Hanseníase em familares: a importância do exame de contactantes e da capacitação profissional Gabriela Itimura, Maria Lopes Lamenha Lins Cavalcante, Ana Cecília Versiani Duarte Pinto, Ana Luiza Grizzo Peres Martins, Cleverson Teixeira Soares, Norma Gondim Cleto INSTITUTO LAURO DE SOUZA LIMA (ILSL) RESUMO A hanseníase é uma doença infectocontagiosa, de evolução crônica, causada pelo Mycobacterium leprae. Apesar de curável é potencialmente mutilante e envolve preconceitos e estigmas. As vias aéreas superiores provavelmente constituem a principal via de inoculação e eliminação do bacilo. Tem apresentação clinica variada, na dependência da imunidade desenvolvida pelo hospedeiro, com manifestações que variam entrem o polo tuberculoide e virchoviano. O esquema antimicrobiano utilizado é a poliquimioterapia, escolhido de acordo com a classificação operacional em paucibacilar e multibacilar. Estratégias prioritárias adotadas para controle da doença pelo Ministério da Saúde (MS) incluem vigilância epidemiológica e capacitação dos profissionais de saúde (ampliação do conhecimento em hanseníase junto à categoria), com ações direcionadas a educação permanente. Com o intuito de auxiliar no alcance dessas metas, é relatado caso de paciente contactante de indivíduo multibacilar, que teve seu diagnostico retardado tanto por apresentação clinica não característica quanto e, principalmente, pela ausência de busca ativa da infecção Palavras chaves: hanseniase, hansenomas , mhv , micobacteriose, virchoviano INTRODUÇÃO A hanseníase é infecção crônica, granulomatosa, curável, causada pelo Mycobacterium leprae. É endêmica em várias regiões do mundo e um problema de saúde pública no Brasil. A doença é transmitida de forma interpessoal, principalmente através da via respiratória. Tem apresentação clinica variada, na dependência da imunidade desenvolvida pelo hospedeiro, com manifestações que variam entrem o polo tuberculóide e virchoviano. O período de incubação para forma tuberculóide é de ate cinco anos e para doença virchoviana pode ser superior a vinte anos. O diagnostico baseia-se na clinica, reforçada pela epidemiologia do caso. O tratamento atual dá-se por poliquimioterapia, determinada pela classificação paucibacilar ou multibacilar. Considerando que o modelo de intervenção para o controle da endemia é baseado no diagnóstico precoce e vigilância dos contatos domiciliares, apresentamos relato de hanseníase virchoviana no estado de São Paulo, com clinica de hansenomas, que convivia no mesmo domicilio de paciente em tratamento para o mal de Hansen virchoviano (MHV) FIGURA 4: HE 200x.MH na faixa virchoviana. Hansenomas FIGURA 5: HE 400x. Histiocitos multivacuolares contendo bacilos comprometendo toda espessura da derme e tecido subcutâneo FIGURA 6: Faraco-Fite 1000x. Baciloscopia positiva 6+, com bacilos íntegros e fragmentados no interior histiocitos RELATO DO CASO Paciente, 21anos, hígido, procedente de Itapolis-SP, referia surgimento de nódulos assintomáticos há seis meses, distribuídos em todo corpo. Relatava também formigamento em mãos e pés desde pequeno. O tio, com quem morava desde o nascimento, estava em tratamento para MHV em unidade primaria de saúde. Paciente negava investigação previa de hanseníase, assim como nos demais familiares contactantes, que totalizavam três pessoas. Ao procurar a atenção básica de referencia, a mesma que o tio frequentava, foi encaminhado à nossa instituição, sem hipótese clinica formulada. Ao exame dermatológico, foi visualizado pápulas violáceas múltiplas, a maioria medindo 0,5 x 0,5 mm (FIGURA 1), com predomínio em região de extensão de braço e antebraço, pernas e nádegas (FIGURA 2 e 3). O teste de Mitsuda foi negativo e o PGL-1 foi de 0,278 (VR ate 0,150). A baciloscopia também foi positiva com IB 4+. A biopsia identificou hanseníase na faixa virchoviana ativa e em progressão, com baciloscopia 6+ (FIGURAS 4 e 5), contendo bacilos íntegros e fragmentados em todos componentes da pele ( FIGURA 6).O teste sensitivo motor realizado foi normal. O tratamento para forma multibacilar foi instituído, com boa tolerância pelo paciente. Os contatos domiciliares foram então avaliados e a doença foi identificada em mais um dos moradores da residência DISCUSSÃO O bacilo de Hansen devido à replicação lenta, com baixa antigenicidade, apresenta período de incubação prolongado. No caso descrito, são vistos hansenomas, caracterizados por pápulas e nódulos eritemato violáceos com concentrados de micobactérias. A ausência de sintomas e apresentação atípica nesse caso pode ter retardado o diagnostico. Essa manifestação não usual é consequente à progressão da doença, demonstrando infecção antiga. Representa também resposta imune ineficaz, típico dos virchovianos, o que pode ser evidenciado pelo Mitsuda negativo. A positividade para antigenos encontrados na capsula da micobacteria, teste PGL-1, corrobora com a confirmação diagnostica. O Brasil não atingiu a meta de eliminação da doença, definida pela prevalência de um caso por 10.000 habitantes. O individuo multibacilar, como a fonte índice do presente caso, é o principal transmissor da infecção. Qualquer pessoa que tenha residido com o paciente nos últimos cinco anos é considerada contactante intradomiciliar e tem maior potencial para adoecer. Acredita-se que isso se deve à exposição prolongada , associada à predisposição genética a infecção, geralmente presente por se tratar de familiares. Estudos atuais sobre aspectos imununologicos de apresentadores de antígenos geneticamente determinados estão sendo desenvolvidos, demonstrando interferência tanto na susceptilidade à infecção quanto na forma clinica verificada. Os fenótipos HLA-DR2 e HLA-DR3 estão relacionados à forma paucibacilar; e o HLA-DQ-1, à forma multibacilar. O exame clinico dos expostos faz parte da investigação epidemiológica definida pelo MS. Em estudo realizado no Para entre 2007 e 2013, foram identificados de três a cincos contatos por paciente, dado condizente com o relato acima. As atividades relacionadas à avaliação dos comunicantes têm sido pouco valorizadas, pois existe um maior direcionamento ao indivíduo doente. Em busca do cumprimento da meta de erradicação da hanseníase são de fundamental relevância o controle dos contatos intradomiciliares e a capacitação dos profissionais de saúde. A divulgação do relato acima subsidia discussões e embasam planejamentos para erradicar essa doença potencialmente mutilante, que envolve preconceitos e estigmas Referências Bibliográficas FIGURAS 3,4 e 5: Hansenomas; Papulas eritemato violaceas Lastória JC, Abreu MAMM.Leprosy: review of the epidemiological, clinical, and etiopathogenic aspects - Part 1. An. Bras. Dermatol. 2014 Apr ; 89( 2 ): 205218.Lastória Joel Carlos, Abreu MAMM.Leprosy: a review of laboratory and therapeutic aspects - Part 2. An. Bras. Dermatol. 2014 Jun; 89( 3 ): 389-401.Opromolla DVA. Manifestações clínicas e reações. In: Opromolla DVA, editor. Noções de hansenologia. Bauru: Centro de Estudos Dr. Reynaldo Quagliato; 2000.p. 43-5.Opromolla DVA. Manifestações clínicas e reações. In: Opromolla DVA, editor. Noções de hansenologia. 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