A bomba-relógio do aquecimento global

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A bomba-relógio do aquecimento global
Deter o processo requer cooperação internacional
urgente e sem precedentes
por James Hansen
James Hansen É diretor do Goddard Institute for Space Studies da Nasa e
pesquisador do Earth Institute, da Columbia University. Obteve seu Ph.D.
em física e astronomia na University of Iowa, onde estudou sob orientação
de James Van Allen. Hansen é melhor conhecido por seu testemunho nas
comissões do Congresso nos anos 80 que ajudaram a elevar o grau de
consciência sobre a questão do aquecimento global.
O fenômeno é real e as
consequências potencialmente
desastrosas. Mesmo assim, ações
práticas poderiam desacelerar e,
no futuro, deter o processo.
O paradoxo da noção do
aquecimento global causado pelo
homem tornou-se bastante
evidente para mim certa tarde de
verão em 1976 na praia de Jones
Beach, Long Island. Chegamos por
volta do meio-dia, eu, minha
esposa e meu filho, e logo
encontramos um local perto da
água para evitar a areia
escaldante. Quando o sol se pôs,
no final da tarde, uma forte brisa
oceânica levantou ondas
encarneiradas. Meu filho e eu
sentimos frio enquanto corríamos
ao longo da praia espumejante e
olhávamos as ondas revoltas.
Iceberg solta-se da geleira de San Rafael no
Chile. A desintegração global de massas de
gelo tem potencial para elevar o nível do mar
em vários metros ou mais. As graves
consequências de uma elevação do nível dos
oceanos estabelecem o limite inferior de
quanto o planeta pode esquentar sem causar
caos social.
Naquele mesmo verão Andy Lacis
e eu, ao lado de outros colegas do
Goddard Institute of Space Studies, da Nasa, havíamos estimado o
efeito dos gases de efeito estufa sobre o clima. Na época, era fato
bem conhecido que os gases de efeito estufa produzidos pelo homem,
especialmente o dióxido de carbono e clorofluorcarbonetos (CFCs)
estavam se acumulando na atmosfera. Esses gases são uma
"forçante" climática, uma perturbação imposta sobre o balanço de
energia do planeta. Como um cobertor, eles absorvem radiação
infravermelha (calor) que de outra forma escaparia da superfície da
Terra e da atmosfera para o espaço.
Nosso grupo havia calculado que estes gases antropogênicos estavam
aquecendo a superfície da Terra à razão de quase 2 W/m2 (dois watts
por metro quadrado). Uma minúscula lâmpada de árvore de Natal
dissipa cerca de 1 W na maior parte sob forma de calor. Portanto, era
como se os seres humanos tivessem colocado duas dessas
lampadazinhas sobre cada metro quadrado da superfície terrestre,
acesas dia e noite.
O paradoxo apresentado por este resultado era o contraste entre as
espantosas forças da natureza e as pequeninas lâmpadas. Com
certeza seu fraco aquecimento não poderia comandar o vento e as
ondas. Mesmo seu aquecimento imperceptível da superfície oceânica
deveria rapidamente dissipar-se através da grande profundidade;
logo, levaria muitos anos, talvez séculos, para o aquecimento
superficial final ser alcançado.
Este aparente paradoxo foi amplamente resolvido através de um
estudo da história do clima da terra, revelando que pequenas forças,
mantidas por tempo suficiente, podem causar grande mudança
climática. E, em consonância com evidências históricas, a Terra
começou a se aquecer em décadas recentes a uma taxa prevista
pelos modelos climáticos que levam em consideração a acumulação
de gases produzidos pelo homem. O aquecimento está causando
impactos observáveis com o recuo de geleiras em todo o mundo. O
gelo marinho do Ártico está mais fino e a primavera chega cerca de
uma semana mais cedo que nos anos 50, quando eu era menino.
Mas, muitas questões permanecem sem solução. Quanto vai mudar o
clima nas décadas futuras? Qual serão as conseqüências práticas?
Devemos fazer alguma coisa, e o quê? Trata-se de um debate
acalorado devido aos aspectos econômicos em jogo.
A análise objetiva do aquecimento global requer conhecimento
quantitativo de três questões: a sensibilidade do sistema
climático a forçantes, o grau da forçante que os humanos
estão introduzindo, e o tempo requerido para o clima
responder. Todos esses temas podem ser estudados mediante
modelos climáticos globais, que são simulações numéricas nos
computadores. Mas nosso conhecimento mais preciso sobre
sensibilidade climática, pelo menos na atualidade, baseia-se em
dados empíricos da história da Terra.
As Lições da História
Nos últimos poucos milhões de anos, o clima da Terra tem oscilado
repetidamente entre eras glaciais e períodos interglaciais quentes.
Um registro de 400 mil anos de temperatura está preservado no
manto de gelo da Antártida, o qual, exceto nas margens costeiras,
escapou ao derretimento mesmo nos períodos interglaciais mais
quentes. Este registro sugere que o período presente interglacial (o
Holoceno), atualmente com cerca de 12 mil anos, já está durando
demais.
As oscilações milenares naturais do clima estão associadas às lentas
variações da órbita terrestre induzidas pela gravidade de outros
planetas, principalmente Júpiter e Saturno (por serem tão pesados) e
Vênus (por estar tão perto). Essas perturbações pouco afetam a
energia solar média que atinge a Terra, mas alteram a distribuição
geográfica e sazonal dessa energia, ou insolação, em até 20%. As
mudanças de insolação, em períodos longos, afetam a formação e
fusão das capas de gelo.
A insolação e mudanças climáticas também afetam a absorção e
liberação de dióxido de carbono e metano pelas plantas, solo e
oceano. Os climatologistas estão ainda elaborando um entendimento
quantitativo dos mecanismo pelos quais o oceano e continentes
liberam estes gases quando a Terra se aquece, mas os dados
paleoclimáticos já são uma mina de ouro de informação. A
compreensão mais crítica oferecida pelas oscilações das eras glaciais
é uma medida empírica da sensibilidade climática.
A composição da atmosfera numa era glacial é conhecida com
precisão a partir das bolhas de ar aprisionadas nos mantos de gelo da
Antártida e Groenlândia e numerosas geleiras de montanha durante
sua formação causada pela deposição anual de neve. Além disso, as
distribuições geográficas dos mantos de gelo, cobertura vegetal e
linhas costeiras durante a era glacial estão bem mapeadas. Por estes
dados sabemos que a mudança na forçante climática entre a idade do
gelo e hoje foi cerca de 6 W/m2. Esta forçante mantém uma
mudança térmica global de 5oC, implicando uma sensibilidade
climática de 0,75 +/- 0,25oC por watt por m2. Os modelos climáticos
produzem sensibilidade similar. No entanto, os resultados empíricos
são mais precisos porque incluem todos os processos operantes no
mundo real, mesmo aqueles que ainda não somos capazes de inserir
nos modelos.
Os paleodados provêm outro importante insight. As alterações de
órbita da Terra instigam mudança climática, mas operam por meio da
alteração das propriedades da atmosfera e da superfície, e
conseqüentemente, do balanço energético planetário. Estas
propriedades da atmosfera e superfície são agora mais influenciadas
pelo homem que pelas variações orbitais do planeta.
A maior mudança das forçantes climáticas nos séculos recentes é
causada por gases de efeito estufa produzidos pelo homem. Esses
gases na atmosfera absorvem a radiação térmica em vez de deixá-la
escapar para o espaço. Com efeito, tornam o proverbial cobertor mais
grosso, devolvendo mais calor para o solo. Dessa forma, a Terra está
irradiando menos calor para o espaço do que absorve do Sol. Este
desequilíbrio energético planetário temporário está gradualmente
aquecendo o planeta.
Em razão da grande capacidade dos oceanos de absorver calor, a
Terra leva um século para alcançar novo equilíbrio - isto é, para
voltar a receber do Sol a mesma quantidade de calor que irradia para
o espaço. Naturalmente, o equilíbrio será restabelecido a um limiar
mais alto de temperatura. Enquanto isso, antes de alcançá-lo, mais
forçantes podem ser acrescentadas.
O mais importante gás de efeito estufa produzido pelo homem é o
dióxido de carbono, proveniente principalmente da queima de
combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás). Entretanto, o efeito
combinado dos outros gases antropogênicos é comparável. Estes
outros gases, principalmente o ozônio troposférico e seus precursores
incluindo metano são os ingredientes do smog (nevoeiro com
fumaça), que causa danos à saúde humana e à produtividade
agrícola.
Os aerossóis (partículas finas no ar) são a outra principal forçante
humana do clima. Seu efeito é mais complexo. Alguns aerossóis
"brancos", tais como sulfatos provenientes do enxofre nos
combustíveis fósseis, são altamente refletivos e portanto reduzem o
aquecimento solar da Terra: porém, o negro de carbono (fuligem),
um produto da combustão incompleta dos combustíveis fósseis,
biocombustíveis e queima de biomassa a céu aberto, absorve a luz
solar, aquecendo a atmosfera. Esta forçante climática direta pelos
aerossóis tem pelo menos 50% de imprecisão, em parte porque as
quantidades de aerossol não são bem medidas e em parte por causa
de sua complexidade.
Os aerossóis também causam efeitos climáticos indiretos ao
alterarem as propriedades das nuvens, tornando-as mais brilhantes e
de mais longa duração. Com isso, a quantidade de luz solar absorvida
pela Terra é reduzida, e assim o efeito indireto dos aerossóis é uma
forçante negativa que causa resfriamento.
Outras forçantes climáticas produzidas pelo homem incluem a
substituição das florestas pelas plantações. As florestas são escuras
mesmo quando a neve cobre o solo, portanto sua remoção reduz o
aquecimento solar.
Forçantes naturais tais como erupções vulcânicas e flutuações do
brilho solar provavelmente têm pouca influência numa escala de
tempo de mil anos. Mas a evidência de um pequeno aumento do
brilho solar nos últimos 150 anos implica uma forçante climática de
alguns décimos de watt por metro quadrado.
O valor agregado das forçantes acrescidas desde 1850 é de 1,6 +/1,0 W/m2. A despeito das grandes incertezas, existem evidências de
que este valor estimado está aproximadamente correto. Entre elas, a
concordância muito próxima encontrada entre a temperatura global
durante as últimas décadas e os modelos climáticos governados por
estas forçantes. Mais fundamentalmente, o ganho de calor do oceano
global observado nos últimos 50 anos é consistente com a forçante
climática total estimada.
Desequilíbrio Energético
A temperatura média de superfície global aumentou cerca de 0,75oC
durante o período que conta com medidas instrumentais extensivas,
a partir do final do século 19. A maior parte do aquecimento, cerca de
0,5oC, ocorreu após 1950. As causas do aquecimento observado
podem ser melhor investigadas nos últimos 50 anos, já que a maioria
das forçantes climáticas foi observada neste período, especialmente
depois das medições por satélite do Sol, aerossóis estratosféricos e
ozônio, começadas nos anos 70. Além disso, 70% do aumento
antropogênico de gases estufa ocorreu após 1950.
A quantidade mais importante é o desequilíbrio energético planetário
, consequência do tempo prolongado que o oceano leva para se
aquecer. Concluímos que a Terra atualmente está fora do equilíbrio
por um fator em torno de 0,5 a 1,0 W/m2 - que muito mais radiação
solar está sendo absorvida pela Terra que sendo emitida como calor
para o espaço. Portanto, mesmo que a composição atmosférica não
mude, a superfície da Terra irá se aquecer, com o tempo, mais 0,4 a
0,7oC.
A maior parte do desequilíbrio energético tem sido de calor que entra
no oceano. Sydney Levitus da National Oceanic and Atmospheric
Administration (NOAA) analisou as mudanças de temperatura
oceânica nos últimos 50 anos e descobriu que o contéudo de calor do
oceano mundial aumentou cerca de 10 watts-ano por metro quadrado
nestes 50 anos. Ele também determinou que a taxa de armazenagem
de calor no oceano em anos recentes é consistente com nossa
estimativa de que a Terra está presentemente fora do equilíbrio
energético por 0,5 a 1 W/m2. Note que a quantidade de calor
requerido para derreter suficiente gelo para elevar o nível do mar de
um metro é cerca de 12 watts-ano (na média sobre o planeta todo),
energia que poderia acumular-se em 12 anos se o planeta estiver
fora do equilíbrio em 1 W/m2.
A concordância com as observações, tanto do modelo de mudança de
temperatura como de armazenamento de calor pelo oceano, não
deixa dúvida de que a mudança climática global observada está
sendo impulsionada por forçantes naturais e antropogências. A taxa
corrente de estocagem de calor oceânico é uma medida planetária
crítica: ela não só determina a quantidade adicional de aquecimento
global em andamento, como também equivale à redução de forçantes
climáticas necessária para estabilizar o atual clima terrestre.
Impedindo o Desastre
O objetivo da convenção básica das Nações Unidas sobre a as
Mudanças Climáticas, realizada no Rio de Janeiro em 1989, é
estabilizar a composição atmosférica para "impedir interferência
antropogênica perigosa no sistema climático" e alcançar tal objetivo
sem causar ruptura da economia global. Definir o nível de
aquecimento que constitui "interferência antropogênica perigosa" é
portanto uma parte crítica, embora difícil, do problema.
A ONU estabeleceu um Painel Intergovernamental sobre Mudança
Climática (IPCC, na sigla em inglês) com responsabilidade pela
análise do aquecimento global. O IPCC definiu cenários de forçante
climática, utilizou-os para simulações do clima do século 21 e avaliou
o impacto de mudanças de temperatura e precipitação sobre a
agricultura, ecossistemas naturais, vida selvagem e outras áreas. O
IPCC estima uma mudança do nível do mar de até várias dezenas de
centímetros em 100 anos se o aquecimento global atingir vários
graus Celsius. Este cálculo deve-se mais à expansão térmica da água
oceânica, pouco mudando o volume do manto de gelo.
Estes efeitos climáticos moderados, mesmo com rápido aumento dos
gases de efeito estufa, dão a impressão de que não estamos
próximos da interferência antropogênica perigosa. Vou argumentar,
porém, que estamos muito mais próximos que em geral se
reconhece, e portanto a ênfase deve ser mitigar as mudanças, em
vez de apenas adaptar-se a elas.
A questão dominante no aquecimento global, em minha opinião, é a
mudança no nível do mar e a rapidez com que os mantos de gelo
podem desintegrar-se. Grande parte da população mundial vive a
poucos metros do nível do mar, com trilhões de dólares de infraestrutura. A necessidade de preservar as linhas de costa globais
estabelece um limite inferior para o aquecimento global que
constituísse uma interferência antropogênica perigosa.
A história da Terra, combinada ao atual desequilíbrio energéticoplanetário produzido pelo homem, compõe um quadro perturbador a
respeito das perspectivas para a mudança do nível do mar. Dados do
registro de temperatura na Antártida mostram que o aquecimento
nas últimas 5 décadas corresponde aproximadamente ao maior valor
de temperatura global do presente período interglacial (o Holoceno).
Há ainda aquecimento adicional a caminho, o suficiente para nos
levar à metade do mais alto nível de temperatura global alcançado no
precedente período interglacial (o Eemiano), que foi mais quente que
o Holoceno, com nível do mar estimado em 5 a 6 metros mais alto.
Um W/m2 adicional de forçante, acima do valor atual, fará a
temperatura global alcançar aproximadamente o nível máximo do
Eemiano.
A questão principal é: com que velocidade os mantos de gelo
responderão ao aquecimento global? O IPCC calcula apenas uma
ligeira mudança nos mantos de gelo em 100 anos; entretanto, os
cálculos do IPCC incluem somente os efeitos graduais de mudanças
na precipitação de neve, evaporação e fusão. No mundo real, a
desintegração de mantos de gelo é governada por processos e
feedbacks (realimentação) altamente não lineares. A taxa máxima de
desglaciação que se seguiu à última era glacial foi de um valor
constante de derretimento de mais de 14 mil km2 ao ano - cerca de
um metro de elevação do nível do mar a cada 20 anos, e que foi
mantido por vários séculos. O período de fusão mais rápida coincidiu,
até onde se pode medir, com o de mais rápido aquecimento.
Dada a incomum taxa de aquecimento global que ocorre no presente
em um planeta já quente, podemos esperar que áreas onde há
derretimento no verão e chuva irão se expandir sobre maiores áreas
da Groenlândia e nas margens da Antártida. A própria elevação do
nível do mar tende a levantar as plataformas marinhas de gelo que
escoram o gelo terrestre, soltando-as nos pontos em que se ancora.
Ao partirem-se as plataformas de gelo, o gelo terrestre será
acelerado na direção do oceano. Embora a formação de geleiras seja
lenta, sua destruição pode ser espetacularmente rápida, uma vez que
o manto de gelo começa a entrar em colapso.
O desequilíbrio energético planetário induzido pelo homem fornece
um amplo suprimento de energia para o derretimento do gelo. Além
disso, esta fonte de energia é suplementada pela crescente absorção
da luz solar pelos mantos de gelo escurecidos por aerossóis
fuliginosos e pelo processo de feedback quando a água de fusão
escurece a superfície de gelo.
Estas considerações não significam que devemos esperar grande
mudança no nível do mar nos próximos poucos anos. O
precondicionamento dos mantos de gelo para ruptura acelerada pode
exigir longo tempo, talvez muitos séculos. (O satélite ICESat
recentemente lançado pela Nasa pode ser capaz de detectar os sinais
iniciais de uma ruptura acelerada de manto de gelo.) No entanto,
suspeito que uma elevação significativa do nível do mar poderia
começar dentro de décadas, caso o desequilíbrio energético
planetário continue a aumentar. Parece claro que além de um certo
limite, o aquecimento global criará uma grande mudança do nível do
mar para futuras gerações. E uma vez iniciada, será impraticável
deter uma ruptura de manto glacial em larga escala. Diques podem
proteger regiões limitadas, tais como Manhattan e a Holanda, mas a
maioria das zonas costeiras globais será inundada.
Proponho que o nível de influência antropogênica perigosa
possivelmente será estabelecido pelo desequilíbrio de temperatura e
radiação globais no qual uma desglaciação substancial torna-se
praticamente impossível de evitar. Com base na evidência
paleoclimática, sugiro que o nível elevado mais prudente de
aquecimento global adicional não seja maior do que 1oC,
aproximadamente. Isto significa que a forçante climática adicional
não deve exceder cerca de 1 W/m2.
Cenários de Forçante Climática
O IPCC define muitos cenários de forçante climática para o século 21
com base em múltiplas "linhas de história" para crescimento
populacional, desenvolvimento econômico e recursos energéticos. Ele
estima que a forçante climática adicional nos próximos 50 anos seja
de 1 a 3 W/m2 para o dióxido de carbono e de 2 a 4 W/m2 com
outros gases e aerossóis incluídos. Mesmo a mínima forçante
adicional do IPCC causaria perigosa interferência antropogênica no
sistema climático segundo nossos critérios.
Mas os cenários do IPCC podem ser excessivamente pessimistas. Em
primeiro lugar, eles ignoram mudanças nas emissões, algumas já
ocorrendo, por causa de considerações sobre o aquecimento global.
Em segundo, supõem que a verdadeira poluição do ar continuará a
piorar, com ozônio, metano e negro de carbono todos maiores em
2050 que em 2000. Por fim, o IPCC dá pouca importância a avanços
tecnológicos capazes de reduzir as emissões nos próximos 50 anos.
Um modo alternativo de definir cenários é examinar as atuais
tendências dos agentes de mudança climática, indagar por que estão
se alterando como observado, e tentar compreender se ações
razoáveis encorajariam mudanças ulteriores nas taxas de
crescimento.
A taxa de crescimento da forçante climática por gases estufa atingiu
seu pico no início da década de 80, a quase 0,5 W/m2 por década
mas declinou nos anos 90 para 0,3 W/m2 por década. A razão
principal para o declínio foi a emissão reduzida de
clorofluorcarbonetos, cuja produção foi interrompida por causa do seu
efeito destrutivo sobre o ozônio estratosférico.
Os dois mais importantes gases estufa, estando os
clorofluorcarbonetos em declínio, são dióxido de carbono e metano. A
taxa de crescimento do dióxido de carbono aumentou depois da
Segunda Guerra Mundial, estabilizou-se entre meados dos anos 70 a
meados dos anos 90, e subiu moderadamente em anos recentes à
atual taxa de cerca de duas partes por milhão por ano. A taxa de
crescimento do metano declinou drasticamente nos últimos 20 anos,
em pelo menos dois terços.
Estas taxas de crescimento estão relacionadas à taxa de uso global
dos combustíveis fósseis. As emissões destes últimos aumentaram
em mais de 4% ao ano desde o fim da Segunda Guerra Mundial até
1975 mas subseqüentemente em apenas cerca de 1% ao ano. A
mudança no crescimento da taxa de combustíveis fósseis ocorreu
após o embargo de petróleo e elevação dos preços dos anos 70, e a
ênfase na eficiência energética que se seguiu. O crescimento do
metano foi também afetado por outros fatores, incluindo mudanças
na cultura do arroz e maiores esforços para registrar metano nos
aterros sanitários e nas operações minerais.
Se as recentes taxas de crescimento destes gases estufa
continuarem, a forçante climática adicionada nos próximos 50 anos
seria cerca de 1,5 watt por metro quadrado. A isto é preciso agregar
a mudança causada por outras forçantes, tais como ozônio
atmosférico e aerossóis, que não são bem monitoradas globalmente.
Ainda assim, sabe-se que estão aumentando em alguns países
enquanto decrescem em outros. Seu efeito total deve ser pequeno,
mas poderia acrescentar até 0,5 W/m2. Portanto, caso não haja
desaceleração das taxas de emissão, a forçante climática produzida
pelo homem poderia aumentar 2 W/m2 nos próximos 50 anos.
Esta taxa atual de crescimento das forçantes climáticas situa-se no
limiar inferior do intervalo do IPCC de 2 a 4 W/m2. O cenário do IPCC
de 4 W/m2 requer um crescimento exponencial de 4% ao ano das
emissões de dióxido de carbono mantido por 50 anos e grande
aumento da poluição do ar; o que é implausível.
De qualquer modo, o cenário "tendências atuais" é maior que o nível
de 1 W/m2 que eu sugeri como nossa melhor estimativa presente
para o nível de influência antropogênica perigosa. Isto levanta a
questão se é viável um cenário com forçante climática ainda menor.
Um Futuro Mais Brilhante
Criei um cenário alternativo específico que mantém a forçante
climática adicional nos próximos 50 anos em 1 W/m2. Ele tem duas
componentes: primeiro, parar ou reverter o crescimento de poluentes
do ar, especialmene fuligem, ozônio atmosférico e metano; segundo,
manter as emissões médias de dióxido de carbono dos combustíveis
fósseis nas próximas 5 décadas ao mesmo nível de hoje. As porções
de dióxido de carbono e não dióxido de carbono (non-carbon dioxide
portions) do cenário são igualmente importantes. Considero viáveis,
além de proteger a saúde humana e aumentar a produtividade
agrícola.
Ao considerarmos a poluição do ar, devemos enfatizar os
constituintes que mais contribuem para o aquecimento global. O
metano, por exemplo. Se as fontes humanas de metano forem
reduzidas, seria possível diminuir a quantidade de metano
atmosférico, criando com isso um resfriamento que compensaria
parcialmente o aumento de dióxido de carbono. A redução da fuligem
poderia ajudar a contrabalançar o efeito de aquecimento devido à
redução dos aerossóis de sulfato. Os precursores do ozônio
atmosférico, além do metano, especialmente óxidos de nitrogênio e
compostos orgânicos voláteis, precisam ser reduzidos para
diminuirmos o ozônio nas camadas inferiores, o principal componente
do smog.
Ações necessárias para reduzir o metano, tais como seqüestro nos
aterros sanitários e instalações de administração de refugos e
durante a mineração de combustíveis fósseis, têm benefícios
econômicos que parcialmente compensam os custos. Em alguns
casos, o valor do metano como combustível paga integralmente o
custo de seqüestro. Reduzindo a fuligem também teríamos benefícios
econômicos, tanto pelo decréscimo das perdas de vida como em
trabalho-anos (partículas minúsculas de fuligem levam compostos
orgânicos tóxicos e metais para os pulmões) e aumento da
produtividade agrícola em certas partes do mundo. As fontes
primárias de fuligem são o diesel e biocombustíveis (madeira e
esterco de vaca, por exemplo). Estas fontes precisam ser
consideradas por razões de saúde. O diesel poderia ser queimado de
forma mais limpa, com tecnologias melhoradas. Deve haver soluções
ainda melhores, tais como combustível de hidrogênio, que eliminaria
precursores de ozônio, bem como fuligem.
Eficiência melhorada de energia e uso incrementado de energias
renováveis poderão estabilizar as emissões de dióxido de carbono a
curto prazo. A redução a longo prazo é um desafio maior, visto que o
uso de energia continuará a aumentar. É necessário progresso em
toda a linha: melhoramentos continuados de eficiência, mais energia
renovável, e novas tecnologias que quase não produzam dióxido de
carbono ou que seqüestrem. Energia nuclear de nova geração, se o
público a aceitar, poderia ser uma importante contribuição. Antes de
2050, podem surgir tecnologias que nem imaginamos.
Tendências globais observadas de dióxido de carbono e metano nos
últimos anos mostram que o mundo real está ficando aquém de todos
os cenários do IPCC. Falta provar se as menores taxas de
crescimento observadas são fruto do acaso, e que logo voltarão às
taxas do IPCC, ou uma diferença significativa. Em contraste, as
projeções do meu cenário alternativo e as taxas observadas de
crescimento estão em concordância. Isto não surpreende, porque o
cenário foi definido considerando-se as observações. E nos três anos
desde que o cenário alternativo foi definido, as observações
indicaram a continuidade da tendência. Não estou sugerindo, porém,
que o cenário alternativo possa ser alcançado sem esforços
conjugados para reduzir forçantes climáticas antropogênicas.
Como posso ser otimista se o clima está mais próximo do que se
pensava do nível de interferência antropogênica perigosa? Se
compararmos a situação de hoje com a de 10 ou 15 anos atrás,
notamos que os principais elementos requeridos para parar a
mudança climática surgiram com inusitada rapidez. Entendo que não
será fácil estabilizar as concentrações dos gases estufa, mas sou
otimista porque espero que a evidência empírica de mudança
climática e seus impactos continuará a acumular-se e isto influenciará
o público, os grupos de interesse públicos, indústria e governos nos
vários níveis. A questão é: iremos agir em tempo?
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