OLive – Rev Eletron Olive. 2016 jan.-dez.; 1(1) | [www.oliverevista.com.br] _____________________________________________________________________________ Neurociências e o Conhecimento sobre o Cérebro Humano Neurosciences and The Knowledge about The Human Brain Daniel Damiani | [email protected] Universidade Anhembi Morumbi, Programa de Pós-Graduação em Educação. São Paulo, SP, Brasil Anna Maria Damiani | [email protected] Universidade Anhembi Morumbi, Programa de Pós-Graduação em Educação. São Paulo, SP, Brasil Resumo O artigo apresenta alguns aspectos históricos considerados relevantes para os atuais avanços em neuroanatomia e neurofisiologia. O famoso acidente com Phineas Gage; as áreas de Brodmann; a frenologia de Gall; bem como o estado da arte atual em neurociência, incluindo a optogenética nos estudos da microestrutura cerebral como também as modalidades de imagem funcional com o connectome e a tratografia nos estudos de macroestrutura cerebral são abordados. Uma visão geral sobre o passado, presente e aonde a neurociência chegará no manejo dos problemas relacionados aos transtornos neurológicos. PALAVRAS-CHAVE: Neurociência, Neurofisiologia, Neuroanatomia. Tractografia, Optogenética, Áreas Funcionais Cerebrais, Abstract The article presents some relevant historical aspects to current advances in neuroanatomy and neurophysiology. The famous accident with Phineas Gage; Brodmann areas; the phrenology of Gall; and the recently state of the art in neuroscience, including optogenetics studies of brain microstructure as well as functional imaging modalities with connectome and tractography studies of brain macrostructure are addressed. An overview of past, present and where neuroscience will arrive in handling problems related to neurological disorders. KEY-WORDS: Neuroscience, Tractography, Optogenetics, Brain Functional Areas, Neurophysiology, Neuroanatomy. 59 OLive – Rev Eletron Olive. 2016 jan.-dez.; 1(1) | [www.oliverevista.com.br] _____________________________________________________________________________ Introdução Não é de hoje o fascínio que envolve os diversos mecanismos de funcionamento do sistema nervoso, o ser humano há séculos busca entender o que acontece no cérebro humano, de que forma ele funciona, como está interligado com os diversos órgãos do corpo e como exerce seu preciso comando sobre os demais órgãos. Diversas teorias ao longo dos séculos foram propostas: um órgão enclausurado dentro da inexpansível caixa craniana, tão vedado que já acreditamos ser intocável, inacessível, a sede da alma humana. Como compreender aquilo que não enxergamos, que não sentimos e que não tocamos...? Constituído por dobras (circunvoluções) e com uma complexa anatomia, inicia-se uma desafiadora jornada rumo à compreensão do sistema nervoso. O ser humano é o que é porque possui um cérebro, apresenta "livre-arbítrio" porque seu cérebro o permite tal liberdade de expressão. Mozart, Rembrandt, Michellangelo, Freud, Einstein, gênios em suas competências específicas só o foram porque um sistema de organização extremamente complexo, que até certo ponto nos assusta, os permitiu tais feitos1,2. Hipócrates há muito já descrevia com brilhantismo ímpar, acerca das doenças sagradas, e que daquele órgão poderíamos esperar desde um insight brilhante até um comportamento bizarro dado seu estado de funcionamento e equilíbrio neuroquímico. Sim, Hipócrates estava certo, desse órgão podemos esperar tudo, inclusive a antecipação dos nossos atos, colocando em cheque nosso "livre-arbítrio": antes de realizarmos um desejo, um ato motor, uma apresentação de uma idéia, nosso cérebro já o fez, milésimos de segundos antes ele já viveu aquilo que queremos tanto vivenciar. Será que temos mesmo essa liberdade toda que pensamos ter? Há séculos atrás, acreditava-se estar no coração a sede de todas as nossas funções vitais: a vida estaria concentrada nos nossos átrios e ventrículos e, a partir daquela região, a vida alcançaria os demais órgãos. Por muitos séculos, os sentimentos foram atribuídos a esse órgão do sistema cardiovascular, uma verdadeira bomba muscular que impulsiona nosso sangue rico em nutrientes para todo nosso corpo, 60 OLive – Rev Eletron Olive. 2016 jan.-dez.; 1(1) | [www.oliverevista.com.br] _____________________________________________________________________________ servindo-o do combustível necessário para sobrevivência: água, oxigênio, glicose, vitaminas...3,4,5 Um Golpe de Neurociência em Vermon! Foi no verão de 1848, na Nova Inglaterra que um acidente grave traz luz às neurociências: Phineas Gage de 25 anos trabalhando em uma estrada de ferro, construindo trilhos em Vermont na direção da cidade de Cavendish às margens do Rio Negro. Gage distrai-se ao executar seu trabalho de implosão de rochas sendo vítima de uma grave explosão onde uma barra de ferro entra na sua face esquerda, através de sua órbita, atingindo e fraturando a base do seu crânio com perfuração cerebral e perda de massa encefálica saindo pelo topo da sua cabeça, arremessando-o a 30 metros do local da explosão. Levado consciente e deambulando ao consultório do Dr. John Harlow, é realizada antissepsia com produtos químicos disponíveis naquele momento. Num período inferior a dois meses Phineas Gage é considerado curado e, nas palavras de John Harlow: "Eu tratei-o, Deus curou-o". Após alguns meses da lesão, em reavaliações constantes com o Dr. Harlow, Phineas Gage mostrava-se diferente: caprichoso, irreverente, usando linguagem obscena, impaciente, obstinado por vezes, mas vacilante e fazendo planos que eram abandonados com muita facilidade... sendo uma criança em suas manifestações e capacidades intelectuais, porém com paixões animais de um homem maduro: "Gage não era mais Gage". Em 21 de Maio de 1861, Phineas Gage morre em São Francisco vítima do estado de mal epiléptico com 38 anos de idade (figura 1). Matriz de Phineas Gage. O caso de Phineas Gage não é o único descrito onde há padrões de lesões pré-frontais com sintomatologia padronizada: Brickner em 1932 estuda um caso de uma lesão pré-frontal devido a presença de um meningioma, ressecado pelo próprio Brickner, no entanto, sua ressecção foi um pouco mais extensa comparada à lesão sofrida por Gage. Como consequência funcional, seu paciente jamais conseguiu retornar ao seu trabalho, apesar de fazer constantemente planos para tal. Perdeu a censura social, vangloriava-se das façanhas sexuais e violentas. 61 OLive – Rev Eletron Olive. 2016 jan.-dez.; 1(1) | [www.oliverevista.com.br] _____________________________________________________________________________ Apesar de suas capacidades intelectuais estarem intactas, a tomada de decisão ficou extremamente prejudicada. Hebb e Penfield descrevem em 1940 um caso de lesão frontal num indivíduo de 16 anos de idade seguido por uma descrição feita por S.S. Ackerly e Benton em 1948 de uma lesão frontal logo após o nascimento: em ambas, as consequências foram muito piores comparadas às de Gage, já que as personalidades desses indivíduos ainda não tinham se formado. Naquele momento, uma nova perspectiva se apresentava aos estudos sobre o cérebro humano: havia uma área cerebral específica responsável pelo comportamento humano? Posteriormente descrita e estudada anatomicamente, como a região ventromediana do lobo frontal (segundo alguns autores, é neste local anatômico aonde está o cruzamento da razão com a emoção). Estudos realizados por Egas Moniz em 1936 acerca da leucotomia préfrontal destinava-se a tratar ansiedade e a agitação associadas a doenças psiquiátricas, tais como o transtorno obsessivo-compulsivo e a esquizofrenia. Em sua forma original, a cirurgia produzia pequenas lesões na massa branca profunda nos dois lobos frontais. A idéia de Moniz era a de que haviam projeções formando circuitos anormalmente hiperativos e repetitivos. As primeiras cirurgias realmente reduziram a ansiedade patológica sem envolvimento das funções intelectuais, no entanto, como efeito colateral, produziram um estado de calma extrema. As emoções pareceram estagnadas, os doentes pareciam não sentir sofrimento. Um comportamento evidenciado nos pacientes leucotomizados pré-frontais foi sua incapacidade de tomar decisões. Um outro cenário clínico particularmente interessante diz respeito às lesões cerebrais nos hemisférios direitos (basicamente o lobo parietal direito) que cursavam com anosognosia (o paciente nega sua própria hemiplegia a esquerda), e mais curioso ainda é o forma como o próprio paciente recebe a notícia da lesão cerebral, sempre de forma muito tranquila e nada emocional 2,12,13. 62 OLive – Rev Eletron Olive. 2016 jan.-dez.; 1(1) | [www.oliverevista.com.br] _____________________________________________________________________________ Figura 1. Acidente em Vermon. Phineas Gage é alvo de uma explosão e uma barra de metal penetra sua base do crânio causando lesão pré-frontal e alteração do seu comportamento. A imagem da esquerda mostra o trajeto da barra de metal que penetrou o crânio de Phineas Gage. À direita, homenagem feita a Gage, encontrada atualmente12. Lesões do Complexo Amigdalóide. Uma região situada numa localização profunda da substância branca do lobo temporal, anterior aos hipocampos, sendo parte integral do sistema límbico (aonde atribui-se as emoções), está presente um complexo de diversos núcleos que, em conjunto, é denominado amígdala. Por se tratar de diversos núcleos, alguns autores preferem denominar essa região como complexo amigdalóide. Raros são os casos de lesões exclusivas do complexo amigdalóide bilateralmente. Porém, quando isso ocorre, há uma clássica inadaptação social e pessoal, sua insensatez não é diferente daquela observada na lesão sofrida por Phineas Gage ou naqueles doentes que apresentam anosognosia; as lesões bilaterais do complexo amigdalóide provocam um comportamento profundamente anormal com alterações emocionais importantes. Os indivíduos não sentem mais medo e perdem a capacidade de avaliar e evitar o perigo, colocando suas vidas em risco. Essa lesão é descrita pela primeira vez, em 1939 por Heinrich Kluver e Paul Bucy, sendo denominada síndrome de Kluver-Bucy. Nos dias atuais, os sintomas atribuídos a síndrome de Kluver-Bucy são vistos nos pacientes com demências de Alzheimer, doença de Parkinson, coréia de Huntington como também nas vítimas de traumatismos cranioencefálicos. 63 OLive – Rev Eletron Olive. 2016 jan.-dez.; 1(1) | [www.oliverevista.com.br] _____________________________________________________________________________ Lesões no Cíngulo Anterior. A região do giro do cíngulo anterior, imediatamente situada acima do sulco do corpo caloso e abaixo do sulco do cíngulo, têm sido atribuída à movimentação, emoção e a atenção. Nos casos em que ocorrem lesões vasculares acometendo essa região em específico, a paciente repentinamente apresenta acinetismo e mutismo, limitando-se à cama, onde permanece de olhos abertos, porém sem expressão facial emocional. Um Toque de Frenologia... Fundada por Franz Joseph Gall no final do século XVIII, a frenologia (estudo da mente) obteve grande sucesso em Viena, Weimar e Paris, sendo levada a América por seu discípulo Johann Caspar Spurzheim, misturando conceitos de psicologia primitiva, neurociências e filosofia prática. A frenologia teve grande influência na ciência do século XIX. Algumas idéias de Gall realmente foram surpreendentes para a época, separando por completo a idéia dualista vigente na época, que separava por completo a biologia da mente. Intuiu brilhantemente que existiam muitas partes que formavam esse órgão chamado cérebro e que, cada uma dessas regiões possuía uma especialização funcional, totalmente independentes umas das outras. O que sabe-se hoje é que Gall falha nessa sua última conclusão; o cérebro é totalmente interligado funcionalmente, o que levou mais dois séculos, após Gall, para ser descoberto. No entanto, apesar do brilhantismo de algumas idéias preconizadas por Gall, críticas que chegaram a banalizar a frenologia devem ser consideradas, talvez sendo a maior delas a idéia de que diferentes "órgãos" cerebrais geravam faculdades mentais que eram proporcionais aos seus tamanhos (como índice de potência) e, pior ainda, poderiam ser identificados externamente através das superfícies cranianas (figura 2) 12,13,14. 64 OLive – Rev Eletron Olive. 2016 jan.-dez.; 1(1) | [www.oliverevista.com.br] _____________________________________________________________________________ Figura 2. Frenologia proposta por Gall e disseminada por JC Spurzheim. As áreas funcionais cerebrais, segundo essa ciência, poderia ser localizada sobre a superfície do crânio8. As Áreas de Brodmann A partir dos estudos de Gall e Spurzheim com a frenologia, Korbinian Brodmann em 1909 publica a monografia que iria influenciar toda a neurociência até os dias atuais. Seus estudos são usados até os dias de hoje quando pesquisadores e médicos querem mapear o sistema nervoso central. Brodmann utiliza estudos de Paul Broca e Karl Wernicke (que enfatizam, respectivamente, as áreas da fala e área da integração sensitiva) para aprofundar seus estudos acerca da citoarquitetura cerebral, através de análise histológica detalhada da superfície cerebral e atribuir funções às mesmas, enumerando-as. Pela primeira vez, há uma descrição funcional cerebral com clara discriminação anatômica, considerando o próprio tecido cerebral. Influenciado pelos conceitos Darwinianos, Brodmann integra o conhecimento funcional que se dispunha naquela época com as análises histológicas do córtex cerebral realizadas em seu laboratório (Neurobiologisches Laboratorium) em Berlim. A presença de células específicas em determinadas regiões permitiu a Brodmann uní-las funcionalmente e atribuir números a elas, determinando regiões semelhantes histologicamente que corresponderiam também a semelhanças funcionais. Como resultado do seu trabalho, Brodmann descreve um mapa funcional que é utilizado mais de um século após sua 65 OLive – Rev Eletron Olive. 2016 jan.-dez.; 1(1) | [www.oliverevista.com.br] _____________________________________________________________________________ publicação em 1909, composto por 52 áreas, mapeadas com os números 1-52, delimitadas por semelhança histológica. No cérebro humano, no entanto, diferente dos macacos, há uma gap entre as áreas 12-16 e 48-51, não tendo sido encontradas por Brodmann no cérebro humano, constituindo 43 áreas funcionais. Figura 3. Foto de Brodmann e sua monografia publicada em 1909 com seu mapa estrutural da superfície cortical realizado através de estudos histológicos. Figura 4. Áreas funcionais de Brodmann delimitadas por números (1-52) 20,21,23. 66 OLive – Rev Eletron Olive. 2016 jan.-dez.; 1(1) | [www.oliverevista.com.br] _____________________________________________________________________________ Apesar de impressionante, Brodmann deixa clara a limitação do seu trabalho: destaca que seu mapeamento foi apenas sobre a superfície cortical, não considerando a profundidade dos giros nem mesmo suas transições funcionais nos sulcos profundos do cérebro humano. Estudos realizados nos dias atuais avaliando a expressão gênica das regiões corticais mapeadas por Brodmann oferecem um mapa muito parecido ao descrito por Brodmann, mostrando sua proximidade funcional (figura 4). A Década do Cérebro A neurociência ganha grande impulso com a década do cérebro (1990-2000) proclamada pelo ex-presidente norte-americano George Bush com grande investimento financeiro direcionado às pesquisas. As instituições de ensino passaram a pagar menos impostos por financiar os avanços das pesquisas em neurociências. Sem sombra de dúvidas com avanço tecnológico, a pesquisa também avança muito nos dias atuais. A biologia molecular bem como as técnicas de imagem, e suas atuais ferramentas modificaram por completo a compreensão sobre a fisiopatologia das doenças. Todas as doenças possuem um caráter genético; a biologia molecular nos direciona para a identificação do cromossomo e do gene responsável pela apresentação clínica, abrindo campo para uma futura interferência no processo natural da doença. A tecnologia revela in vivo a atividade cerebral, colocando em cheque os conceitos de Brodmann, até então, dogmáticos. Nessas duas áreas, a cada dia, surgem ferramentas novas, incorporando mais informações aos conhecimentos prévios. Com tantos novos conhecimentos, diferentes profissionais com diferentes habilidades e formações acadêmicas são necessários para integrar um time denominado neuropesquisadores (figura 5). 67 OLive – Rev Eletron Olive. 2016 jan.-dez.; 1(1) | [www.oliverevista.com.br] _____________________________________________________________________________ Figura 5. Relação multidisciplinar que envolve as neurociências. As funções do sistema nervoso estão em pleno processo de compreensão: tanto no aspecto microscópico quanto ao aspecto macroscópico. Diversas técnicas de biologia molecular são utilizadas para entender os processos fisiopatológicos que envolvem o sistema nervoso, a ponto de surgir um "idioma" próprio para essas aplicações. Microescala de Estudo em Neurociências O estado da arte atual em escala micro e nanogenética inclui os estudos em óptica, genética e bioengenharia. O momento é de transição em neurogenética com a elaboração de um método de pesquisa denominado optogenética. Um dos pioneiros do método, o americano Edward Boyden, isola uma proteína de uma alga do mar sensível a luz; na presença da luz a alga apresenta fluorescência. O pesquisador 68 OLive – Rev Eletron Olive. 2016 jan.-dez.; 1(1) | [www.oliverevista.com.br] _____________________________________________________________________________ identifica essa proteína como uma rodopsina pertencente a uma família de proteínas, verdadeiros canais iônicos, sensíveis a diversos comprimentos de onda luminosa. As canalorodopsinas são canais iônicos de sódio e sensíveis ao espectro luminoso da cor azul, ativando-as quando iluminadas. Diferentemente das canalorodopsinas, as arquirodopsinas ou halorodopsinas são canais de cloreto sensíveis ao espectro luminoso correspondente à cor laranja, inibindo-as quando iluminadas. Por técnica de transfecção gênica, um promotor é colocado ao lado do gene que deverá ser ativado quando inserido no material genético celular no neurônio. Sintetizado o promotor bem como o gene, previamente mapeado, basta que um vírus (lentivírus ou adenovírus) leve a informação que deverá ser incorporada ao núcleo do neurônio para que o mesmo possa expressar a rodopsina específica em sua membrana celular. Inserida a informação no núcleo celular, a proteína é expressa; agora, submetida ao espectro luminoso cuja sensibilidade é previamente conhecida, o neurônio será ativado, inibido ou modulado conforme o objetivo da pesquisa (figura 6)16,17,18,19. Figura 6. Estudos em optogenética. A. Canalorodopsina ativada por feixe luminoso azul, abrindo os canais de sódio e ativando o circuito neuronal. B. Halorodopsina ativada por feixe luninoso laranja, abrindo os canais de cloreto e inibindo o circuido neuronal. C. Apenas algumas células expressam uma rodopsina (aquelas que conseguem estimular um promotor gênico específico), enquando outras não o estimulam17,18. 69 OLive – Rev Eletron Olive. 2016 jan.-dez.; 1(1) | [www.oliverevista.com.br] _____________________________________________________________________________ Esse método poderá ser um marco na pesquisa em neurociências, a partir dessa metodologia, terapias específicas para doença de Alzheimer, esclerose múltipla, Parkinson, distrofias musculares, neuroplasticidade, esquizofrenias, psicoses, depressões, obesidade, ansiedade, epilepsia, cânceres, distonias, cefaléias, dentre outras, poderão ser aplicadas com o mínimo de efeitos colaterais. O conhecimento neuroanatômico também terá uma precisão nunca antes vista; mais do que apenas uma localização espacial, o cérebro será conhecido funcionalmente. Macroescala de Estudo em Neurociências As doenças são observadas também sob o ponto de vista macroscópico, através da utilização de neuroimagens. O que apenas parecia ser possível enxergar em 2Dimensões (2D) com a utilização de raio X simples, hoje, se faz possível em 3Dimensões (3D) com tomografia computadorizada, angiotomografia computadorizada, ressonância magnética em sequências de imagens variadas com perfusão e difusão, ressonância magnética funcional, magnetoencefalografia, tractografia por ressonância magnética (DTI), tomografia por emissão de pósitrons (PET), até aparelhos de ressonância de alta resolução com a utilização de 7 Teslas como potência, capaz de revelar fibras de condução nervosa, feixes nervosos, fascículos que interligam núcleos cerebrais16,17,20,22. ...E o Futuro nas Neurociências? Finalmente, na união dos avanços das tecnologias em micro e macroescalas nas neurociências, aparece com muita força os estudos relacionados ao mapeamento estrutural e funcional do cérebro humano. O connectome utiliza técnicas de neuroimagem com ressonância magnética do encéfalo para mapear os circuitos neuronais responsáveis pela fala, motricidade, memória, visão, audição, sensiblidadade, bem como suas interconecções envolvendo as áreas corticais e subcorticais. O termo connectome foi introduzido no sentido de traduzir nossa 70 OLive – Rev Eletron Olive. 2016 jan.-dez.; 1(1) | [www.oliverevista.com.br] _____________________________________________________________________________ compreensão da célula nervosa e mapeá-la funcionalmente atribuindo-a ao seu circuito neuronal correspondente. O princípio da técnica parte da compreensão a partir da macroescala até o isolamento de uma única célula nervosa (microescala) através da neuroimagem. Sebastian Seung publica em 2012 seu livro intitulado "Connectome: How the Brain's wiring makes us who we are" populariza a utilização do método com a promessa de uma compreensão mais ampla do sistema nervoso (figura 7)20,21,22. A compreensão da neurocircuitaria cerebral é de fundamental importância para o diagnóstico neurológico bem como para as propostas terapêuticas. Doenças até então descritas, porém pouco compreendidas em termos de sinais e sintomas, poderão ser melhor manejadas se visualizadas em suas escalas microestruturais com optogenética, por exemplo, até macroestruturais com ressonâncias magnéticas de alta resolução, tractografias e connectomes. Um cenário particularmente interessante proposto por Antônio Damásio acerca do funcionamento do cérebro humano propõe um aeroporto em seu conteúdo estrutural e funcional: imagine pessoas sentadas aguardando seus vôos, pessoas desembarcando, pessoas se despedindo, conversas paralelas acontecendo ao mesmo tempo, aeronaves decolando e alinhando-se para o pouso, equipes de comunicação nas torres de controle, equipes de manutenção carregando e descarregando aeronaves....basicamente é isso que a compreensão da circuitaria neuronal propoe; circuitos muitas vezes imbricados, úteis a diferentes funções que ocorrem de forma concomitante poderão ser melhor compreendidos4,5,6,13,14,15. 71 OLive – Rev Eletron Olive. 2016 jan.-dez.; 1(1) | [www.oliverevista.com.br] _____________________________________________________________________________ Figura 7. Imagem de ressonância magnética funcional sobreposta a técnica utilizando o connectome 5. Conclusões A proposta deste artigo foi trazer para os dias atuais um pouco da história das neurociências, destacando seus principais cientistas que produziram o conhecimento utilizado para o aprimoramento das técnicas utilizadas hoje em dia. Hipócrates, Galeno, Vesalius, Ramon y Cajal, Golgi, Brodmann, Charcot, Harvey Cushing, dentre tantos outros, sempre serão lembrados como pioneiros em muitos desses conceitos que modificaram a história da humanidade. Nos dias atuais temos diversos personagens que se destacam por feitos equiparáveis aos de seus antecessores, apenas para mencionar: Edward Boyden, Sebastian Seung, Eric Kandel (prêmio nobel de medicina em 2000). Os métodos atuais utilizados, das bancadas de laboratórios até os consultórios médicos são completamente diferentes quando comparados aos utilizados há 50 anos atrás. Os profissionais das neurociências devem ter isso em mente para fazer uso daquilo que há de melhor para encontrar a solução para seus problemas. Quanto ao futuro, o que esperar? Difícil dizer. Claramente os estudos tanto microestruturais quanto macroestruturais estão convergindo para à compreensão plena do órgão mais complexo que já existiu; será que um dia todas as perguntas serão respondidas e a compreensão será total? ,9,15, 18, 19, 20. 72 OLive – Rev Eletron Olive. 2016 jan.-dez.; 1(1) | [www.oliverevista.com.br] _____________________________________________________________________________ Referências 1. Sporns O. Structure and function of complex brain networks. Dialogues Clin Neurosci 2013; 15(3): 247-262. 2. Damasio A. O Erro de Descartes - Emoção, Razão e o Cérebro Humano. 1994. Editora Companhia das Letras. 3. D'Ángelo E, Casali S. Seeking a unified framework for cerebellar function and dysfunction: from circuit operations to cognition. Frontiers in Neuroscience 2013; 116(6): 1-23. 4. Kim BYS, Rutka JK, Chan WCW. Nanomedicine. NEJM 2010; 363: 2434-2443. 5. 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