Imagem da Semana: Ressonância Magnética Imagem 01. Ressonância Magnética evidenciando fígado de dimensões aumentadas, contornos irregulares e com nódulos difusos, hipointensos em T2, associado à esplenomegalia. Imagem 02. Ressonância Magnética evidenciando fígado de dimensões aumentadas, contornos irregulares e com nódulos difusos, hipointensos em T2, associado à esplenomegalia. Imagem 03. Resultado de exames laboratoriais. Paciente do sexo feminino, 25 anos, apresenta há 10 meses quadro de anemia e dor abdominal na ausência de outras comorbidades ou uso de medicações. Ao exame físico, notou-se fígado palpável a 4 cm do rebordo costal direito, de consistência aumentada, e baço Boyd II. Com base nos achados clínicos, laboratoriais e de imagem, qual afecção a seguir é o diagnóstico dessa paciente? a) b) c) d) Hemocromatose Doença hepática gordurosa não-alcoólica Hepatocarcinoma Doença de Wilson Análise da Imagem Diagnóstico A alternativa correta é Doença de Wilson (D). Trata-se de doença de Wilson devido à faixa etária (doença é mais comum entre 5 e 40 anos); à hepatoesplenomegalia; aos achados laboratoriais (ceruloplasmina baixa e Cobre urinário elevado); e, pelas alterações RM (embora na grande maioria dos casos sejam alterações inespecíficas). Letra A: Hemocromatose. Embora curse com hepatoesplenomegalia e possa cursar com dores abdominais, é rara antes dos 40 anos de idade, principalmente em mulheres e requer a presença de alterações hematológicas da cinética do ferro. Letra B: Doença hepática gordurosa não-alcoólica. Esta possibilidade foi excluída, embora entre no diagnóstico diferencial das hepatopatias fibrosantes pela falta de comorbidades associadas (obesidade, diabetes mellitus) e/ou uso de alguns medicamentos. Letra C: O hepatocarcinoma é complicação comum das hepatopatias fibrosantes. No entanto, as alterações encontradas nos Estudos de Imagem são focais e não difusas e, em geral, quando do seu diagnóstico, há histórico prévio de hepatopatias fibrosantes (fator causal) e ao quadro clínico das hepatopatias fibrosantes associam-se às da doença oncológica. Discussão do Caso A doença de Wilson é causada pelo acúmulo de cobre no organismo, por defeito genético (gene ATP7B) de sua excreção biliar. Mais de 300 mutações já foram descritas para esse gene, o que garante fenótipos variados a essa doença, que possui prevalência mundial de um caso a cada 30.000 pessoas. O cobre, devido ao seu potencial de redução, é utilizado como co-fator por diferentes enzimas, mas, quando em sua forma livre ou não protegida, ocasiona estresses oxidativos, sendo deletério a membranas, enzimas e DNAs. Normalmente, cerca de 1-2 mg de cobre são absorvidos proximalmente no intestino delgado e, no sangue, liga-se a aminoácidos ou a proteínas para serem transportados ao fígado e tecidos periféricos. No fígado, o cobre pode (1) ser incorporado à ceruloplasmina, (2) ser co-fator de enzimas dependentes de cobre, (3) armazenado junto à metalotioneína ou (4) excretado na bile. Na doença de Wilson, a deficiência da proteína do gene ATP7B mutado dificulta tanto a incorporação do cobre à ceruloplamina, justificando a diminuição da ceruloplasmina sérica, quanto sua excreção na bile, que ocasionará acúmulo de cobre no organismo, responsável pelos sinais, sintomas e achados laboratoriais da paciente. No laboratório, verifica-se a citotoxicidade do cobre afetando a função hepática e a série vermelha sanguínea (destruição dos eritrócitos). Observa-se, também, a tentativa frusta do organismo de eliminar o excesso de cobre pela urina (aumento dos níveis de Cu urinário em 24h). O quadro clínico é bastante variável, incluindo quadros de acometimento neurológico, psiquiátrico, oftalmológicos, hematológicos entre outros (figuras 2, 3 e 4). Figura 02. Exemplos de sinais e sintomas da Doença de Wilson Figura 03. Depósito de cobre na córnea: anél de Kayser-Fleischer Figura 04. Catarata em girassol O diagnóstico por Imagens é feito, primeiramente, pela Ultrassonografia que na fase inicial traduz-se por hepatite crônica inespecífica, em atividade e a cirrose. Alguns achados como a presença de nódulos intrahepáticos, o alargamento da fossa da vesícula biliar pela própria contração do parênquima hepático (devido às necroses-regenerações/fibroses), a camada adiposa perihepática, e lobo caudado normal (diferente de outros tipos de cirrose). Estão também indicadas, à CT e a RM. Salienta-se que, o grau de acometimento do fígado visto nas imagens correlaciona-se com o grau da disfunção hepática, constituindo-se em indicador de resposta terapêutica. O principal tratamento se dá a base se quelantes de cobre, que aumentam sua excreção urinária (como a Penicilamina-D). Aspectos relevantes - É diagnóstico diferencial obrigatório de casos de hepatopatias crônicas associadas a sintomas neurológicos, de etiologia desconhecida (especialmente em indivíduos jovens). - O diagnóstico definitivo (“padrão-ouro”) requer biópsia hepática e estudos genéticos. - O tratamento precoce e contínuo previne danos hepáticos e neurológicos irreversíveis, porém, apenas o transplante hepático é curativo. - O rastreamento familiar é mandatório. Referências 1. HUSTER, D. Wilson disease. Best Practice & Research Clinical Gastroenterology. 2010; 24:531-539 2. Diagnosis of Wilson disease; Pathogenesis and clinical manifestations of Wilson diseas; Treatment of Wilson disease, Clinical manifestations of hereditary hemochromatosis, Pathogenesis of nonalcoholic fatty liver disease, Clinical features and diagnosis of primary hepatocellular carcinoma, acesso em abril de 2011 www.uptodate.com 3. GOLDMAN, L; AUSIELLO, D. Cecil – Tratado de Medicina Interna. 23 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010 4. MCPHEE, SJ. PAPADAKIS, MA. Current Medical Diagnosis & Treatment. Ed Mc Gray Hill Lange, 2011 5. CHEON, J. et al. Clinical Application of Liver MR Imaging in Wilson`s Disease. Korean J Radiol, 2010 6. AKHAN, O. Imaging finding of liver involvement of Wilson`s disease. European Journal of Radiology, 2009 Responsável Glauber Coutinho Eliazar, acadêmico do sétimo período de medicina da UFMG glaubereliazar[arroba]gmail.com Orientador Dr. Francisco G. Cancela e Penna, médico residente de gastroenterologia pelo Hospital das Clínicas da UFMG chicocancela[arroba]hotmail.com