WALTER BENJAMIN a filosofia como exercício

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Oneide Perius
WALTER BENJAMIN
a filosofia como exercício
Passo Fundo
IFIBE
2013
© 2013 Instituto Superior de Filosofia Berthier (IFIBE)
Coleção Diá-Logos
Editor: Paulo César Carbonari
Co-Editor: João Alberto Wohlfart
Instituto Superior de Filosofia Berthier (IFIBE)
Mantido pelo Instituto da Sagrada Família
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CIP – Catalogação na Publicação
P441w
Perius, Oneide,
Walter Benjamin a filosofia como exercício / Oneide Perius.
– Passo Fundo: IFIBE, 2013.
153 p.; 21 cm. – (Coleção Diá-Logos vol. 20)
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-8259-005-8
1. Filosofia. 2. Benjamin, Walter, 1892- 1940 – Crítica e
interpretação. II. Título. III. Série
CDU: 1
Catalogação: Bibliotecária Daniele Rosa Monteiro - CRB 10/2091
2013
Proibida reprodução total ou parcial nos termos da lei.
Instituto Superior de Filosofia Berthier – Editora IFIBE
SUMÁRIO
Apresentação
Experiência narrada de pensamento..................................... 13
Introdução................................................................................ 15
I - Walter Benjamin: sua obra, suas fontes........................... 21
II - A linguagem e o exercício da expressão......................... 45
III - A filosofia e o exercício de exposição da verdade........ 67
IV - Escrita alegórica ou o exercício da forma:
das Passagen-Werk........................................................... 93
V - O exercício de narrar outra história............................... 109
VI - Atualidade do exercício da crítica................................. 131
Considerações finais............................................................... 137
Referências bibliográficas..................................................... 141
APRESENTAÇÃO
EXPERIÊNCIA NARRADA DE PENSAMENTO
Abordar Walter Benjamin, seja como estudante assombrado com sua fama, seja como pesquisador traquejado, mas
sempre prudente, ou ainda, seja como historiador impressionado com as vicissitudes e atribulações que se sobrepõem à
parte mais visível de sua vida, é sempre, de algum modo, uma
temeridade e uma ousadia. Uma temeridade, porque obriga à
reconsideração dos hábitos mentais correntes de apropriação
de obras de pensadores da tradição contemporânea porém já
clássica; e uma ousadia, porque tal obra nos chegará sempre
surpreendentemente, e, por mais preparados que estejamos,
pertence à própria lógica da aproximação com o corpus benjaminiano um necessário estranhamento relativamente ao
convite a uma inusual intimidade com os eventos e objetos
de que seu pensamento trata. Na verdade, na melhor esteira
de Franz Rosenzweig, de quem Benjamin é credor em inúmeros sentidos e que propôs o conceito geral de “erfahrendes
Denken” – “conhecimento experiencial” – ao ponto de um tal
conceito passar a ser, praticamente, a designação do conjunto
de sua obra, o pensamento de Benjamin é a preciosa e múltipla possibilidade de uma experiência sui generis no universo
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intelectual, antiquíssima porém sempre nova e, por evidente,
nunca concluída: uma experiência de pensamento.
A presente obra de Oneide Perius, que em boa hora vem
a público, prova que não se trata de tarefa de somenos importância a tradução da experiência do pensamento – o levar
a sério o pensamento da experiência, que nunca repousa e
sempre a ela, à experiência, à multiplicidade das experiências,
volta para haurir as energias que significam essencialmente
a sua própria credibilidade intelectual – em termos de uma
sempre renovada filosofia como exercício. Pois, se é verdade
que a carta de intenções de toda filosofia é essencialmente
esta, isso não significa que em cada momento a fidelidade a
tal intuito tenha a clareza meridiana que se espera em assunto
tão grave. Num mundo devastado pela razão ardilosa, assolado pela tentação contínua e sedutora do positivismo mental,
retomar a experiência como foco filosófico primordial do trabalho intelectual nada tem de tarefa fácil. Todavia, tal tarefa
é exequível: coloquemos a energia da intelectualidade em sua
primeira maturidade em contato com a obra gigantesca de
um gênio contemporâneo, e é daí, da análise que segue, da
prudência do trato e da riqueza das derivações intelectuais
que se apresentam, que advém a certeza de que o tempo não
acabou para o pensamento que descobre, exatamente em cada
experiência, a razão de encetar sua desconstrução e reconstrução. Perius nos dá testemunho do fragmento de uma tal
trajetória, e tal testemunho reafirma o antídoto a todo conformismo e hipocrisia intelectual na medida em que se solidifica numa experiência narrada do pensamento. Que esse
livro, momento deste caminhar, encontre os muitos leitores
que merece, é tudo o que podemos desejar.
Porto Alegre, abril de 2013.
Ricardo Timm de Souza
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INTRODUÇÃO
Pretendemos, neste estudo, defender a concepção de filosofia como exercício (Philosophie als Übung). Acompanharemos, para isso, os desdobramentos e consequências deste
modo de compreender a filosofia em Walter Benjamin. Esta
concepção, no entanto, não é defendida em suas obras sempre
de forma explícita. Acompanhamos sua constituição e desdobramentos operando nas próprias obras. Não se trata de uma
teoria sobre o exercício filosófico. Suas obras são modelos de
exercícios filosóficos. Muitas das dificuldades com que nos
deparamos na leitura, devem-se, exatamente, a esta peculiar
característica que a escrita filosófica adquire em Benjamin. A
linearidade argumentativa, onde a frase posterior é deduzida
da anterior, dá lugar a uma escrita que, como uma espécie
de teia, vai, através dos desdobramentos internos da própria
linguagem (material da própria filosofia), cercando o objeto,
sabendo que nunca o possuirá totalmente. Desse modo, esta
experimentação filosófica resgata formas de exposição como
o tratado, o fragmento, a colagem, o ensaio e outras mais.
Ainda assim, pode parecer estranho um título como
este: “Filosofia como exercício”. Alguém poderia se perguntar se houve, até nossos dias, alguma filosofia que não tenha
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sido exercício. De fato, a própria história da filosofia nos ensina
algo disso. As grandes questões filosóficas e os grandes temas
da filosofia veem-se constantemente revisitados. As respostas,
por mais elaboradas que sejam, adquirem sempre um caráter
inacabado, aberto e, portanto, estão sempre sujeitas a revisões e novas elaborações. A questão inicial que se nos coloca,
desse modo, diz respeito à própria legitimidade de nosso trabalho. Por quê tentar defender a ideia de uma filosofia como
exercício se a filosofia, desde sempre, mostrou-se como um
genuíno exercício?
É importante ressaltar, inicialmente, que uma leitura
atenta de Benjamin nos faz entender que o caráter provisório
das respostas da filosofia não se deve, simplesmente, à limitação
dos filósofos que as ensaiam. Pensar dessa forma significaria
continuar alimentando a convicção de que um dia chegaríamos às respostas definitivas. Existe algo que opera sistematicamente no interior do discurso filosófico e que torna impossível tal sistema de respostas definitivas: o núcleo temporal da
verdade. Isto, obviamente, não significa aderir a um historicismo que, de forma mecânica, se resume em compreender
as ideias como reflexos imediatos do tempo histórico e do topos social onde são gestadas. Do contrário, sabe nosso autor
que o pensamento crítico se atrofia quando, como bem nos
mostrou Russel Jacoby “a mente moderna não consegue mais
pensar pensamentos, consegue apenas localizá-los no tempo
e no espaço” (1977, p. 15). Desse modo, pensar a filosofia fiel
a este núcleo temporal da verdade teria algo em comum com
a imagem que Benjamin constrói do historiador movido por
um espírito de urgência: para ele, contar a história não significa enfileirar os fatos como se fossem contas de um rosário
(localizá-los no tempo e no espaço). Antes disso, “significa
apoderar-se de uma lembrança tal como ela lampeja num ins-
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tante de perigo” (ÜBG, p. 695).1 O verdadeiro exercício crítico
do pensamento não se resume, dessa forma, a compreender o
seu tempo conceitualmente, mas sim, através de constelações
de pensamentos iluminar a realidade e, desse modo, colocar
em perigo a auto-compreensão (e, com isso, geralmente, legitimação) filosófica de determinada época.
Quando as coisas são vistas por este prisma percebemos que defender a concepção da filosofia como exercício já
não é, simplesmente, um lugar-comum. A máxima de Gottfried Keller: “A verdade não nos escapará”, que Benjamin faz
constar em suas teses Sobre o conceito de História (ÜBG,
p. 695), pode traduzir bem a intenção de muitos filósofos que
ao pensar a filosofia como sistema pretenderam ter dito a palavra definitiva em filosofia. Hegel, em sua Ciência da Lógica, pôde escrever: “Este reino (reino do pensamento) é a verdade, tal como ela é nela mesma e para ela mesma, sem véu”
(HEGEL, 1983a, p. 44). A possibilidade desse acesso à verdade como tal, sem véu, pode ser aqui tomado como índice do
esvaziamento da consciência de incompletude (que à filosofia
garante seu ritmo intermitente) do saber filosófico. No entanto, se nosso autor parte de uma crítica deste elemento idealista da filosofia de Hegel, aceita, por outro lado, a dialética
como movimento próprio da exposição filosófica. A oposição,
claramente estabelecida por Hegel já na sua Fenomenologia
do Espírito, entre representação (Vorstellung) e exposição
(Darstellung), é absorvida em toda sua radicalidade e consequências na obra benjaminiana. Hegel desdobra plenamente
1
“Es heisst, sich einer Erinnerung bemächtigen, wie sie im Augenblick einer
Gefahr aufblitzt.” Todas as obras de Benjamin serão citadas conforme a edição: BENJAMIN, Walter. Gesammelte Schriften. Sieben Bände in 14 Teilbänden (Unter Mitwirkung von Theodor W. Adorno und G.Scholem; herausgegeben von Rolf Tiedemann und Hermann Schweppenhäuser). Frankfurt
am Main: Suhrkamp, 1972-1989. Para as traduções no corpo do texto nos
utilizamos, como apoio, de traduções já realizadas que estão indicadas nas
referências bibliográficas. No entanto, como vimos a necessidade de fazer
muitas alterações em relação às traduções já publicadas, citamos em nota
o texto original. A abreviação ÜBG se refere ao texto BENJAMIN, Walter.
Über den Begriff der Gechichte (GS, I-2, p. 691-704).
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a reflexão filosófica como um íntimo entrelaçamento entre o
método (forma) e o objeto (conteúdo). Em sua Fenomenologia
do Espírito lemos: “Nada mais fácil que julgar o que tem conteúdo e solidez; apreendê-lo é mais difícil; e o que há de mais
difícil é produzir sua exposição (seine Darstellung), que unifica ambos” (1986b, p. 12). A exposição (Darstellung) filosófica,
desse modo, não se reduz a um simples juízo sobre a coisa,
mas é um entregar-se ao seu movimento. Desse modo, um
pensamento apenas preocupado com as suas próprias fórmulas conhece as coisas apenas desde o exterior. O formalismo
daí resultante deve ser evitado pela filosofia. Hegel o ressalta
através de uma bela imagem: “como no esqueleto a carne e o
sangue foram retirados dos ossos, e como nas latas estão escondidas coisas sem vida, assim também na tabela a essência
viva da coisa está abandonada ou escondida” (HEGEL, 1986b,
p. 50). O formalismo torna-se, segundo Hegel, incapaz de captar a essência viva da coisa, pois repete suas fórmulas, sempre
idênticas, em cada análise da realidade, que é sempre múltipla
e dinâmica. No fundo, o formalismo atrofia a vida própria do
pensamento. A dialética hegeliana, desse modo, nasce uma
tentativa de criticar os rumos da filosofia moderna que desde
a potência do entendimento pretendia reduzir a realidade às
suas fórmulas. Esta dimensão radicalmente dialética, onde o
movimento da exposição é o centro da filosofia, é também o
coração da filosofia benjaminiana.
Pensar a filosofia como exercício, dessa forma, requer
uma cuidadosa análise da linguagem na qual se dá a apresentação ou exposição filosófica (Darstellung). A forma desta
exposição não depende meramente de um capricho ou escolha subjetiva do filósofo. Nas palavras de H.G. Flickinger
“não é apenas o pensamento intuído que está à procura dos
conceitos adequados, identificadores do conteúdo pretendido,
senão, completamente, são os conceitos que procuram, também, o pensamento adequado” (1995, p. 213). As formas de
exposição filosófica, desse modo, possuem uma objetividade
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que as torna algo mais do que mera manifestação subjetiva.
O posto privilegiado da subjetividade constitutiva tão cara à
modernidade é, radicalmente, posto em questão. Algo semelhante ocorre na arte. O conceito de expressão estética, comumente, era compreendido como algo totalmente dependente
da subjetividade do artísta. Nesse caso é Theodor W. Adorno
que nos mostra com clareza, no âmbito da arte moderna, que
as formas artísticas possuem uma objetividade que vai muito
além de um momento meramente subjetivo. Neste sentido,
os grandes representantes da arte moderna são, exatamente,
aqueles que captaram esta dimensão, mergulhando no material (formas de expressão) e, a partir de sua lógica interna objetiva, desdobrando as potencialidades nelas contidas. Ainda
assim, tanto no âmbito da arte como no da filosofia não se trata, de modo algum, de eliminar o papel do sujeito. Trata-se,
apenas, de situar a sua real condição. Parodiando Nietzsche,
uma subjetividade “pura” é, neste sentido, a pura mentira.2
É na relação dialética entre a subjetividade/intencionalidade
com a objetividade das formas de exposição e da linguagem
filosófica que nasce o verdadeiro exercício da filosofia. Para
isso, nas obras de Benjamin, adquire centralidade o conceito de constelação. As constelações do pensamento nascem a
partir deste caráter experimental da filosofia. Não pretendem
se assentar sobre uma base fixa e, nesse sentido, estão sempre
expostas ao fracasso. Esta possibilidade sempre iminente, no
entanto, não possui apenas uma consequência negativa. A filosofia consciente de seu possível fracasso não hesita em se
reinventar constantemente.
Nossa apresentação pretende acompanhar a constituição e os desdobramentos desta peculiar concepção da filosofia
como exercício em momentos distintos da obra benjaminiana.
Depois de algumas considerações de caráter mais geral sobre
sua obra e suas fontes (Cap. I), iremos analisar de forma mais
2
A afirmação de Nietzsche é: “Der reine Geist ist die reine Lüge” (NIETZSCHE,
1954, p. 1170).
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detida seu artigo de 1916 sobre a linguagem (Cap. II). Em seguida, terá lugar uma leitura do livro sobre o drama barroco
(Cap. III). O monumental trabalho das Passagens será analisado no capítulo seguinte (Cap. IV). Com uma leitura das
“Teses” sobre o conceito de história encerramos a apresentação do tema deste estudo a partir dos textos do autor (Cap.
V). Por fim, revelar-se-ão oportunas algumas considerações
sobre a atualidade do exercício da crítica filosófica (Cap. VI).
Seguindo este itinerário em nosso trabalho pretendemos não
só apresentar a filosofia benjaminiana. O grande obejtivo não
pode deixar de ser o de perceber a atualidade e a potencialidade crítica desta obra tão fascinante, original e exigente.
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