relato de caso: pancreatite aguda provocada por hipertrigliceridemia

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RELATO DE CASO:
PANCREATITE AGUDA PROVOCADA POR HIPERTRIGLICERIDEMIA.
Trabalho de conclusão do curso de PósGraduação lato sensu em UTI, realizada no
instituto Terzius.
CLÁUDIO VERGUEIRO COSTA
Santa Casa de Misericórdia de Andradas, MG
Resumo
A Pancreatite aguda provocada por hipertrigliceridemia
representa de 1,3 a 11 % dos casos de pancreatite. De acordo com a literatura,
valores de triglicérides acima de 1000 mg/dl já podem induzir pancreatite. Relatamos o caso de um homem de 36 anos, etilista, com dieta à base de colecistocinéticos que se apresentou com queixa de dor abdominal irradiando-se em
faixa e ao dorso, anorexia e náuseas, evoluindo com hipotensão e taquicardia.
EDA: Compressão extrínseca do duodeno. TC abdominal: Pâncreas heterogêneo, com volume aumentado, apresentando borramento da gordura peripancreática. Amilase sérica: 735 UI/L. Triglicérides: 6500 mg/dL. Foi submetido à reposição volêmica e medidas gerais para o tratamento da pancreatite,
além de Rosuvastatina cálcica (20mg/dia), Ciprofibrato (200 mg/dia), Fosfato
de sitagliptina (100 mg/dia), Insulina glargina (30 UI/dia) e Omega 3 (9 g/dia).
Evoluiu satisfatoriamente com queda acentuada da hipertrigliceridemia e da
amilasemia em 5 dias. Foi acompanhado por seis meses, apresentando, neste
período, triglicérides em torno de 100 mg/dl graças à atividade física frequente
e mudança radical dos hábitos alimentares e sociais. O tratamento à base de
fibratos é consenso na literatura, pois induz, rapidamente, a queda dos níveis
de triglicérides. O tratamento com heparina e insulina endovenosas (Jain P et
al.) parece alcançar resultados mais rápidos. A evolução deste caso confirma o
que a literatura aponta: é possível manter níveis de triglicérides sob controle.
Porém, isso só acontece com o abandono ou a drástica redução da ingestão de
álcool, atividades físicas diárias e dietas controladas pobres em gorduras.
Summary
The Acute pancreatitis caused by hypertriglyceridemia
represents 1.3 to 11% of cases of pancreatitis. According to literature, the
triglyceride levels above 1,000 mg / dl can now induce pancreatitis. We report
the
case
of
a
man
of
36
years,
alcohol
consumption,
diet-based
colecistocinetics who has presented complaints of epigastric pain radiating to
the back, anorexia and nausea, progressing to hypotension and tachycardia.
EDA: extrinsic compression of the duodenum. Abdominal CT: Pancreas
heterogeneous, with increased volume, with blurring of peri-pancreatic fat.
Amylase: 735 IU / L. Triglycerides: 6500 mg / dL.It was subjected to fluid
replacement and general measures for the treatment of pancreatitis, and
rosuvastatin calcium (20mg/day), ciprofibrate (200 mg / day), phosphate of
Sitagliptina (100 mg / day), insulin glargine (30 IU / day) omega-3 (9 g / day).
Uneventfully with sharp fall in the hypertriglyceridemia and serum amylase in 5
days. He has been accompanied by six months, showing in this period,
triglycerides around 100 mg / dl due to physical activity and frequent radical
change in eating habits and social. The treatment based on fibrates is
consensus in the literature, it induces rapidly falling levels of triglycerides.
Treatment with intravenous heparin and insulin (P Jain et al.) seems to achieve
faster results. The evolution of this case confirms what the literature suggests: it
is possible to maintain triglyceride levels under control. However, this only
happens with the cessation or drastic reduction of alcohol consumption, daily
physical activities and controlled diets low in fat.
Palavras–chave: Hipertrigliceridemia, pancreatite.
Caso Clínico
Paciente LCM, 36 anos deu entrada no consultório
médico com quadro de epigastralgia em faixa com irradiação para o dorso
iniciada há dois dias. Relata péssimos hábitos sociais e alimentares (com
ingesta de alimentos gordurosos diariamente), etilista pesado e diário,
sedentário. Ao exame físico apresentava dor e tensão no andar superior do
abdome, ruídos hidroaéreos positivos, abdome flácido em mesogastro e
hipogastro. Evacuando e eliminando flatos normalmente. PA: 120/80 mmHg e
pulso 86 bpm. Na consulta foram solicitados exames complementares como
dosagem de amilase sérica de urgência (57 Unid/dl) endoscopia digestiva alta
e ultrassonografia abdominal. Foi prescrito um inibidor de bomba protônica
(Omeprazol) e antiespasmódico (Butilbrometo de escolpolamina).
Na madrugada do dia seguinte, o paciente apresentou
piora da dor procurando o pronto de socorro. Sudoréico, afebril, com piora da
dor epigástrica, náuseas, vômitos e parada de eliminação de flatos e fezes. PA:
80/40 mm Hg, pulso: 100 bpm. Realizada rotina radiográfica de abdome agudo
não apresentando nenhuma alteração. Na endoscopia digestiva alta (figura2)
apresentou gastrite leve e abaulamento da parede posterior do estômago.
Eletrocardiograma e dosagem de troponina sérica não apresentaram
anormalidades, no entanto a dosagem de amilase sérica estava no nível de
735 Unid/ml e a de triglicérides de 6000 mg/dl. A tomografia de abdome total
mostrou borramento da gordura peri pancreática e edema difuso da
glândula.(figura1)
Fig 1. Tomografia abdominal com contraste mostrando mostrou borramento da gordura
peripancreática e edema difuso da glândula.
O paciente foi internado e submetido à reposição volêmica e medidas gerais para o tratamento da pancreatite, além de Rosuvastatina
cálcica (20mg/dia), Ciprofibrato
(200 mg/dia), Fosfato de sitagliptina
(100
mg/dia), Insulina glargina (30 UI/dia) e Omega 3 (9 g/dia). Paciente evoluiu
afebril e sem uso de antibióticos. No quarto dia de internação iniciou um quadro
de dispneia sendo diagnosticado um derrame pleural bilateral sendo necessário
o uso de ventilação não invasiva. No dia seguinte houve melhora do quadro e
dos exames laboratoriais. O paciente recebeu alta com prescrição dos medicamentos acima descritos. Foi acompanhado por seis meses, apresentando,
neste período, triglicérides em torno de 100 mg/dl graças à atividade física frequente e mudança radical dos hábitos alimentares e sociais.
Fisiopatologia
A hipertrigliceridemia (HTG) é definida como uma concentração anormal de triglicéridos no sangue, acima de 150 mg/dl.
Os níveis elevados de triglicérides são classificados como primário ou secundário. A hipertrigliceridemia primária é resultante de defeitos genéticos no metabolismo lipídico.
A secundária é proveniente de causas adquiridas, como
obesidade, diabetes mellitus, hipotireoidismo, gravidez e de certos medicamentos que aumentam a produção de triglicérides ou diminuem a sua depuração. A
ingesta de alto teor calórico, alto teor de carboidratos nas dietas, assim como o
uso excessivo de álcool, são fatores predisponentes para o aumento dos níveis
de triglicérides. Raramente é uma condição isolada, sendo comumente visto
em pacientes com síndrome metabólica (obesidade central, resistência à insulina, baixos níveis de HDL e hipertensão). (1,2)
A classificação proposta por Fredrickson é baseada nos
padrões de lipoproteínas associados a concentrações elevadas de colesterol
e/ou triglicérides, não sendo considerado o HDL-C. A classificação de Fredrickson não é uma classificação etiológica de doença e não diferencia hiperlipidemias primárias de secundárias, mas tem sido útil para caracterização de anormalidades das lipoproteínas. Permite diferenciar quando a elevação de TG é
procedente de fontes alimentares (TG contidos nos QM) ou de partículas ricas
em TG de origem endógena (VLDL produzida pelo fígado - por exemplo, em
indivíduos com alta ingestão de carboidratos). Entretanto, estabelecer o fenótipo das lipoproteínas plasmáticas, não substitui o diagnóstico da etiologia da
dislipidemia. A classificação de Fredrickson tem por base a separação eletroforética e/ou por ultracentrifugação das frações lipoprotéicas, distinguindo-se seis
tipos:
Tipo I - CT normal ou pouco elevado, trigliceridemia bastante elevada à custa
de quilomícrons (QM). Aparência do soro com presença de camada cremosa
sobre a coluna líquida de plasma transparente.
Tipo IIa - Aumento de CT com elevação de beta-lipoproteínas da eletroforese e
TG normal. O plasma de jejum é límpido. Elevação de LDL.
Tipo IIb - Elevação concomitante de CT e TG à custa de aumento de pré-beta
e beta-lipoproteínas. O plasma de jejum é límpido ou turvo. Elevação de LDL e
VLDL.
Tipo III - Aumento de CT e TG, à custa da beta-larga da eletroforese, correspondendo à elevação da IDL. A relação CT e TG é em torno de 1. O plasma de
jejum é frequentemente turvo e, às vezes, com tênue camada de QM.
Tipo IV - Aumento dos TG devido ao acúmulo das pré-betalipoproteínas, correspondendo à elevação das VLDL. O CT é normal ou pouco aumentado, à
custa do colesterol contido nas VLDL. O soro tem aspecto turvo.
Tipo V - CT pouco aumentado e aumento importante dos TG por elevação
concomitante de QM e pré-betalipoproteínas. O plasma de jejum é turvo com
camada de QM presente. (3,4)
No contexto de risco cardiovascular, a hipertrigliceridemia
pode ser estratificada quanto à sua gravidade, segundo The Adult Treatment
Panel III: normal (<1,7 mmol / L), limítrofe alto (1,7-2,3 mmol / L), alto (2,3-5,6
mmol / L) e muito alto (> 5,6 mmol / L). (5)
Pacientes com hipertrigliceridemia podem desenvolver
pancreatite quando sua concentração de triglicérides em jejum é de 5-10 mmol
/ L, porém, o risco torna-se clinicamente significativo quando os níveis de jejum
excedem 10 mmol / L, nível em que os quilomícrons estão presentes. (6)
Hipertrigliceridemia e pancreatite
A pancreatite aguda (PA) é caracterizada por início repentino da dor abdominal superior intensa, muitas vezes que se irradia para a parte
o dorso. Esta dor é tipicamente descrita como constante, maçante, penetrante
e pior quando o paciente está em decúbito dorsal. Os sintomas incluem náuseas e vômitos, temperatura elevada, taquicardia e, ocasionalmente, hipóxia.
Os dados laboratoriais geralmente refletem os níveis de lipase e amilase superiores a três vezes o limite superior normal. Esta combinação clínica dos sintomas e achados laboratoriais é, em si, diagnóstico de PA. A ultrassonografia e a
tomografia computadorizada são freqüentemente usadas na avaliação diagnóstica. Diagnóstico de PA é feita por, ao menos, dois dos procedimentos a seguir:
(1) amilase sérica elevada ou lipase maior do que três vezes o valor normal, (2)
achados inflamatórios característicos em ultra-som ou tomografia computadorizada de digitalização, e (3) sintomas clínicos clássicos. (7)
A etiologia da pancreatite aguda é muito variada. No
entanto, as principais causas incluem o consumo de álcool e colelitíase(8). A
hipertrigliceridemia é um fator menos comum relacionado à pancreatite aguda.
A sua prevalência está entre 1,3 e 11,0%, quando os níveis séricos atingirem
mais de 1000 mg / dL. No entanto, a hipertrigliceridemia está associada com a
pancreatite aguda em 12,0 a 39,0% de todos os casos. Relato de casos
mostram outras causas menos comuns de pancreatite, incluindo metabólica,
vascular, mecânica, infecciosas, e fatores idiopáticos.
Pacientes com diabetes tipo-I ou hiperlipidemia IV-V,
conforme a classificação de Fredrickson, têm um maior risco de pancreatite
aguda, quando os níveis de triglicerídeos não são controlados (9).
Se a hipertrigliceridemia é a causa da pancreatite aguda,
os níveis séricos são frequentemente superiores a 20 mmol / L. No entanto,
níveis de 11,3 mmol / L já podem causar a pancreatite aguda (10). Nos
pacientes com níveis de triglicérides menores que sofrem de pancreatite
aguda, distúrbio genético-primário ou endócrino, como hipotireoidismo, devem
ser investigados (11).
Esta condição é mais comum durante a gravidez,
especialmente nos segundo e terceiro trimestres, e representa cerca 56% dos
casos de pancreatite em mulheres grávidas (12).
Inicialmente, o diagnóstico pode ser um desafio. O atraso
no diagnóstico clínico é mais freqüente se a amilase encontra-se normal ou
ligeiramente aumentada. Isto ocorre pela inibição da enzima, devida à
hipertrigliceridemia,
(13,14).
ou
outro
inibidor
da
amilase
World J Gastroenterol 2004; 10 (24): 3691-5. Figura 2.
Patogênese da pancreatite induzida por hipertrigliceridemia
De acordo com a literatura, a patogênese não está bem
definida. No entanto, alguns mecanismos tentam explicar a lesão pancreática
causada pela hipertrigliceridemia.
Os quilomícrons são partículas de lipoproteínas ricas em
triglicérides e acredita-se que eles são responsáveis pela inflamação do pâncreas. Geralmente estão presentes na circulação quando os níveis de triglicérides séricos excedem 10 mmol / L. Estas lipoproteínas podem provocar a obstrução dos capilares, prejudicando o fluxo circulatório, e provocar a isquemia da
estrutura acinar, expondo as partículas ricas em triglicérides à lipase pancreática. Os ácidos graxos livres não estereficados, pró-inflamatórios, gerados a partir da degradação enzimática de quilomícrons e triglicérides podem lesar ainda
mais os ácinos pancreáticos. Consequentemente, o aumento da liberação dos
mediadores inflamatórios séricos e radicais livres podem, em última análise,
levar a um edema, necrose e inflamação do pâncreas [15,16]. Esta sequência
hipotética de eventos foi comprovada por estudos que mostram que tanto os
triglicérides quanto os ácidos graxos livres causam edema, hemorragia e elevação dos níveis de amilase [16].
Por outro lado, uma elevada concentração de ácidos
graxos livres reduz o pH sérico e, esta diminuição do pH, pode ativar o
tripsinogênio (17).
Os quilomícrons parecem também estar envolvidos na aglutinação cálcio-dependente da Proteina-C Reativa (PCR), sugerindo uma
embolia gordurosa não-traumática devido a altos níveis de PCR no plasma
(18).
Além dessas evidências, curiosamente, mutações no gene da lipase lipoprotéica (LPL) têm sido identificadas em pacientes com pancreatite induzida por hipertrigliceridemia (19-20). Especificamente, mutações no
gene da LPL estão sendo propostas como causa comum da quilomicronemia
induzida na gravidez (21).
Discussão
Dentre as diversas causas primárias e secundárias da hipertrigliceridemia, a ingestão de alimentos gordurosos e o uso excessivo de
álcool são importantes fatores que predispõem a elevação de triglicérides (1,2).
Uma das complicações da hipertrigliceridemia é a
pancreatite aguda, que pode ocorrer quando a concentração de triglicérides em
jejum é de 5-10 mmol / L, tornando o risco clinicamente significativo quando os
níveis de jejum excederem 10 mmol / L. Acima deste valor, os quilomícrons
podem estar presentes na pancreatite induzida pela hipertrigliceridemia
(6,23,24).
No caso relatado, o paciente apresentou níveis de
amilase sérica de 735 Unid/ml e de triglicérides em 6500 mg/dl, além de ser
etilista crônico. O curso clínico evidenciou o diagnóstico de pancreatite aguda
com hipertrigliceridemia desencadeada pela ingestão de alimentos gordurosos.
O mecanismo exato em que o nível de triglicérides afeta o
pâncreas não está muito bem elucidado. Algumas hipóteses estão sendo propostas para a patogênese.
Ma Y et all evidenciou que, em um grupo de 5 pacientes
que tiveram mutações no gene da lipase lipo-porteica (LPL), obtiveram reduções dramáticas na atividade da mesma (21). Desregulação ou deficiência de
enzimas - chaves e substratos envolvidos no metabolismo de triglicérides
também tem sido descrita em pacientes com hipertrigliceridemia recidivantes
induzindo pancreatite (Figura 2).
Para estabelecer o diagnóstico foram realizadas tomografia computadorizada abdominal e dosagem sérica de amilase e triglicérides.
É consenso na literatura como droga de primeira escolha,
para redução dos níveis de triglicérides, o uso de fibrato. Alternativas de tratamento, como o uso de insulina regular e heparina subcutânea, mostraram melhora no desempenho da LPL, segundo Panjaj Jain et al (25). O uso de ômega
3 juntamente com drogas coadjuvantes é promissor em casos refratários. Nosso paciente foi submetido à reposição volêmica e medidas gerais para o tratamento da pancreatite, além de estatina, fibrato, hipoglicemiante oral, insulina
glargina e ômega 3.
O paciente evoluiu com derrame pleural bilateralmente.
Uma elevada concentração de lipase pode ser encontrada no liquido pleural,
explicando o derrame. Em seu estudo, Joseph J et al mostraram que, em 16%
de casos derrame pleural devido a pancreatite, em 13% foi detectado amilase
no liquido pleural (26).
A presença de amilase no derrame pleural se deve à
passagem linfática, à inflitração da enzima através do diafragma ou passagem,
através de uma fístula, pata o mediastino (27).
O paciente evoluiu conforme a literatura, apresentando,
em 5 dias de tratamento, melhora dos sintomas e dos exames laboratoriais,
recebendo alta. E, graças à medicação, à atividade física frequente e à mudança radical dos hábitos alimentares e sociais, após 6 meses, seu nível de triglicerides mantinha-se em torno de 100 mg.
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