UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA MOLECULAR LABORATÓRIO DE BIOLOGIA CELULAR E DO DESENVOLVIMENTO Efeito de estressores físicos em células do sistema imune, gametas e células embrionárias de ouriços-do-mar Echinometra lucunter Raianna Saskia Boni de Vasconcelos Mendes Prof. Dr. Luis Fernando Marques-Santos Orientador Profa. Dra. Patrícia Mirella da Silva Scardua Co-orientadora João Pessoa – 2014 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA MOLECULAR LABORATÓRIO DE BIOLOGIA CELULAR E DO DESENVOLVIMENTO Efeito de estressores físicos em células do sistema imune, gametas e células embrionárias de ouriços-do-mar Echinometra lucunter Raianna Saskia Boni de Vasconcelos Mendes Prof. Dr. Luis Fernando Marques-Santos Orientador Profa. Dra. Patrícia Mirella da Silva Scardua Co-orientadora Trabalho - Monografia apresentada ao Curso de Ciências Biológicas (Trabalho Acadêmico de conclusão de Curso), como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Ciências Biológicas João Pessoa – 2014 Catalogação na publicação Universidade Federal da Paraíba Biblioteca Setorial do CCEN M538e Mendes, Raianna Saskia Boni de Vasconcelos. Efeito de estressores físicos em células do sistema imune, Gametas e células embrionárias de ouriços-do-mar Echinometra lucunter / Raianna Saskia Boni de Vasconcelos Mendes. - João Pessoa, 2014. 55f. : il. Monografia (Bacharelado em Ciências Biológicas) Universidade Federal da Paraíba. Orientador: Profº Dr. Luis Fernando Marques-Santos. 1. Ouriços do mar. 2. Estressores físicos. 3. Celomócitos. 4. Fagocitose. I. Título. FPB/BS-CCEN CDU: 563.95 (043.2) Raianna Saskia Boni de Vasconcelos Mendes Efeito de estressores físicos em células do sistema imune, gametas e células embrionárias de ouriços-do-mar Echinometra lucunter Trabalho – Monografia apresentada ao Curso de Ciências Biológicas, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Ciências Biológicas Data:_________________________________ Resultado: ____________________________ BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________________________________ Prof. Dr. Luis Fernando Marques-Santos (Orientador) Departamento de Biologia Molecular – UFPB ___________________________________________________________________________ Prof. Dr. José Antônio Novaes da Silva Departamento de Biologia Molecular – UFPB ___________________________________________________________________________ M.Sc. Jocelmo Cássio de Araujo Leite Programa de Pós-Graduação em Produtos Naturais e Sintéticos Bioativos AGRADECIMENTOS Ao meu orientador Prof. Dr. Luis Fernando Marques dos Santos por ter me aceitado como orientanda, por ter me inspirado e me passado a paixão pela ciência e ter me ensinado a ter senso crítico. Obrigada pelas palavras de incentivo e pelo apoio nos momentos de crise. À Prof. Dra. Patrícia Mirella da Silva Scardua por também ter acreditado em mim e me aceitado como orientanda no primeiro período. Obrigada também pela co-orientação. À minha mãe, Joana Boni, por me incentivar a estudar desde sempre, mesmo antes de entrar na escola. Por me ensinar o valor da educação e por me incentivar a fazer o meu melhor. Obrigada por tudo e obrigada pela pessoa que eu sou hoje. Ao meu pai, Augusto Vasconcelos, pelos sacrifícios que sempre fez e faz por mim, por sempre estar presente na minha vida. Obrigada pela minha educação e pelo apoio nas minhas decisões. Muito obrigada por tudo. Aos meus cachorros, Thor, Lori e Fred, pela companhia enquanto escrevia a monografia e pelos momentos de alegria durante o processo. Às minhas amigas e irmãs Rauani e Virgínia por toda a força que me deram em todo o tempo de amizade e durante a minha formação. Aos meus amigos Natan e Cairé pela força durante a graduação, pelas ajudas nos experimentos e por ficarem até tarde no laboratório comigo quando eu precisei. Aos amigos Larissa, Elis, Diógenes, Érick, Luke, Flavinha, Marina, Yuri, Dudu, Melissa e Aurora pelo apoio e pelos momentos de alegria. Aos amigos do LABID Jocelmo, Thaís, Leo, Andrezza, Thyago e Dalliane pela companhia e pela amizade. A Jocelmo, especialmente, pela paciência e por todo o ensinamento durante esse tempo. A Leo que aguentou minhas lamentações e me ajudou nas minhas decisões. Aos colegas do LABIPI Fernando, Sâmia, Jaíse e Pedro pela companhia. Ao Sr. Antônio Bosco pela atenção e carinho diários. Ao CNPq pelo apoio financeiro e à UFPB pela estrutura e formação acadêmica. RESUMO Ações antropogênicas têm provocado tanto o aumento da temperatura quanto a depleção da camada de ozônio, sendo, esta última, responsável pelo aumento na incidência de radiação ultravioleta na superfície terrestre. Os ouriços-do-mar Echinometra lucunter estão sujeitos a constantes variações ambientais, como temperatura e salinidade, além de estarem, também, expostos às radiações ultravioletas. Assim, o objetivo do presente trabalho foi investigar o efeito de agentes estressores físicos – estresse térmico e radioativo – nas células do sistema imune, gametas e células embrionárias de E. lucunter. Os animais foram coletados na praia de Cabo Branco e mantidos em aquário a 25 + 2ºC com constante aeração. Os celomócitos, gametas e embriões foram submetidos a diferentes doses de UVA ou UVB ou diferentes temperaturas. A produção de ROS nos celomócitos foi mensurada pela sonda fluorescente H2DCFDA, e a capacidade fagocítica foi analisada através da incubação das células com microesferas fluorescentes de látex. A análise das amostras foi realizada em citometria de fluxo. Para ensaios de desenvolvimento, os embriões foram mantidos em cultura e os estágios do desenvolvimento foram analisados sob microscopia óptica. Os níveis intracelulares basais de ROS dos celomócitos diminuíram com o tempo de cultura, assim como a porcentagem de células com capacidade fagocítica. Nenhuma das doses de UVA afetou a produção de ROS ou a capacidade fagocítica dos celomócitos, assim como o desenvolvimento embrionário. A maior dose de UVB utilizada (14.400 J/m²), porém, diminuiu, em cerca de 40%, a produção de ROS, 4 e 8 horas após a irradiação, e diminuiu o índice fagocítico. A capacidade fagocítica dos celomócitos diminuiu entre 10% e 20% quando as células foram incubadas a 10ºC ou 40ºC, quando comparadas às células mantidas à 25ºC. Também foi observada a redução do índice fagocítico nos celomócitos mantidos à 10ºC e 40ºC. Os embriões incubados a 20ºC apresentaram um atraso no desenvolvimento, enquanto que os embriões incubados à 34ºC se desenvolveram mais rapidamente. Os celomócitos de E. lucunter foram resistentes aos danos oxidativos causados pela exposição à radiação ultravioleta, assim como os embriões expostos à radiação UVA, enquanto que celomócitos e embriões foram sensíveis à variação de temperatura. Estudos adicionais podem permitir que os parâmetros celulares investigados no presente trabalho possam ser utilizados como bioindicadores no monitoramento ambiental. Palavras-chave: ouriços-do-mar, desenvolvimento embrionário estressores físicos, celomócitos, ROS, fagocitose, ABSTRACT Anthropogenic actions have caused both increasing temperature as depletion of ozone layer, and this last one being responsible for the increased incidence of ultraviolet radiation on the earth's surface. Sea urchins Echinometra lucunter are subject to constant environmental changes such as temperature and salinity, and are also exposed to ultraviolet radiation. The aim of the present study was to investigate the effect of physical stressors - thermal and radioactive stress - in immune cells, gametes and embryonic cells of E. lucunter. Animals were collected at Cabo Branco beach and kept in aquarium at 25 + 2°C with constant aeration. Coelomocytes, gametes and embryos were submitted to different UVA or UVB doses or different temperatures. Coelomocytes ROS production was measured by the fluorescent probe H2DCFDA, and phagocytic capacity was analyzed by incubating cells with fluorescent latex microspheres. Analysis of samples was conducted under flow cytometry. Embryonic developmental stages were analyzed under light microscopy. Basal intracellular ROS levels of coelomocytes decreased with time in culture as well as the percentage of cells with phagocytic capacity. None of the doses of UVA affect the production of ROS or the phagocytic capacity of coelomocytes, as well as embryonic development. The higher dose of UVB (14,400 J/m²), however, decreased about 40% production of ROS, 4 and 8 hours after irradiation, and decreased phagocytic index. The phagocytic capacity of coelomocytes decreased between 10% and 20% when the cells were incubated at 10°C or 40°C when compared to cells maintained at 25°C. We noted the reduction of phagocytic index in celomócitos kept at 10°C and 40°C. The embryos incubated at 20°C showed a delay in development, while the embryos incubated at 34°C developed more quickly. E. lucunter coelomocytes were resistant to oxidative damage caused by exposure to ultraviolet radiation, as well as the embryos exposed to UVA, whereas coelomocytes and embryos were sensitive to temperature variations. Additional studies may allow that the cell parameters investigated in this study can be used as biomarkers in environmental monitoring. Keywords: sea urchin, physical stressors, coelomocytes, ROS, phagocytosis, embryonic development LISTA DE FIGURAS Figura 1. Espectro da luz………………………………………………………………..... 13 Figura 2. Danos oxidativos causados pela radiação UVA.................................................. 14 Figura 3. Formação de dímeros de pirimidina entre timina-timina e timina-citosina......... 14 Figura 4. Mudanças na (A) temperatura média global, (B) nível dos oceanos e (C) cobertura de gelo no hemisfério norte.................................................................................. 16 Figura 5. Geração de espécies reativas de oxigênio pela NADPH oxidase presente em fagossomos............................................................................................................................ 19 Figura 6. Echinometra lucunter em seu habitat natural....................................................... 23 Figura 7. Identificação do sexo dos animais........................................................................ 25 Figura 8. Injeção de KCl na região perioral do animal para obtenção dos gametas............ 25 Figura 9. Coleta de espermatozoides (A) e óvulos (B)........................................................ 26 Figura 10. Irradiação de (A) óvulos, (B) espermatozoides e (C) zigotos............................ 27 Figura 11. Análise da capacidade fagocítica de celomócitos (histograma representativo)....................................................................................................................... 28 Figura 12. O nível basal de ROS diminui com o tempo de cultura..................................... 31 Figura 13. A porcentagem de células que fagocitam diminui com o tempo de cultura....... 32 Figura 14. Efeito da radiação UVA nos níveis intracelulares de ROS................................ 33 Figura 15. Efeito da UVB nos níveis intracelulares de ROS............................................... 34 Figura 16. Efeito da radiação UVA na capacidade fagocítica de celomócitos de ouriçosdo-mar................................................................................................................................... 35 Figura 17. Efeito da radiação UVB na capacidade fagocítica de celomócitos de ouriçosdo-mar................................................................................................................................... 36 Figura 18. Avaliação da capacidade fagocítica de celomócitos de ouriços-do-mar expostos a diferentes temperaturas....................................................................................... 38 Figura 19. Efeito da exposição de óvulos à radiação UVA no desenvolvimento embrionário............................................................................................................................ 39 Figura 20. Efeito da exposição de espermatozoides à radiação UVA no desenvolvimento embrionário............................................................................................................................ 40 Figura 21. Efeito da exposição de zigotos à radiação UVA no desenvolvimento embrionário............................................................................................................................ 40 Figura 22. Efeito da temperatura no desenvolvimento embrionário.................................... 42 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Índice fagocítico de celomócitos expostos à radiação UVA............................... 35 Tabela 2. Índice fagocítico de celomócitos expostos à radiação UVB............................... 36 Tabela 3. Índice fagocítico de celomócitos expostos a diferentes temperaturas................. 37 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 12 2. OBJETIVOS................................................................................................................... 22 2.1. Objetivos gerais............................................................................................................. 22 2.2. Objetivos específicos.................................................................................................... 22 3. MATERIAL E MÉTODOS........................................................................................... 23 3.1. Coleta de animais.......................................................................................................... 23 3.2. Coleta de celomócitos e de fluido celômico.................................................................. 24 3.3. Determinação da concentração total de celomócitos.................................................... 24 3.4. Determinação do sexo dos animais............................................................................... 24 3.5. Obtenção dos gametas................................................................................................... 25 3.6. Coleta e armazenamento dos gametas........................................................................... 25 3.7. Fertilização in vitro....................................................................................................... 26 3.8. Irradiação de gametas, embriões e celomócitos............................................................ 26 3.9. Efeito das radiações UVA e UVB na capacidade fagocítica e no índice fagocítico de celomócitos............................................................................................................................ 28 3.10. Efeito das radiações UVA e UVB na produção de espécies reativas de oxigênio em celomócitos............................................................................................................................ 29 3.11. Efeito da temperatura na capacidade fagocítica de celomócitos.................................. 29 3.12. Efeito da temperatura no desenvolvimento embrionário............................................. 29 3.13. Análise estatística......................................................................................................... 30 4. RESULTADOS................................................................................................................ 31 4.1. Influência do tempo de cultura na produção de ROS e na capacidade fagocítica de celomócitos............................................................................................................................ 31 4.2. Efeito de estressores físicos em celomócitos de ouriços-do-mar................................... 32 4.2.1. Efeito das radiações UVA e UVB na produção de ROS....................................... 32 4.2.2. Efeito das radiações UVA e UVB na capacidade fagocítica e no índice fagocítico............................................................................................................................... 34 4.2.3. Efeito da temperatura na capacidade fagocítica e no índice fagocítico................ 37 4.3. Efeito de estressores físicos no desenvolvimento embrionário de ouriços-do-mar....... 39 4.3.1. Efeito da radiação UVA no desenvolvimento embrionário.................................. 39 4.3.2. Efeito da temperatura no desenvolvimento embrionário...................................... 41 5. DISCUSSÃO.................................................................................................................... 43 6. CONCLUSÕES............................................................................................................... 49 7. REFERÊNCIAS.............................................................................................................. 50 13 1. INTRODUÇÃO Durante milhares de anos, até a Revolução Industrial (nos anos 1760), a média da temperatura global mudou muito pouco – em média 0,5ºC – e a concentração atmosférica de CO2 não variou mais do que 4 ppm. As espécies e ecossistemas atuais são adaptados para essas condições climáticas. Após a Revolução Industrial, essas condições começaram a mudar (RIDGWELL; VALDES, 2009). Com a queima de combustíveis fósseis e utilização de máquinas e equipamentos refrigeradores, por exemplo, altas concentrações de gases danosos são emitidas para a atmosfera. A concentração atmosférica de CO 2 em 2005, por exemplo, foi a mais alta dos últimos 650.000 anos (dado de 2007). Os gases emitidos ficam retidos ou interagem com moléculas presentes na atmosfera, como o ozônio, e interferem no equilíbrio climático do planeta (IPCC, 2007). A camada de ozônio (O3) presente na estratosfera é capaz de absorver a radiação ultravioleta (UV) emitida pelo Sol e evitar danos causados pela radiação, como o câncer de pele e a catarata. No início dos anos 1970, foi observado que ações humanas podiam causar a depleção da camada de ozônio através da emissão de gases como os clorofluorcarbonos (CFCs). Durante as últimas quatro décadas, a camada de ozônio sofreu uma redução de 3,5% e, como consequência, houve um aumento na incidência da radiação UV na superfície terrestre (WORLD METEOROLOGICAL ORGANIZATION, 2011). A luz ultravioleta é um tipo de radiação eletromagnética que possui um comprimento de onda menor do que o da luz visível (HOCKBERGER, 2002) e pode ser dividida em três segmentos, de acordo com seu comprimento de onda: UVC (200-290 nm), que é completamente absorvida pela camada de ozônio e não atinge a superfície terrestre, sendo bastante utilizada como germicida; UVB (290-320 nm), que consiste em 5% de toda a radiação solar e é responsável por diversas doenças de pele; e UVA (320-400 nm), consistindo em 90-95% da radiação emitida pelo Sol (NICHOLS; KATIYAR, 2010) (Fig. 1). 14 LUZ VISÍVEL ULTRAVIOLETA INFRAVERMELHO COMPRIMENTO DE ONDA (nm) Figura 1. Espectro da luz. Modificado de: http://www.bestuv.com/about-uv/what-is-uv-light A descoberta da radiação ultravioleta (UV) teve início no século 17, quando Sala observou que a luz solar fazia com que os cristais de nitrato se tornassem pretos (HOCKBERGER, 2002). No século 19, físicos como Wollaston (1802) e Fraunhofer (1814) contribuíram para a elucidação das propriedades da radiação UV. Em 1920, com a ajuda de cientistas que estudavam a atmosfera, a existência da UV, suas propriedades e sua relação com a luz solar estavam estabelecidas. Neste mesmo século, tiveram início os estudos sobre os efeitos da luz solar nos seres vivos (HOCKBERGER, 2002). Essas primeiras observações indicavam que a exposição à luz do Sol culminava em efeitos positivos para a saúde dos indivíduos: aumentava o crescimento, o desenvolvimento, a respiração e o metabolismo. Os efeitos negativos da radiação só começaram a ser vigorosamente investigados no século 20 (HOCKBERGER, 2002). A radiação UVA pode causar danos oxidativos nas células através de interações com cromóforos endógenos (porfirinas, vitaminas, derivados de flavinas etc.). Essa fotossensibilização pode levar a formação de radicais livres, como espécies reativas de oxigênio (ROS, do inglês Reactive Oxygen Species) que podem interagir com o DNA, danificando-o (CADET et al., 2012). A interação de radicais livres com o DNA pode levar à modificação de bases nitrogenadas, como a formação de 8-oxo-7,8-dihidro-2’- desoxiguanosinas (8-oxodGuo), 2,6-diamino-4-hidroxi-5-formamidopirimidina (FapyGua), 5,6-diidroxi-5,6-diidrotimidina (Thd Glycols) e 5-hidroxi-2’-desoxicitidina (5-OHdCyd) (CADET et al., 2012; KIELBASSA; ROZA; EPE, 1997) (Fig. 2). 15 Ruptura das fitas de DNA Figura 2. Danos oxidativos causados pela radiação UVA. A UVA pode interagir com moléculas e promover a formação de radicais livres, como oxigênio singlete (1O2), elétrons fotossensibilizados e radicais hidroxil(.OH). Estes radicais são altamente reativos e podem se ligar ao DNA, modicando ou quebrando as ligações das bases nitrogenadas e podendo causar mutações. Modificado de CADET et al., 2012. A radiação UVB, por outro lado, interage diretamente com o DNA. A ligação dupla entre os carbonos 5 e 6 das pirimidinas é a região de maior absorção da radiação UVB e o efeito principal dessa absorção é a formação de um anel ciclobutano, dando origem a um dímero de pirimidina (CADET et al., 2012) (Fig. 3). A UVB também é capaz de gerar ROS, como o peróxido de hidrogênio, porém em menor escala quando comparada à UVA (SCHALLREUTER; WOOD, 2001). Fotorreativação (Fotoliase) Fotorreativação (Fotoliase) Figura 3. Formação de dímeros de pirimidina entre timina-timina (A) e timina-citosina (B). Modificado de HÄDER; SINHA, 2005. 16 Além do aumento na incidência de radiação ultravioleta na superfície terrestre, ações antropogênicas também levaram ao aumento da temperatura global, inclusive em ambientes aquáticos. A emissão excessiva de gases como CO2, CH4 e N2O para a atmosfera impede a perda eficiente de calor, resultando no aquecimento do planeta, fenômeno conhecido como efeito estufa (RIDGWELL; VALDES, 2009). Caso esses gases continuem a ser emitidos indiscriminadamente, a temperatura do ar pode chegar a aumentar de 3ºC a 4ºC no fim deste século. O aumento da temperatura global, nos dias de hoje, é inegável (Fig. 4A) e é mais evidente ao norte do planeta. No Ártico, a temperatura média atingiu quase o dobro do observado há 100 anos e a temperatura das superfícies congeladas aumentou mais de 3ºC (IPCC, 2007). Cerca de 80% do calor retido na atmosfera é absorvido pelos oceanos e observações realizadas desde 1961 mostraram que a temperatura dos oceanos, até uma profundidade de aproximadamente 3.000 m, está, de fato, aumentando. Como consequência ao aumento de temperatura, o nível dos oceanos também está aumentando devido ao derretimento das calotas polares (IPCC, 2007) (Fig. 4B e 4C). Embora a temperatura dos oceanos aumente numa taxa menor do que a temperatura dos continentes (0,13ºC e 0,27ºC por década, respectivamente) (IPCC, 2007), os ecossistemas marinhos são mais sensíveis a essa mudança (HALPERN et al., 2008). A temperatura é um dos fatores ambientais (junto com a salinidade) que mais influencia a vida das populações marinhas (VERNBERG, 1962). A expressão de genes pode variar entre espécies distribuídas em diferentes latitudes, e essa diferença pode ser consequência das variações de temperatura. Na espécie de bivalve Mytilus californianus, por exemplo, há diferença na expressão de genes que regulam o ciclo celular, na expressão de chaperonas e proteassomas entre indivíduos coletados em diferentes lugares (PLACE; O’DONNELL; HOFMANN, 2008). No ouriço-do-mar Strongylocentrotus purpuratus, por exemplo, há diferença na expressão da chaperona hsp70 (do inglês, Heat Shock Protein) entre indivíduos coletados em diferentes latitudes (OSOVITZ; HOFMANN, 2005). Variações na temperatura podem, também, afetar o desenvolvimento embrionário de espécies aquáticas. Em temperaturas acima de 24ºC, a taxa de desenvolvimento embrionário do ouriço-do-mar Heliocidaris erythrogramma diminui bruscamente (BYRNE et al., 2009), enquanto para a espécie Echinometra lucunter a temperatura ótima de desenvolvimento embrionário inicial é de 27-34ºC (SEWELL; YOUNG, 1999). A Diferença entre 1961 e 1990 B) Média do nível dos oceanos C) Cobertura de gelo do Hemisfério Norte (milhões de km²) C (milhões de km²) B A) Temperatura média global Temperatura (ºC) 17 Figura 4. Mudanças na (A) temperatura média global, (B) nível dos oceanos e (C) cobertura de gelo no hemisfério norte. Modificado de IPCC, 2007. Interações entre as variações de temperatura e a incidência de radiação ultravioleta são refletidas nos ecossistemas terrestres e aquáticos. As espécies que habitam zonas entremarés podem atuar como excelentes bioindicadores devido à constante variação ambiental que esta região está sujeita. Ouriços-do-mar da espécie Echinometra lucunter, em especial, são ótimos modelos para estudos ambientais por habitarem regiões entremarés e possuírem uma movimentação limitada (PEARSE, 2006), tornando-os vulneráveis às variações ambientais. Além disso, os ouriços-do-mar têm sido extensivamente utilizados como modelos nos estudos de biologia do desenvolvimento devido à facilidade de obtenção dos gametas e de fertilização in vitro, o grande número de gametas obtidos de um animal e o fato de os embriões serem relativamente grandes (75-200 μm) (HINMAN; JARVELA, 2014; MCCLAY, 2011; SANTELLA; VASILEV; CHUN, 2012). Uma parte considerável do conhecimento sobre fertilização e desenvolvimento embrionário foi adquirida a partir de estudos com ouriços-domar. A origem materna das mitocôndrias, o papel do centrossomo na fertilização e divisão celular, a reação acrossômica e o papel biológico das ciclinas também foram elucidados tendo como modelo experimental os ouriços-do-mar (ERNST, 1997; EVANS et al., 1983; MONROY, 1986). 18 Os ouriços-do-mar pertencem ao filo Echinodermata, reunindo cerca de 7.000 espécies viventes (cerca de outras 13.000 espécies são conhecidas a partir do registro fóssil). São animais dioicos, com fertilização externa e desenvolvimento indireto, com formação de larva com simetria bilateral. Estes animais, assim como os vertebrados, são deuterostômios, o que faz com que possuam diversas características do desenvolvimento embrionário em comum. O desenvolvimento embrionário dos ouriços-do-mar é caracterizado por uma clivagem radial e holoblástica, formação do celoma de origem enterocélica e onde blastóporo – primeira abertura embrionária – dá origem ao ânus. A boca é formada por uma abertura secundária (BRUSCA; BRUSCA, 2011). As clivagens dos embriões ocorrem rápida e sincronicamente, permitindo a identificação de atrasos ou interrupção de alguma fase do ciclo celular. Os óvulos dos ouriçosdo-mar, ao serem liberados, já completaram a meiose e possuem um núcleo haploide (SANTELLA; VASILEV; CHUN, 2012). Depois de fecundado, o óvulo se encontra envolvido por uma membrana dupla, onde o embrião se desenvolve até o estágio de blástula. A membrana, então, se rompe e a blástula sofre gastrulação, desenvolvendo-se numa larva livre-natante denominada plúteo. O óvulo de ouriço-do-mar possui polos animal e vegetal bem definidos e que parecem estar relacionados ao local de adesão do ovo ao ovário dos animais. O desenvolvimento inicial está ligado a essa polarização do óvulo. As duas primeiras clivagens dividem o óvulo ao longo do eixo animalvegetal e a terceira clivagem ocorre de forma perpendicular às duas primeiras. A quarta clivagem passa a ser desigual, formando blastômeros de tamanhos diferentes. Quatro pequenos micrômeros e quatro macrômeros surgem no polo vegetal e oito mesômeros surgem no polo animal. Outras clivagens dão origem a uma blástula oca. A gastrulação é iniciada no polo vegetal a partir da entrada de cerca de 40 células no interior da blastocele. O arquêntero se desenvolve e funde-se ao lado oposto do embrião, formando a boca. A formação da boca define outro eixo do embrião, o eixo oral-aboral, que será o eixo de simetria da larva plúteo (WOLPERT et al., 2008). Com o sequenciamento do genoma do ouriço-do-mar Strongylocentrotus purpuratus (SODERGREN et al., 2006), foi observado que cerca de 5% dos genes identificados estão envolvidos diretamente com o sistema imune desses animais (HIBINO et al., 2006), o que faz desses organismos ótimos modelos, também, para o estudo das respostas imunológicas. Os animais invertebrados, ao contrário dos vertebrados, apresentam uma resposta imune inata, não adaptativa, não clonal e não antecipatória. Os principais mecanismos de defesa contra agentes infecciosos utilizados por esses animais são a síntese e secreção de proteínas 19 antimicrobianas, aglutinação e formação de nódulos, encapsulamento de partículas estranhas e fagocitose (TAHSEEN, 2009). Assim sendo, a resposta imune desses animais é dividida em humoral (mediada por moléculas presentes nos fluidos corporais) e celular (mediada por células). Nos equinodermos (e outros invertebrados celomados), as células responsáveis pelas respostas imunológicas são conhecidas como celomócitos (do grego koilos, oco; e kytos, compartimento) e são encontrados na cavidade celômica perivisceral, no sistema vascular de água, no sistema circulatório, no tecido conjuntivo e em diversos órgãos (GLINSKI; JAROSZ, 2000) e, nos ouriços-do-mar, são divididos em quatro populações: fagócitos, esferulócitos vermelhos, esferulócitos incolores e células vibráteis. Os fagócitos constituem a maior parte dos celomócitos e estão envolvidos na fagocitose, encapsulamento, aglutinação, coagulação, quimiotaxia e rejeição a transplantes. Os fagócitos parecem ser o tipo celular que apresenta a maior expressão de genes do sistema imune (GROSS et al., 1999; HILLIER; VACQUIER, 2003; SMITH et al., 2006). Os esferulócitos vermelhos e incolores apresentam tamanho e forma (ameboides) semelhantes, porém os esferulócitos vermelhos são mais densos e contêm grânulos ricos em equinocromo A, o que dá às células a cor vermelha. O equinocromo A tem propriedades antimicrobianas e é liberado na presença de bactérias. As funções do esferulócitos incolores ainda não foram elucidadas (JOHNSON, 1969; MATRANGA et al., 2006; SMITH et al., 2006). As células vibráteis são esféricas e não apresentam movimentos ameboides, possuindo um único flagelo responsável por sua mobilidade. Essas células parecem estar relacionadas às reações de coagulação (BERTHEUSSEN; SELJELID, 1978; SMITH et al., 2006). A análise do genoma do S. purpuratus revelou a presença de diversos receptores de imunidade inata nesses animais, como receptores do tipo Toll (TLR, do inglês Toll-Like Receptors) e receptores scavenger (HIBINO et al., 2006), responsáveis pelo aumento na taxa fagocítica de fagócitos (ADEREM; UNDERHILL, 1999). A fagocitose consiste no engolfamento de partículas grandes (> 0,5 μm) pela célula e envolve o reconhecimento e ligação da partícula a ser fagocitada pelos receptores presentes na superfície celular. A actina é polimerizada no local do reconhecimento do ligante por GTPases da família Rho, formando os pseudópodes. Em resposta ao acúmulo de PI(4,5)P2 na membrana, uma Rho-GTPase ativa PI-cinases locais, que desencadeiam a polimerização da actina. A actina é despolimerizada quando a PI3-cinase converte a PI(4,5)P2 em PI(3,4,5)P3, o que promove o fechamento do fagossomo (ALBERTS et al., 2010; FLANNAGAN; JAUMOUILLÉ; GRINSTEIN, 2012). Organismos mais basais, como protozoários, poríferos e cnidários, utilizam esse processo para a obtenção de nutrientes e reconhecimento de elementos estranhos. Através da evolução, essas 20 células mantiveram a capacidade de reconhecimento e consequente fagocitose de corpos estranhos, porém com o intuito de defesa do hospedeiro (BUCHMANN, 2014). Uma vez fagocitada, a partícula estranha ao organismo fica enclausurada no fagossomo, cuja membrana deriva da membrana plasmática. Essa organela recém-formada passa rapidamente por uma sucessão de mudanças bioquímicas e se funde ao lisossomo, se transformando em uma organela com baixo pH e grande potencial microbicida (FLANNAGAN; JAUMOUILLÉ; GRINSTEIN, 2012). A formação do fagossomo ativa a NADPH oxidase (NOX, sendo a NOX2 a mais estudada) na membrana da organela, que gera um grande influxo de elétrons a partir de NADPH. O oxigênio molecular presente no fagossomo é reduzido a ânion superóxido (O2-) pelos elétrons, que por sua vez é reduzido a peróxido de hidrogênio (H2O2). O H2O2 pode combinar-se ao Cl- e formar ácido hipocloroso (HOCl) (Fig. 5), que é o antimicrobicida mais efetivo de neutrófilos (ROOS; WINTERBOURN, 2002; WINTERBOURN, 2008). Figura 5. Geração de espécies reativas de oxigênio pela NADPH oxidase presente em fagossomos. Modificado de WINTERBOURN, 2008. As espécies reativas de oxigênio - .OH, O2-, H2O2 - podem ter outras origens na célula e atuam, também, em outras funções. A principal fonte de ROS é a cadeia respiratória mitocondrial (BARTOSZ, 2009) e, como citado anteriormente, estressores físicos (radiação 21 ultravioleta e variação de temperatura, por exemplo) ou químicos podem levar à geração de ROS (GRABELNYCH et al., 2014; IMLAY; LINN, 1988; ROSSETI; ROCHA; COSTA, 2014; SCHALLREUTER; WOOD, 2001). A maior parte do oxigênio consumido por organismos aeróbicos é reduzida a H2O através da cadeia respiratória mitocondrial. Uma pequena parte desse oxigênio (1-2%), entretanto, acaba sendo convertido em ânion superóxido que, pela superóxido dismutase presente nas mitocôndrias, é rapidamente convertido em H2O2. O H2O2 pode difundir-se para o citosol e ser convertido em H2O e O2 pela catalase ou pela citocromo c peroxidase na própria mitocôndria (DAVIDSON; SCHIESTL, 2001; TURRENS, 1997). Em situações de estresse ou patologias, a formação de ROS pode ser amplificada e causar danos oxidativos à célula. Quando plantas da espécie Populus yunnanensis são expostas a altas temperaturas e falta de água por mais de 24h, os níveis intracelulares de H2O2 e O2- aumentam, enquanto a atividade de enzimas antioxidantes diminui gradativamente (LI et al., 2014). A radiação UVB promove a formação de H2O2, em queratinócitos humanos, de maneira dose dependente. Surpreendentemente, foi observado que a enzima responsável pela formação do H2O2 nestas células, após a irradiação, é a catalase, enzima antioxidante responsável, em condições normais, pela degradação do H2O2. Acredita-se que a UVB modica o sítio de ligação ao H2O2, permitindo que a água se ligue à enzima. A água se torna uma fonte de prótons que interagem com o O2, formando H2O2 (HECK et al., 2003). Desde a descoberta do papel do óxido nítrico (NO) como molécula sinalizadora, a possibilidade de que outras espécies reativas pudessem ter o mesmo papel começou a ser aceita (BARTOSZ, 2009). O O2- e o H2O2 também são produzidos enzimaticamente, além de sua síntese através da redução do O2, e suas concentrações são controladas também por enzimas. Este fato reforçou a hipótese de que estas moléculas, além de causarem dano oxidativo, também atuam na sinalização celular. E, de fato, as espécies reativas de oxigênio podem atuar modificando alvos moleculares das proteínas e/ou provocando mudanças no estado redox na célula (BARTOSZ, 2009). Já foi demonstrado que espécies reativas de oxigênio aumentam a resposta à insulina, amplificando o sinal (KRIEGER-BRAUER; KATHER, 1992); a ausência de ROS (mais especificamente a presença de catalase) bloqueia a sinalização por fatores de crescimento como PDGF e EGF (BAE et al., 1997; BARTOSZ, 2009) e alguns fatores de transcrição também são afetados por ROS, como o NF-κB (BARTOSZ, 2009; BUBICI et al., 2006). Além disso, tem sido especulado que espécies reativas de oxigênio podem ter um papel na regulação da progressão do ciclo celular (MENON; GOSWAMI, 2007). 22 Assim, com base no exposto, o estudo da ação de estressores ambientais nos sistemas biológicos pode contribuir para uma melhor compreensão dos efeitos das mudanças climáticas que ocorrem no planeta, especialmente nos organismos marinhos. Desta forma, além de uma contribuição no campo das ciências básicas, o presente trabalho também pretende contribuir na área ambiental, permitindo um melhor entendimento dos mecanismos celulares em resposta a diversas mudanças ambientais nos ecossistemas marinhos. 23 2. OBJETIVOS 2.1. Objetivos gerais O objetivo do presente trabalho foi investigar o efeito de agentes estressores físicos – estresse térmico e radioativo – nas células do sistema imune, gametas e células embrionárias de ouriços-do-mar. 2.2. Objetivos específicos Os objetivos específicos deste trabalho foram investigar: O efeito da radiação UV na produção de ROS e na fagocitose de celomócitos de ouriços-do-mar; O efeito da variação de temperatura na fagocitose de celomócitos de ouriços-do-mar; O efeito da radiação UV no desenvolvimento embrionário de ouriços-do-mar; O efeito da temperatura no desenvolvimento embrionário de ouriços-do-mar. 24 3. MATERIAL E MÉTODOS 3.1. Coleta de animais Os ouriços-do-mar Echinometra lucunter foram coletados na Praia do Cabo Branco, João Pessoa, Paraíba – Brasil (7°08’54’’S e 34°47’44’’O). As coletas foram realizadas em maré baixa entre 0,1 e 0,4 m (código de autorização do ICMBio: 32105-1). Os animais foram retirados das fendas de rochas e transportados ao laboratório em recipiente plástico contendo água do mar do mesmo local da coleta. Figura 6. Echinometra lucunter em seu habitat natural. No laboratório, os animais foram lavados com FSW (do inglês, Filtered Sea Water) e mantidos em recipiente plástico com um volume de FSW que não os cobrisse por completo, para aclimatação. Após duas horas, os animais foram transferidos para o aquário contendo cerca de 4 L de FSW por indivíduo. A oxigenação foi feita através de bombas de aeração e a água apresentava salinidade de 35‰, variando entre 34‰ e 37‰, pH 8,0 e temperatura em torno dos 25°C. A água do mar utilizada foi coletada na praia do Seixas – João Pessoa (7° 09’ S, 34° 47’ O), filtrada no laboratório com uma rede de malha de 50 μm e armazenada em baldes. 25 3.2. Coleta de celomócitos e de fluido celômico Os celomócitos foram obtidos através de punção realizada na região perioral (membrana peristomial) dos animais. A seringa (3 mL) utilizada estava pré-carregada com a solução isosmótica anticoagulante ISO-EDTA (20 mM Tris, 0.5 M NaCl, 70 mM EDTA, pH 7.5). Após serem retiradas do animal, as células foram centrifugadas a 500g, por 5 minutos, a 4ºC, e ressuspendidas em fluido celômico. Para a retirada dos celomócitos, não foi realizada a identificação do sexo do animal para não estressá-los. O fluido celômico utilizado nos experimentos também foi obtido através de punção na membrana peristomial do animal, porém a seringa não continha ISO-EDTA. O fluido retirado foi centrifugado a 3000 rpm por 30 minutos em temperatura ambiente para remoção das células e armazenado a -20ºC para futura utilização. 3.3. Determinação da concentração total de celomócitos A concentração total de celomócitos foi determinada a partir da contagem do número total de células presentes no fluido celômico em câmara de Neubauer. Para os experimentos envolvendo espécies reativas de oxigênio, a concentração foi ajustada para 5 x 105 células/mL. Para experimentos envolvendo fagocitose, foi realizada uma contagem populacional e, a partir desta contagem, a concentração das células foi ajustada para 5x105 fagócitos/mL. 3.4. Determinação do sexo dos animais Para os ensaios de desenvolvimento embrionário, os sexos dos animais foram previamente determinados. Os ouriços-do-mar foram retirados do aquário e, em seguida, estimulados com uma corrente elétrica de 12 V, o que causa uma pequena liberação de gametas, permitindo a identificação do sexo dos animais. As fêmeas liberam uma secreção alaranjada, enquanto os machos liberam uma secreção esbranquiçada (Fig. 7). 26 Figura 7. Identificação do sexo dos animais. As fêmeas liberam uma secreção alaranjada (esquerda), enquanto os machos liberam uma secreção esbranquiçada (direita). 3.5. Obtenção dos gametas Após a identificação do sexo dos animais, foram injetados 3 mL de KCl (0,5 M) na região perioral do animal (Fig. 8). O KCl induz a contração dos músculos que revestem as gônadas, causando a liberação dos gametas. Os óvulos ou espermatozoides foram coletados durante 10 minutos após a injeção do KCl para evitar a utilização de gametas imaturos. Figura 8. Injeção de KCl na região perioral do animal para obtenção dos gametas. 3.6. Coleta e armazenamento dos gametas Os espermatozoides foram coletados a seco com micropipeta de 200 μL e transferidos para tubos de microcentrífuga (capacidade de 1,5 mL) previamente armazenados a 4ºC. Após coletados, permaneceram a 4ºC até o momento da fertilização, sendo armazenados por, no máximo, 10 dias (Fig. 9a). Os animais do sexo feminino foram colocados em béqueres preenchidos com FSW (volume do béquer de acordo com o tamanho do animal), de forma que os seus gonóporos 27 permaneceram em contato com a água para precipitação dos óvulos (Fig. 9b). Uma vez coletados, os óvulos foram transferidos para provetas de 500 mL para que fossem realizadas duas lavagens em FSW com o intuito de retirar a camada gelatinosa que envolve o gameta feminino, facilitando, assim, o processo de fertilização. Após a segunda lavagem, os óvulos foram ressuspendidos em 50 mL de FSW e armazenados a 28 + 2ºC. Os gametas femininos foram utilizados até duas horas após o armazenamento. Figura 9. Coleta de espermatozoides (A) e óvulos (B). 3.7. Fertilização in vitro Após a lavagem, a concentração da suspensão dos óvulos foi determinada com auxílio de uma câmara de Neubauer e, então, ajustada para 1x104 óvulos/mL. Os espermatozoides secos foram ativados em mFSW (proporção 1:50) para que a fertilização pudesse ser realizada. A mFSW é filtrada em um sistema de filtração à vácuo a partir da FSW armazenada nos baldes. São utilizados dois filtros milipore (0,45 μm). Uma vez ativados, os espermatozoides foram adicionados à suspensão de óvulos em uma proporção de 1:100. Realizada a fertilização, os embriões foram mantidos a 28ºC. 3.8. Irradiação de gametas, embriões e celomócitos O aparelho Mineralight UV Lamp, modelo UVSL 25 (UVP, Inc.) foi utilizado como fonte de UVA, e as doses foram monitoradas com um dosímetro Black-Ray UV Intensity Meter, modelo J221 (UVP, Inc.). As fontes de UVB utilizadas foram duas lâmpadas Philips TL20W/12RS e as doses foram monitoradas com um dosímetro Vilber Lourmat modelo VLX-3W (Vilber Lourmat) equipado com sensor para o comprimento de onda de 312 nm. Em experimentos distintos, suspensões de óvulos, espermatozoides e embriões foram irradiados em placas de vidro de 50 mm de diâmetro, abertas, em um volume final de 7 mL. 28 Os óvulos irradiados foram transferidos para placas de cultura de 24 poços e fertilizados com espermatozoides não irradiados (Fig. 10A). Os espermatozoides irradiados foram utilizados para fertilizar óvulos não irradiados (Fig. 10B). Para a irradiação dos embriões, a fertilização foi realizada em placas de vidro com gametas não irradiados, e os embriões expostos à radiação 10 minutos após a indução da fertilização (Fig. 10C). Os embriões foram fixados com formaldeído 2% 90 minutos (estágio de duas células), 120 minutos (estágio de quatro células), 240 minutos (estágio de mórula) e 480 minutos (estágio de blástula) após a fertilização e analisados em microscopia óptica. Para espermatozoides e embriões, foram utilizadas as doses de 1.800, 3.600, 7.200 e 14.400 J/m² de UVA; para óvulos foram utilizadas as doses de 3.600, 7.200, 14.400 e 28.800 J/m² de UVA. A B C Figura 10. Irradiação de (A) óvulos, (B) espermatozoides e (C) zigotos. 29 O mesmo aparelho de UVA e UVB foi utilizado para irradiar os celomócitos. Após ajustada a concentração (5x105 células/mL ou 5x105 fagócitos/mL, dependendo do experimento), os celomócitos foram irradiados em placas de vidro de 50 mm de diâmetro, abertas, com um volume final de 2 mL (para ensaios de fagocitose) ou 4 mL (para ensaios de produção de ROS). Os volumes da suspensão celular foram estabelecidos de forma que a menor quantidade de fluido celômico fosse utilizada. As células foram irradiadas com doses de 3.600, 7.200 e 14.400 J/m² de UVA e de UVB. 3.9. Efeito das radiações UVA e UVB na capacidade fagocítica e no índice fagocítico de celomócitos Depois de irradiados, os celomócitos foram incubados com microesferas fluorescentes de látex (2 μm, Fluoresbrite® Yellow Green, 2% v/v) na proporção de 1:10 (células:microesferas) por uma hora a 25ºC. As amostras foram fixadas com formol 2% e a análise realizada em citometria de fluxo (FACSCalibur, BD Biosciences) no canal de fluorescência FL1 (verde). O total de microesferas fagocitadas foi mensurado de acordo com a figura 11. Foi analisado um total de 10.000 células por tratamento e a capacidade fagocítica foi dada pela porcentagem de células que fagocitaram. Figura 11. Análise da capacidade fagocítica de celomócitos (histograma representativo). O primeiro pico (1) representa o total de células que fagocitaram uma microesfera fluorescente; o segundo pico (2) representa o total de células que fagocitaram duas microesferas fluorescentes; e os demais picos (3+) representam o total de células que fagocitaram três microesferas ou mais. 30 O índice fagocítico foi calculado a partir da seguinte fórmula: Índice fagocítico = número total de microesferas fagocitadas número de fagócitos fagocitando 3.10. Efeito das radiações UVA e UVB na produção de espécies reativas de oxigênio em celomócitos Os celomócitos (5x105 células/mL) foram irradiados, ou não, com três diferentes doses de radiação UVA e UVB e posteriormente incubados, por 30 minutos, com 10 µM de H2DCFDA (diacetado de 2′,7′-diclorofluresceína), sonda não fluorescente cujo grupo acetato, no interior das células, sofre clivagem por esterases e consequente oxidação quando em contato com ROS, sendo convertida em sua forma fluorescente (DCF). As células também foram incubadas, por 30 minutos, com 2 μg/μL iodeto de propídeo (PI), marcador de viabilidade celular. As amostras foram incubadas a 25ºC por 0, 4, 8 e 24 horas após a irradiação e, 30 minutos antes de completar os devidos tempos de cultura, as células foram marcadas com as sondas fluorescentes (H2DCFDA seguido do PI). A intensidade de fluorescência das sondas foi analisada em citometria de fluxo e um total de 10.000 células foi analisado. 3.11. Efeito da temperatura na capacidade fagocítica de celomócitos Os celomócitos (5x105 fagócitos/mL) foram incubados em diferentes temperaturas - 10ºC, 25ºC (grupo controle) e 40ºC - por 0, 4, 8 e 24 horas. Após os períodos de incubação acima descritos, as células foram incubadas com microesferas fluorescentes de látex (2 μm, Fluoresbrite® Yellow Green, 2%) na proporção de 1:10 (células:microesferas) por uma hora. As amostras foram fixadas com formaldeído 2% e a análise realizada em citometria de fluxo. O total de microesferas fagocitadas foi analisado de acordo com o item 3.9. Um total de 10.000 células foi analisada. 3.12. Efeito da temperatura no desenvolvimento embrionário A fertilização foi realizada como descrita no item 3.5 e os embriões foram transferidos para placas de 24 poços e incubados em quatro diferentes temperaturas: 20ºC, 28ºC (grupo 31 controle), 34ºC e 37ºC. Os embriões foram fixados com formaldeído 2%, 90 minutos (estágio de duas células), 120 minutos (estágio de quatro células), 240 minutos (estágio de mórula) e 360 minutos (estágio de blástula) após a fertilização, e os estágios do desenvolvimento embrionário analisados sob microscopia óptica. Um total de 100 embriões foi contado por amostra. 3.13. Análise estatística Todos os experimentos foram realizados, pelo menos, três vezes, de maneira independente e em triplicatas. Os dados obtidos foram analisados pelo programa GraphPad Prism versão 5.0 (GraphPad Software Inc., San Diego, CA), através de análise de variância One-way ANOVA seguido pelo teste de Tukey’s, quando a distribuição dos dados foi paramétrica, e Kruskal-Wallis seguido do teste de Dunns quando a distribuição foi nãoparamétrica. Os dados foram expressos em média + erro padrão da média (SEM). Os resultados foram considerados significativos quando p ≤ 0,001, p ≤ 0,01 ou p ≤ 0,05. 32 4. RESULTADOS 4.1. Influência do tempo de cultura na produção de ROS e na capacidade fagocítica de celomócitos Os celomócitos foram mantidos em fluido celômico por até 24 horas e a produção de ROS e a capacidade fagocítica foram avaliados. Os níveis intracelulares de ROS das células não irradiadas (grupo controle) diminuíram com o tempo de cultura (Fig. 12), apresentando as seguintes médias de intensidade de fluorescência (u.a.): 143,3 + 13,6; 93,5 + 6,4; 73,4 + 6,8; e 51,2 + 11,9 (0, 4, 8 e 24 horas após irradiação, respectivamente). A porcentagem de células com capacidade fagocítica também diminuiu com o tempo de cultura: 54,4 + 2,0%, 50,1 + 1,2%, 46,7 + 1,3% e 38,9 + 2,4% dos celomócitos fagocitaram microesferas fluorescentes em 0, 4, 8 e 24 horas de cultura, respectivamente (Fig. 13). Figura 12. O nível basal de ROS diminui com o tempo de cultura. Os dados representam a média da intensidade de fluorescência (MIF) de celomócitos de cinco experimentos realizados em triplicata. Tratamentos apresentando letras iguais não são significativamente diferentes, p<0,05 (one-way ANOVA seguido do teste de Tukey). 33 Figura 13. A porcentagem de células que fagocitam diminui com o tempo de cultura. Os dados representam a porcentagem de células que realizaram fagocitose de pelo menos três experimentos realizados em triplicata. Tratamentos apresentando letras iguais não são significativamente diferentes, p<0,05 (one-way ANOVA seguido do teste de Tukey). 4.2. Efeito de estressores físicos em celomócitos de ouriços-do-mar 4.2.1. Efeito das radiações UVA e UVB na produção de ROS Os celomócitos foram irradiados com diferentes doses de radiação UVA e UVB (3.600, 7.200 e 14.400 J/m2 para ambas as radiações). Nenhuma das doses de UVA afetou a produção de ROS (Fig. 14). Não houve diferença, também, entre as células irradiadas 10 minutos e 24 horas após a exposição das células à UVB. Porém, os níveis intracelulares de ROS diminuíram cerca de 40% quatro e oito horas após a irradiação das células que receberam a maior dose de radiação UVB (14.400 J/m²) (Fig. 15). 34 Figura 14. Efeito da radiação UVA nos níveis intracelulares de ROS. Os dados representam o índice relativo de fluorescência dos celomócitos em relação ao grupo controle, considerado 1, 10 minutos (A), 4 horas (B), 8 horas (C) e 24 horas (D) após a irradiação. Foram realizados pelo menos três experimentos em triplicata. H2O2 foi utilizado como controle positivo. *p<0,05 comparado ao grupo controle; **p<0,01 comparado ao grupo controle (one-way ANOVA seguido do teste de Tukey). 35 Figura 15. Efeito da UVB nos níveis intracelulares de ROS. Os dados representam o índice relativo de fluorescência dos celomócitos em relação ao grupo controle, considerado 1, 10 minutos (A), 4 horas (B), 8 horas (C) e 24 horas (D) após a irradiação. Foram realizados cinco experimentos em triplicata. H2O2 foi utilizado como controle positivo. *p<0,05 comparado ao grupo controle; **p<0,01 comparado ao grupo controle (Kruskal-Wallis seguido do teste de Dunns). 4.2.2. Efeito das radiações UVA e UVB na capacidade fagocítica e no índice fagocítico Não houve diferença na capacidade fagocítica ou no índice fagocítico de celomócitos expostos à radiação UVA (Fig. 16, Tabela 1), ou na capacidade fagocítica dos celomócitos expostos à radiação UVB (Fig. 17A). No entanto, houve uma diminuição no índice fagocítico da população total de celomócitos quando estes foram expostos à maior dose de radiação UVB (14.400 J/m²) (Fig, 17C, Tabela 2). A quantidade de células que fagocitaram três microesferas fluorescentes ou mais foi menor, quando comparadas ao grupo não irradiado: 10 + 1,4% e 19,2 + 2,3%, respectivamente (Fig. 17C). 36 Figura 16. Efeito da radiação UVA na capacidade fagocítica de celomócitos de ouriçosdo-mar. Os dados representam a média + o erro padrão da média de três experimentos realizados em triplicata. Tratamentos apresentando letras iguais não são significativamente diferentes, p<0,05 (one-way ANOVA seguido do teste de Tukey). (A) Capacidade fagocítica dos celomócitos. (B) Histogramas representativos. (C) 1 = células que fagocitaram uma microesfera fluorescente; 2 = células que fagocitaram duas microesferas fluorescentes; 3+ = células que fagocitaram três ou mais microesferas fluorescentes. Tabela 1. Índice fagocítico de celomócitos expostos à radiação UVA. Os dados representam a média + o erro padrão da média de três experimentos realizados em triplicata. Tratamentos apresentando letras iguais não são significativamente diferentes, p<0,05 (oneway ANOVA seguido do teste de Tukey). Controle 3.600 J/m² 7.200 J/m² 14.400 J/m² Índice fagocítico 1,63a 1,63a 1,61a 1,62a SEM 0,08 0,10 0,09 0,09 37 Figura 17. Efeito da radiação UVB na capacidade fagocítica de celomócitos de ouriçosdo-mar. Os dados representam a média + o erro padrão da média de três experimentos realizados em triplicata. Tratamentos apresentando letras iguais não são significativamente diferentes, p<0,05 (one-way ANOVA seguido do teste de Tukey). (A) Capacidade fagocítica dos celomócitos. (B) Histogramas representativos. (C) 1 = células que fagocitaram uma microesfera fluorescente; 2 = células que fagocitaram duas microesferas fluorescentes; 3+ = células que fagocitaram três ou mais microesferas fluorescentes. Tabela 2. Índice fagocítico de celomócitos expostos à radiação UVB. Os dados representam a média + o erro padrão da média de três experimentos realizados em triplicata. Tratamentos apresentando letras iguais não são significativamente diferentes, p<0,05 (oneway ANOVA seguido do teste de Tukey). Controle 3.600 J/m² 7.200 J/m² 14.400 J/m² Índice fagocítico 1,99a 1,96a 1,92a 1,72b SEM 0,05 0,04 0,04 0,04 38 4.2.3. Efeito da temperatura na capacidade fagocítica e no índice fagocítico Os celomócitos foram incubados em diferentes temperaturas (10ºC, 25ºC e 40ºC) e a capacidade fagocítica e o índice fagocítico avaliados. Não houve diferença na capacidade fagocítica dos celomócitos quando os mesmos foram submetidos ao ensaio de fagocitose, sob diferentes temperaturas, imediatamente após a obtenção das células e o preparo da suspensão celular (tempo zero, Fig. 18A). Entretanto, 4, 8 e 24 horas após o início do estresse, os celomócitos apresentaram uma diminuição na sua capacidade fagocítica quando mantidos nas temperaturas de 10ºC e 40ºC e comparados ao grupo controle (25ºC). Após 4 horas, as células fagocitaram cerca de 12% e 10% menos a 10ºC e 40ºC respectivamente, comparadas ao controle (25ºC); após 8 horas, a diminuição foi de cerca de 14% e 20% e, após 24 horas, as células fagocitaram 11% e 7% menos (Fig. 18A). Os celomócitos apresentaram diferenças nos índices fagocíticos nas três temperaturas em todos os tempos (Tabela 3, Fig. 18B, 18C e 18D). No tempo zero, o índice fagocítico foi menor na temperatura de 10ºC. Após 4 e 24 horas de exposição às diferentes temperaturas, os índices fagocíticos dos celomócitos a 10ºC e 40ºC foram semelhantes e menores do que o das células a 25ºC. Após 8 horas, o índice fagocítico das células foi menor a 40ºC, seguido de 10ºC, sendo o índice das duas temperaturas menores do que o índice fagocítico a 25ºC. Tabela 3. Índice fagocítico de celomócitos expostos a diferentes temperaturas. Os dados representam a média + o erro padrão da média de três experimentos realizados em triplicata. Tratamentos apresentando letras iguais, entre o mesmo período de exposição, não são significativamente diferentes, p<0,05 (one-way ANOVA seguido do teste de Tukey). 10ºC 25ºC 40ºC 10ºC 25ºC 40ºC 10ºC 25ºC 40ºC 10ºC 25ºC 40ºC Índice fagocítico 0h 2,00b 2,27a 2,32a 4h 1,77b 1,97a 1,76b 8h 1,72b 1,91a 1,49c 24h 1,69b 1,97a 1,72b SEM 0,03 0,03 0,02 0,02 0,02 0,05 0,05 0,02 0,03 0,04 0,02 0,05 39 Figura 18. Avaliação da capacidade fagocítica de celomócitos de ouriços-do-mar expostos a diferentes temperaturas. Os dados representam a média + o erro padrão da média de três experimentos realizados em triplicata. (A) Capacidade fagocítica dos celomócitos. (B) Porcentagem de células que fagocitaram uma microesfera fluorescente (MF); (C) Porcentagem de células que fagocitaram duas microesferas fluorescentes (MF); (D) Porcentagem de células que fagocitaram três microesferas fluorescentes (MF) ou mais. Tratamentos apresentando letras iguais não são significativamente diferentes, p<0,05 (one-way ANOVA seguido do teste de Tukey). 40 4.3. Efeito de estressores físicos no desenvolvimento embrionário de ouriços-do-mar 4.3.1. Efeito da radiação UVA no desenvolvimento embrionário Óvulos, espermatozoides e zigotos foram expostos a diversas doses de radiação UVA (3.600, 7.200, 14.000 e 28.000 J/m2) e seus efeitos, no desenvolvimento embrionário, foram monitorados até o estágio de blástula. Os óvulos irradiados foram fertilizados com espermatozoides não irradiados e espermatozoides irradiados foram utilizados para fertilizar óvulos não irradiados. Os zigotos foram irradiados após fertilização com gametas não irradiados. Nenhuma dose utilizada inibiu o desenvolvimento embrionário, independente da célula alvo irradiada: óvulos (Fig. 19), espermatozoides (Fig. 20) ou zigotos (Fig. 21). Figura 19. Efeito da exposição de óvulos à radiação UVA no desenvolvimento embrionário. Os óvulos foram irradiados com diversas doses de UVA e fertilizados com espermatozoides não irradiados. (A) Embriões no estágio de 2 células. (B) Embriões no estágio de 4 células. (C) Mórula. (D) Blástula. Os dados representam a média + o erro padrão da média de pelo menos três experimentos realizados em triplicata. Controle considerado 100%. Não houve diferença entre as doses utilizadas. p<0,05. (one-way ANOVA seguido do teste de Tukey). 41 Figura 20. Efeito da exposição de espermatozoides à radiação UVA no desenvolvimento embrionário. Os espermatozoides foram irradiados com diversas doses de UVA e utilizados para fertilizar óvulos não irradiados. (A) Embriões no estágio de 2 células. (B) Embriões no estágio de 4 células. (C) Mórula. (D) Blástula. Os dados representam a média + o erro padrão da média de pelo menos três experimentos realizados em triplicata. Controle considerado 100%. Não houve diferença entre as doses utilizadas. p<0,05. (one-way ANOVA seguido do teste de Tukey). Figura 21. Efeito da exposição de zigotos à radiação UVA no desenvolvimento embrionário. Zigotos foram irradiados com diversas doses de UVA 10 minutos após a fertilização. (A) Embriões no estágio de 2 células. (B) Embriões no estágio de 4 células. (C) Mórula. (D) Blástula. Os dados representam a média + o erro padrão da média de pelo menos três experimentos realizados em triplicata. Controle considerado 100%. Não houve diferença entre as doses utilizadas. p<0,05. (one-way ANOVA seguido do teste de Tukey). 42 4.3.2. Efeito da temperatura no desenvolvimento embrionário Os embriões foram incubados em diferentes temperaturas (20ºC, 28ºC, 34ºC e 37ºC) e o desenvolvimento embrionário monitorado até o estágio de blástula. A 28ºC, cerca de 90% dos embriões estavam no estágio de duas células 90 minutos após a fertilização; 80% estavam no estágio de quatro células em 120 minutos; 91% estavam no estágio de mórula em 240 minutos; e 95% estavam no estágio de blástula após 360 minutos. Houve um atraso no desenvolvimento embrionário na temperatura de 20ºC, na qual 90% dos embriões estavam no estágio de uma célula 90 minutos após a fertilização; 55% estavam no estágio de uma célula e 43% estavam no estágio de duas células após 120 minutos; 65% estavam no estágio de quatro células e 25% no estágio de oito células após 240 minutos; e 93% estavam no estágio de mórula após 360 minutos. Houve um adiantamento no desenvolvimento na temperatura de 34ºC. Cerca de 40% dos embriões estavam no estágio de uma célula, 25% estavam no estágio de duas células e 40% estavam no estágio de quatro células 90 minutos após a fertilização; cerca de 40% dos embriões continuaram no estágio de uma célula, porém 16% estavam no estágio de quatro células e 35% estavam no estágio de oito células após 120 minutos; após 240 minutos, os mesmos 40% dos embriões continuaram no estágio de uma célula, enquanto 40% estavam no estágio de mórula e 15% estavam no estágio de blástula; e após 360 minutos, 21% dos embriões estavam no estágio de uma célula e 71% estavam no estágio de blástula. Nesta última temperatura, entretanto, alguns embriões apresentaram os blastômeros em processo de morte celular (alteração na topologia da membrana plasmática). Na maior temperatura (37ºC), os óvulos foram fertilizados, mas não houve desenvolvimento embrionário (Fig. 22). 43 Figura 22. Efeito da temperatura no desenvolvimento embrionário. Os dados representam a porcentagem de embriões e seus respectivos estágios de desenvolvimento embrionário (média + erro padrão da média), 90 minutos (a, b, c, d), 120 minutos (e, f, g, h), 240 minutos (i, j, k, l) e 360 minutos (m, n, o, p) após a fertilização, de três experimentos independentes realizados em triplicata. F = fertilizado (1 célula); 2 = Embriões no estágio de 2 células; 4 = Embriões no estágio de 4 células; 8 = Embriões no estágio de 8 células; M = mórula; B = blástula. 44 5. DISCUSSÃO Nos últimos anos, ações antropogênicas têm provocado um desequilíbrio no sistema climático do planeta. A emissão de alguns gases, como CO2, CH4 e os CFCs têm causado o aumento da temperatura global e a depleção da camada de ozônio, com consequente aumento na incidência de radiação ultravioleta na superfície terrestre (IPCC, 2007; WORLD METEOROLOGICAL ORGANIZATION, 2011). Os organismos marinhos, especialmente as espécies que habitam regiões entremarés, podem atuar como excelentes biossensores no monitoramento das condições do ecossistema. Os ouriços-do-mar, por habitarem tais regiões, estão sujeitos a constantes variações ambientais, como temperatura e salinidade, além de estarem expostos às radiações ultravioletas. Além disso, a obtenção de células destes animais em laboratório, tanto gametas quanto células do sistema imune, é bastante simples, assim como a fertilização e a cultura de embriões e celomócitos. Portanto, os ouriços-do-mar são um excelente modelo para o estudo do efeito de agentes estressores sobre os sistemas biológicos. No presente trabalho foi avaliado o efeito de estressores radioativos e térmicos em células do sistema imune, gametas e células embrionárias do ouriço-do-mar E. lucunter. Primeiramente foi observado que tanto a produção de ROS quanto a capacidade fagocítica dos celomócitos diminui com o tempo de cultura (Fig. 12 e 13). Os fagócitos, uma subpopulação de celomócitos, produzem ROS naturalmente, especialmente H2O2, que é crucial para a indução de danos em microrganismos invasores fagocitados (ITO et al., 1992). A diminuição de ROS pode ser um reflexo da diminuição basal da fagocitose, já que as espécies reativas de oxigênio podem ser produzidas pela NADPH oxidase, presente na membrana de fagossomos e na membrana plasmática (NUNES; DEMAUREX; MARY, 2013) e, em condições de cultura in vitro, o número de fagossomos pode diminuir, uma vez que, como observado, há diminuição na fagocitose. Estudos futuros são necessários para elucidar essa questão. A exposição de celomócitos às radiações UVA e UVB não aumentou os níveis intracelulares de ROS (Fig. 14 e 15), diferente do que foi observado em monócitos humanos THP-1 (SHEN et al., 2014) e em queratinócitos de humanos e camundongos (HECK et al., 2003), nos quais a produção de ROS aumentou nas células expostas à radiação UVA e UVB, respectivamente. Ao contrário, em algumas doses de UVB utilizadas observou-se a diminuição da produção de ROS nas células.. Estudos mostram que celomócitos das espécies Lytechinus variegatus, Strongylocentrotus franciscanus e Strongylocentrotus purpuratus apresentam uma elevada capacidade antioxidante quando comparados a outros tipos celulares 45 dos mesmos organismos, o que pode ser importante na prevenção de efeitos deletérios de ROS produzidos durante a resposta imunológica (DU et al., 2013). Adicionalmente, foi observado que, em Caenorhabditis elegans, ROS gerado durante a resposta imunológica ativa uma cascata de sinalização que resulta na transcrição de proteínas depuradoras de ROS, auxiliando no reparo e reciclagem de moléculas danificadas (HOEVEN; MCCALLUM; GARSIN, 2012). Esta alta capacidade antioxidante pode explicar a razão dos níveis de ROS nos celomócitos de E. lucunter não terem aumentado, mesmo após a exposição das células à UVA e UVB. Em seguida foi investigado o efeito da exposição dos celomócitos às radiações UVA e UVB, e a diferentes temperaturas, na capacidade fagocítica e no índice fagocítico destas células. Dentre as quatro populações de celomócitos, apenas os fagócitos são capazes de realizar a fagocitose, e estas células correspondem a 55,83 + 15,68% do total de celomócitos do animal (dados do nosso grupo). Entretanto, a capacidade fagocítica foi estimada em função do total de celomócitos, e não em porcentagem de fagócitos. Não houve diferença na capacidade fagocítica ou no índice fagocítico das células expostas às doses de UVA utilizadas (Fig. 16, Tabela 1), ou seja, não houve diminuição no número de células que realizaram fagocitose, nem no número de microesferas fluorescentes que estas células foram capazes de fagocitar. Entretanto, na maior dose de UVB utilizada, apesar de não ter sido observada uma diminuição na capacidade fagocítica, houve diminuição no índice fagocítico (Fig. 17, Tabela 2). Na dose de 14.400 J/m², os fagócitos fagocitaram uma quantidade menor de microesferas fluorescentes (os índices fagocíticos do grupo controle e do grupo tratado com a maior dose foram 1,99 + 0,05 e 1,72 + 0,04 respectivamente). Estudos já demonstraram que doses menores de radiação UVB do que as utilizadas neste trabalho (1.400 a 6.000 J/m²) diminuíram a capacidade fagocítica de macrófagos em camundongos, mas não diminuíram o índice fagocítico (JEEVAN et al., 1995; KASAHARA et al., 2001), ao contrário do observado nos celomócitos. Já foi observado que há diminuição na expressão de alguns receptores de fagocitose em neutrófilos expostos à radiação UVB, o que possivelmente leva à diminuição na fagocitose (LEINO et al., 1999). A internalização das microesferas fluorescentes utilizadas para os ensaios de fagocitose no presente trabalho, entretanto, é inespecífica, ou seja, elas são partículas inertes que não requerem a interação com receptores específicos (ADEREM; UNDERHILL, 1999). Este fato pode explicar o porquê de as radiações UVA e UVB não terem efeito sobre a capacidade fagocítica dos celomócitos e haver apenas uma diminuição no índice fagocítico na maior dose de UVB. Apesar de a interação dessas partículas com os receptores ser inespecífica, ou seja, não há um 46 ligante específico nas partículas para um determinado receptor, os fagócitos são capazes de fagocitar partículas inanimadas, como as microesferas de látex, a partir da ligação inespecífica com proteínas de membrana. Como as microesferas não apresentam o sinal para evitar a fagocitose, elas são internalizadas (ALBERTS et al., 2010). A maior dose utilizada de UVB pode ter levado a uma diminuição na expressão dos receptores de membrana e, apesar de não ser suficiente para levar à diminuição da capacidade fagocítica, levou à diminuição do índice fagocítico, já que, provavelmente, os receptores disponíveis podem ter sido internalizados. Após a análise do efeito dos estressores radioativos, foi investigado o efeito da variação de temperatura em parâmetros celulares dos celomócitos. As células foram incubadas em três diferentes temperaturas, sendo a temperatura de 25ºC utilizada como controle. Os celomócitos incubados por 4, 8 e 24 horas, sob 10ºC e 40ºC, apresentaram uma diminuição tanto na capacidade fagocítica quanto no índice fagocítico, quando comparados aos celomócitos mantidos sob a temperatura controle (25ºC) (Fig. 18). Consistente com os dados apresentados no presente trabalho, foi demonstrada a diminuição na capacidade fagocítica de celomócitos de ouriços-do-mar Lytechinus variegatus (BRANCO et al., 2013) e de hemócitos de Crassostrea virginica com o aumento da temperatura (HÉGARET; WIKFORS; SOUDANT, 2003). Por outro lado, estudos de Branco e colaboradores (2013) demonstraram que celomócitos de E. lucunter coletados na costa de São Paulo, Brasil (23º49,31’S, 045º26,8’W), não apresentaram diferença na capacidade fagocítica ou índice fagocítico nas células mantidas por 24 horas nas temperaturas de 25ºC e 30ºC (20ºC, temperatura na qual são encontrados os animais em seu habitat natural, foi utilizada como temperatura controle). Nos bivalves Ruditapes decussatus e Mytilus galloprovincialis, coletados na Galícia, noroeste da Espanha, e mantidos na mesma temperatura de seu habitat natural (15ºC), também não houve diferença na capacidade fagocítica dos hemócitos incubados, por até duas horas, nas temperaturas de 15ºC e 21ºC (ORDÁS; NOVOA; FIGUERAS, 1999). A distribuição biogeográfica desses animais pode influenciar na resistência à variação de temperatura entre as espécies, e até entre a mesma espécie, no caso de E. lucunter, já que eles estão adaptados a diferentes condições climáticas (OSOVITZ; HOFMANN, 2005; PLACE; O’DONNELL; HOFMANN, 2008). Além disso, podem haver diferenças entre as propriedades e organização do citoesqueleto dos animais, influenciando na atividade fagocítica, já que o rearranjo do citoesqueleto leva à internalização de partículas externas (ADEREM; UNDERHILL, 1999). Estes fatos podem explicar o motivo de haver diferenças na resistência de alguns organismos à variação de temperatura. 47 Os ouriços-do-mar apresentam fecundação externa, ou seja, esses animais liberam seus gametas na água, onde ocorre a fertilização e o desenvolvimento embrionário. Os gametas e embriões permanecem expostos à incidência de radiação UV e às constante variações de temperatura. Os efeitos dos agentes estressores no desenvolvimento embrionário dos ouriçosdo-mar, portanto, também foram investigados. Os óvulos, espermatozoides e zigotos foram expostos a diversas doses de radiação UVA e o desenvolvimento embrionário foi acompanhado até o estágio de blástula. Ao contrário do que ocorre quando gametas e zigotos são expostos à radiação UVB (LEITE et al., 2014), nenhuma dose de UVA utilizada teve efeito sobre o desenvolvimento embrionário (Fig. 19, 20 e 21), corroborando com os dados de Adams e Shick (2001), que não observaram efeito da radiação UVA no desenvolvimento do ouriço-do-mar Strongylocentrotus droebachiensis até o estágio de larva. Compostos com propriedades antioxidantes, como o ácido ascórbico (vitamina C), carotenoides e ovotiois, estão presentes em óvulos e embriões de ouriços-do-mar e podem moderar os danos oxidativos causados pela UVA (ADAMS; SHICK, 2001; DUNLAP; YAMAMOTO, 1995). A presença destes compostos nos óvulos e embriões de E. lucunter pode explicar a prevenção aos danos oxidativos observados no presente trabalho. Ovotiois (presentes em óvulos de ouriços-do-mar na concentração de, em média, 4,3 mM) e carotenoides podem prevenir o dano causado por espécies reativas de oxigênio (SHAPIRO; HOPKINS, 1991 apud ADAMS; SHICK, 2001). O ácido ascórbico está presente em óvulos de S. droebachiensis em uma concentração de 0,2 a 1,8 mM. Esse composto é facilmente oxidado, tornando-o um forte agente antioxidante, mais forte, inclusive, do que ovotiois e carotenoides (ADAMS; SHICK, 2001; BUETTNER, 1993). Em seguida, foi investigado o efeito da variação da temperatura sobre o desenvolvimento embrionário de E. lucunter. O efeito das diferentes temperaturas sobre o desenvolvimento foi observado 90, 120, 240 e 360 minutos após a fertilização. A 20ºC os embriões sofreram um retardo no desenvolvimento, quando comparados ao grupo controle (28ºC). Nesta temperatura, apesar do atraso, os embriões se desenvolveram normalmente. Já a 34ºC, alguns embriões se desenvolveram mais rápido – cerca de 40% dos embriões estavam no estágio de quatro células 90 minutos após a fertilização, 35% estavam no estágio de oito células após 120 minutos e 15% dos embriões já estavam no estágio de blástula após 240 minutos. Entretanto, nesta temperatura, a taxa de zigotos que não sofreram clivagem foi relativamente alta – cerca de 40% dos embriões permaneceram no estágio de uma célula até 240 minutos após a fertilização (Fig. 22). 48 Estudos mostram que a elevação da temperatura, em relação à encontrada no habitat destes animais, pode levar a uma taxa de crescimento mais rápida e a um aumento no tamanho da larva de ouriços-do-mar, como observado para a espécie Tripneustes gratilla, que habita regiões próximas a Coffs Harbour, Austrália, quando submetidas a um aumento na temperatura de apenas 3ºC – 24ºC para 27ºC (BRENNAND et al., 2010). A realização de ensaios adicionais, utilizando temperaturas entre 28ºC e 34ºC, é necessária para que a temperatura máxima em que os embriões se desenvolvam, sem alterações morfo-funcionais, seja determinada. E. lucunter pode se desenvolver em diferentes temperaturas, dependendo da região em que vivem. O desenvolvimento embrionário ótimo desses animais ocorre entre 23ºC e 34ºC na Flórida (SEWELL; YOUNG, 1999) e entre 20ºC e 30ºC em Porto Rico (CAMERON et al., 1985 apud SEWELL; YOUNG, 1999), apresentando um padrão parecido com o observado no presente trabalho. Não podemos, porém, atribuir temperaturas limites, uma vez que apenas quatro temperaturas foram utilizadas para os ensaios. Na Jamaica, sob temperatura de 26 + 2ºC, embriões de E. lucunter sofrem clivagens em um tempo menor quando comparados aos embriões de animais do presente estudo na mesma faixa de temperatura (28 + 2ºC). A primeira clivagem, por exemplo, ocorre em 58 minutos em embriões de animais coletados na Jamaica (AMY, 1983), enquanto que em embriões de animais coletados em João Pessoa, a primeira clivagem ocorre apenas 90 minutos após a fertilização. Em ouriços-do-mar Strongylocentrotus purpuratus coletados na Califórnia, EUA, o desenvolvimento embrionário também é dependente de temperatura. Os embriões atingem o estágio de gástrula média (quando o arquêntero atinge o ponto médio da blastocele) 37,5 horas após a fertilização a 12ºC, após 28,5 horas a 15ºC (temperatura média em que os animais são encontrados no habitat natural) e 23 horas após a fertilização a 18ºC. Além disso, também foi observado que o eixo animal-vegetal do embrião de S. purpuratus sofreu uma diminuição, podendo significar uma rápida depleção dos estoques de energia durante o desenvolvimento ou uma diminuição na sincronia da divisão celular (RUNCIE et al., 2012). A rápida depleção da energia do embrião com o aumento da temperatura pode explicar o fato de que, a partir do estágio de blástula, alguns embriões incubados a 34ºC se encontravam deteriorados, sugerindo que os embriões podem não ter tido energia suficiente para continuar o desenvolvimento ou até mesmo para preservar a integridade celular, mantendo, sob controle, a osmolaridade intracelular. O presente trabalho demonstrou o efeito de estressores radioativos e térmicos em células do sistema imune e células embrionárias e sua resposta na produção de ROS, na 49 fagocitose e no desenvolvimento embrionário. Estudos adicionais são necessários para o melhor entendimento dos processos biológicos destas células, como a adição de um maior espectro de temperaturas e seus efeitos tanto nos celomócitos quanto nos embriões destes animais, e a investigação da produção de ROS em células submetidas ao estresse térmico. Após estudos adicionais, os parâmetros observados neste trabalho podem ser utilizados como bioindicadores em situações de estresse, sendo úteis no biomonitoramento de regiões costeiras. 50 6. CONCLUSÕES Os celomócitos de E. lucunter são resistentes aos danos oxidativos causados pela exposição à radiação ultravioleta, assim como os gametas e embriões expostos à radiação UVA. No entanto, tanto os celomócitos quanto as células embrionárias desta espécie são mais sensíveis à variação de temperatura. Estudos adicionais são necessários para a investigação dos mecanismos nos quais os estressores atuam na alteração da resposta celular de celomócitos e células embrionárias de ouriços-do-mar. Estudos adicionais podem permitir que os parâmetros celulares investigados no presente trabalho possam ser utilizados como bioindicadores no monitoramento ambiental. 51 7. REFERÊNCIAS ADAMS, N. L.; SHICK, J. M. Mycosporine-like amino acids prevent UVB-induced abnormalities during early development of the green sea urchin Strongylocentrotus droebachiensis. Marine Biology, v. 138, n. 2, p. 267–280, 19 fev. 2001. ADEREM, A; UNDERHILL, D. M. Mechanisms of phagocytosis in macrophages. Annual review of immunology, v. 17, p. 593–623, jan. 1999. ALBERTS, B. et al. Biologia molecular da célula. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. AMY, R. L. Gamete sizes and developmental time tables of five tropical sea urchins. Bulletin of Marine Science, v. 33, n. 1, p. 173–176, 1983. BAE, Y. S. et al. Epidermal Growth Factor (EGF)-induced generation of hydrogen peroxide: role in EGF receptor-madiated tyrosine phosphorylation. Journal of Biological Chemistry, v. 272, n. 1, p. 217–221, 3 jan. 1997. BARTOSZ, G. Reactive oxygen species: Destroyers or messengers? Biochemical Pharmacology, v. 77, p. 1303–1315, 2009. BERTHEUSSEN, K.; SELJELID, R. Echinoid phagocytes in vitro. Experimental Cell Research, v. 111, p. 401–412, 1978. BRANCO, P. C. et al. The impact of rising sea temperature on innate immune parameters in the tropical subtidal sea urchin Lytechinus variegatus and the intertidal sea urchin Echinometra lucunter. Marine Environmental Research, v. 92, p. 95–101, 2013. BRENNAND, H. S. et al. Impact of ocean warming and ocean acidification on larval development and calcification in the sea urchin Tripneustes gratilla. Plos One, v. 5, n. 6, p. e11372, 2010. BRUSCA, R. C.; BRUSCA, G. J. Invertebrados. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. BUBICI, C. et al. Mutual cross-talk between reactive oxygen species and nuclear factor-kappa B: molecular basis and biological significance. Oncogene, v. 25, n. 51, p. 6731–48, 30 out. 2006. BUCHMANN, K. Evolution of Innate Immunity: Clues from Invertebrates via Fish to Mammals. Frontiers in immunology, v. 5, p. 459, jan. 2014. BUETTNER, G. R. The pecking order of free radicals and antioxidants: lipid peroxidation, αtocopherol, and ascorbate. Archives of Biochemistry and Biophysics, v. 300, n. 2, p. 535– 543, 1993. BYRNE, M. et al. Temperature , but not pH , compromises sea urchin fertilization and early development under near-future climate change scenarios. Proc. R. Soc. B, v. 276, p. 1883– 1888, 2009. 52 CADET, J. et al. Photoinduced damage to cellular DNA: direct and photosensitized reactions. Photochemistry and photobiology, v. 88, n. 5, p. 1048–65, 2012. DAVIDSON, J. F.; SCHIESTL, R. H. Mitochondrial respiratory electron carriers are involved in oxidative stress during heat stress in Saccharomyces cerevisiae. Molecular and cellular biology, v. 21, n. 24, p. 8483–9, dez. 2001. DU, C. et al. Free Radical Biology and Medicine Oxidative damage and cellular defense mechanisms in sea urchin models of aging. Free Radical Biology and Medicine, v. 63, p. 254–263, 2013. DUNLAP, W. C.; YAMAMOTO, Y. Small-molecule antioxidants in marine organisms: antioxidant activity of mycosporine-glycine. Comparative biochemistry and physiology, v. 112B, n. 1, p. 105–114, 1995. ERNST, S. G. A Century of Sea Urchin Development. Amer. Zool., v. 259, p. 250–259, 1997. EVANS, T. et al. Cyclin : A Protein Specified by Maternal mRNA in Sea Urchin Eggs That Is Destroyed at Each Cleavage Division. Cell, v. 33, p. 389–396, 1983. FLANNAGAN, R. S.; JAUMOUILLÉ, V.; GRINSTEIN, S. The cell biology of phagocytosis. Annual review of pathology, v. 7, p. 61–98, jan. 2012. GLINSKI, Z.; JAROSZ, J. Immune Phenomena in Echinoderms. Archivum Immunologiae et Therapiae Experimentalis, v. 48, p. 189–193, 2000. GRABELNYCH, O. I. et al. Mitochondrial energy-dissipating systems (alternative oxidase, uncoupling proteins, and external NADH dehydrogenase) are involved in development of frost-resistance of winter wheat seedlings. Biochemistry, v. 79, n. 6, p. 506–19, jun. 2014. GROSS, P. S. et al. Echinoderm immunity and the evolution of the complement system. Developmental and Comparative Immunology, v. 23, p. 429–442, 1999. HÄDER, D.-P.; SINHA, R. P. Solar ultraviolet radiation-induced DNA damage in aquatic organisms: potential environmental impact. Mutation research, v. 571, n. 1-2, p. 221–33, 1 abr. 2005. HALPERN, B. S. et al. A global map of human impact on marine ecosystems. Science, v. 319, p. 948–52, 15 fev. 2008. HECK, D. E. et al. UVB light stimulates production of reactive oxygen species: unexpected role for catalase. The Journal of Biological Chemistry, v. 278, p. 22432–22436, 2003. HÉGARET, H.; WIKFORS, G. H.; SOUDANT, P. Flow cytometric analysis of haemocytes from eastern oysters, Crassostrea virginica, subjected to a sudden temperature elevation II. Haemocyte functions: aggregation, viability, phagocytosis and respiratory burst. Journal of Experimental Marine Biology and Ecology, v. 293, n. 2, p. 249–265, set. 2003. 53 HIBINO, T. et al. The immune gene repertoire encoded in the purple sea urchin genome. Developmental Biology, v. 300, p. 349–365, 2006. HILLIER, B. J.; VACQUIER, V. D. Amassin, an olfactomedin protein, mediates the massive intercellular adhesion of sea urchin coelomocytes. The Journal of cell biology, v. 160, n. 4, p. 597–604, 17 mar. 2003. HINMAN, V. F.; JARVELA, A. M. C. Developmental Gene Regulatory Network Evolution : Insights From Comparative Studies in Echinoderms. Genesis, v. 52, p. 193–207, 2014. HOCKBERGER, P. E. A history of ultraviolet photobiology for humans, animals and microorganisms. Photochemical & photobiological, v. 76, n. 6, p. 561–579, 2002. HOEVEN, R. VAN DER; MCCALLUM, K. C.; GARSIN, D. A. Speculations on the activation of ROS in C. elegans innate immune signaling. Worm, v. 1, n. 3, p. 160–163, 2012. IMLAY, J. A.; LINN, S. DNA damage and oxygen radical toxicity. Science, v. 240, p. 1302– 1309, 1988. IPCC. Climate change 2007: the physical science basis. New York: 2007. ITO, T. et al. Phagocytosis and hydrogen peroxide production by phagocytes of the sea urchin Strongylocentrotus nudus. Developmental and Comparative Immunology, v. 16, p. 287– 294, 1992. JEEVAN, A. et al. Ultraviolet radiation reduces phagocytosis and intracellular killing of mycobacteria and inhibits nitric oxide production by macrophages in mice. Journal of Leukocyte Biology, v. 57, p. 883–890, 1995. JOHNSON, P. The Coelomic Elements of Sea Urchins (Strongylocentrotus) III: in vitro reaction to bacteria. Journal of invertebrate pathology, v. 13, p. 42–62, 1969. KASAHARA, S. et al. UVB irradiation suppresses cytokine production and innate cellular immune functions in mice. Cytokine, v. 14, n. 2, p. 104–11, 21 abr. 2001. KIELBASSA, C.; ROZA, L.; EPE, B. Wavelength dependence of oxidative DNA damage induced by UV and visible light. Carcinogenesis, v. 18, n. 4, p. 811–816, 1997. KRIEGER-BRAUER, H. I.; KATHER, H. Human fat cells possess a plasma membranebound H202-generating system that is activated by insulin via a mechanism bypassing the receptor kinase. The Journal of Clinical Investigation, v. 89, n. 3, p. 1006–1013, 1992. LEINO, L. et al. Systemic suppression of human peripheral blood phagocytic leukocytes after whole-body UVB irradiation. Journal of Leukocyte Biology, v. 65, p. 573–582, 1999. LEITE, J. C. A. et al. ATP-Binding Cassette Transporters Protect Sea Urchin Gametes and Embryonic Cells Against the Harmful Effects of Ultraviolet Light. Molecular Reproduction & Development, v. 83, p. 66–83, 2014. 54 LI, X. et al. Comparative physiological and proteomic analyses of poplar (Populus yunnanensis) plantlets exposed to high temperature and drought. PloS one, v. 9, n. 9, p. e107605, jan. 2014. MADRONICH, S. et al. Changes in biologically active ultraviolet radiation reaching the Earth ’ s surface. Journal of Photochemistry and Photobiology B: Biology, v. 46, p. 5–19, 1998. MATRANGA, V. et al. Impacts of UV-B radiation on short-term cultures of sea urchin coelomocytes. Marine Biology, v. 149, n. 1, p. 25–34, 10 jan. 2006. MCCLAY, D. R. Evolutionary crossroads in developmental biology: sea urchins. Development, v. 138, n. 13, p. 2639–48, jul. 2011. MENON, S. G.; GOSWAMI, P. C. A redox cycle within the cell cycle: ring in the old with the new. Oncogene, v. 26, n. 8, p. 1101–9, 22 mar. 2007. MONROY, A. A centennial debt of developmental to the sea urchin. Biol.Bull., v. 171, n. August 1985, 1986. NICHOLS, J. A; KATIYAR, S. K. Skin photoprotection by natural polyphenols: antiinflammatory, antioxidant and DNA repair mechanisms. Archives of dermatological research, v. 302, n. 2, p. 71–83, mar. 2010. NUNES, P.; DEMAUREX, N.; MARY, C. Regulation of the NADPH oxidase and associated ion fluxes during phagocytosis. Traffic, v. 14, p. 1118–1131, 2013. ORDÁS, M. C.; NOVOA, B.; FIGUERAS, A. Phagocytosis inhibition of clam and mussel haemocytes by Perkinsus atlanticus secretion products . Fish and Shellfish Immunology, v. 9, p. 491–503, 1999. OSOVITZ, C. J.; HOFMANN, G. E. Thermal history-dependent expression of the hsp70 gene in purple sea urchins: Biogeographic patterns and the effect of temperature acclimation. Journal of Experimental Marine Biology and Ecology, v. 327, n. 2, p. 134–143, dez. 2005. PEARSE, J. S. Ecological role of purple sea urchins. Science, v. 314, n. 5801, p. 940–1, 10 nov. 2006. PLACE, S. P.; O’’DONNELL, M. J.; HOFMANN, G. E. Gene expression in the intertidal mussel Mytilus californianus: physiological response to environmental factors on a biogeographic scale. Marine Ecology Progress Series, v. 356, p. 1–14, 18 mar. 2008. RIDGWELL, A.; VALDES, P. J. Climate and climate change. Current biology, v. 19, n. 14, p. R563–6, 28 jul. 2009. ROOS, D.; WINTERBOURN, C. C. Lethal weapons. Science, v. 296, p. 669–71, 26 abr. 2002. 55 ROSSETI, I. B.; ROCHA, J. B. T.; COSTA, M. S. Diphenyl diselenide (PhSe)2 inhibits biofilm formation by Candida albicans, increasing both ROS production and membrane permeability. J Trace Elem Med Biol, p. 1–7, 15 ago. 2014. RUNCIE, D. E. et al. Genetics of gene expression responses to temperature stress in a sea urchin gene network. Molecular ecology, v. 21, n. 18, p. 4547–62, set. 2012. SANTELLA, L.; VASILEV, F.; CHUN, J. T. Fertilization in echinoderms. Biochemical and biophysical research communications, v. 425, n. 3, p. 588–94, 31 ago. 2012. SCHALLREUTER, K. U.; WOOD, J. M. Thioredoxin reductase — its role in epidermal redox status. Journal of Photochemistry and Photobiology B: Biology, v. 64, n. 2-3, p. 179–184, nov. 2001. SEWELL, M. A.; YOUNG, C. M. Temperature limits to fertilization and early development in the tropical sea urchin Echinometra lucunter. Journal of Experimental Marine Biology and Ecology, v. 236, n. 2, p. 291–305, abr. 1999. SHEN, C. et al. Comparison of UVA-induced ROS and sunscreen nanoparticle-generated ROS in human immune cells. Photochemical & Photobiological Sciences, v. 13, n. 5, p. 781–8, maio 2014. SMITH, L. C. et al. The sea urchin immune system. Invertebrate Survival, v. 3, p. 25–39, 2006. SODERGREN, E. et al. The genome of the sea urchin Strongylocentrotus purpuratus. Science, v. 314, n. 5801, p. 941–52, 10 nov. 2006. TAHSEEN, Q. Coelomocytes: Biology and Possible Immune Functions in Invertebrates with Special Remarks on Nematodes. International Journal of Zoology, v. 2009, p. 1–13, 2009. TURRENS, J. F. Superoxide production by the mitochondrial respiratory chain. Bioscience Reports, v. 17, n. 1, p. 3–8, 1997. VERNBERG, J. Comparative physiology: latitudinal effects on physiological properties of animal populations. Annu. Rev. Physiol., v. 24, p. 517–544, 1962. WINTERBOURN, C. C. Reconciling the chemistry and biology of reactive oxygen species. Nature chemical biology, v. 4, n. 5, p. 278–86, maio 2008. WOLPERT, L. et al. Princípios de biologia do desenvolvimento. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. WORLD METEOROLOGICAL ORGANIZATION. Scientific assessment of ozone depletion: 2010, global ozone research and monitoring project. Geneva: 2011.