microesferas fagocitadas foi mensurado de acordo com
a figura 11. Foi analisado um total de 10.000 células por tratamento e a capacidade fagocítica
foi dada pela porcentagem de células que fagocitaram.
Figura 11. Análise da capacidade fagocítica de celomócitos (histograma representativo).
O primeiro pico (1) representa o total de células que fagocitaram uma microesfera
fluorescente; o segundo pico (2) representa o total de células que fagocitaram duas
microesferas fluorescentes; e os demais picos (3+) representam o total de células que
fagocitaram três microesferas ou mais.
30
O índice fagocítico foi calculado a partir da seguinte fórmula:
Índice fagocítico =
número total de microesferas fagocitadas
número de fagócitos fagocitando
3.10. Efeito das radiações UVA e UVB na produção de espécies reativas de oxigênio em
celomócitos
Os celomócitos (5x105 células/mL) foram irradiados, ou não, com três diferentes doses de
radiação UVA e UVB e posteriormente incubados, por 30 minutos, com 10 µM de H2DCFDA
(diacetado de 2′,7′-diclorofluresceína), sonda não fluorescente cujo grupo acetato, no interior
das células, sofre clivagem por esterases e consequente oxidação quando em contato com
ROS, sendo convertida em sua forma fluorescente (DCF). As células também foram
incubadas, por 30 minutos, com 2 μg/μL iodeto de propídeo (PI), marcador de viabilidade
celular. As amostras foram incubadas a 25ºC por 0, 4, 8 e 24 horas após a irradiação e, 30
minutos antes de completar os devidos tempos de cultura, as células foram marcadas com as
sondas fluorescentes (H2DCFDA seguido do PI). A intensidade de fluorescência das sondas
foi analisada em citometria de fluxo e um total de 10.000 células foi analisado.
3.11. Efeito da temperatura na capacidade fagocítica de celomócitos
Os celomócitos (5x105 fagócitos/mL) foram incubados em diferentes temperaturas - 10ºC,
25ºC (grupo controle) e 40ºC - por 0, 4, 8 e 24 horas. Após os períodos de incubação acima
descritos, as células foram incubadas com microesferas fluorescentes de látex (2 μm,
Fluoresbrite® Yellow Green, 2%) na proporção de 1:10 (células:microesferas) por uma hora.
As amostras foram fixadas com formaldeído 2% e a análise realizada em citometria de fluxo.
O total de microesferas fagocitadas foi analisado de acordo com o item 3.9. Um total de
10.000 células foi analisada.
3.12. Efeito da temperatura no desenvolvimento embrionário
A fertilização foi realizada como descrita no item 3.5 e os embriões foram transferidos
para placas de 24 poços e incubados em quatro diferentes temperaturas: 20ºC, 28ºC (grupo
31
controle), 34ºC e 37ºC. Os embriões foram fixados com formaldeído 2%, 90 minutos (estágio
de duas células), 120 minutos (estágio de quatro células), 240 minutos (estágio de mórula) e
360 minutos (estágio de blástula) após a fertilização, e os estágios do desenvolvimento
embrionário analisados sob microscopia óptica. Um total de 100 embriões foi contado por
amostra.
3.13. Análise estatística
Todos os experimentos foram realizados, pelo menos, três vezes, de maneira
independente e em triplicatas. Os dados obtidos foram analisados pelo programa GraphPad
Prism versão 5.0 (GraphPad Software Inc., San Diego, CA), através de análise de variância
One-way ANOVA seguido pelo teste de Tukey’s, quando a distribuição dos dados foi
paramétrica, e Kruskal-Wallis seguido do teste de Dunns quando a distribuição foi nãoparamétrica. Os dados foram expressos em média + erro padrão da média (SEM). Os
resultados foram considerados significativos quando p ≤ 0,001, p ≤ 0,01 ou p ≤ 0,05.
32
4. RESULTADOS
4.1. Influência do tempo de cultura na produção de ROS e na capacidade fagocítica de
celomócitos
Os celomócitos foram mantidos em fluido celômico por até 24 horas e a produção de
ROS e a capacidade fagocítica foram avaliados. Os níveis intracelulares de ROS das células
não irradiadas (grupo controle) diminuíram com o tempo de cultura (Fig. 12), apresentando as
seguintes médias de intensidade de fluorescência (u.a.): 143,3 + 13,6; 93,5 + 6,4; 73,4 + 6,8; e
51,2 + 11,9 (0, 4, 8 e 24 horas após irradiação, respectivamente). A porcentagem de células
com capacidade fagocítica também diminuiu com o tempo de cultura: 54,4 + 2,0%, 50,1 +
1,2%, 46,7 + 1,3% e 38,9 + 2,4% dos celomócitos fagocitaram microesferas fluorescentes em
0, 4, 8 e 24 horas de cultura, respectivamente (Fig. 13).
Figura 12. O nível basal de ROS diminui com o tempo de cultura. Os dados representam a
média da intensidade de fluorescência (MIF) de celomócitos de cinco experimentos realizados
em triplicata. Tratamentos apresentando letras iguais não são significativamente diferentes,
p<0,05 (one-way ANOVA seguido do teste de Tukey).
33
Figura 13. A porcentagem de células que fagocitam diminui com o tempo de cultura. Os
dados representam a porcentagem de células que realizaram fagocitose de pelo menos três
experimentos realizados em triplicata. Tratamentos apresentando letras iguais não são
significativamente diferentes, p<0,05 (one-way ANOVA seguido do teste de Tukey).
4.2. Efeito de estressores físicos em celomócitos de ouriços-do-mar
4.2.1. Efeito das radiações UVA e UVB na produção de ROS
Os celomócitos foram irradiados com diferentes doses de radiação UVA e UVB
(3.600, 7.200 e 14.400 J/m2 para ambas as radiações). Nenhuma das doses de UVA afetou a
produção de ROS (Fig. 14). Não houve diferença, também, entre as células irradiadas 10
minutos e 24 horas após a exposição das células à UVB. Porém, os níveis intracelulares de
ROS diminuíram cerca de 40% quatro e oito horas após a irradiação das células que
receberam a maior dose de radiação UVB (14.400 J/m²) (Fig. 15).
34
Figura 14. Efeito da radiação UVA nos níveis intracelulares de ROS. Os dados
representam o índice relativo de fluorescência dos celomócitos em relação ao grupo controle,
considerado 1, 10 minutos (A), 4 horas (B), 8 horas (C) e 24 horas (D) após a irradiação.
Foram realizados pelo menos três experimentos em triplicata. H2O2 foi utilizado como
controle positivo. *p<0,05 comparado ao grupo controle; **p<0,01 comparado ao grupo
controle (one-way ANOVA seguido do teste de Tukey).
35
Figura 15. Efeito da UVB nos níveis intracelulares de ROS. Os dados representam o índice
relativo de fluorescência dos celomócitos em relação ao grupo controle, considerado 1, 10
minutos (A), 4 horas (B), 8 horas (C) e 24 horas (D) após a irradiação. Foram realizados cinco
experimentos em triplicata. H2O2 foi utilizado como controle positivo. *p<0,05 comparado ao
grupo controle; **p<0,01 comparado ao grupo controle (Kruskal-Wallis seguido do teste de
Dunns).
4.2.2. Efeito das radiações UVA e UVB na capacidade fagocítica e no índice fagocítico
Não houve diferença na capacidade fagocítica ou no índice fagocítico de celomócitos
expostos à radiação UVA (Fig. 16, Tabela 1), ou na capacidade fagocítica dos celomócitos
expostos à radiação UVB (Fig. 17A). No entanto, houve uma diminuição no índice fagocítico
da população total de celomócitos quando estes foram expostos à maior dose de radiação
UVB (14.400 J/m²) (Fig, 17C, Tabela 2). A quantidade de células que fagocitaram três
microesferas fluorescentes ou mais foi menor, quando comparadas ao grupo não irradiado: 10
+ 1,4% e 19,2 + 2,3%, respectivamente (Fig. 17C).
36
Figura 16. Efeito da radiação UVA na capacidade fagocítica de celomócitos de ouriçosdo-mar. Os dados representam a média + o erro padrão da média de três experimentos
realizados em triplicata. Tratamentos apresentando letras iguais não são significativamente
diferentes, p<0,05 (one-way ANOVA seguido do teste de Tukey). (A) Capacidade fagocítica
dos celomócitos. (B) Histogramas representativos. (C) 1 = células que fagocitaram uma
microesfera fluorescente; 2 = células que fagocitaram duas microesferas fluorescentes; 3+ =
células que fagocitaram três ou mais microesferas fluorescentes.
Tabela 1. Índice fagocítico de celomócitos expostos à radiação UVA. Os dados
representam a média + o erro padrão da média de três experimentos realizados em triplicata.
Tratamentos apresentando letras iguais não são significativamente diferentes, p<0,05 (oneway ANOVA seguido do teste de Tukey).
Controle
3.600 J/m²
7.200 J/m²
14.400 J/m²
Índice fagocítico
1,63a
1,63a
1,61a
1,62a
SEM
0,08
0,10
0,09
0,09
37
Figura 17. Efeito da radiação UVB na capacidade fagocítica de celomócitos de ouriçosdo-mar. Os dados representam a média + o erro padrão da média de três experimentos
realizados em triplicata. Tratamentos apresentando letras iguais não são significativamente
diferentes, p<0,05 (one-way ANOVA seguido do teste de Tukey). (A) Capacidade fagocítica
dos celomócitos. (B) Histogramas representativos. (C) 1 = células que fagocitaram uma
microesfera fluorescente; 2 = células que fagocitaram duas microesferas fluorescentes; 3+ =
células que fagocitaram três ou mais microesferas fluorescentes.
Tabela 2. Índice fagocítico de celomócitos expostos à radiação UVB. Os dados
representam a média + o erro padrão da média de três experimentos realizados em triplicata.
Tratamentos apresentando letras iguais não são significativamente diferentes, p<0,05 (oneway ANOVA seguido do teste de Tukey).
Controle
3.600 J/m²
7.200 J/m²
14.400 J/m²
Índice fagocítico
1,99a
1,96a
1,92a
1,72b
SEM
0,05
0,04
0,04
0,04
38
4.2.3. Efeito da temperatura na capacidade fagocítica e no índice fagocítico
Os celomócitos foram incubados em diferentes temperaturas (10ºC, 25ºC e 40ºC) e a
capacidade fagocítica e o índice fagocítico avaliados. Não houve diferença na capacidade
fagocítica dos celomócitos quando os mesmos foram submetidos ao ensaio de fagocitose, sob
diferentes temperaturas, imediatamente após a obtenção das células e o preparo da suspensão
celular (tempo zero, Fig. 18A). Entretanto, 4, 8 e 24 horas após o início do estresse, os
celomócitos apresentaram uma diminuição na sua capacidade fagocítica quando mantidos nas
temperaturas de 10ºC e 40ºC e comparados ao grupo controle (25ºC). Após 4 horas, as células
fagocitaram cerca de 12% e 10% menos a 10ºC e 40ºC respectivamente, comparadas ao
controle (25ºC); após 8 horas, a diminuição foi de cerca de 14% e 20% e, após 24 horas, as
células fagocitaram 11% e 7% menos (Fig. 18A).
Os celomócitos apresentaram diferenças nos índices fagocíticos nas três temperaturas
em todos os tempos (Tabela 3, Fig. 18B, 18C e 18D). No tempo zero, o índice fagocítico foi
menor na temperatura de 10ºC. Após 4 e 24 horas de exposição às diferentes temperaturas, os
índices fagocíticos dos celomócitos a 10ºC e 40ºC foram semelhantes e menores do que o das
células a 25ºC. Após 8 horas, o índice fagocítico das células foi menor a 40ºC, seguido de
10ºC, sendo o índice das duas temperaturas menores do que o índice fagocítico a 25ºC.
Tabela 3. Índice fagocítico de celomócitos expostos a diferentes temperaturas. Os dados
representam a média + o erro padrão da média de três experimentos realizados em triplicata.
Tratamentos apresentando letras iguais, entre o mesmo período de exposição, não são
significativamente diferentes, p<0,05 (one-way ANOVA seguido do teste de Tukey).
10ºC
25ºC
40ºC
10ºC
25ºC
40ºC
10ºC
25ºC
40ºC
10ºC
25ºC
40ºC
Índice fagocítico
0h
2,00b
2,27a
2,32a
4h
1,77b
1,97a
1,76b
8h
1,72b
1,91a
1,49c
24h
1,69b
1,97a
1,72b
SEM
0,03
0,03
0,02
0,02
0,02
0,05
0,05
0,02
0,03
0,04
0,02
0,05
39
Figura 18. Avaliação da capacidade fagocítica de celomócitos de ouriços-do-mar expostos a diferentes temperaturas. Os dados
representam a média + o erro padrão da média de três experimentos realizados em triplicata. (A) Capacidade fagocítica dos celomócitos. (B)
Porcentagem de células que fagocitaram uma microesfera fluorescente (MF); (C) Porcentagem de células que fagocitaram duas microesferas
fluorescentes (MF); (D) Porcentagem de células que fagocitaram três microesferas fluorescentes (MF) ou mais. Tratamentos apresentando letras
iguais não são significativamente diferentes, p<0,05 (one-way ANOVA seguido do teste de Tukey).
40
4.3. Efeito de estressores físicos no desenvolvimento embrionário de ouriços-do-mar
4.3.1. Efeito da radiação UVA no desenvolvimento embrionário
Óvulos, espermatozoides e zigotos foram expostos a diversas doses de radiação UVA
(3.600, 7.200, 14.000 e 28.000 J/m2) e seus efeitos, no desenvolvimento embrionário, foram
monitorados até o estágio de blástula. Os óvulos irradiados foram fertilizados com
espermatozoides não irradiados e espermatozoides irradiados foram utilizados para fertilizar
óvulos não irradiados. Os zigotos foram irradiados após fertilização com gametas não
irradiados. Nenhuma dose utilizada inibiu o desenvolvimento embrionário, independente da
célula alvo irradiada: óvulos (Fig. 19), espermatozoides (Fig. 20) ou zigotos (Fig. 21).
Figura 19. Efeito da exposição de óvulos à radiação UVA no desenvolvimento
embrionário. Os óvulos foram irradiados com diversas doses de UVA e fertilizados com
espermatozoides não irradiados. (A) Embriões no estágio de 2 células. (B) Embriões no
estágio de 4 células. (C) Mórula. (D) Blástula. Os dados representam a média + o erro padrão
da média de pelo menos três experimentos realizados em triplicata. Controle considerado
100%. Não houve diferença entre as doses utilizadas. p<0,05. (one-way ANOVA seguido do
teste de Tukey).
41
Figura 20. Efeito da exposição de espermatozoides à radiação UVA no desenvolvimento
embrionário. Os espermatozoides foram irradiados com diversas doses de UVA e utilizados
para fertilizar óvulos não irradiados. (A) Embriões no estágio de 2 células. (B) Embriões no
estágio de 4 células. (C) Mórula. (D) Blástula. Os dados representam a média + o erro padrão
da média de pelo menos três experimentos realizados em triplicata. Controle considerado
100%. Não houve diferença entre as doses utilizadas. p<0,05. (one-way ANOVA seguido do
teste de Tukey).
Figura 21. Efeito da exposição de zigotos à radiação UVA no desenvolvimento
embrionário. Zigotos foram irradiados com diversas doses de UVA 10 minutos após a
fertilização. (A) Embriões no estágio de 2 células. (B) Embriões no estágio de 4 células. (C)
Mórula. (D) Blástula. Os dados representam a média + o erro padrão da média de pelo menos
três experimentos realizados em triplicata. Controle considerado 100%. Não houve diferença
entre as doses utilizadas. p<0,05. (one-way ANOVA seguido do teste de Tukey).
42
4.3.2. Efeito da temperatura no desenvolvimento embrionário
Os embriões foram incubados em diferentes temperaturas (20ºC, 28ºC, 34ºC e 37ºC) e
o desenvolvimento embrionário monitorado até o estágio de blástula. A 28ºC, cerca de 90%
dos embriões estavam no estágio de duas células 90 minutos após a fertilização; 80% estavam
no estágio de quatro células em 120 minutos; 91% estavam no estágio de mórula em 240
minutos; e 95% estavam no estágio de blástula após 360 minutos. Houve um atraso no
desenvolvimento embrionário na temperatura de 20ºC, na qual 90% dos embriões estavam no
estágio de uma célula 90 minutos após a fertilização; 55% estavam no estágio de uma célula e
43% estavam no estágio de duas células após 120 minutos; 65% estavam no estágio de quatro
células e 25% no estágio de oito células após 240 minutos; e 93% estavam no estágio de
mórula após 360 minutos. Houve um adiantamento no desenvolvimento na temperatura de
34ºC. Cerca de 40% dos embriões estavam no estágio de uma célula, 25% estavam no estágio
de duas células e 40% estavam no estágio de quatro células 90 minutos após a fertilização;
cerca de 40% dos embriões continuaram no estágio de uma célula, porém 16% estavam no
estágio de quatro células e 35% estavam no estágio de oito células após 120 minutos; após
240 minutos, os mesmos 40% dos embriões continuaram no estágio de uma célula, enquanto
40% estavam no estágio de mórula e 15% estavam no estágio de blástula; e após 360 minutos,
21% dos embriões estavam no estágio de uma célula e 71% estavam no estágio de blástula.
Nesta última temperatura, entretanto, alguns embriões apresentaram os blastômeros em
processo de morte celular (alteração na topologia da membrana plasmática). Na maior
temperatura (37ºC), os óvulos foram fertilizados, mas não houve desenvolvimento
embrionário (Fig. 22).
43
Figura 22. Efeito da temperatura no desenvolvimento embrionário. Os dados representam a porcentagem de embriões e seus respectivos
estágios de desenvolvimento embrionário (média + erro padrão da média), 90 minutos (a, b, c, d), 120 minutos (e, f, g, h), 240 minutos (i, j, k, l)
e 360 minutos (m, n, o, p) após a fertilização, de três experimentos independentes realizados em triplicata. F = fertilizado (1 célula); 2 =
Embriões no estágio de 2 células; 4 = Embriões no estágio de 4 células; 8 = Embriões no estágio de 8 células; M = mórula; B = blástula.
44
5. DISCUSSÃO
Nos últimos anos, ações antropogênicas têm provocado um desequilíbrio no sistema
climático do planeta. A emissão de alguns gases, como CO2, CH4 e os CFCs têm causado o
aumento da temperatura global e a depleção da camada de ozônio, com consequente aumento
na incidência de radiação ultravioleta na superfície terrestre (IPCC, 2007; WORLD
METEOROLOGICAL ORGANIZATION, 2011). Os organismos marinhos, especialmente as
espécies que habitam regiões entremarés, podem atuar como excelentes biossensores no
monitoramento das condições do ecossistema. Os ouriços-do-mar, por habitarem tais regiões,
estão sujeitos a constantes variações ambientais, como temperatura e salinidade, além de
estarem expostos às radiações ultravioletas. Além disso, a obtenção de células destes animais
em laboratório, tanto gametas quanto células do sistema imune, é bastante simples, assim
como a fertilização e a cultura de embriões e celomócitos. Portanto, os ouriços-do-mar são um
excelente modelo para o estudo do efeito de agentes estressores sobre os sistemas biológicos.
No presente trabalho foi avaliado o efeito de estressores radioativos e térmicos em células do
sistema imune, gametas e células embrionárias do ouriço-do-mar E. lucunter.
Primeiramente foi observado que tanto a produção de ROS quanto a capacidade
fagocítica dos celomócitos diminui com o tempo de cultura (Fig. 12 e 13). Os fagócitos, uma
subpopulação de celomócitos, produzem ROS naturalmente, especialmente H2O2, que é
crucial para a indução de danos em microrganismos invasores fagocitados (ITO et al., 1992).
A diminuição de ROS pode ser um reflexo da diminuição basal da fagocitose, já que as
espécies reativas de oxigênio podem ser produzidas pela NADPH oxidase, presente na
membrana de fagossomos e na membrana plasmática (NUNES; DEMAUREX; MARY, 2013)
e, em condições de cultura in vitro, o número de fagossomos pode diminuir, uma vez que,
como observado, há diminuição na fagocitose. Estudos futuros são necessários para elucidar
essa questão.
A exposição de celomócitos às radiações UVA e UVB não aumentou os níveis
intracelulares de ROS (Fig. 14 e 15), diferente do que foi observado em monócitos humanos
THP-1 (SHEN et al., 2014) e em queratinócitos de humanos e camundongos (HECK et al.,
2003), nos quais a produção de ROS aumentou nas células expostas à radiação UVA e UVB,
respectivamente. Ao contrário, em algumas doses de UVB utilizadas observou-se a
diminuição da produção de ROS nas células.. Estudos mostram que celomócitos das espécies
Lytechinus variegatus, Strongylocentrotus franciscanus e Strongylocentrotus purpuratus
apresentam uma elevada capacidade antioxidante quando comparados a outros tipos celulares
45
dos mesmos organismos, o que pode ser importante na prevenção de efeitos deletérios de
ROS produzidos durante a resposta imunológica (DU et al., 2013). Adicionalmente, foi
observado que, em Caenorhabditis elegans, ROS gerado durante a resposta imunológica ativa
uma cascata de sinalização que resulta na transcrição de proteínas depuradoras de ROS,
auxiliando no reparo e reciclagem de moléculas danificadas (HOEVEN; MCCALLUM;
GARSIN, 2012). Esta alta capacidade antioxidante pode explicar a razão dos níveis de ROS
nos celomócitos de E. lucunter não terem aumentado, mesmo após a exposição das células à
UVA e UVB.
Em seguida foi investigado o efeito da exposição dos celomócitos às radiações UVA e
UVB, e a diferentes temperaturas, na capacidade fagocítica e no índice fagocítico destas
células. Dentre as quatro populações de celomócitos, apenas os fagócitos são capazes de
realizar a fagocitose, e estas células correspondem a 55,83 + 15,68% do total de celomócitos
do animal (dados do nosso grupo). Entretanto, a capacidade fagocítica foi estimada em função
do total de celomócitos, e não em porcentagem de fagócitos. Não houve diferença na
capacidade fagocítica ou no índice fagocítico das células expostas às doses de UVA utilizadas
(Fig. 16, Tabela 1), ou seja, não houve diminuição no número de células que realizaram
fagocitose, nem no número de microesferas fluorescentes que estas células foram capazes de
fagocitar. Entretanto, na maior dose de UVB utilizada, apesar de não ter sido observada uma
diminuição na capacidade fagocítica, houve diminuição no índice fagocítico (Fig. 17, Tabela
2). Na dose de 14.400 J/m², os fagócitos fagocitaram uma quantidade menor de microesferas
fluorescentes (os índices fagocíticos do grupo controle e do grupo tratado com a maior dose
foram 1,99 + 0,05 e 1,72 + 0,04 respectivamente).
Estudos já demonstraram que doses menores de radiação UVB do que as utilizadas
neste trabalho (1.400 a 6.000 J/m²) diminuíram a capacidade fagocítica de macrófagos em
camundongos, mas não diminuíram o índice fagocítico (JEEVAN et al., 1995; KASAHARA
et al., 2001), ao contrário do observado nos celomócitos. Já foi observado que há diminuição
na expressão de alguns receptores de fagocitose em neutrófilos expostos à radiação UVB, o
que possivelmente leva à diminuição na fagocitose (LEINO et al., 1999). A internalização das
microesferas fluorescentes utilizadas para os ensaios de fagocitose no presente trabalho,
entretanto, é inespecífica, ou seja, elas são partículas inertes que não requerem a interação
com receptores específicos (ADEREM; UNDERHILL, 1999). Este fato pode explicar o
porquê de as radiações UVA e UVB não terem efeito sobre a capacidade fagocítica dos
celomócitos e haver apenas uma diminuição no índice fagocítico na maior dose de UVB.
Apesar de a interação dessas partículas com os receptores ser inespecífica, ou seja, não há um
46
ligante específico nas partículas para um determinado receptor, os fagócitos são capazes de
fagocitar partículas inanimadas, como as microesferas de látex, a partir da ligação inespecífica
com proteínas de membrana. Como as microesferas não apresentam o sinal para evitar a
fagocitose, elas são internalizadas (ALBERTS et al., 2010). A maior dose utilizada de UVB
pode ter levado a uma diminuição na expressão dos receptores de membrana e, apesar de não
ser suficiente para levar à diminuição da capacidade fagocítica, levou à diminuição do índice
fagocítico, já que, provavelmente, os receptores disponíveis podem ter sido internalizados.
Após a análise do efeito dos estressores radioativos, foi investigado o efeito da
variação de temperatura em parâmetros celulares dos celomócitos. As células foram
incubadas em três diferentes temperaturas, sendo a temperatura de 25ºC utilizada como
controle. Os celomócitos incubados por 4, 8 e 24 horas, sob 10ºC e 40ºC, apresentaram uma
diminuição tanto na capacidade fagocítica quanto no índice fagocítico, quando comparados
aos celomócitos mantidos sob a temperatura controle (25ºC) (Fig. 18).
Consistente com os dados apresentados no presente trabalho, foi demonstrada a
diminuição na capacidade fagocítica de celomócitos de ouriços-do-mar Lytechinus variegatus
(BRANCO et al., 2013) e de hemócitos de Crassostrea virginica com o aumento da
temperatura (HÉGARET; WIKFORS; SOUDANT, 2003). Por outro lado, estudos de Branco
e colaboradores (2013) demonstraram que celomócitos de E. lucunter coletados na costa de
São Paulo, Brasil (23º49,31’S, 045º26,8’W), não apresentaram diferença na capacidade
fagocítica ou índice fagocítico nas células mantidas por 24 horas nas temperaturas de 25ºC e
30ºC (20ºC, temperatura na qual são encontrados os animais em seu habitat natural, foi
utilizada como temperatura controle). Nos bivalves Ruditapes decussatus e Mytilus
galloprovincialis, coletados na Galícia, noroeste da Espanha, e mantidos na mesma
temperatura de seu habitat natural (15ºC), também não houve diferença na capacidade
fagocítica dos hemócitos incubados, por até duas horas, nas temperaturas de 15ºC e 21ºC
(ORDÁS; NOVOA; FIGUERAS, 1999). A distribuição biogeográfica desses animais pode
influenciar na resistência à variação de temperatura entre as espécies, e até entre a mesma
espécie, no caso de E. lucunter, já que eles estão adaptados a diferentes condições climáticas
(OSOVITZ; HOFMANN, 2005; PLACE; O’DONNELL; HOFMANN, 2008). Além disso,
podem haver diferenças entre as propriedades e organização do citoesqueleto dos animais,
influenciando na atividade fagocítica, já que o rearranjo do citoesqueleto leva à internalização
de partículas externas (ADEREM; UNDERHILL, 1999). Estes fatos podem explicar o motivo
de haver diferenças na resistência de alguns organismos à variação de temperatura.
47
Os ouriços-do-mar apresentam fecundação externa, ou seja, esses animais liberam seus
gametas na água, onde ocorre a fertilização e o desenvolvimento embrionário. Os gametas e
embriões permanecem expostos à incidência de radiação UV e às constante variações de
temperatura. Os efeitos dos agentes estressores no desenvolvimento embrionário dos ouriçosdo-mar, portanto, também foram investigados. Os óvulos, espermatozoides e zigotos foram
expostos a diversas doses de radiação UVA e o desenvolvimento embrionário foi
acompanhado até o estágio de blástula. Ao contrário do que ocorre quando gametas e zigotos
são expostos à radiação UVB (LEITE et al., 2014), nenhuma dose de UVA utilizada teve
efeito sobre o desenvolvimento embrionário (Fig. 19, 20 e 21), corroborando com os dados de
Adams e Shick (2001), que não observaram efeito da radiação UVA no desenvolvimento do
ouriço-do-mar Strongylocentrotus droebachiensis até o estágio de larva. Compostos com
propriedades antioxidantes, como o ácido ascórbico (vitamina C), carotenoides e ovotiois,
estão presentes em óvulos e embriões de ouriços-do-mar e podem moderar os danos
oxidativos causados pela UVA (ADAMS; SHICK, 2001; DUNLAP; YAMAMOTO, 1995). A
presença destes compostos nos óvulos e embriões de E. lucunter pode explicar a prevenção
aos danos oxidativos observados no presente trabalho. Ovotiois (presentes em óvulos de
ouriços-do-mar na concentração de, em média, 4,3 mM) e carotenoides podem prevenir o
dano causado por espécies reativas de oxigênio (SHAPIRO; HOPKINS, 1991 apud ADAMS;
SHICK, 2001). O ácido ascórbico está presente em óvulos de S. droebachiensis em uma
concentração de 0,2 a 1,8 mM. Esse composto é facilmente oxidado, tornando-o um forte
agente antioxidante, mais forte, inclusive, do que ovotiois e carotenoides (ADAMS; SHICK,
2001; BUETTNER, 1993).
Em seguida, foi investigado o efeito da variação da temperatura sobre o
desenvolvimento embrionário de E. lucunter. O efeito das diferentes temperaturas sobre o
desenvolvimento foi observado 90, 120, 240 e 360 minutos após a fertilização. A 20ºC os
embriões sofreram um retardo no desenvolvimento, quando comparados ao grupo controle
(28ºC). Nesta temperatura, apesar do atraso, os embriões se desenvolveram normalmente. Já a
34ºC, alguns embriões se desenvolveram mais rápido – cerca de 40% dos embriões estavam
no estágio de quatro células 90 minutos após a fertilização, 35% estavam no estágio de oito
células após 120 minutos e 15% dos embriões já estavam no estágio de blástula após 240
minutos. Entretanto, nesta temperatura, a taxa de zigotos que não sofreram clivagem foi
relativamente alta – cerca de 40% dos embriões permaneceram no estágio de uma célula até
240 minutos após a fertilização (Fig. 22).
48
Estudos mostram que a elevação da temperatura, em relação à encontrada no habitat
destes animais, pode levar a uma taxa de crescimento mais rápida e a um aumento no tamanho
da larva de ouriços-do-mar, como observado para a espécie Tripneustes gratilla, que habita
regiões próximas a Coffs Harbour, Austrália, quando submetidas a um aumento na
temperatura de apenas 3ºC – 24ºC para 27ºC (BRENNAND et al., 2010). A realização de
ensaios adicionais, utilizando temperaturas entre 28ºC e 34ºC, é necessária para que a
temperatura máxima em que os embriões se desenvolvam, sem alterações morfo-funcionais,
seja determinada.
E. lucunter pode se desenvolver em diferentes temperaturas, dependendo da região em
que vivem. O desenvolvimento embrionário ótimo desses animais ocorre entre 23ºC e 34ºC na
Flórida (SEWELL; YOUNG, 1999) e entre 20ºC e 30ºC em Porto Rico (CAMERON et al.,
1985 apud SEWELL; YOUNG, 1999), apresentando um padrão parecido com o observado no
presente trabalho. Não podemos, porém, atribuir temperaturas limites, uma vez que apenas
quatro temperaturas foram utilizadas para os ensaios. Na Jamaica, sob temperatura de 26 +
2ºC, embriões de E. lucunter sofrem clivagens em um tempo menor quando comparados aos
embriões de animais do presente estudo na mesma faixa de temperatura (28 + 2ºC). A
primeira clivagem, por exemplo, ocorre em 58 minutos em embriões de animais coletados na
Jamaica (AMY, 1983), enquanto que em embriões de animais coletados em João Pessoa, a
primeira clivagem ocorre apenas 90 minutos após a fertilização.
Em ouriços-do-mar
Strongylocentrotus purpuratus coletados na Califórnia, EUA, o desenvolvimento embrionário
também é dependente de temperatura. Os embriões atingem o estágio de gástrula média
(quando o arquêntero atinge o ponto médio da blastocele) 37,5 horas após a fertilização a
12ºC, após 28,5 horas a 15ºC (temperatura média em que os animais são encontrados no
habitat natural) e 23 horas após a fertilização a 18ºC. Além disso, também foi observado que
o eixo animal-vegetal do embrião de S. purpuratus sofreu uma diminuição, podendo significar
uma rápida depleção dos estoques de energia durante o desenvolvimento ou uma diminuição
na sincronia da divisão celular (RUNCIE et al., 2012). A rápida depleção da energia do
embrião com o aumento da temperatura pode explicar o fato de que, a partir do estágio de
blástula, alguns embriões incubados a 34ºC se encontravam deteriorados, sugerindo que os
embriões podem não ter tido energia suficiente para continuar o desenvolvimento ou até
mesmo para preservar a integridade celular, mantendo, sob controle, a osmolaridade
intracelular.
O presente trabalho demonstrou o efeito de estressores radioativos e térmicos em
células do sistema imune e células embrionárias e sua resposta na produção de ROS, na
49
fagocitose e no desenvolvimento embrionário. Estudos adicionais são necessários para o
melhor entendimento dos processos biológicos destas células, como a adição de um maior
espectro de temperaturas e seus efeitos tanto nos celomócitos quanto nos embriões destes
animais, e a investigação da produção de ROS em células submetidas ao estresse térmico.
Após estudos adicionais, os parâmetros observados neste trabalho podem ser utilizados como
bioindicadores em situações de estresse, sendo úteis no biomonitoramento de regiões
costeiras.
50
6. CONCLUSÕES
Os celomócitos de E. lucunter são resistentes aos danos oxidativos causados pela
exposição à radiação ultravioleta, assim como os gametas e embriões expostos à radiação
UVA. No entanto, tanto os celomócitos quanto as células embrionárias desta espécie são mais
sensíveis à variação de temperatura. Estudos adicionais são necessários para a investigação
dos mecanismos nos quais os estressores atuam na alteração da resposta celular de
celomócitos e células embrionárias de ouriços-do-mar. Estudos adicionais podem permitir que
os parâmetros celulares investigados no presente trabalho possam ser utilizados como
bioindicadores no monitoramento ambiental.
51
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