Serviço Público e Poder de Polícia: uma visão municipalista

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A Reforma do Serviço Público
A definição de serviço público varia, flutuando ao sabor das mudanças políticas e
ideológicas de um Estado, a partir do antigo "poder do príncipe" ao amplo conceito
atual do "dever público" de servir e proteger os administrados. Admite-se dizer
hoje em dia que a Administração Pública existe unicamente para prestar serviços
aos indivíduos, e a avaliação do administrador é medida em relação à qualidade,
em termos de eficiência e eficácia, dos serviços prestados.
Nos termos do art. 175 da Constituição Federal, compete ao Poder Público, a
prestação direta ou indireta de serviços públicos, sendo as indiretas por meio de
concessão ou permissão, mas sem se afastar da obrigação de manter um serviço
adequado, ou seja, que venha a satisfazer as necessidades dos cidadãos.
Em vista da enorme demanda de serviços exigidos, a Administração Pública
passou cada vez mais a delegar suas prestações a particulares, por concessão ou
permissão, eliminando a tese de que serviço público seria originário
exclusivamente de um regime jurídico público. Assim, dos três elementos
históricos que definiam serviço público, ou seja, o elemento subjetivo (somente
prestado pelo Estado); o elemento formal (somente regido pelo direito público); e o
elemento material (somente para satisfação das necessidades coletivas), restou o
último como base de uma definição moderna, a considerar o serviço público uma
atividade de interesse público.
Deve-se ressaltar que, neste artigo, a ênfase é dirigida aos chamados serviços 'uti
singuli ', que têm por finalidade a satisfação individual e direta das necessidades
dos indivíduos, deixando de lado os serviços 'uti universi ', usufruídos
indiretamente pelos cidadãos, mas aqui restritos àqueles de atuação interna da
Administração Pública, como os serviços diplomáticos, pesquisa científica,
judiciário, controle financeiro e outros.
Justamente com base no elemento material, razão básica da existência da
Administração Pública, uma radical mudança de conceito vem ocorrendo no poder
público mundial: a organização administrativa é estruturada para melhor atender o
cliente (o cidadão) com objetivo de alcançar o melhor resultado em tal
atendimento. Este é o propósito do que vem sendo chamado de "Nova
Administração Pública", ou New Public Management – NPM, uma grande reforma
de administração que se difunde em diversos países do mundo, tais como Nova
Zelândia, Alemanha, Holanda, Canadá e Austrália.
O NPM já revoluciona a filosofia do serviço público ao tratar o cidadão, o usuário,
o contribuinte, de "cliente", denominação aplicada pelas empresas aos
consumidores de seus produtos ou serviços. A gestão administrativa focaliza-se
na satisfação plena do cliente, pois o serviço é prestado única e exclusivamente a
favor deste. Não importa, no caso, se o cliente está pagando ou não pelo serviço,
ou indiretamente, através dos impostos, ou diretamente, através de taxas e tarifas,
ou se goza de imunidade tributária ou isenção. Não cabe à Administração Pública
discutir ou criar discriminações sobre tais fatos, assunto de pertinência exclusiva
do legislativo, mas, sim, de tratar a todos os clientes de uma maneira isonômica e
especial. Este é o conceito que vem sendo aplicado pela Polícia de algumas
cidades norte-americanas e de outros países: a vítima de um crime é o cliente, e a
Polícia Judiciária dedica o seu trabalho a favor desta, a quem cabe o direito de
manter-se informado sobre o curso das investigações.
O preceito básico do NPM é substituir a gestão burocrática processualista pela
responsabilidade de alcançar resultados. Do marasmo das rotinas dos processos
administrativos, nas quais a meta ideal é o simples fato de "existir" o serviço, pela
eficácia obtida através de sua atuação.
Esta reforma do setor público concentra-se no planejamento de suas ações
baseadas no tripé: Estratégia, Estrutura e Sistemas. A Estratégia identifica a
qualidade do serviço a ser oferecido, o público-alvo e o território a ser abrangido.
A Estrutura qualifica e quantifica o custo do serviço e seus componentes (pessoal,
equipamentos etc.) e os Sistemas identificam o controle, a informação, a
divulgação e meios de avaliação dos resultados. Numa Escola Pública, por
exemplo, a idéia da massificação (quanto mais alunos, melhor o resultado), alterase pela eficácia do real objetivo de uma escola (quanto melhor o ensinamento,
melhor o resultado).
Neste contexto, torna-se de primordial importância a transparência dos relatórios
públicos de qualidade, dando ciência imparcial ao cliente sobre a natureza do
serviço, os seus custos correspondentes e os resultados pretendidos. Numa
Prefeitura, por exemplo, são publicados e divulgados relatórios periódicos sobre o
serviço de coleta de lixo, informando o resultado alcançado, os custos envolvidos
no trabalho, a receita auferida, se houver, o balanço contábil daquele serviço
específico e relatório dos resultados em relação às metas pretendidas. Na Nova
Zelândia, tais relatórios são divulgados mensalmente. Na cidade de Christchurch,
o tradicional processo orçamentário foi transformado em relatórios de custo e
desempenho, cuja leitura de fácil assimilação por todos simplifica o entendimento
e permite o acompanhamento de seus resultados.
Os governos locais da Alemanha introduziram um "modelo de nova direção",
baseado no NPM, aplicando as técnicas de modernização dos serviços públicos
orientados aos clientes, proporcionando maior transparência de resultados e das
metas políticas, permitindo, assim, maior controle e acompanhamento.
Na Holanda, em vista das pesadas críticas ao desempenho dos serviços
municipais, diversos municípios adotaram a modernização da administração
pública, utilizando mecanismos de gerenciamento denominados Beleid em
Beheers Instrumentariaum – BBI, desenvolvido para fazer políticas municipais
mais transparentes, controláveis e flexíveis.
Estes são alguns exemplos de muitos casos que ocorrem no mundo. No Brasil, já
se percebe algumas inovações neste sentido. Mas, estamos, na verdade,
caminhando mais na direção do controle interno (SIAFI, Responsabilidade Fiscal),
e pouco melhorando na eficácia da prestação dos serviços públicos.
Os usuários dos serviços públicos continuam sendo usuários ou contribuintes,
massificados, despersonalizados e alinhados na vala comum. São tratados de
forma genérica pela Administração Pública que não lhes presta, de forma geral,
qualquer satisfação sobre os serviços que lhes são destinados. No restrito rol das
exceções, apenas algumas e poucas concessionárias oferecem informações aos
clientes, mais por exigências das agências reguladoras, como é o caso da Anatel.
Nos serviços públicos diretos, pouco se vê. Permanece a velha rotina dos
procedimentos internos, burocratizados, mal dirigidos e executados, com a
preocupação maior de sempre criar uma desculpa esfarrapada como justificativa
de um serviço deficiente.
Quem sabe, a mudança que acontece no exterior chegue aqui finalmente. A
população brasileira é criticada por seu comodismo e desinteresse nas questões
políticas, mas este desinteresse foi disseminado justamente pela desinformação
que os administradores públicos insistem em assim manter.
Roberto Tauil – agosto de 2007.
Nota: Algumas informações sobre o NPM, aqui descritas, foram obtidas na obra:
"Custos no Setor Público", César Augusto Tibúrcio Silva (organizador), Brasília,
Editora UnB, 2007.
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