Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 22, no. 3, Setembro, 2000 353 Interac~oes Hipernas I. S. Oliveira e A. P. Guimar~aes Departamento de Materia Condensada e Fsica Estatstica Centro Brasileiro de Pesquisas Fsicas - Rio de Janeiro, RJ Rua Xavier Sigaud 150, 22290-180, Rio de Janeiro, RJ Recebido em 30 de Dezembro, 1999. Aceito em 27 de Junho, 2000 E feita uma revis~ao sobre interac~oes hipernas, destacando-se as principais contribuic~oes ao campo hiperno nos metais magneticos. A diagonalizac~ao numerica do hamiltoniano hiperno e discutida, e um exemplo de aplicac~ao apresentado. I Introduc~ao Entende-se por interaco~es hipernas aquelas interac~oes que envolvem multipolos magneticos e eletricos nucleares. Momentos de multipolo interagem com campos eletricos e magneticos, quer gerados dentro da materia condensada, quer por fontes externas, dando origem ao espectro hiperno. Em ordem de import^ancia, as interac~oes do tipo dipolar magnetica e quadrupolar eletrica s~ao dominantes, e portanto as duas unicas normalmente evocadas na interpretac~ao do espectro hiperno. Neste artigo sera feita uma revis~ao das interac~oes hipernas, tendo como ponto de partida o on livre. Subsequentemente ser~ao discutidas as principais peculiaridades destas interac~oes nos solidos, com particular ^enfase nos metais magneticos. I.1 Spin e Momentos Nucleares Estados nucleares s~ao caracterizados por um numero qu^antico de spin I. Esta quantidade representa o momento angular total do nucleo, isto e, a soma dos momentos angulares orbital, lk, e de spin, sk , de cada nucleon (protons e n^eutrons). O vetor I pode ser escrito portanto como: A X A X k=1 k=1 I = (lk + sk) = jk (1) onde A e o numero de massa do nucleo. Verica-se que I sera inteiro sempre que A for par (por exemplo, o 4 He possui I = 0, o 6 Li possui I = 1, o 50V possui I = 6, etc.), e que sera semi-inteiro sempre que A for mpar (por exemplo, o 55Mn possui I = 5=2, o 89Y possui I = 1=2, etc.). Existem algumas regras que determinam o spin do estado fundamental de um nucleo [1]: (i) Todo nucleo com Z (numero de protons) par e N (numero de n^eutrons) par possui spin I = 0. Esta propriedade decorre da tend^encia dos nucleons acoplaremse aos pares em um estado com spin zero; (ii) O spin de nucleos com A mpar e quase sempre determinado pelo spin do nucleon desemparelhado, pois os outros A ; 1 acoplam-se de acordo com a regra acima; (iii) Em nucleos com Z e N mpares o spin e determinado pela soma dos spins totais do proton e do n^eutron desemparelhados: jp + jn. Distribuic~oes de cargas e correntes nucleares s~ao caracterizadas por momentos de multipolos que, por sua vez, interagem com campos eletromagneticos, quer gerados dentro da materia, quer aplicados externamente. Esta interac~ao e o que chamamos interac~ao hiperna. Do ponto de vista das principais tecnicas experimentais aplicadas ao estudo das interac~oes hipernas, considerase o spin e os multipolos nucleares como par^ametros xos [1]. Momentos nucleares podem ser obtidos considerando-se os potenciais gerados pelas distribuic~oes de cargas e correntes em um dado nucleo. Se a distribuic~ao de carga de um nucleo (isto e, a distribuic~ao de protons) for dada por (r0), o potencial eletrostatico gerado em um ponto r do espaco sera [2]: Z 0 3 0 1 V (r) = 4 (jrr;)dr0rj 0 (2) De forma analoga, se a distribuic~ao de correntes for J(r0), o potencial vetor correspondente em um ponto r sera: 354 I. S. Oliveira e A. P. Guimar~aes 0 Z J(r0)d3 r0 (3) A(r) = 4 jr ; r0j Os integrandos de ambas as express~oes podem ser expandidos [2] para obtermos os termos dominantes. Para o potencial eletrostatico tem-se: eQ 1 V (r) (4) = 4 3 0 r onde eQ (e a carga fundamental) e o chamado momento de quadrupolo eletrico do nucleo, dado por: eQ Z (r0)r02 21 (3cos2 ; 1)d3r0 (5) sendo o a^ngulo entre r e r0 . Para o vetor A obtem-se: 0 r A(r) = 4 (6) r3 onde e o momento de dipolo magnetico do nucleo: 12 Z r0 J(r0)d r0 3 (7) Estas duas quantidades caracterizam as distribuic~oes de cargas e correntes nucleares. Elas interagem com campos eletromagneticos e d~ao origem as interaco~es hipernas. Nucleos para os quais Q = 0 possuem distribuic~ao de cargas esferica. Se Q > 0 a distribuic~ao sera alongada sobre o eixo z (eixo de quantizac~ao), e se Q < 0 a distribuic~ao sera achatada em relac~ao a z. O momento magnetico e diretamente proporcional ao spin do nucleo [1]: = gn nI (8) onde gn e n s~ao, respectivamente, o fator-g nuclear (associado aos estados orbitais e de spin de protons e n^eutrons dentro do nucleo) e o magneton nuclear (igual a 5; 05084 10;27 J/T, ou 3; 15245 10;8 eV/T). A raz~ao giromagnetica de um nucleo, n , se relaciona com o fator-g e o magneton nuclear atraves de: (9) = gnn n ~ Assim como gn, o fator giromagnetico n e uma \assinatura magnetica" de cada isotopo. II Interac~oes Hipernas em Ions Livres Considere um nucleo em um atomo ou on livre. Os eletrons das camadas incompletas produzir~ao um campo magnetico B no stio do nucleo que interagira com o seu momento magnetico, , de acordo com [3, 4]: Hm = ; B = ;gn nI B (10) O campo magnetico B, como sera discutido abaixo, relaciona-se com os momentos orbital e de spin do atomo. Adicionalmente, ons com camadas incompletas geralmente apresentam uma deformac~ao espacial de cargas, que gera no stio nuclear um gradiente de campo eletrico. Consequentemente, se o isotopo em quest~ao possuir um momento de quadrupolo eletrico n~ao nulo, havera uma interac~ao de natureza eletrica que podera se tornar detectavel no espectro hiperno. Esta e chamada de interaca~o quadrupolar eletrica. Contudo, por envolver coordenadas espaciais, esta contribuic~ao a interac~ao hiperna n~ao e facilmente traduzvel em termos de operadores de spins, como na Eq. 10. No entanto, tal representac~ao pode ser alcancada atraves de um poderoso teorema da Mec^anica Qu^antica, o teorema de Wigner-Eckart [3]. Deve-se mencionar ainda, que nem todos os isotopos estaveis possuem momento magnetico (ou spin) diferente de zero, como e o caso do 92Mo (14,8% abundante), do 84Sr (0,56% abundante), do 48 Ti (73,7% abundante), entre outros. Estes isotopos s~ao portanto \invisveis", do ponto de vista da interac~ao 1. Finalmente, enfatizamos que mesmo as camadas fechadas dos atomos possuem uma contribuic~ao importante ao campo hiperno do on livre, chamada de polarizac~ao do caroco, que tem a sua origem na interaca~o de troca entre os eletrons destas camadas e aqueles das camadas incompletas. II.1 Contribuic~oes ao Campo Magnetico A principal contribuic~ao ao campo magnetico no on livre provem do momento orbital dos eletrons das camadas incompletas. Obviamente, se a camada estiver completa ou vazia, esta contribuic~ao sera zero. Esta contribuic~ao pode ser escrita como [5] L BLhf = ;2 4 <r > 0 3 (11) onde L e o momento angular orbital da camada, e < r3 >=< jr3j > o valor esperado do cubo do raio da camada. Esta contribuic~ao pode chegar a centenas de tesla em algumas terras raras pesadas. Existem varias contribuic~oes ao campo hiperno devidas ao spin dos eletrons das camadas i^onicas. A mais simples delas e a dipolar, dada por [5]: Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 22, no. 3, Setembro, 2000 2B L(L + 1)(S J) ; 3(L J)(L S) J Bsdhf = 4 <r > J(J + 1) 0 buic~ao e uma especie de diferenca dos termos de contato para eletrons \up" e eletrons \down": 3 (12) onde J = L + S e o momento total da camada, e + 1 ; 4S = S(2l ; 2l 1)(2l + 3)(2L ; 1) Nesta express~ao, l e o momento angular de um unico eletron na camada, e L e S s~ao os momentos orbital e de spin da camada. Esta contribuic~ao e normalmente pequena em comparac~ao com as outras. Outra contribuic~ao de spin e o campo de contato de Fermi, que deriva da presenca de eletrons s no nucleo: 0 8 2 j (0)j2 s (13) Bschf = ; 4 3 B onde s e o spin de um unico eletron, e j (0)j2 a amplitude da func~ao de onda no stio do nucleo. Em camadas at^omicas do tipo s cheias, a interac~ao de troca entre os eletrons destas camadas e aqueles das camadas incompletas, leva a um desbalanco na densidade eletr^onica no stio do nucleo, criando a contribuic~ao chamada de polarizac~ao do caroco. Esta contri- 355 8 2 (j (0)j ; j (0)j )s Bsphf = ; 4 # 3 B " 0 2 2 (14) Estas s~ao as principais contribuic~oes ao campo hiperno nos ons livres. Todas essas contribuic~oes devem ser superpostas e, obviamente, aparecer~ao como um unico campo: Bhf = BLhf + Bsdhf + Bschf + Bsphf (15) O hamiltoniano dipolar magnetico do on livre sera portanto dado pela Eq. 10, com B dado pela Eq. 15. II.2 Interac~ao Quadrupolar Eletrica Como mencionado anteriormente, camadas eletr^onicas com momento angular diferente de zero apresentam uma deformac~ao espacial que geram no stio nuclear um gradiente de campo eletrico. Este, por sua vez, interage com o momento de quadrupolo eletrico do nucleo, Eq. 5, e contribui para o campo hiperno. No on livre, o hamiltoniano quadrupolar eletrico sera dado por [1, 5]: c 3 2 ;4 2 (J I)~;2 ; J(J + 1)I(I + 1) 2 HQ = eQ @@zV2 3(J I) ~ +2J(2J ; 1)I(2I ; 1) (16) d onde @ 2 V=@z 2 e a componente z do gradiente de campo eletrico, tambem denotado por Vzz . No on livre, F = J + I e um \bom numero qu^antico", e J I pode ser substitudo por: J I = 12 (F ; J ; I ) 2 2 2 A interac~ao hiperna total no on livre sera dada por: Hhf = Hm + HQ (17) Assim como Hm pode ser visualizado como um torque do campo magnetico sobre o momento magnetico do nucleo, HQ representa um \torque adicional" do gradiente de campo eletrico sobre a distribuic~ao de cargas nucleares. Este torque adicional muda os nveis de energias hipernas, e pode se tornar visvel no espectro hiperno. III Interac~oes Hipernas nos Solidos Em um solido, as contribuic~oes ao campo hiperno discutidas nas sec~oes anteriores s~ao modicadas pela presenca de outrosons. E precisamente este fato que torna o estudo das interaco~es hipernas util a Ci^encia dos Materiais, a Qumica e a Materia Condensada, de uma forma geral. Em um solido lidamos n~ao com um, mas com um numero imenso de ons (tipicamente 1023 por centmetro cubico), e quando nos referimos a grandezas i^onicas, como por exemplo ao momento magnetico de um on, estamos na verdade nos referindo ao seu valor medio termico, obviamente uma quantidade estatstica. Este e dado por [4]: ;Em =kB T < >= gJ B m meZ P (18) onde gJ e o fator de Lande, Z a func~ao de partic~ao e Em representa as autoenergias magneticas do on no 356 solido. A magnetizac~ao do material sera proporcional a < >. A import^ancia da presente discuss~ao para as interaco~es hipernas nos solidos reside no seguinte fato: a contribuic~ao ao campo magnetico hiperno em um dado stio nuclear em um solido sera proporcional a < >, e n~ao a . Esta e uma diferenca dramatica com relac~ao ao on livre, pois neste ultimo a exist^encia de momento magnetico depende somente da exist^encia de camadas eletr^onicas incompletas, ao passo que no solido, pode ser diferente de zero, mas < > ser nulo! Por exemplo, em um solido paramagnetico n~ao metalico (como, por exemplo, o sal de gadolnio Gd(C2H5 SO4 )3 9H2O) < > deriva da aplicac~ao de um campo magnetico externo, e segue uma func~ao de Brillouin [4]. O campo hiperno magnetico, por sua vez, tera uma contribuic~ao devida ao campo aplicado e outra devida a magnetizac~ao do material: Bhf = Bap + A < > (19) onde A e uma constante. Se, por outro lado, o material apresentar ordem magnetica espont^anea, torna-se desnecessaria a aplicac~ao de um campo magnetico externo, e o campo hiperno sera escrito como: Bhf = A0 < > (20) O problema se complica no caso dos metais. Em um metal como o cobre, os ons n~ao possuem momento magnetico. Em contrapartida, existe um gas de eletrons que forma a banda de conduc~ao do metal [6]. Esta por sua vez, pode ser polarizada por um campo externo, e portanto contribuira para o campo hiperno. Ainda mais complexo e o caso em que o metal apresenta ordem magnetica, como o ferro e o cobalto metalicos, e a maioria dos metais terras raras. Nestas situac~oes, alem da polarizac~ao da banda de conduc~ao, existe um momento magnetico diferente de zero nos ons, que geralmente domina o campo hiperno. Estes casos ser~ao discutidos com algum detalhe nas sec~oes subsequentes. III.1 Contribuic~oes ao Campo Magnetico Hiperno em Metais n~ao Magneticos Em metais simples como os metais alcalinos ou os metais nobres (Cu, Ag, Au), os ons n~ao possuem momento magnetico. Deve-se dizer que varios isotopos desses elementos podem ser utilizadas como sondas hipernas, como 7 Li (I = 3=2, 92,5% abundante), 23Na (I = 3=2, 100% abundante), 63Cu (I = 3=2, 69,2% abundante), 109Ag (I = 1=2, 48,17% abundante), 197Au (I = 3=2, 100% abundante), etc. Nestes metais, a observac~ao do espectro hiperno demanda a aplicac~ao de um campo magnetico externo, que por sua vez polariza a banda de conduc~ao, gerando uma contribuic~ao adicional ao campo hiperno, que pode ser escrito como [7, 8] I. S. Oliveira e A. P. Guimar~aes Bhf = Bap (1 + K) (21) onde K e chamado de deslocamento de Knight, dado por [4]: 0 8 < j (0)j2 > B K = 4 EF p ap 3 (22) Aqui, < j (0)j2 >EF esta associada a densidade media de eletrons de conduc~ao com energia EF no stio nuclear. p e a susceptibilidade paramagnetica de Pauli. O campo hiperno total em um metal n~ao magnetico sera ent~ao: 0 8 < j (0)j2 > Bhf = Bap 1 + 4 EF p 3 (23) III.2 Contribuic~oes ao Campo Magnetico Hiperno em Metais Magneticos Em um metal magnetico, a presenca de ordem magnetica espont^anea da origem a interessantes e, muitas vezes, excessivamente complexas situac~oes que se reetem no campo hiperno. E util neste ponto diferenciarmos duas situac~oes de interesse: (i) o caso dos metais puros, como Fe, Co, Gd; (ii) o caso das misturas metalicas, em que dois ou mais metais formam ligas ou compostos intermetalicos. No primeiro caso, mais simples do que o segundo, o campo hiperno pode normalmente ser escrito como a contribuica~o de tr^es termos: Bhf = Bp + Bt + Bd (24) onde Bp e o campo produzido pelos eletrons do proprio on, chamado de on pai, Bt e o campo transferido, devido aos ons magneticos que circundam o on pai, e por m Bd , e o campo dipolar. Todos esses termos s~ao proporcionais ao valor medio < >, o momento magnetico do on, mas possuem origens fsicas e magnitudes distintas. Se < >6= 0, Bp e sempre a contribuic~ao dominante. Nos metais de transic~ao esta contribuica~o pode atingir algumas dezenas de tesla, e nas terras raras com momento orbital n~ao nulo, pode chegar a varias centenas de tesla. O ultimo termo, Bd e de origem classica e possui magnitude da ordem de 0 < > (25) Bd z 4 r3 onde z e o numero de primeiros vizinhos do on pai, e r da ordem do par^ametro de rede. Substituindo valores tpicos, z 5, < > 2B e r 10 A, obtemos Bd 0; 1 tesla. Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 22, no. 3, Setembro, 2000 Bt possui uma origem fsica mais sutil. Este termo aparece devido a polarizac~ao da banda de conduc~ao pelos momentos localizados. Assim como o campo dipolar, ele dependera de < >, da simetria local e do numero de vizinhos. Porem sua magnitude e normalmente 1 a 2 ordens acima de Bd . Nas ligas metalicas, o campo hiperno dependera das concentraco~es relativas dos metais constituintes. Estes s~ao sistemas muito particulares, e dependendo dos constituintes e concentrac~oes, uma grande variedade de situac~oes distintas pode aparecer. No entanto, qualquer que seja o caso, devemos primeiramente distinguir a situac~ao em que ambos os constituintes s~ao magneticos, daquela situac~ao em que um dos constituintes e n~ao-magnetico. Obviamente a contribuica~o do on pai ao campo hiperno em um stio n~aomagnetico sera nula, restando apenas os dois ultimos termos da equac~ao 25. Uma complicac~ao adicional no caso das ligas, e o carater de aleatoriedade nas vizinhancas at^omicas, decorr^encia da ocupac~ao aleatoria dos stios da rede [8]. Neste caso, tanto o campo transferido como o campo dipolar, depender~ao de um fator estatstico relacionado a distribuic~ao dos ons nos stios da rede. Nos compostos intermetalicos esta aleatoriedade n~ao existe, mas nem por isto a situac~ao se torna simples. Aqui tambem devemos distinguir o caso em que todos os ons da rede s~ao magneticos, como e o caso do GdFe2, da situac~ao em que um dos constituintes e n~ao-magnetico, como e o caso do Al em GdAl2. Este ultimo composto e particularmente ilustrativo, e foi no passado intensamente investigado. O on do Gd possui 7 eletrons na camada 4f, e portanto sua contribuic~ao orbital ao campo hiperno e nula. Alem disso, existem dois isotopos importantes do Gd, para ns de interac~oes hipernas: o 155Gd (I = 3=2, 14,73% abundante) e o 157 Gd (I = 3=2, 15,68% abundante). Todos os outros isotopos estaveis do Gd possuem spin zero. Adicionalmente, o 27Al e 100% abundante e possui spin I = 5=2. Isto quer dizer que no GdAl2 temos a oportunidade de estudar as interac~oes hipernas em dois stios distintos, utilizando tr^es isotopos! No stio do Gd o campo hiperno tera contribuic~ao dos tr^es termos descritos em 26, mas no stio do Al somente os dois ultimos estar~ao presentes. III.3 Contribuic~ao Quadrupolar Eletrica nos Metais A contribuic~ao quadrupolar eletrica para o campo hiperno e modicada quando o on se encontra em uma rede metalica. As cargas \extra i^onicas" da rede d~ao a sua propria contribuic~ao para o gradiente de campo eletrico no nucleo. Alem disso, elas causam deformac~oes nas camadas eletr^onicas do on pai, mudando a contribuic~ao intrai^onica para o gradiente de campo eletrico. Por m, eletrons de conduc~ao tambem contribuem para a interac~ao eletrica do nucleo com a 357 rede. O calculo dessas contribuic~oes em um cristal real e muito complicado e, do ponto de vista da analise pratica de campos hipernos em metais, elas s~ao introduzidas atraves de dois par^ametros, 1 , chamado de fator de antiblindagem de Sternheimer, e R (sem um nome especco). Em func~ao desses par^ametros, a contribuic~ao da rede para o gradiente de campo eletrico e escrita como [4]: Vzz = (1 ; 1 )Vzzions + (1 ; R)Vzzel (26) Em um metal magneticamente ordenado, normalmente a direc~ao de facil magnetizac~ao (direc~ao dos momentos magneticos at^omicos) n~ao coincidira com a direc~ao do eixo de simetria do gradiente de campo eletrico. Isto signica que HQ e Hm ser~ao escritos em relac~ao a diferentes eixos coordenados. Normalmente escreve-se HQ em termos dos eixos cristalinos a, b e c, sendo Ia , Ib e Ic as componentes do spin nuclear neste sistema [4]: eQVcc 3I 2 ; I 2 + (I 2 ; I 2 ) HQ = 4I(2I a b ; 1) c (27) onde o eixo c e considerado o eixo principal de simetria do gradiente de campo eletrico. e um par^ametro que mede a assimetria do gradiente em torno do eixo c. Este e o chamado par^ametro de assimetria, denido por: VaaV; Vbb (28) cc Se houver simetria axial em torno de c, como por exemplo em um elipsoide de revoluc~ao, Vaa = Vbb e teremos = 0. IV Hamiltoniano Hiperno Em um metal magnetico, o hamiltoniano hiperno sera igual a soma da parte magnetica, Hm , e da eletrica, HQ , incluindo as contribuic~oes internas e externas ao on pai. N~ao necessariamente as direc~oes de simetria magnetica (direc~ao de facil magnetizac~ao) e eletrica (eixo de simetria do gradiente de campo eletrico) coincidir~ao. Em um sistema em que (x; y; z) s~ao coincidentes com (a; b; c), com (; ) as coordenadas esfericas do campo hiperno magnetico, o hamiltoniano hiperno total pode ser escrito como [4]: Hhf = ;n ~Bhf [Iz cos + (Ix cos + Iy sin)sin] + eQVzz 3I 2 ; I 2 + (I 2 ; I 2 ) + 4I(2I x y ; 1) z (29) onde Bhf e Vzz incluem todas as contribuico~es (internas e externas) ao campo hiperno. Este hamiltioniano e a base para a analise do espectro hiperno. Contudo, 358 alcancar uma interpretac~ao sem ambiguidades pode se tornar difcil, se as interac~oes magnetica e eletrica forem da mesma magnitude. Esta e outras situac~oes s~ao exemplicadas nas proximas sec~oes. IV.1 Diagonalizac~ao Numerica Na forma geral, o hamiltoniano hiperno, Eq. 29, n~ao e diagonal. Neste caso, as autoenergias e probabilidades de transic~ao entre os nveis Zeeman nucleares devem ser obtidas numericamente. Dependendo das magnitudes relativas dos termos magnetico e eletrico, o espectro pode adquirir varias formas. E comum ainda que nem todos os stios cristalogracos em um solido sejam equivalentes, dando origem a diferentes valores de campos hipernos e gradientes de campo eletrico, o que complica ainda mais a interpretac~ao do espectro. I. S. Oliveira e A. P. Guimar~aes lizac~ao do hamiltoniano hiperno para um sistema contendo gadolnio. Como existem dois isotopos estaveis deste elemento, com diferentes par^ametros nucleares, havera dois conjuntos de distribuico~es de probabilidades de transic~oes. Estas est~ao representadas no eixo vertical. O horizontal representa uma escala de energia associada a transic~ao. Em todos os casos consideram-se e nulos. Vemos que mesmo com essas simplicaco~es, dependendo do ^angulo , e das magnitudes relativas entre as contribuico~es magnetica e eletrica (representadas na gura por Em e EQ , respectivamente) os espectros se tornar~ao mais complicados com o surgimento de linhas adicionais. Na pratica, espectros s~ao gerados para varios valores de entrada de Vzz ; Bhf ; ; e , e comparados com o espectro obtido experimentalmente [9]. IV.2 Casos Especiais O hamiltoniano dado pela Eq. 30 se diagonaliza para valores de e nulos: eQVzz [3I 2 ; I 2 ] Hhf = ;n ~Bhf Iz + 4I(2I ; 1) z (30) Neste caso, as autoenergias nucleares s~ao dadas por: eQVzz [3m2;I(I+1)] Em =< mjHjm >= ;n ~Bhf m+ 4I(2I ; 1) (31) As energias associadas as transic~oes entre nveis Zeeman subjacentes ser~ao, por sua vez: 3eQVzz (2m + 1) m = Em+1 ; Em = n ~Bhf + 4I(2I ; 1) (32) Note que este resultado e valido para quaisquer magnitudes relativos das interac~oes eletrica e magnetica. Em muitos casos, a interac~ao magnetica e dominante, e a parte eletrica pode ser tratada como uma perturbac~ao. Nesta situac~ao, utilizamos os autovetores de Iz como base, e obtemos para os autovalores do hamiltoniano corrigidos em primeira ordem [3]: Figura 1. Espectro hiperno obtido pela diagonalizaca~o numerica do hamiltoniano dado pela Eq. 29. S~ao considerados dois isotopos do Gd, com par^ametros e nulos [9]. Em (a) a interac~ao quadrupolar e considerada como uma perturbac~ao sobre os estados Zeeman nucleares. Aparecem tr^es linhas para cada isotopo, duas simetricamente dispostas em relac~ao a uma linha central. Na medida em que a interac~ao quadrupolar cresce em relaca~o a magnetica, esta simetria deixa de exisitir (parte b). Este e tambem o caso em que o a^ngulo entre Vzz e Bhf e n~ao nulo (partes c,d). A Fig. 1 mostra o resultado numerico da diagona- Em(1) = Em(0) + < mjHQ jm > (33) No caso em que = 0, pode-se mostrar que o segundo termo desta express~ao torna-se [4]: 3eQVzz 3cos2 ; 1 [3m2;I(I+1)] < mjHQ jm >= 4I(2I ; 1) 2 (34) Note que o valor deste elemento de matriz depende do ^angulo entre o eixo de simetria do gradiente de campo eletrico e a direc~ao do campo hiperno. Ele sera maximo para = 0, e nulo para = 54; 7 graus. Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 22, no. 3, Setembro, 2000 V Exemplo: Determinac~ao das Contribuic~oes ao Campo Hiperno no Composto Intermetalico GdNi2 via Resson^ancia Magnetica Nuclear Nesta sec~ao apresentaremos de forma resumida um estudo das interac~oes hipernas no composto intermetalico GdNi2 [9]. O estudo foi feito via espectroscopia de resson^ancia magnetica nuclear (RMN). Detalhes desta tecnica podem ser obtidos nas refer^encias [3] e [4]. As propriedades magneticas de compostos intermetalicos t^em sido estudadas por muitas decadas por varias tecnicas experimentais, bem como por modelos teoricos. O GdNi2 e um composto que apresenta ordem ferromagnetica a baixas temperaturas (abaixo de aproximadamente 30 K). Sua estrutura cristalograca e cubica, pertencente ao grupo de simetria Fd3m. Os atomos de Gd ocupam os stios 8(a) e os de Ni os stios 16(d) dentro da estrutura. O gadolnio apresenta dois isotopos favoraveis a observac~ao da RMN, o 155Gd e o 157 Gd, ambos com abund^ancia isotopica em torno de 15%. Os fatores giromagneticos de cada um deles s~ao: 155 =2 = 1; 307 MHz/T, e 157=2 = 1; 713 MHz/T. Figura 2. Espectro hiperno medido no composto intermetalico GdNi2 . Os pontos pretos s~ao dados experimentais, a linha contnua um ajuste de mnimos quadrados com curvas lorentzianas. Na parte de baixo da gura s~ao mostradas as probabilidades de transica~o calculadas a partir da diagonalizac~ao numerica do hamiltoniano hiperno (ver texto). A Fig. 2 mostra o espectro de RMN obtido em 359 uma amostra de GdNi2. Sobreposta aos pontos experimentais esta uma curva de ajuste da qual se obtem as posic~oes dos picos de absorc~ao, em numero de cinco: 14,7(1); 19,2(1); 26,5(4); 47,0(4) e 54,0(4) MHz. A raz~ao entre as duas primeiras linhas, 14,7(1)/19,2(1) = 0,766(1), e muito proxima da raz~ao entre os fatores giromagneticos dos dois isotopos: 155=157 = 0; 7630. Portanto sabemos que o espectro experimental apresenta superposic~ao das linhas de resson^ancia dos dois isotopos de Gd no composto. Obtem-se a partir da o valor 9,8(2) T para a contribuic~ao magnetica ao campo hiperno no Gd. O espectro calculado e mostrado sob a forma de barras. Para o calculo foram utilizados os seguintes par^ametros: = 0, = 18(1)o e = 0. Utilizandose os momentos de quadrupolo eletrico, 155Q = 1; 6 10;28 m2 e 157Q = 2 10;28 m2, obtem-se do calculo numerico o valor do gradiente de campo eletrico Vzz = 1; 90 1021 V/m2. Ficam assim determinados o campo magnetico hiperno (Bhf ), o gradiente de campo eletrico (Vzz ), o par^ametro de assimetria (), e os ^angulos e . Refer^encias [1] K.S. Krane, Introductory Nuclear Physics, John Wiley & Sons, New York, (1988). [2] J.R. Reitz, F.J. Milford and R.W. Christy, Foundations of Electromagnetic Theory 4th ed Addison-Wesley, Reading, (1993). [3] C.P. Slichter Principles of Magnetic Resonance Springer-Verlag, Berlin, (1990). [4] A.P. Guimar~aes, Magnetism and Magnetic Resonance in Solids, John Wiley & Sons, New York, (1998). [5] A. Abragam and B. Bleaney, Electron Paramagnetic Resonance of Transition Ions, Dover, New York, (1986) [6] N.W. Aschcroft and N.D. Mermin, Solid State Physics, Saunders College, Philadelphia (1988). [7] E. Dormann, \NMR in Intermetallic Compounds", in K.A. 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