Seminário sobre a Teoria da Técnica Grupanalítica I, Mafalda

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4º ANO CURSO DE FORMAÇÃO TEÓRICA DE GRUPANÁLISE
E PSICOTERAPIA ANALÍTICA DE GRUPO
SEMINÁRIO – “TEORIA DA TÉCNICA GRUPANALÍTICA I”
FORMADOR – DR. JOÃO AZEVEDO E SILVA
Autora: Mafalda Guedes Silva
Neste trabalho para o Seminário sobre teoria da técnica reflecti sobre possíveis alterações à
técnica grupanalítica no atendimento em grupo de pacientes com patologias do vazio.
Antes de expor as minhas reflexões, considero importante contextualizar o que se entende por
patologias do vazio. Afinal, como surgem, o que é e quem são estes pacientes com patologias do
vazio?!
Muitos dos pacientes contemporâneos pretendem com a psicoterapia muito mais do que
serem compreendidos; procuram existir, serem olhados, encontrados (Brum, 2004). As patologias do
vazio, que incluem diagnósticos como os transtornos borderline e narcisista de personalidade
(Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, o DSM 5), o conceito de falso self
(Donald Winnicott) e o autismo (de David Zimerman, que se refere à obra de Tustin entendendo
como pacientes autistas, aqueles que se encontram num estado mental de desistência, em que o único
desejo é o de não desejar.), são um desafio para as psicoterapias psicanalíticas tanto em contexto dual
como nos grupos grupanalíticos.
Estas denominações englobam pacientes que sofrem de vazios oriundos de falhas precoces na
vinculação, o primitivo vínculo mãe-bebé. Estes bebés crescem e transformam-se em adultos que
ainda carregam esses vazios.
Uma forma de compreender estas patologias mais regressivas pode ser a partir das teorias do
desenvolvimento. Donald Winnicott (1963a/1982), descreveu o desenvolvimento emocional
primitivo em termos da jornada da dependência à independência, propondo três categorias:
dependência absoluta, dependência relativa e autonomia relativa. Para o autor, é na fase de
dependência absoluta que a mãe desenvolve o que chamou de preocupação materna primária
(Winnicott, 1956/2000). Esse estado especial da mãe, de regressão temporária, faz com que ela seja
capaz de desenvolver uma sintonia profunda com o seu bebé, compreendendo-o por meio de uma
surpreendente capacidade de identificação e constituindo-se, com ele, numa unidade. A mãe,
segundo Winnicott, empresta ao bebé os seus braços, as suas pernas, o seu ego e, assim, vai
auxiliando-o a se integrar. Se, nessa fase, a mãe não é capaz de ligar-se desta forma tão intensa com
o seu bebê, este fica num estado de não-integração, tornando-se apenas um corpo com partes soltas.
De acordo com as ideias acerca do desenvolvimento propostas por Winnicott, é nesse
momento que ocorre a falha nos pacientes com patologias do vazio. São pacientes que ficam como
que perdidos num mundo de não- existência, sem passado, sem voz, pacientes que ainda não
nasceram psicologicamente (Malher, 1975).
Para pacientes com estas características a abordagem deve passar por criar um setting estável,
onde uma relação de confiança e segurança possa ser construída, para que o paciente possa regredir e
recriar, com o terapeuta, antigas situações de fracasso vividas com a mãe, relacionadas à época de
dependência absoluta, só que, agora, com a oportunidade de serem usadas terapeuticamente através
da relação transferencial.
Balint (1968/1989) e Winnicott (1954/2000) chamaram a atenção para os pacientes com uma
necessidade especial, de usar o contexto e o processo analítico para se desfazerem do fardo do falso
self e sustentarem o self verdadeiro. Neste contexto os intensos sofrimentos podem ser suportados,
como o paciente começa a vivenciar pela atitude constante e empática do terapeuta. Esta vivência
analítica de regressão, a instalação da neurose de transferência, que tão claramente vemos nos grupos
grupanalíticos (César Dinis) vai permitir a construção de outros modos de relação e a partir daí o
desenvolvimento emocional pode progredir. É a relação nova que se estabelece e o aumento do
espaço de dúvida optativa (Azevedo e Silva), a liberdade de pensar livre de preconceitos, o não se
esconder por detrás do conhecimento, das intelectualizações e das racionalizações que surge
associado ao aumento do insight, que conduz à transformação e à mudança.
No atendimento destes pacientes, é necessária uma conexão empática, a fim de sermos
capazes de usar expressivamente a nossa contratransferência, pois quando nos procuram, são pessoas
como que psiquicamente mudas, não se expressam pela palavra, são pré-verbais (Brum, 2004). Ou
noutros casos como salienta (Zimerman, 1999), usam as palavras para não comunicar. Falam pelo
corpo, demonstram o seu desconforto remexendo-se na cadeira, sentem dores, falam pelos silêncios
que, quando percebidos empaticamente pelo terapeuta capaz de descodificá-los e nomeá-los ao
paciente no momento oportuno passam aos poucos a adquirir significados.
A abordagem, face a estes pacientes, seria a de tentar encontrar uma via de comunicação (a
experiência de Azevedo e Silva relatada em Congresso, na comunicação “O Cravo e a Rosa”).
É essencial, também, que o paciente possa reconhecer o seu vazio, a sua não-existência.
Winnicott, no texto Medo do Colapso (1963b/1994), menciona que, se o vazio não é experienciado
como tal, desde o começo, ele aparece, então, como um estado de não-integração, que é
compulsivamente procurado (compulsão à repetição). É somente a partir do reconhecimento da nãoexistência que a existência pode começar (MBT – Mentalized based treatment de Fonagy &
Batman). Esse reconhecimento, pelo paciente, da sua inexistência poderá ser tolerado devido à
dependência do ego do analista. (Winnicott, 1963b/1994) descreve que, nesse estado, o paciente pode
perceber o Medo do Colapso, do Vazio, como o medo do que já aconteceu, mas não foi
experimentado, porque não havia um ego capaz de absorver a experiência, e o ego auxiliar da mãe
estava imperfeito.
Faltou a estes pacientes o holding. Termo explorado por (Winnicott, 1971/1990) e que
significa segurar, impedir que caia, sossegar, tranquilizar, amparar, fazendo com que a mãe
humanize o bebé e o transforme num ser integrado. Se isso não ocorre, o corpo fica como que
falando por si só, perdido num mundo de sensações (Brum, 2004).
Em suma, no trabalho psicoterapêutico com estes pacientes destacamos: permitir que o
paciente crie/recrie a unidade mãe-bebé, onde há uma adaptação perfeita do indivíduo ao seu
ambiente e, assim, possa corrigir as falhas de uma maternagem deficiente original (experiência
emocional correctiva na análise); a necessidade de o terapeuta funcionar como ego auxiliar, uma
função holding – apoio/sustentação para estes pacientes, auxiliando-os a passar de uma linguagem
pré-verbal para uma linguagem verbal.
Nós, como psicoterapeutas (Brum, 2004), temos a árdua e instigante tarefa de aprender a
comunicar com estes pacientes sem palavras, encontrar uma via de acesso que descodifique o que
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eles ainda não conseguem dizer, pois não usam a palavra, ainda não simbolizam. A mesma autora
refere que o analista pode realizar uma clivagem produtiva do ego analítico, onde a parte ocupada
pelo paciente fica doente e a outra parte do ego segue analista, observadora e avaliativa, parte esta
capaz de conter a outra que está necessária e momentaneamente doente.
A estratégia terapêutica
Depois desta breve incursão sobre as patologias do vazio, termino com as minhas sugestões
de adaptação da técnica grupanalítica clássica no atendimento a pacientes com estas características:
*
Integrar em Grupo misto, isto é, não homogéneo quanto às patologias diagnosticáveis;
*
Preferencialmente integrar estes pacientes com patologia do vazio num grupo “já
rodado”, sem muitas transferências laterais negativas e um grupo sem necessidade de
encontrar um bode expiatório. Com uma matriz grupanalítica bem instituída e o padrão
grupanalítico internalizado;
*
Interpretações no aqui e agora em detrimento de interpretações clássicas (na
transferência e referentes ao passado);
*
Analista ser contentor das ansiedades, recorrendo a Bion, devolver os elementos beta
transformados em elementos alfa. “O que estão a sentir os membros do grupo com…?”
*
Privilegiar o Treino do ego em acção;
*
Privilegiar o desenvolvimento da capacidade de mentalização, introduzir a palavra
como intermediário entre o pensar e a acção, simbolizar em vez de actuar o sofrimento e
desconforto;
*
Enfase na relação terapêutica, a vivência de uma experiência emocional correctiva
com o grupo na situação grupanalítica vai ser o principal factor terapêutico;
*
Entendendo as patologias do vazio como manifestando-se num continuum em que nos
pólos opostos se encontram de um lado o extremo menos severo e do outro o extremo mais
grave, os pacientes que se situam no continuum do lado mais próximo ao extremo menos
severo poderão tratar-se em regime de ambulatório; os pacientes que se situem mais próximo
ao extremo mais severo é aconselhável que sejam integrados num programa terapêutico mais
estruturado, de tipo Hospital de Dia de Psiquiatria, em que o grupo é um dos tratamentos, a
par de psicoterapia analítica individual, terapêutica medicamentosa, terapias ocupacionais, e
grupo multifamiliar, por exemplo.
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Pesquisa pessoal:
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. (2013). DSM 5. Diagnostic and statistical
manual of mental disorders
BALINT, M. 1989 (1968). A Falha Básica. POA: Artmed.
BRUM, E. H. “Patologias do Vazio: um Desafio à Prática Clínica Contemporânea” In
Psicologia Ciência e Profissão, 2004, 24 (2), 48-53.
CORTESÃO, E. L. (2008). Grupanálise. Teoria e Técnica, 2ª Edição. Lisboa: Sociedade
Portuguesa de Grupanálise.
MALHER, M. , 1975. O Nascimento Psicológico da Criança. RJ: Zahar.
WINNICOTT, D. 2000. Aspectos Clínicos e Metapsicológicos da Regressão no Contexto
Psicanalítico. In Winnicott, D. Textos Selecionados da Pediatria à Psicanálise. RJ: Imago, pp.374392.
_____ . 2000 (1955-6). Formas Clínicas da Transferência. In Winnicott, D. Textos
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_____ . 2000 (1956). Preocupação Materna Primária. In Winnicott, D. Textos Selecionados
da Pediatria à Psicanálise. RJ: Imago, pp.399-405.
_____ . 1982 (1960). Distorção do Ego em Termos de Falso e Verdadeiro Self. In Winnicott,
D. O Ambiente e os Processos de Maturação. POA: Artmed, pp.128-139.
_____ . 1982 (1963a). Da Dependência à Independência no Desenvolvimento do Indivíduo.
In Winnicott, D. O Ambiente e os Processos de Maturação. POA: Artmed, pp.79-87.
_____ . 1994 (1963b). Medo do Colapso. In Winnicott, D. Explorações Psicanalíticas. POA:
Artmed, pp.70-76.
_____ . 1990 (1971). Natureza Humana RJ: Imago.
ZIMERMAN, D. Fundamentos Psicanalíticos: Teoria, Técnica e Clínica. POA: Artmed,
1999.
5 de Abril de 2016
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