monografia história - Departamento de História

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Curso de História
MONOGRAFIA HISTÓRIA
CURITIBA
2008
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Curso de História
MONOGRAFIA HISTÓRIA
Monografia feita sob a coordenação do Professor
Doutor Renan Frighetto,
Para obtenção de nota na disciplina de
Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica, turma Q, pelo
Acadêmico David Rodrigues da Silva.
CURITIBA
2008
3
SUMÁRIO
O. TÍTULO
4
1. INTRODUÇÃO
5
2. BIOGRÁFIA
2.1 Importância da Formação de Josefo no seu Posicionamento
Filo-Românico
13
2.2 Josefo e a sua Guerra
15
2.3 Flávio Josefo e a tradição político-judaica presente em Jeremias
16
2.4 O Modelo de Jeremias Presente em Josefo
20
3. O CERCO E O POSICIONAMENTO FILO ROMANO PRESENTE
EM JOSEFO
3.1 Tácito e o olhar essencialmente Romano – Um Defensor de
Vespasiano
24
3.2 Tácito e o Cerco em Jerusalém em 70 d.C
27
3.3 Josefo e o Judaísmo Filo Romano
31
3.4 As virtudes de um general Judaico, O Cerco em Jotapata
34
3.5 Campanhas Romanas na Judéia – Vitórias dignas de Imperadores
40
3.6 Jerusalém, uma Cidade Profanada
42
3.7 Judeus, “Bárbaros” Famintos e Irredutíveis
48
3.8 “Barrigas Pesquisadas”, uma atuação Árabe
51
3.9 A Tomada de Jerusalém, uma Atitude Providencial
52
4. ROMANIZAÇÃO NO ORIENTE
4.1 Uma Consolidação dos Valores Romanos no Oriente
53
5. CONCLUSÃO
64
6. ANEXO
71
4
TÍTULO:
Flávio Josefo e a Apologia Romana - análise sobre a postura ideológica no
conteúdo da obra Guerras Judaicas de Flávio Josefo com relação ao cerco de
Jerusalém em 70 d.C.
5
INTRODUÇÃO:
A obra Guerra dos Judeus de Josefo é comentada por uma vasta bibliografia,
principalmente, em torno do seu conteúdo, sendo considerada como portadora de
uma postura de formação ideológica apologética do poder. Especificamente a obra
Guerra dos Judeus de Josefo não mantém um caráter apologético judaico, mas sim
romano. Nesta pesquisa me proponho a discorrer sobre este assunto, procurando
desvendar “o porquê, ou, os porquês” da atitude filo-romana de Josefo, relacionando
com as implicações disto na justificação do status quo romano na Judéia.
Neste sentido, procurarei comentar o tema tendo como recorte temporal o
conteúdo da obra que comenta sobre o Cerco em Jerusalém em 70 d.C. Assim,
analisarei a obra de Josefo como portadora de certa divulgação da atuação romana
na Judéia, entrelaçando com as justificativas de Josefo ao exaltar a figura dos
Imperadores Romanos.
O foco da pesquisa está num âmbito de ideologia do poder, ou seja, a
justificação do status quo através do conteúdo da obra. A obra, Guerra dos Judeus,
comenta sobre o cerco de Jerusalém em 70 d.C, sendo este o trecho específico que
me deterei para a análise. Também merece destaque que a escolha temporal e o
tema de cunho ideológico político na retratação da Palestina do século I d.C,
constituem de extrema importância para o entendimento da formação das
justificativas do status quo político romano e judeu do século I, que perpassa por
uma conjuntura político-religiosa extremamente intrínseca. Sendo assim, importante
entender os motivos que levaram Josefo a legitimar o poder de Tito sobre o oriente
judaico, as mudanças de governo sobre a região e as implicações disto.
O tema da posição ideológica de Josefo, no conteúdo de sua obra Guerra dos
Judeus, tem sido trabalhado por diversos autores, alguns abordando este tema de
forma mais profunda, como objetivo principal de suas obras e outros, quando
perpassam por esta obra, com outros temas, comentam sobre esta sua determinada
posição, sendo assim, um estudo mais superficial com relação ao tema de sua
apologia.
Para alguns cristãos primitivos o Cerco em 70 d.C e a destruição do Templo
dos judeus representou o fim cabal da Antiga Aliança, marcando, deste este
momento, a hegemonia espiritual dos cristãos.
6
A obra de Mireille Hadas-Lebel, em Flávio Josefo – O Judeu de Roma1 analisa
a sua formação educacional quando criança, e, do caráter pessoal de Josefo como
sacerdote judaico, governador da Judéia, General Judaico e, por fim, o Judeu
romano. Hadas-Lebel comenta que desde pequeno Josefo foi ensinado nas letras
judaicas, como era costume dos meninos judeus “recebiam um ensinamento
puramente religioso baseado em princípios da Torá desde quando aprendiam a falar;
saber ler e escrever era um dever que não contradizia a família, a sinagoga e a
escola”. Dentre os essênios, saduceus e fariseus; permaneceu com os últimos,
sendo estes mais “flexíveis”, nos termos de Hadas-Lebel. A viagem que Josefo fez a
Roma, quando ainda era um jovem, o influenciou muito nas suas escolhas políticas,
pois passou a ter conhecimento da força militar romana, o que mostra com bastantes
particularidades em seu tomo III da Guerra dos Judeus, trecho de fonte que será
analisado na pesquisa. Perpassando pela conjuntura do Cerco, analisa a “arte de
sobreviver” em Josefo, mencionando as características do Judeu de Roma. No final
da sua obra, Hadas-Lebel observa o ofício de historiador presente em Flávio Josefo,
observando as influências da tradição judaica e dos escritos gregos.
Martin Goodman, em A Classe Dirigente da Judéia2, apresenta uma obra que
procura sistematizar as razões do Cerco romano em Jerusalém. Goodman ressalta
em seu livro as explicações convencionais para o Cerco, mencionando as
hostilidades à religião judaica pelos romanos e, a partir da obra Guerra dos Judeus
de Josefo, se propõe a discutir as incapacidades dos governadores romanos na
Judéia, sendo o seu governo muito opressivo e com um caráter de irritação para com
a tradição religiosa judaica, assim levando a classe dirigente da Judéia a ter mais
afinidade com os gregos do que com os romanos. Menciona que esses fatores
levaram a uma situação bastante conflituosa e acabou gerando uma guerra civil na
Judéia. Em momentos específicos, não como objetivo principal da obra, Goodman
comenta sobre as características do posicionamento de Flávio Josefo. Afirma que
esta obra de Josefo fazia parte das propagandas de Tito em Roma, para mostrar a
grandeza da vitória desse general sobre Jerusalém. Por ser assim pensada
previamente por Josefo, Goodman passa a considerá-lo como “mentiroso e
1
HADAS-LEBEL, Mireille. Flávio Josefo: O Judeu de Roma. Mirreille Hadas-Lebel; tradução Paula
Rossas. Rio de Janeiro: Imago Ed. 1991. 290p. (Série Diversos). Fotocópia cedida pela Biblioteca
Claretiana em Curitiba.
2
GOODMAN, Martin. A Classe dirigente da Judéia: As Origens da Revolta Judaica Contra
Roma, 66-70 D.C. Martin Goodman; tradução Alexandre Lissovsky e Eliszabeth Lissovsky. – Rio de
Janeiro: Imago ED., 1994. 268p. (Coleção Bereshit).
7
enganador”3. Vale ressaltar que, ao que parece, Josefo foi considerado, quando
escreveu a sua obra Guerras Judaicas, como um político Romano legítimo.
Goodman comenta que às elites, quando se entregavam aos romanos poderiam
desfrutar de auxílio político. Josefo chegou a argumentar que Deus teria se
ausentado de Jerusalém e passado a residir em Roma, no Capitólio, para com isto
aumentar a legitimação de Roma sobre a região. Anos após o Cerco, a classe
dirigente da Judéia desapareceu e, entre a classe alta romana surgiu uma grande
hostilidade ao judaísmo. Goodman faz a conclusão do seu livro comparando os
judeus com os druidas da Gália, onde também o governo de Roma sofreu
resistências para se impor, e de igual forma, acusavam esses povos de insubmissão
“atribuindo as causas disso aos depravados e obstinados instintos religiosos dos
habitantes” (GOODMAN, 1994. Pg. 243.). Após a revolta de 70 as classes dirigentes
da Judéia perderam a confiança de Roma. Em 132 houve uma nova tentativa de
criar um reino judeu sobre a região, ato que foi violentamente reprimido por Adriano.
Com Adriano os judeus estavam proibidos em entrar no seu território; os Romanos
“fizeram um deserto e chamaram-no de paz” (GOODMAN, 1994. Pg. 250).
Vicente Dobroruka, em um artigo para a Revista PHOÎNIX, com o título
Josefo, A Literatura Apocalíptica e a Revolta de 70 na Judéia4, se propõe a discutir a
relação entre escatologia e as obras de Flávio Josefo, especificamente a Guerra dos
Judeus. Dobroruka analisa os modelos que foram seguidos por Josefo, tais como
Tucídides e os profetas Daniel e Jeremias, para a formação da sua escrita. Josefo
estaria mergulhado em um ambiente religioso, apresentando assim nos seus escritos
elementos de caráter messiânico e escatológico; o inserindo, com relação ao tema
apologético, num ambiente permeado por elementos religiosos e místicos. No
mesmo sentido religioso, Ivan Esperança Rocha, em um artigo para a Revista
História, com o título Dominadores e Dominados na Palestina do Século I5, se
propõe a discutir as características literárias da obra Guerra dos Judeus de Josefo,
perpassando para a análise do posicionamento de Flávio Josefo, analisando as
interpretações religiosas para a revolta bem como o caráter religioso da cultura da
3
GOODMAN, Martin. A Classe dirigente da Judéia: As Origens da Revolta Judaica Contra
Roma, 66-70 D.C. Martin Goodman; tradução Alexandre Lissovsky e Eliszabeth Lissovsky. – Rio de
Janeiro: Imago ED., 1994. 268p. (Coleção Bereshit). Pg. 201.
4
PHOÎNIX, Rio de Janeiro, 8: 372-391, 2002. Texto presente na Biblioteca da Reitoria – UFPR.
5
ROCHA, Ivan Esperança. Dominadores e dominados na Palestina do século I. Artigo em Revista
História. UNESP. ISSN 0101-9074 da versão impressa. Revista História v.23 n.1-2. Assis,
SP: Franca 2004. Consultado em [www.scielo.br/scielo.php]
8
Palestina do século I. Rocha afirma que o conteúdo da obra de Josefo foi
influenciada pela mentalidade de culpar seus compatriotas pela revolta, legitimando
assim a atuação de Roma, e, justificando a sua posição ao lado destes,
principalmente com argumentos religiosos.
Por fim, Jesús M.ª Nieto Ibánez, em uma introdução à tradução da obra
Guerra dos Judeus 6, se propõe a discutir a língua grega em que a obra foi escrita,
comentando sobre a conjuntura que envolvia a construção da obra por parte de
Josefo. Observa a palestina romana na época de Josefo, a forma da composição da
obra Guerra dos Judeus, comenta sobre o seu conteúdo, as fontes da obra, o seu
significado literário e a sua difusão pela cultura ocidental no decorrer dos séculos.
Quanto ao objeto e a problemática, a análise se manterá sobre o
posicionamento de Josefo ao lado dos Romanos, no conteúdo da obra Guerra dos
Judeus. As hipóteses procurarão revelar, através das razões que moveram Josefo a
defender os Romanos, a pertinência de se justificar aquela dominação naquele
determinado território. Para um judeu do século I, o seu território e tudo o que nele
estivesse era considerado como sagrado, dado pelo próprio Deus, elementos que
foram consolidados com aproximadamente dois mil anos de tradição. Josefo, de
forma contrária, coloca os Romanos como enviados por Deus a julgar o seu povo. O
Cerco em Jerusalém e a destruição do templo para Josefo foram provocadas por
culpa dos próprios judeus, principalmente dos revoltados. Dessa forma os analisa em
sua construção da Guerra dos Judeus. A problemática procurará responder o porquê
de Josefo causar tanto desconforto em seus compatriotas para defender a atuação
de Roma sobre a região da Judéia.
Tendo como objetivos específicos à análise, por um lado, das justificativas da
obra como divulgadora de Tito em Roma, e de outro, as justificativas pessoais de
Josefo, procurando evidenciar o que o levou a escrever a obra com esta determinada
atitude. Posteriormente, procurarei entrelaçar estes pontos de abordagem um com o
outro, observando, principalmente entre os fatos narrados por Josefo, a exaltação de
Roma e de Tito – “propaganda” a Roma – e as suas justificativas pessoais – a si e
aos seus irmãos. Concluindo, nesse sentido, “o porquê, ou, os porquês” da atitude
filo românica de Josefo.
6
JOSEFO, F. La Guerra De Los Judíos – Livros I-III. Flávio Josefo; introdução, tradução e notas de
Jesús M.ª Nieto Ibánez. Madri: Gredos Ed. 1997. Fotocópia cedida pela Biblioteca Claretiana em
Curitiba.
9
Por fim, quando proponho entrelaçar os dois objetivos desta pesquisa procuro
observar que elas apontam para uma mesma direção. De um lado, uma propaganda
é sempre marcada por exageros previamente estabelecidos, evidenciando um fim
último mais lucrativo com relação aos seus interesses e, por outro, uma justificativa
pessoal de uma atitude controversa geralmente omite certos fatos que não
interessam. As duas não são neutras e tem uma preocupação em construir uma
verdade por um viés previamente estabelecido. Assim parece surgir a suspeita que
Josefo estava apenas defendendo o seu interesse de sobrevivência diante da
eminente morte ao lado dos judeus, porém isso não explicaria o porquê de defendêlos tão ferrenhamente, a ponto de justificá-los teologicamente dentro da sua
interpretação religiosa. Será que Josefo estava consciente com relação à utilização
da sua obra em forma de “propaganda”, ou como divulgação, por parte de Tito? Ou,
pela obra ser tão convicta por parte de Josefo, esta se tornou uma obra
indispensável na hora de se observar às atitudes de Tito na Judéia, se tornando
assim, posteriormente a sua escrita, um elemento da propaganda de Tito? Visto que
no tomo VII há o epílogo da guerra, contando com a entrada triunfal de Tito em
Roma juntamente com vários objetos judaicos que se tornaram símbolos da
conquista romana, como o “Arco de Tito”, em Roma, construídos como referência à
vitória Romana na região judaica, ressaltando os tesouros dos judeus retirados do
Templo e o Candelabro de Ouro como despojo pela guerra. Sendo assim, seria a
obra Guerra dos Judeus mais um adereço da sua propaganda oficial imperial por
parte de Tito em Roma? Em vários sentido, principalmente apontado pela
bibliografia, parece que a pergunta primeira, com relação ao posicionamento filo
românico de Josefo, no conteúdo da obra, se ofusca em um emaranhado de
justificativas pessoais por parte de Josefo e quase se perde em meio a uma neblina
de interpretações historiográficas e religiosas. Sendo assim, estes resultados se
tornam muito superficiais. Porém, com esta pesquisa, pretendo chegar a conclusões
mais aprofundadas sobre o assunto.
O quadro teórico metodológico é apontado pela bibliografia, partindo de uma
análise das fontes observando o caráter filo românico de Josefo como que uma
atitude pessoal, política e religiosa, sendo difícil de distingui-las separadamente.
A partir de Goodman, em A Classe dirigente da Judéia: As Origens da Revolta
Judaica Contra Roma, 66-70 d.C, podemos observar que Josefo, no conteúdo da
sua obra, justifica e exalta as atitudes de Tito. Procura descrever o contexto da
10
Guerra como digna de um Imperador Romano7. As implicações disto estão presentes
em todo o conteúdo de Guerra dos Judeus. Roma era considerada como portadora
de certa diplomacia e, dificilmente, tomaria àquela atitude de violência. Goodman
observa que Josefo aumentou ou ocultou certos fatos para não dar a entender que
Tito foi o responsável. O posicionamento de Josefo o leva a culpar os seus irmãos do
povo judaico como os tais responsáveis. Josefo passa a culpar todos os líderes
militares judeus de estarem à frente dos revolucionários, pois ocupariam esta
posição sem legitimidade, ou seja, de forma impositiva – eram tiranos e fanáticos
que não conseguiam compreender a inutilidade da revolta. Goodman parece se
importar com os comentários que Josefo faz com relação as suas justificativas
pessoais, que coloca os seus irmãos como portadores de fanatismo religioso.
Goodman observa Josefo não se considerava culpado, muito pelo contrário, há todo
um esforço em se separar desses revoltosos. Pois agora ao lado de Roma não
poderia mais ser taxado de culpado ou como um dos responsáveis pela revolta.
Josefo coloca-se, juntamente com alguns poucos amigos judeus, como filo romano,
esta sendo dentro desta obra de Josefo a atitude mais sábia de todas, e a dos outros
judeus, que estavam em situação de revolta para com Roma, como sendo uma ralé
misticamente fanática, portadora de uma postura tola. Vale observar que antes da
sua passagem para o lado dos romanos o próprio Josefo foi General contra Roma,
mas agora, deste lado, não se considerava culpado pelas origens da revolta. Por um
outro viés, Goodman, não deixa de observar as justificativas políticas romanas
presentes na obra, onde há a exaltação de certos valores judaicos para a explicação
de Roma não estar enfrentando um inimigo qualquer. Josefo exalta a figura de Tito e
das tropas romanas que obtiveram a vitória contra um inimigo com características
fora do comum.
Hadas-Lebel, em Flávio Josefo – O Judeu de Roma parte para uma análise
mais ampla das fontes, formando um estudo da vida de Josefo, não se restringindo a
Guerra dos Judeus para estudar Josefo. Hadas-Lebel utiliza todas as obras de
Josefo para formar a sua escrita, discutindo também com as tradições religiosas da
época. Comenta que as raízes da posição de Josefo estão presentes na sua
formação educacional e religiosa. No momento da revolta Josefo possuía grande
7
GOODMAN, Martin. A Classe dirigente da Judéia: As Origens da Revolta Judaica Contra
Roma, 66-70 D.C. Martin Goodman; tradução Alexandre Lissovsky e Eliszabeth Lissovsky. – Rio de
Janeiro: Imago ED., 1994. 268p. (Coleção Bereshit). Pg. 201 a 206.
11
conhecimento de Roma e também das legiões militares. Hadas-Lebel observa a
importância da viagem de Josefo a Roma, o que possibilitou a compreensão dos
valores romanos, o colocando em uma posição considerada por si como privilegiada
com relação aos seus irmãos judeus revoltosos, num sentido de saber quem
realmente era o mais forte. Hadas-Lebel comenta que as características de Josefo
como governador de certas províncias judaicas possuiu certa tendência a se manter
o mais diplomático possível, tentando conciliar vários interesses.
Hadas-Lebel e Ibáñes8 apontam contradições nos relatos de Josefo,
principalmente com relação à obra Guerra dos Judeus da sua Autobiografia. Há uma
tendência a suspeitar que Josefo no final de sua vida se mostrou como um homem
frustrado e traidor do seu povo ou, de uma outra forma, outros que procuram
explicar, com várias tendências historiográficas menos compromissadas, como
salvador de sua cultura através de sua atitude filo românica, como foi o caso de
Yohanan Ben Zakkai que apresentaria as mesmas características de Josefo, porém
mais idealizado pelas seitas judaicas, que o mostram como procurando salvar a sua
cultura com a sua posição de filo romano, não como defendendo os seus interesses,
mas dando uma exaltação as convicções religiosas9.
As fontes que serão analisadas serão os tomos II e V da obra A História de
Tácito; os tomos III, V, VI e VII da obra Guerra dos Judeus de Flávio Josefo. A obra
original foi escrita em língua materna de Josefo, hebraico ou a sua variação
aramaica, porém esta desapareceu restando apenas a sua versão em língua
grega10.
Como auxílio para a observação da conjuntura do século I d.C em Jerusalém,
momento no qual Flávio Josefo viveu e redigiu a sua obra, com uma visão
essencialmente Romana, será observado os tomos II e V da obra A História de
Tácito11. A obra, A História de Tácito foi escrita em 105 a 114 d.C, tratando de um
8
HADAS-LEBEL, Mireille. Flávio Josefo: O Judeu de Roma. Mirreille Hadas-Lebel; tradução Paula
Rossas. Rio de Janeiro: Imago Ed. 1991. 290p. (Série Diversos). Pg. 15
JOSEFO, F. La Guerra De Los Judíos – Livros I-III. Flávio Josefo; introdução, tradução e notas de
Jesús M.ª Nieto Ibánez. Madri: Gredos Ed. 1997. Pg. 26
9
HADAS-LEBEL, Mireille. Flávio Josefo: O Judeu de Roma. Mirreille Hadas-Lebel; tradução Paula
Rossas. Rio de Janeiro: Imago Ed. 1991. 290p. (Série Diversos). Pg. 132 a 135. em Josefo e o seu
duplo.
10
FONTANA, J. A História dos Homens. Tradução Heloisa Reichel e Marcelo da Costa. Bauru, SP.
Edusc, 2004. Pg. 44 “Flávio Josefo, em seus escritos Guerras dos Judeus, obra que foi escrita em
aramaico e, posteriormente traduzida, pelo mesmo autor, para o grego.”
11
A obra está disponível em versão on-line na Tufts University, em Massachusests USA. Há na Tufts
o chamado Projeto Perseus, que disponibiliza quase toda a literatura grego-romana clássica em suas
12
período de 69 até 96 d.C, da morte de Nero até o final do governo de Domiciano,
perpassando pelos períodos onde governaram os imperadores Galba, Oto, Vitélio,
Vespasiano e Tito. No tomo II da sua obra, além de outros assuntos, Tácito
menciona as campanhas finais de Vespasiano na Judéia, dizendo que ainda faltava
a tomada da cidade de Jerusalém. No tomo V, além de outros assuntos, Tácito
retrata a campanha de Tito especificamente em Jerusalém, destacando as
estratégias de Tito para tomar a cidade e a resistência dos judeus para defendê-la12.
A obra Guerra dos Judeus de Flávio Josefo foi escrita em aproximadamente
75 a 79 d.C, sendo composta por setes tomos em língua grega. Os trechos a serem
analisados neste trabalho, como base para esta pesquisa, estarão em volta do
culminar da campanha de Tito na Judéia, principalmente em torno da cidade de
Jerusalém. Os tomos a serem trabalhados serão especificamente os III, V, VI e VII
da obra Guerra dos Judeus, que estão disponíveis em versão on-line na Tufts
University.
No tomo III, Josefo comenta sobre a chegada de Vespasiano na Judéia, em
torno do outono de 67 d.C, onde ocorreu a tomada da cidade de Jotapata e a
rendição de Josefo aos romanos. Analisa, de forma muito particular, as formações do
exército romano, suas armas, suas disciplinas, assim, justificando a superioridade
militar romana. No tomo V, temos as campanhas de Tito em Jerusalém, a época gira
em torno da primavera de 70 d.C. A cidade caiu sobre o poderio romano em
Setembro daquele ano. No tomo VI observamos a escrita sobre a queda de
Jerusalém e a queima do Templo, aqui há uma preocupação extrema de Josefo em
não culpar Tito pelo ocorrido, mas sim mostrar que os culpados foram os rebeldes e,
de certo modo, os soldados romanos, que queimavam tudo com sede de ouro e
despojos de guerra. No tomo VII há o epílogo da guerra contando com a entrada
triunfal de Tito em Roma13, onde podemos ver a forma com que Tito preservou
alguns escolhidos dentre os revoltosos judeus e os seus símbolos de adoração no
templo. Neste sentido, podemos observar o valor das divulgações de campanhas
feitas por líderes romanos em áreas distantes da cidade Roma, sendo assim uma
versões originais e traduções para o inglês, que será fundamental para a análise de trechos em latim
da obra de Tácito e em grego da de Josefo.
12
GORGES, Ediberto Aloysio. A História, a Germânia e os Anais de Tácito. Rio de Janeiro, UFRJ,
IFCS, 1987. (Tese: Mestre em História Antiga).
13
JOSEFO, F. La Guerra De Los Judíos – Livros I-III. Flávio Josefo; introdução, tradução e notas de
Jesús M.ª Nieto Ibánez. Madri: Gredos Ed. 1997.
13
espécie de explicação para evitar futuras revoltas, pois teriam o mesmo tratamento
se revoltassem.
Por fim, visto que o objetivo deste trabalho é analisar, no conteúdo da obra
Guerras Judaicas de Josefo, o porquê da sua mudança “de lado” de Josefo na
guerra entre judeus e romanos, não poderia faltar uma análise sobre a denominada
Autobiografia escrita por Flávio Josefo ou também chamada de Vida de Flávio Josefo
escrita por ele mesmo. Segundo Hadas-Lebel esta foi à última obra escrita por
Josefo, depois de Antiguidades Judaicas e de Contra Apion. A sua Autobiografia14 é
um texto curto onde Josefo procura resumir a sua vida, porém dá ênfase ao
momento conjuntural que perpassa a Guerra dos judeus contra os romanos, como
que se estivesse se justificando.
BIOGRAFIA
Importância da Formação de Josefo no seu Posicionamento Filo Romano
Josefo era filho da eminente tribo de Levi dentro da comunidade judaica, isto
representava que a sua descendência estava a cargo das funções sacerdotais.
Possuía a cidadania romana, com um admirável conhecimento nas línguas orientais,
como o hebraico e o aramaico, e nas ocidentais, tanto o grego como o latim.
Desde pequeno Josefo foi instruído na Lei judaica, aprendendo a ler desde
cedo. Quando jovem passou pelas seitas religiosas de seu tempo, tais como a dos
fariseus, a dos saduceus e a dos essênios. Conforme Hadas-Lebel, os fariseus eram
a seita mais vigorosa do judaísmo15. Enquanto que os saduceus estavam em
decadência. Com algumas diferenças de interpretação do Antigo Testamento, os
Saduceus apresentavam um comportamento social pouco agradável, principalmente
contra os estrangeiros. Os Essênios, sendo estes a ala mais radical e isolada do
judaísmo, hoje conhecidos pelos seus manuscritos encontrados próximos ao Mar
Morto, a partir de 1947. Dentre estes documentos encontrados há um que se
denomina de “da Regra”. Este expressa a forma rígida como viviam os essênios.
Josefo os exalta e os admira em sua obra, porém, não se propõe a caminhar por
14
JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus. Tradução de Vicente Pedroso. Rio de Janeiro. CPAD,
1990. Pg. 476 – 495. Texto foi cedido pela Biblioteca Claretiana em Curitiba
15
HADAS-LEBEL, Mireille. Flávio Josefo: O Judeu de Roma. Mirreille Hadas-Lebel; tradução Paula
Rossas. Rio de Janeiro: Imago Ed. 1991. 290p. (Série Diversos). Pg. 40
14
este caminho em sua formação. Um isolamento total da sociedade de sua época,
não era algo que Josefo estava disposto a seguir.
Dos dezesseis aos dezenove anos Josefo se juntou a um eremita chamado de
Banus. Teve uma experiência religiosa profunda, e segundo Hadas-Lebel,
conquistou um desapego admirável por coisas materiais16. Neste momento também
Josefo conquistou o conhecimento necessário com relação aos assuntos espirituais,
que foram tão importantes no momento que profetiza à Vespasiano, se é que este
momento realmente existiu17.
Dos dezenove anos até os vinte e seis Josefo esteve casado e junto com a
sua família em Jerusalém. Aos vinte e seis anos de idade foi à Roma em uma
missão para conquistar a liberdade de alguns “homens distintos” de Jerusalém.
Neste momento, Josefo percebeu alguns valores romanos, tais como a centralização
do poder, algo que neste período se apresentava bastante consolidado, era o
décimo ano do governo de Nero, e com a plena certeza um conhecimento das
Legiões Romanas.
Depois do sucesso de sua missão, voltou a Jerusalém com os dois sacerdotes
libertos. Depois de voltar de Roma, Hadas-Lebel o coloca como não apoiador de um
levante contra Roma. Isto devido ao conhecimento que teve das forças romanas.
Josefo afirma que foram os líderes da Judéia que os fizeram se levantar
contra Roma. “Obrigou-nos a começar a guerra contra os romanos porque
preferíamos morrer por atacado a morrer aos poucos”18.
Enfim, Josefo foi um general, profeta e sacerdote, um escritor filo Romano,
como Ivan Rocha destaca: “Flávio Josefo representa a corrente moderada dos
judeus, aliada dos romanos, que descreve os inimigos de Roma como seus
16
HADAS-LEBEL, Mireille. Flávio Josefo: O Judeu de Roma. Mirreille Hadas-Lebel; tradução Paula
Rossas. Rio de Janeiro: Imago Ed. 1991. 290p. (Série Diversos). Pg. 48 e 49
17
Dois anos depois, cumprida a profecia, foi libertado e adotou o nome de Flavius Josephus.
Acompanhou Vespasiano a Alexandria e depois seguiu as legiões de Tito, no assédio a Jerusalém,
em 70. Protegido por Vespasiano e por Domiciano, dedicou-se à historiografia. Josefo não contou
com a estima dos historiadores hebraicos e foi mesmo acusado de traição por Justo de Tibérias.
Rebateu as acusações na Autobiografia, em que se apresenta como adepto do realismo contra o
extremismo na guerra judaico-romana e declara ter previsto a derrota de Jerusalém. Na História da
guerra judaica (75-79) acusa os fariseus radicais de conduzirem o povo judeu à catástrofe, mas em
Antiguidades judaicas (93-94) faz a apologia das instituições hebraicas. Josefo morreu em Roma, no
ano 100 da era cristã. ©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. Versão Digital
18
Antiguidades Judaicas, 20. 257
15
inimigos19”. Os romanos são considerados quase como um Messias para Flávio
Josefo, salvadores contra os “tiranos”.
“Flávio Josefo demonstrou que podia ter
apenas um controle literário sobre os conflitos, obtendo direta ou indiretamente
muitas informações sobre eles, mantendo seus artifícios retóricos, a serviço do poder
romano.”20
Josefo, depois de sua campanha junto a Tito, foi a Roma, onde passou os
restos de seus dias dedicando-se a escrita de suas obras21. Neste contexto
receberia a intitulação que faria parte do seu nome, Flavius.
Josefo e a sua Guerra
A obra de Josefo é considerada uma das mais importantes sobre os
acontecimentos na Palestina no século I d.C. Guerra dos Judeus é considerada
como “sua primeira e mais famosa obra”. Ivan Rocha destaca que Flávio Josefo foi
usado, sobretudo, pela Igreja, por tratar-se praticamente do único documento
contemporâneo no início do cristianismo. Na literatura cristã está presente em
Orígenes (184-254 ), Eusébio de Cesárea (265-340 ) e Jerônimo (342-420). Durante
a Idade Média, Flávio Josefo chegou a ser o autor antigo mais lido além da Bíblia.
São inúmeras as edições completas ou parciais de suas obras, publicadas a partir de
154422. Um dos motivos que pode justificar a utilização da obra de Josefo pelos
cristãos é o fato da destruição de Jerusalém, fato que coloca um fim cabal aos
sacrifícios exercidos pelos judeus não-cristãos. Pois para alguns cristãos o Cerco em
70 d.C, em Jerusalém, e a destruição do Templo, representaram o final completo da
Antiga Aliança, que foi estabelecida com Moisés no Monte Sinai. No pensamento
cristão, a Nova Aliança é representada por Cristo no Calvário. É atribuído também ao
19
ROCHA, Ivan Esperança. Dominadores e dominados na Palestina do século I. Departamento de
História - Faculdade de Ciências e Letras. UNESP. Assis, SP. Revista História v.23 n.12 Franca 2004. Consultado em [http://www.scielo.br/scielo.php].
20
Ibid.
21
Dois anos depois, cumprida a profecia, foi libertado e adotou o nome de Flavius Josephus.
Acompanhou Vespasiano a Alexandria e depois seguiu as legiões de Tito, no assédio a Jerusalém,
em 70. Protegido por Vespasiano e por Domiciano, dedicou-se à historiografia. Josefo não contou
com a estima dos historiadores hebraicos e foi mesmo acusado de traição por Justo de Tibérias.
Rebateu as acusações na Autobiografia, em que se apresenta como adepto do realismo contra o
extremismo na guerra judaico-romana e declara ter previsto a derrota de Jerusalém. Na História da
guerra judaica (75-79) acusa os fariseus radicais de conduzirem o povo judeu à catástrofe, mas em
Antiguidades judaicas (93-94) faz a apologia das instituições hebraicas. Josefo morreu em Roma, no
ano 100 da era cristã. ©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. Versão Digital
22
ROCHA, Ivan Esperança. Dominadores e dominados na Palestina do século I. Departamento de
História - Faculdade de Ciências e Letras. UNESP. Assis, SP. Revista História v.23 n.12 Franca 2004. Consultado em [http://www.scielo.br/scielo.php].
16
fato da destruição de 70 d.C, pelo pensamento cristão, o cumprimento das palavras
de Jesus sobre a destruição do Templo: “E, saindo ele do templo, disse-lhe um dos
seus discípulos: Mestre, olha que pedras, e que edifícios! E, respondendo Jesus,
disse-lhe: Vês estes grandes edifícios? Não ficará pedra sobre pedra que não seja
derrubada. E, assentando-se ele no Monte das Oliveiras, defronte do templo.”
(Marcos 13.1-3).
A utilização de Josefo ainda continua bastante grande, pois na internet há
mais de 1500 sites comentando sobre Josefo23.
Flávio Josefo se colocou como uma testemunha ocular dos acontecimentos24.
Apesar disso, muitos dos seus relatos sofreram distorções, isso tem se evidenciado
cada vez mais com os estudos que procuram confrontar a obra de Flávio Josefo com
as descobertas arqueológicas. Neste sentido, podemos observar que Josefo
cometeu muitos equívocos em exaltar certas características que talvez não tivessem
denotativamente ocorrido, como foi relatado25.
Flávio Josefo e a tradição político-judaica presente em Jeremias
Flávio Josefo possui um paralelo na tradição judaica, tanto na sua escrita
quanto no seu posicionamento ideológico. Flávio Josefo foi filo Romano e o profeta
Jeremias, anteriormente, filo Babilônico. Enquanto Jeremias escreveu para culpar os
líderes por se revoltarem contra os Babilônicos e justificar a atuação da Babilônia
sobre toda a região da Palestina, Josefo escreveu para legitimar a atuação de Roma
sobre a Judéia e, também, para culpar os líderes “tirânicos” pela revolta contra
Roma. Tanto Josefo como Jeremias se consideravam profetas enviados por Deus,
23
Dentre essas páginas on-lines sobre as obras de Flávio Josefo, podem ser destacados bibliografias
on-line, cronologias, informações sobre conferências, e congressos relacionados com o tema. Há
também, pela Universidade de Münster, especificamente no Institutum Judaicum Delitzschianum, uma
bibliografia constantemente atualizada sobre Flávio Josefo.
ROCHA, Ivan Esperança. Dominadores e dominados na Palestina do século I. Departamento de
História - Faculdade de Ciências e Letras. UNESP. Assis, SP. Revista História v.23 n.12 Franca 2004. Consultado em [http://www.scielo.br/scielo.php].
24
Guerra dos Judeus 1.1-23
25
Para uma bibliografia sobre a contribuição da arqueologia no estudo das obras de Flavio Josefo ver:
FELDMAN, Louis H. Josephus and Modern Scholarship (1937-1980). New York: Wlaer de Gruyter,
1984, p.735-769. Ou também BROSCHI, Magen. The credibility of Josephus. Jornal of Jewish
Studies, n.33, p.379-384, 1982, p.379-380, 383. Notas de Rodapé de ROCHA, Ivan Esperança.
Dominadores e dominados na Palestina do século I. Departamento de História - Faculdade de
Ciências e Letras. UNESP. Assis, SP. Revista História v.23 n.1-2 Franca 2004. Consultado em
[http://www.scielo.br/scielo.php].
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com o direito de ouvir a sua voz e anunciá-la. Os dois, em diferentes épocas,
enfrentam o Cerco e a destruição à Jerusalém; Jeremias supostamente no século VI
a.C e Flávio Josefo no século I d.C. Enfrentaram oposição, tanto do povo como dos
sacerdotes e profetas, por seu posicionamento ao lado do “inimigo”. Nas duas obras
há referências à miséria que o povo judeu foi reduzido e, sendo isto, um castigo
enviado pelo próprio Deus.
Antes de tudo é preciso ressaltar que a concepção de política e religião para o
mundo antigo oriental está estreitamente ligada, não podendo ser interpretada
separadamente, mas as entendendo como uma construção e legitimação de uma
determinada posição política e ideológica, sendo consideradas como um único
elemento. No século primeiro, tanto para Josefo, com ênfase no pensamento
oriental, como para Tácito26, com ênfase no pensamento latino, a importância dos
elementos religiosos e políticos estão extremamente ligados.
Flávio Josefo possuiu modelos de escrita, tanto influências gregas, Tucídides,
como dentro da tradição judaica, Jeremias. Esta idéia foi apontada por Dobroruka27,
em Josefo, A Literatura Apocalíptica e a Revolta de 70 na Judéia. Flávio Josefo ao
escrever a sua obra, Guerra dos Judeus, mostra-se muito semelhante com o profeta
da tradição judaica Jeremias. Há claramente uma tendência do historiador filo
romano em se basear na tradição política dos seus antepassados judaicos. Isto fica
claro quando em sua obra afirma que os judeus durante quase toda a sua história
estiveram sobre o domínio de outros povos. Quando Josefo está diante de
Jerusalém, discurso que aparece no seu livro cinco da Guerra dos Judeus, diz que
os judeus já tinham estado sob o governo dos Egípcios, dos Assírios, dos
Babilônicos, dos Persas, dos Gregos e agora dos Romanos. Tendo, segundo Josefo,
momentos de independência dados unicamente por Deus, como foi no caso do
Êxodo Bíblico, momento em que Deus teria operado milagres com as pragas ao
Faraó e ao povo Egípcio. Neste sentido, Josefo se acopla de uma tradição política
26
Tácito, em sua obra História, quando evidência a escolha dos imperadores, apresenta Vespasiano
como um escolhido pelos oráculos, não como um deus, mas como um homem ilustre, de forma
transcendental, desde o seu nascimento. Isto se evidenciaria, cada vez mais, com as conquistas no
Oriente, onde também foi elogiado por sacerdotes e anciões.
“This, as the Haruspices agreed, was an omen of brilliant success, and the highest distinction
seemed prophesied to Vespasian in early youth. At first, however, the honours of a triumph, his
consulate, and the glory of his victories in Judæa, appeared to have justified the truth of the omen.”
(Tácito, livro II, 72)
27
DOBRORUKA, V. Josefo, A Literatura Apocalíptica e a Revolta de 70 na Judéia. PHOÎNIX, Rio
de Janeiro, 8: 372-391, 2002. Texto presente na Biblioteca da Reitoria – UFPR.
18
que estava presente em toda a tradição de seu povo, mais especificamente em
Jeremias, para defender a rendição dos sitiados de Jerusalém e de toda Judéia aos
romanos.
Quando nos reportamos aos livros do Antigo Testamento não podemos nos
esquecer que a conjuntura de sua escrita perpassa por um amplo debate, tanto
acadêmico, historiográfico, como religioso, seja cristão ou judaico. Como nos lembra
Leite28 os textos do Antigo Testamento não foram concluídos em sua versão atual
pelo menos até o período do domínio persa, isto é, algo em torno do século IV a.C29.
Em Jeremias, especificamente, não há a preocupação em se fazer história,
mas sim, o livro veio a existir unicamente com propósitos religiosos. Quando o
compreendemos como tradição, estamos aqui fazendo uma análise mais fria e
distante do objeto não o entendendo como portador de elementos de “regra de fé” seja judaico ou cristão. Considerando as críticas externas, observando as condições
possíveis para a sua escrita e posteriores traduções, mantemos aqui uma posição
mais acadêmica e mais cética com relação ao conteúdo da obra. Somente neste
sentido passamos a considerar os acontecimentos históricos presentes no texto
judaico. Enquanto que a visão mais religiosa manteria uma interpretação mais literal
do livro aplicando pouca, ou senão nenhuma, crítica ao conteúdo do texto.
Jeremias é considerado, dentro da tradição judaica, como escritor de dois
livros do Antigo Testamento, tanto de Jeremias, classificado como um dos profetas
maiores da antiga Aliança, como também de Lamentação de Jeremias. No primeiro
livro, além de contar com a ajuda de auxiliares, tais como Baruque e Jeudi30,
comenta sobre os Cercos Babilônicos exortando o povo judeu de seu tempo a se
render diante do “inimigo”. No segundo livro o autor idealiza a cidade de Jerusalém,
dirigindo-se a ela como uma pessoa, mostrando a realidade da sua calamidade
diante do Cerco Babilônico.
Jeremias, considerado pela tradição, viveu na época em que Nabucodonosor,
chefe Babilônico se lançou a conquistar a Mesopotâmia e o reino do Sul dos judeus.
28
LEITE, E. Cosmogonias Védica e Judaica. PHOÎNIX, Rio de Janeiro, 10: 100-110, 2004. Texto
presente na Biblioteca da Reitoria – UFPR.
29
Para uma versão interpretativa da criação dos textos do Antigo Testamento mais remota ver:
MCDOWELL, J. A Criação do Antigo Testamento, em Josh Macdowell Responde. Traduzido por
Yolanda M. Krievin. São Paulo, SP. Editora Candeia, 2001.
BRUCE, F. F. The Books and the Parchments [Os livros e Pergaminhos]. Westwood, N. J.: Revell,
1963.
30
Jeremias 36.4, 23.
19
Os babilônicos fizeram três cercos à cidade de Jerusalém, que foram acontecendo
de forma progressiva, até a destruição de Jerusalém e do seu Templo, diante da não
aceitação do povo em se submeter politicamente. No final da sua vida, Jeremias
estava juntamente com o povo que restou na cidade de Jerusalém pregando, através
de vários sermões, uma mensagem de rendição para que o povo se submetesse
politicamente aos Babilônicos. Porém, diante das oposições, Jeremias acabou
morrendo no Egito, onde muitos judeus revoltosos buscavam apoio político contra os
Babilônicos. Há certos fatores que precisam ser ressaltados com relação a estes
elementos da tradição: se Jeremias foi levado cativo ao Egito, e morto lá, como os
seus escritos sobreviveram? Talvez Jeremias tenha sido levado cativo à Babilônia,
onde sobreviveu e teve condições de escrever. Isto ganha relevância quando
consideramos que Jeremias era de família eminente em Jerusalém, sendo filho de
sacerdote. Além disto, os últimos capítulos do livro, do quarenta e seis ao cinqüenta
e dois, tratam das relações da Babilônia com outros povos, quando o profeta dirige
mensagens de alerta religioso a eles. Há, também, a possibilidade de este escrito ser
posterior: uma retomada da tradição oral daquele período antecedente, como nos
lembra Leite, sendo então propriamente escritos próximos ao século IV a.C, no final
do período persa e início do período helenístico.
Dentro dos livros históricos do povo de Israel, o livro de Reis do Antigo
Testamento, mais especificamente Segundo Livro de Reis da Bíblia Cristã, mostra
como os momentos do Cerco babilônico, foram se sucedendo. O livro de Jeremias
remonta a um passado que está em torno do século VII a.C, mais especificamente
abordando um momento onde os Babilônicos fazem três cercos em Jerusalém.
Dentro da tradição judaica31, o primeiro Cerco é considerado aproximadamente no
ano de 605 a.C, quando o Reino do Sul encontrava-se, à três anos, submetido aos
Babilônicos. Jeoiaquim, Rei de Judá se levantou contra Nabucodonosor. Uma
coligação de povos se reuniu para destruir Jerusalém: Caldeus, Siros, Moabitas e
Amonitas. Este Rei foi morto e seu filho Joaquim foi colocado em seu lugar. Por volta
de 597 a.C, com uma nova rebelião, os Babilônicos prenderam Joaquim, sua família,
todos os trabalhadores da terra, os servos do Rei e toda a riqueza do Templo, os
levando cativos para a Babilônia, restando na terra somente as pessoas pobres da
região. Zedequias, tio de Joaquim, foi colocado por Nabucodonosor para reinar na
31
2 Reis capítulos 24 e 25.
20
Judéia. Próximo do ano 586 a.C, Zedequias se rebelou contra à Babilônia. Os
Babilônicos, de forma violenta, devido à constante resistência dos judeus,
acamparam, cavaram trincheiras e montaram o cerco à cidade de Jerusalém. A
cidade passou por uma fome gravíssima. Os Babilônicos arrombaram as muralhas e
invadiram Jerusalém. Degolaram os filhos de Zedequias diante dele, furam os seus
olhos, colocam cadeias de bronze sobre ele, o levando para a Babilônia.
Nebuzaradã, general babilônico, se encarregou de queimar o Templo, a casa do Rei,
todas as casas de Jerusalém, depois de derrubar as colunas do Templo e os muros
da cidade. Os prisioneiros foram executados na cidade de Ribla. Por fim, os
Babilônicos deixaram poucas pessoas na terra, estas foram influenciadas pelos que
faziam resistências à Babilônia a fugir ao Egito, buscando auxílio político.
A situação dos judeus foi relativamente boa nos domínios da Babilônia, eram
bem tratados e respeitados. Na Babilônia, se prostravam diante das estátuas de
Nabucodonosor32, o que não implica que perderam os seus valores religiosos33. Os
Babilônicos apresentavam bastante tolerância religiosa para com os judeus e aos
povos submetidos, desde que pagassem os impostos e se submetessem
politicamente. No caso dos judeus, uma grande parte do povo não entendia como
ordem de Deus que eles se submetessem, gerando assim oposição à mensagem de
Jeremias, que era um filo babilônico.
O Modelo de Jeremias Presente em Josefo
Podemos analisar os paralelos nos dois autores, semelhanças que
dificilmente possam passar despercebidas por qualquer leitor. Tanto em Jeremias
quanto em Josefo há o relato de mães comendo os seus filhos diante da situação de
fome proporcionada pelo Cerco. Em Jeremias, num primeiro momento, como
predição: "E lhes farei comer a carne de seus filhos e a carne de suas filhas, e
comerá cada um a carne do seu amigo, no cerco e no aperto em que os apertarão os
seus inimigos, e os que buscam a vida deles." (Jeremias 19.9). E, posteriormente
32
Daniel 3.5,6: “Quando ouvirdes o som da buzina, da flauta, da harpa, da sambuca, do saltério, da
gaita de foles, e de toda a espécie de música, prostrar-vos-eis, e adorareis a estátua de ouro que o rei
Nabucodonosor tem levantado. E qualquer que não se prostrar e não a adorar, será na mesma hora
lançado dentro da fornalha de fogo ardente”.
33
Salmos 137.1 “Junto dos rios de Babilônia, ali nos assentamos e choramos, quando nos lembramos
de Sião”. Texto que é tido como evidência de reuniões religiosas judaicas nas terras longínquas da
Babilônia.
21
como acontecimento: “As mãos das mulheres compassivas cozeram seus próprios
filhos; serviram-lhes de alimento na destruição da filha do meu povo." (Lamentações
4.10).
Em Josefo há o relato de uma mulher eminente dentro do povo judeu que
estava dentro de Jerusalém no momento do Cerco. Esta possuía um filho que ainda
estava na sua fase de mama, porém diante da situação, não via motivo para
preservar o seu filho com vida. Assim decidiu que ele seria a sua comida34. Depois
de dizer algumas palavras, o assou, e o cheiro podia ser sentido de longe. Pessoas
famintas que estavam longe da casa foram ao local, com espada na garganta da
mulher, ordenaram que respondesse o que tinha ali preparado. A mulher os notificou
que era o seu filho e os persuadiu, em discurso, a não fazerem o seu sacrifício em
vão, mas que se alimentassem também da criança.
Tanto em Josefo quanto em Jeremias a culpa, pela situação extrema por qual
estão passando é, principalmente, dos líderes judeus e do povo por sua “rebeldia”
contra os verdadeiros profetas. Em Jeremias as expressões “fizeram o que era mal
aos olhos do Senhor (...) E se rebelou contra a Babilônia35” se repetem, num sentido
de se levantarem contra os Babilônicos e, assim, diretamente agirem contra a
vontade de Deus. Os autores enfatizam que os líderes do povo que seriam os mais
culpados, pois em Jeremias são os líderes que provocam a “rebelião” contra a
Babilônia e, em Josefo, são os líderes “tiranos” que a provocam contra Roma.
Tanto em Jeremias como em Josefo é Deus quem os condena. Josefo em seu
livro cinco comenta que os romanos teriam vindo para purificar Jerusalém. O Templo
deixou de ser um lugar do próprio Deus, como anteriormente era considerado, para
ser um lugar de ódio, de disputa entre “tiranos”, sendo agora um lugar profanado.
Neste sentido, Josefo argumenta que “Deus é o autor da tua destruição”. Jeremias
ressalta que o propósito de Deus a enviar os estrangeiros a julgar o povo era devido
as suas próprias desobediências:
"Assim diz o Senhor Deus de Israel: Eis que virarei contra vós as armas de
guerra, que estão nas vossas mãos, com que vós pelejais contra o rei de
8 ...”she said, O thou miserable infant! for whom shall I preserve thee in this war, this famine, and this
sedition? As to the war with the Romans, if they preserve our lives, we must be slaves. This famine
also will destroy us, even before that slavery comes upon us. Yet are these seditious rogues more
terrible than both the other. Come on; be thou my food, and be thou a fury to these seditious varlets,
and a by-word to the world, which is all that is now wanting to complete the calamities of us Jews."...
(Josefo, livro VI, 201)
35
Jeremias 52.2,3
22
Babilônia, e contra os caldeus, que vos têm cercado de fora dos muros, e
ajuntá-los-ei no meio desta cidade... E entregar-te-ei na mão dos que
buscam a tua vida, e na mão daqueles diante de quem tu temes, a saber, na
mão de Nabucodonosor, rei de Babilônia, e na mão dos caldeus." (Jeremias
22.25 e 21.4)
Tanto em Jeremias como em Josefo aparecem personagens que se dizem
profetas divinos, e que exortam o povo a se levantarem contra os “inimigos”,
alegando a vitória dada por Deus. Tanto Jeremias como também Josefo continuaram
a enfatizar, em nome de Deus, a rendição. No caso de Jeremias, deu ênfase a
submissão aos Babilônicos:
“E acontecerá que, se alguma nação e reino não servirem o mesmo
Nabucodonosor, rei de Babilônia, e não puserem o seu pescoço debaixo do
jugo do rei de Babilônia, a este povo o castigarei com espada, e com fome, e
com peste, diz o Senhor, até que a consuma pela sua mão. Mas o povo que
colocar o seu pescoço sob o jugo do rei de Babilônia, e o servir, eu a
deixarei na sua terra, diz o Senhor, e lavrá-la-á e habitará nela.” (Jeremias
27.8,11).
Depois desta passagem Jeremias enfrenta um “falso profeta”, que desfaz a
sua encenação quebrando o julgo que estava com ele dizendo que deveriam de se
levantar contra os Babilônicos:
“Então Hananias, o profeta, tomou o jugo do pescoço do profeta Jeremias, e
o quebrou. E falou Hananias na presença de todo o povo, dizendo: Assim
diz o Senhor: Assim, passados dois anos completos, quebrarei o jugo de
Nabucodonosor, rei de Babilônia, de sobre o pescoço de todos os povos. E
Jeremias, o profeta, seguiu o seu caminho.” (Jeremias 28.10,11)
Josefo, no seu livro seis da Guerra dos Judeus, mostra como os “falsos
profetas” ordenaram ao povo para eles se refugiarem no Templo e esperassem por
um livramento divino. Estes profetas agiram incitados pelos líderes “tirânicos”.
Contrapondo em seu discurso diante de Jerusalém, Josefo fez uma retrospectiva
sobre os presságios que alertaram o povo sobre a futura destruição que viria sobre a
cidade; porém, o povo judeu e os seus líderes, naquele momento passado,
desacreditaram destas profecias.
Tanto Josefo como Jeremias se consideram, em suas respectivas obras,
profetas de Deus, que ouvem a sua voz e anunciam a sua vontade. Josefo no
momento da sua rendição aos Romanos, ora a Deus dizendo que os favores antes
dados por Deus aos Judeus agora faziam parte do povo Romano, afirma, em oração,
que não está indo aos romanos como um desertor dos judeus, mas como um
23
ministro de Deus36. Jeremias, no início de suas funções como profeta, como foi o
objetivo principal em toda a sua obra, faz um diálogo com Deus tentando negar a sua
função37. Mas por fim a aceita e é recompensado como uma visão.
Um dos aspectos que diferencia Josefo de Jeremias é com relação a sua
morte. Jeremias é considerado, dentro da tradição judaica, como mártir, pois morreu
entre os pobres do seu povo defendendo o seu posicionamento, mesmo diante da
oposição dos judeus mais radicais permaneceu firme em sua afirmação, o que gerou
supostamente a sua morte no Egito. Josefo, como apresenta Hadas-Lebel 38, deixou
a Judéia com trinta e três anos de idade, passando o resto da sua vida em Roma,
onde sucederam no mínimo quatro Imperadores até a sua morte em 100 d.C39.
Porém, outros duvidam que tenha chegado a ver Trajano no poder alegando que
teria morrido cinco anos antes. Teve esposa e filhos em Roma, enquanto Jeremias,
segundo a tradição, foi aconselhado por Deus a ficar só40.
Josefo, porém, dentro da tradição judaica, não morre como um profeta sem
valores de mártir; assim, há uma construção, uma outra versão, sobre o autor, o que
Hadas-Lebel aponta como o seu duplo41. Com tendências historiográficas menos
compromissadas, apresentam Josefo como salvador de sua cultura através de sua
atitude de filo romano, como foi o caso de Yohanan Ben Zakkai, que apresentaria as
mesmas características de Josefo, porém mais idealizado pelas seitas judaicas, não
defendendo os seus interesses, mas dando uma exaltação direta as convicções
36
... “and since all their good fortune is gone over to the Romans... I do not go over to the Romans as
a deserter of the Jews, but as a minister from thee”. (Josefo, livro III, 350)
37
“Assim veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: Antes que te formasse no ventre te conheci, e
antes que saísses da madre, te santifiquei; aos povos te dei por profeta. Então disse eu: Ah, Senhor
Deus! Eis que não sei falar; porque ainda sou um menino. Mas o Senhor me disse: Não digas: Eu sou
um menino; porque a todos a quem eu te enviar, irás; e tudo quanto te mandar, falarás. Não temas
diante deles; porque estou contigo para te livrar, diz o Senhor. (Jeremias 1.4-8)
38
HADAS-LEBEL, Mireille. Flávio Josefo: O Judeu de Roma. Mirreille Hadas-Lebel; tradução Paula
Rossas. Rio de Janeiro: Imago Ed. 1991. 290p. (Série Diversos).
39
©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.
40
“E veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: Não tomarás para ti mulher, nem terás filhos nem
filhas neste lugar. Porque assim diz o Senhor, acerca dos filhos e das filhas que nascerem neste
lugar, acerca de suas mães, que os tiverem, e de seus pais que os gerarem nesta terra: Morrerão de
enfermidades dolorosas, e não serão pranteados nem sepultados; servirão de esterco sobre a face da
terra; e pela espada e pela fome serão consumidos, e os seus cadáveres servirão de mantimento
para as aves do céu e para os animais da terra”. (Jeremias 16.1,4 )
Josefo esteve casado quatro vezes. HADAS-LEBEL, Mireille. Flávio Josefo: O Judeu de Roma.
Mirreille Hadas-Lebel; tradução Paula Rossas. Rio de Janeiro: Imago Ed. 1991. 290p. (Série
Diversos). Pg. 15
41
Ibid. Pg. 132 a 135. em Josefo e o seu duplo
24
religiosas. Diante do Cerco, não de Jotapata, mas de Jerusalém42, Yohanan Ben
Zakkai, a segunda versão de Josefo, teria passado como morto junto com rolos da lei
dentro de um caixão, quando este foi aberto, se mostrou vivo e foi colocado diante
de Vespasiano, onde profetizou que este seria Imperador, imediatamente chegaram
mensageiros dizendo que Nero estava morto. Vespasiano diante do acontecido
concedeu privilégios ao sacerdote judaico.
Um outro ponto que diferencia Josefo de Jeremias é que o primeiro acreditava
que estava fazendo uma história verdadeira. Sendo esta uma influência, não da
tradição judaica, mais sim, dos valores provenientes da cultura helenística, mais
especificamente de Tucídides43. Mesmo com uma obra recheada de elementos da
tradição religiosa judaica, e de posicionamentos pessoais, Josefo acreditava
inocentemente que estava fazendo uma história verdadeira completamente
imparcial: “Eu, de minha parte decidi não acrescentar os assuntos concernentes ao
meu povo para não rivalizar com os que glorificam os romanos, sendo que vou
relatar os feitos de ambos os lados com exatidão (...) Escrevi todos estes
acontecimentos em sete livros para os que amam a verdade, não por prazer44”.
(JOSEFO, Livro I).
O CERCO E O POSICIONAMENTO FILO ROMANO PRESENTE EM JOSEFO
Tácito e o olhar essencialmente Romano
Um Defensor de Vespasiano
Tácito, em sua obra História livro II, primeiramente faz comentários acerca dos
Imperadores Generais que governaram Roma após a morte de Nero. Há
comentários sobre Galba, Oto e Vitelo, e como vai se projetando a figura do general
Vespasiano. Oto é colocado de forma pejorativa, pois foi à custa de muitas
confusões em Roma que chegou ao poder. Vitelo, neste mesmo sentido, é
apresentado como um General que apresenta grandes dificuldades em controlar as
42 “Impressionado com a profecia do rabino, o novo imperador permitiu-lhe proteger os rolos da Torá
e os eruditos que se dedicavam ao seu estudo na cidade de Yavneh. Assim, embora o Templo tenha
sido destruído, a Torá foi preservada; e, embora Jerusalém tenha sido arrasada, o judaísmo foi
poupado”. PRICE, R. Jerusalém, Jerusalém!. World of the Bible Ministries. www.beth-shalon.com.br
43
DOBRORUKA, V. Josefo, A Literatura Apocalíptica e a Revolta de 70 na Judéia. PHOÎNIX, Rio
de Janeiro, 8: 372-391, 2002. Texto presente na Biblioteca da Reitoria – UFPR.
44
JOSEFO, Flávio. Guerra dos Judeus. Tradução de Godoy. Curitiba: Juruá, 2002. Livro I
25
suas tropas, principalmente a 14º legião. Merece destaque também que os fatos
narrados no livro II de Tácito, especificamente nesta edição, contêm como subtítulo
explicativo a datação do momento em que os fatos ocorrem, que se dá de Março a
Agosto do ano de 69 d.C, significa que os fatos ocorrem anteriormente ao Cerco em
Jerusalém e, como Tácito apresenta a sua narrativa histórica, mantêm um
posicionamento exclusivamente Latino com relação a narrativa de Flávio Josefo, o
autor judeu. Apesar de que com relação à retratação dos Imperadores, os dois
autores são muito semelhantes, divergem, porém, com relação aos valores da
tradição judaica.
Nessa conjuntura, nos últimos momentos do governo de Vitelo, Tácito
menciona que a figura de Vespasiano se fortalecia diante do seu exército, ganhando
cada vez mais força45.
Posteriormente são apresentadas, algumas características negativas de
Vitelo, como o não controle do exército e a não preservação das tradições e dos
costumes. Vitelo é colocado como seguidor de algumas posturas de Nero, sendo
apresentado por Tácito como admirador de algumas de suas atitudes46.
Tácito menciona que o desprestígio de Vitelo provinha também por parte de
alguns soldados do oriente. Por de fato, segundo Tácito, o Imperador Vitelo saber de
alguns rumores e de algumas informações vagas sobre a Syria e Judæa, enviou
Vespasiano que era um general que permanecia fiel a ele. Os soldados, por não
estarem de acordo com a postura política de Vitelo, respeitavam a postura de
Vespasiano ao seu lado, mas com certo receio, o que fez alguns de seus soldados
se inclinarem para Tito47.
Posteriormente, Tácito narra uma conversa de Vespasiano com um dos seus
oficiais, chamado de Mucianus que tenta o convencer dos benefícios que o poder de
Imperador poderia trazer a ele. Seus argumentos se dão em torno do refúgio que o
poder de Imperador pode oferecer a Vespasiano, como também apresenta a questão
do exército o apoiar perante os inimigos estrangeiros e aos que corrompem o
45
“But as the arms of Vespasian gathered strength, they returned to their old service, and constituted
the main stay of the Flavianist party.” (Tácito, livro II, 67)
46
“Indeed, Vitellius used to make a display of his admiration for Nero, and had constantly followed him
when he sang, not from the compulsion to which the noblest had to yield, but because he was the
slave and chattel of profligacy and gluttony”. (Tácito, livro II, 71)
47
“Vespasian, on the other hand, was taking a general survey of the chances of a campaign and of his
resources both immediate and remote. The soldiers were so entirely devoted to him, that as he
dictated the oath of allegiance and prayed for all prosperity to Vitellius, they listened to him in silence”.
(Tácito, Livro II, 74)
26
Império, neste caso Vitelo. Mucianus, na narrativa de Tácito, acrescenta o grande
número de legiões que o apóiam nesta causa tão nobre. Um ponto dentro da política
imperial fundamental, aclamação pelas legiões do exército48.
No próximo parágrafo, Tácito apresenta, na mesma narrativa de Mucianus,
uma série de elogios a Vespasiano, apresentando os seus triunfos e qualidades
como um líder49.
Tácito continua a sua obra argumentando a favor de Vespasiano, utilizando-se
agora do apoio do corpo de oficiais de Vespasiano, que o procura para dizer que o
apóiam. As suas legiões estariam ao seu lado. Como se não bastasse, e em uma
mesma interpretação, entendendo a política e a religião romana como elementos
estreitamente ligados, faltava à legitimação religiosa, sendo assim, Tácito apresenta
Vespasiano como um escolhido pelos oráculos, um homem ilustre desde o seu
nascimento. Isto se evidenciaria, cada vez mais, com as conquistas no Oriente, onde
também foi elogiado.
Tácito menciona que foi em Antioquia que Vespasiano foi aclamado como
Imperador. Sendo que esse sentimento de aclamação foi se espalhando por todo o
Oriente, província por província, reino por reino, região por região. Síria, Egito,
Antioquia, Ásia, Acáia, Pontus, Armênia e Capadócia50.
Neste momento todos os generais, sob o comando de Mucianus, juntamente
com Vespasiano se preparam para uma guerra civil, porém está não é colocada
como algo pejorativo, mas como algo necessário para o futuro de Roma e de suas
instituições51.
Com relação à Tito, enquanto o cerne da narrativa se detém às preparações
para a guerra, como comentários de onde se encontravam as legiões e como elas
48
“That power is now your only refuge.(…) That an Emperor can be created by the army, Vitellius is
himself a proof (…).You have from Judæa, Syria, and Egypt, nine fresh legions, unexhausted by
battle, uncorrupted by dissension; you have a soldiery hardened by habits of warfare and victorious
over foreign foes; you have strong fleets, auxiliaries both horse and foot, kings most faithful to your
cause, and an experience in which you excel all other men”. (Tácito, livro II, 76)
49
“I count myself better than Vitellius; I count you better than myself. Your house is ennobled by the
glories of a triumph;” (…) (Tácito, livro II, 77)
50
“Suddenly saluted him as Emperor. Then all the rest hurried up, called him Cæsar and Augustus,
and heaped on him all the titles of Imperial rank”. (Tácito, livro II, 80)
51
“(…) even Vespasian offered no more in the civil war than others had done in times of peace” (…)
(Tácito, livro II, 82)
27
estavam se movendo com o decorrer das notícias, Tácito coloca o coloca como um
governador, sendo assim, com importância política crucial nesta conjuntura52.
Tácito apresenta as “barbaridades” da Guerra cometidas por Vitelo, diante de
uma província, mais especificamente a Ticinum, onde muitos soldados com espadas
atacaram uma população desarmada. Estes argumentos retóricos são usados para
deslegitimar a imagem de Vitelo, diante de Vespasiano. Tácito se coloca como
defensor de Vespasiano nestas passagens53. Isso se evidência cada vez mais no
conteúdo de sua obra, pois quando apresenta as formações do exército em Roma
sob o comando de Vitelo diz que a beleza e a majestade dos estandartes das
Legiões romanas não eram dignas para reverenciarem a Vitelo54.
Tácito termina o livro II sem dar demais explicações sobre o conflito entre
Vespasiano e Vitélio, deixando apenas um ar de culpa sobre as atitudes de Vitelo e
certa noção de expectativa salvadora provendo do novo Imperador Vespasiano.
Tácito e o Cerco em Jerusalém em 70 d.C
Conforme o recorte proposto nesta pesquisa, passo a analisar o livro V de
Tácito da obra História. O autor procura demonstrar como ocorreu o Cerco em
Jerusalém. No subtítulo desta edição a uma referência aos respectivos
acontecimentos escritos pelo autor no ano 70 d.C.
Segundo Tácito a importância política de Tito ia crescendo na contenção da
revolta em Jerusalém. Tito foi escolhido pelo seu pai para que completasse a
subjugação da Judéia55.
Tácito ressalta os contingentes que estavam formando as forças militares dos
Romanos sob o comando de Tito. Seis legiões formavam o seu exército: 5ª, 10ª, 15ª
foram legiões de Vespasiano, da Síria veio a 12ª; homens da 18ª e da 3ª provindos
de Alexandria. Com essas legiões se juntavam oito esquadras de cavalaria. Ainda
52
Titus Ampius Flavianus was the governor of Pannonia, Poppæus Silvanus of Dalmatia. (Tácito, livro
II, 86)
53
“Sword in hand they fell upon the unarmed people. Among the slain was the father of a soldier, who
was with his son. He was afterwards recognised, and his murder becoming generally known, they
spared the innocent crowd.” (Tácito, livro II, 88)
54
“The ornaments and chains of the soldiers presented a brilliant appearance. It was a glorious sight,
and the army was worthy of a better Emperor than Vitellius.” (Tácito, livro II, 89)
55
“Titus Cæsar, who had been selected by his father to complete the subjugation of Judæa, and who
had gained distinction as a soldier while both were still subjects, began to rise in power and reputation,
as armies and provinces emulated each other in their attachment to him”. (…) (Tácito, livro V, 1)
28
aliando-se com o rei Antioco, que representava as forças Árabes. Assim estavam em
posição de batalha, acampados próximos de Jerusalém56.
É de grande importância o conhecimento dessas forças por parte de Josefo,
pois ao que parece, pode, de até certo modo, justificar a sua apologia aos Romanos,
pois se colocar diante de um número gigantesco de homens disciplinados e prontos
para atacar, não parece ser algo tão simples assim. Como ressalta Hadas-Lebel,
Josefo em sua estada em Roma, conheceu o poderio de tal exército e, ao que
parece, não gostaria de desafiá-lo até o fim como seus companheiros religiosos.
O próximo passo de Tácito é de mencionar a história do povo Judeu, lançando
luz sobre as origens da famosa cidade. Tácito se preocupa em apresentar as várias
teorias para a origem do povo Judeu, perpassando pelo caráter religioso Romano até
os poemas de Homero. Indiretamente percebemos a ausência de conhecimento, ou
do não reconhecimento e aceitação da tradição judaica, dos textos judeus por parte
de Tácito, pois não faz referência a tradição judaica com relação à sua própria
origem. Entretanto, faz referência ao chamado êxodo judaico, não destacando as
referências religiosas judaicas, apenas fazendo um resumo de como o povo veio a
se estabelecer naquela região, citando apenas um personagem da tradição judaica,
Moisés. Tácito prossegue no outro parágrafo explicando os costumes judaicos, tais
como o jejum, a abstenção da carne de porco, o descanso no sábado, a circuncisão,
a concepção de única divindade e a não representação de imagens; juntamente com
isso, procura dar uma explicação das origens de tais costumes57.
Tácito continua o seu comentário apresentando agora as características
físicas e geográficas da região da Judéia. Escreve sobre o clima, as espécies de
plantas e árvores que ali floresciam em torno do ano 70 d.C, a importância dos rios
e, os seus respectivos, lagos. Como as vilas estão espalhadas pelo território também
é retratado por Tácito. Logo após, este autor faz um breve resumo histórico dos
povos que dominaram a região. Assírios, Medos e Persas; passando posteriormente
ao período helenístico e o período romano, sendo este período mediado por uma
56
(...) “With this force Titus entered the enemy's territory, preserving strict order on his march,
reconnoitring every spot, and always ready to give battle. At last he encamped near Jerusalem”.
(Tácito, livro V, 1)
57
“The Egyptians worship many animals and images of monstrous form; the Jews have purely mental
conceptions of Deity, as one in essence. They call those profane who make representations of God in
human shape out of perishable materials. They believe that Being to be supreme and eternal, neither
capable of representation, nor of decay”. (Tácito, livro V, 5)
29
revolta judaica de caráter separatista. Tácito, no próximo parágrafo, analisa a
conquista feita por Pompeu à região58.
Tácito comenta que quando eclodiu a revolta Cestius Gallus iniciou uma
represália contra os judeus, porém diante do insucesso, foi enviado por Nero,
Vespasiano para a região. Tendo lutado na região tomou todas as cidades, exceto
Jerusalém. Com os acontecimentos em Roma, Tito permaneceu à frente do exército.
O próximo passo de Tácito agora foi comentar sobre a formação do exército
de Tito diante dos muros de Jerusalém. Os judeus tinham se posicionado à frente
dos seus muros para tentar um confronto direto com as legiões romanas, diante do
fracasso, trancaram-se dentro dos muros de Jerusalém. Os romanos iniciaram uma
preparação para o assalto, principalmente depois de receberem uma notificação de
Roma que Jerusalém devia cair imediatamente. Tácito apresenta as características
de defesa dos judeus, pois os romanos já tinham grande experiência de guerra
naquelas regiões, o que fez com que estivessem bem preparados para a situação ao
Cerco Romano. Havia cisternas e túneis para busca, respectivamente, de água e de
alimentos. Depois que Pompeu entrou no Templo dos judeus, eles se prepararam
com muralhas em volta do Templo. Tácito comenta que a cidade de Jerusalém
estava sob o comando de três generais rebeldes. Simão, João e Eleazar, este último
sendo morto por João, que assumiu o controle do Templo. Assim, a cidade de
Jerusalém estava dividida em duas facções. Vale ressaltar que são estes revoltosos
que Josefo se coloca totalmente contra, os culpando pelos acontecimentos.
Tácito apresenta o universo religioso que permeava a região e a conjuntura da
batalha. Muitos artifícios foram utilizados, Tácito os aponta como elementos
supersticiosos. Até que o próprio general Vespasiano e Tito teriam sido vítimas de
pessoas que se aproveitaram de tais profecias; pessoas comuns que na ânsia de
poder e glória, são acusados por Tácito, de interpretar tais elementos para os seus
próprios interesses59. Seria esta uma crítica à Josefo? Visto que os dois foram
58
“While the East was under the sway of the Assyrians, the Medes, and the Persians, Jews were the
most contemptible of the subject tribes. When the Macedonians became supreme, King Antiochus
strove to destroy the national superstition, and to introduce Greek civilization, but was prevented by his
war with the Parthians from at all improving this vilest of nations; for at this time the revolt of Arsaces
had taken place. The Macedonian power was now weak, while the Parthian had not yet reached its full
strength, and, as the Romans were still far off, the Jews chose kings for themselves.” (Tácito, livro V,
8) (…) “Cneius Pompeius was the first of our countrymen to subdue the Jews.” (Tácito, livro V, IX)
59
“These mysterious prophecies had pointed to Vespasian and Titus, but the common people, with the
usual blindness of ambition, had interpreted these mighty destinies of themselves, and could not be
brought even by disasters to believe the truth”. (Tácito, livro V, 13)
30
contemporâneos e provavelmente, como aponta Hadas-Lebel, tinham várias opiniões
divergentes com relação à tradição judaica. Principalmente as afirmações de Tácito
que os judeus teriam sido descendentes de judeus leprosos expulsos e banidos do
Egito60, causava desconforto em Josefo.
Neste mesmo trecho Tácito analisa a obstinação das pessoas da cidade
diante do cerco. Utiliza argumentos que não pode explicar, pois diz que a maioria, se
não todos, preferiam a morte, a viverem e terem que abandonar as suas terras. Isso
não só na cidade, mas em toda a Judéia.
Tácito comenta que Tito, diante dessa situação não determinou uma tática
rápida de guerra, mas fez uma escolha pelas tropas de infantaria tentando promover
uma aproximação maior. Tácito ainda procura elogiar como a postura das legiões
não foi “bárbara”, mas agiram com uma total obrigação para com as ordens, sendo
assim, tolerantes para com a população local.
60
HADAS-LEBEL, Mireille. Flávio Josefo: O Judeu de Roma. Mirreille Hadas-Lebel; tradução Paula
Rossas. Rio de Janeiro: Imago Ed. 1991. 290p. (Série Diversos). Pg. 228 a 234. Em face do
Antijudaísmo.
Dentro da tradição judaica os Hebreus foram originários de pastores, que se estabeleceram em torno
do rio Jordão em torno de 2000 a.C. O nome “Hebreu” foi à forma mais primitiva de se chamar os que
se consideravam descendentes de Abraão, mais especificamente esse nome se deriva de Héber,
bisneto de Sem. O nome “Judeus”, veio a se consolidar posteriormente ao reinado de Salomão,
quando o reino foi dividido e a parte sul foi consolidada em torno da tribo de Judá, por isso então
Judeus, essa a denominação mais usada por Josefo em sua obra. Também a terminologia “Israel”
para se derivar desse povo era bastante forte dentro dos habitantes da Palestina e se consolidou,
mais atualmente, em torno do Estado de Israel. ALEXANDRE, Moré Valter. Curso de Hebraico
Básico. DVD
Todos os judeus consideram-se descendentes diretos de Abraão. Ou seja, as migrações de Abraão
tiveram um impacto inicial e organizacional na história deste povo. Suas terras foram tomadas por
povos que habitavam a região, principalmente dos Cananeus. O nome “Cananeu”, muitas vezes,
dentro dos escritos dos hebreus, foi aplicado para generalizar as tribos que habitavam a região antes
do estabelecimento do seu povo. Muitos desses povos só são conhecidos porque foram mencionados
nas escrituras dos hebreus, outros povos, porém, além de serem mencionados na sua tradição, foram
corroborados a sua existência com achados arqueológicos. Dentre os povos que habitavam a região
da palestina antes de uma organização de um governo judaico, podem ser mencionados como os
mais relevantes os Fenícios ao norte, os Filisteus e Cananeus na faixa litorânea, e os Amorreus numa
faixa mais central da palestina. MONEY, N. K. Geografia Histórica do Mundo Bíblico. Traduzido por
Etuvino Adiers. São Paulo, SP. Editora Vida, 1977. Pg. 95 a 102.
As fontes históricas que registram o surgimento e a organização do povo hebreu são corroboradas de
enaltecimentos religiosos e espirituais, isto é o Antigo Testamento. Os filhos de Abraão foram Ismael
e Isaque. Jacó, filho de Isaque, teve doze filhos, que dão o nome as posteriores tribos de Israel. Nos
tempos de Abraão, por motivos de escassez foram para o Egito, inicialmente foram bem recebidos,
mas depois de certo tempo, violentamente escravizados. A fuga dos hebreus do Egito é conhecida
como Êxodo e aconteceu sob o comando de Moisés. Sob o comando de Josué, conquistaram as
terras dos Cananeus, entretanto alguns locais ainda eram de outros povos que governavam com forte
poder local certas cidades. Houve a distribuição de terras e a nomeação de Juízes para a
administração e combates contra os inimigos, principalmente os filisteus. A monarquia, com
aclamação popular e a legitimação divina, iniciou-se com Saul. Davi, seu sucessor, centralizou a
administração e organizou o exército de forma efetiva, fundou a grande e exaltada capital judaica
Jerusalém a tomando de outros povos. Com Salomão, seu filho, os hebreus atingiram o seu ápice
econômico, político e religioso, principalmente com a construção do Templo.
31
Em
Josefo,
porém,
percebe-se
a
diferença
dos
comandantes
e,
principalmente, de Tito com relação aos soldados romanos. Os primeiros
preocupados sim com a cultura e os valores diplomáticos romanos e os soldados,
por sua vez, tanto quando procuram entre as “barrigas” dos prisioneiros vivos judeus
algo de precioso como quando se lançam a queimar o templo e a pegar alguns dos
seus objetos preciosos, mesmo com a oposição de Tito que aos berros pedia para
que poupassem o Templo, são colados por Josefo como pessoas mais simples.
Josefo e o Judaísmo Filo Romano
Flávio Josefo, em Guerra dos Judeus, no livro III, inicia seu comentário
destacando a ordem dada pelo Imperador Nero para que Vespasiano fosse para a
Síria para lutar contra os Judeus. Josefo comenta que quando Nero soube de alguns
insucessos dos Romanos no Oriente ficou muito irado procurando recuperar estas
derrotas. Com relação ao Oriente, Nero precisaria de um homem para punir a
rebeldia dos Judeus, ninguém melhor, segundo Josefo, do que Vespasiano.
Neste trecho, Josefo abusa dos elogios à figura de Vespasiano, o colocando
como o único capaz de restabelecer a paz no oriente. Destaca as características de
“um homem experiente nas batalhas e com um sucesso quase que insuperável”.
Suas vitórias foram vistas na pacificação do Império no Ocidente, quando pelos
germanos o império estava sendo atormentado e recuperando o controle da
Bretanha61.
Neste sentido, Vespasiano se apresentava como o melhor homem para ser
enviado a Síria sob o comando de todas as legiões daquela região. Vespasiano
também enviou seu filho, de Acaia para Alexandria, para vir para a Síria para juntar
forças contra os inimigos do Império.
Josefo passa a retratar o grande assassinado em Ascalon. Alguns Judeus
passaram a atacar esta cidade para possuí-la como uma espécie de forte. Josefo
comenta que estavam empolgados com algumas vitórias que tinham tido, pois diante
de poucos homens da cavalaria romana que protegiam a cidade, foram vitoriosos.
61
(…) “now it was in so great a commotion, and who might be best able to punish the Jews for their
rebellion, and might prevent the same distemper from seizing upon the neighboring nations also, - he
found no one but Vespasian equal to the task, and able to undergo the great burden of so mighty a
was”. (…) (Josefo, livro III, 3)
32
Há comentários de Josefo sobre Samaria, Galiléia e Judéia. Destaques sobre
a geografia do local, as nomenclaturas e as respectivas regiões que estavam
espalhadas pelo território Judaico. Josefo procura explicar também porque certa
população preferiu determinados locais, principalmente motivados pela produtividade
do solo.
Posteriormente Josefo dedica a sua escrita a retratar o seu ataque a
Sepphoris, onde foi repelido. Teria tentado atacar a cidade, mas ela estava tomada
pelos romanos. Os romanos, posteriormente, os atacaram de dia e de noite,
queimando as suas cidades e saqueando os seus castelos. Também matavam todas
as pessoas aptas para a luta, levando o resto da população como escrava. A única
saída era fugir para as cidades onde Josefo construiu muralhas e mantinha a
resistência62.
Josefo passa a comentar sobre o encontro de Tito com o seu pai, somando as
legiões que estavam ao seu comando, especificamente a 5ª e a 10ª. Josefo retrata
com particularidade como se formavam as legiões, destacando o número de
cavaleiros, de homens de infantaria e os reforços enviados por inimigos dos judeus,
como o rei árabe Malchus, que enviou cavaleiros, homens de infantaria e arqueiros.
Josefo dá certo elogio para com estas forças militares, pois conclui louvando as
legiões poeticamente com relação a sua força e disciplina63.
Isto se evidência com mais profundidade retórica no subtítulo preocupado
somente em explicar a formação das legiões romanas e como se formavam os seus
campos de guerra e como eram também algumas particularidades do exército
romano. Neste trecho Josefo destaca como o exército romano era bem preparado,
tendo homens que praticavam exercícios regularmente e contando com um apoio de
vários carpinteiros para as armas. Josefo passa a explicar as armas romanas, como
torres, armas de lançar dardos e pedras. A hierarquização era rígida com homens
que eram chefes uns dos outros. A articulação das legiões funcionava bem,
principalmente atendendo a toques de trompetes, tanto para o descanso como para
62
(...) “either by night or by day, burning the places in the plain, and stealing away the cattle that were
in the country, and killing whatsoever appeared capable of fighting perpetually, and leading the weaker
people as slaves into captivity; so that Galilee was all over filled with fire and blood; nor was it
exempted from any kind of misery or calamity, for the only refuge they had was this, that when they
were pursued, they could retire to the cities which had walls built them by Josephus”. (…) (Josefo, livro
III, 59)
63
(…) “for as they were in their masters' service in times of peace, so did they undergo the like
dangers with them in times of war, insomuch that they were inferior to none, either in skill or in
strength, only they were subject to their masters”. (Josefo, livro III, 64)
33
prepará-lo para a batalha. Josefo passa a comentar sobre as armas dos homens que
lutavam na infantaria, as formações em guerra, seus posicionamentos que mesmo
que cometessem algum erro, logo o corrigiam. Pois, segundo Josefo para os
romanos, os erros são usados para aprender. Procuram se aconselhar para prevenilos. Josefo procura enfatizar que além das armas e dos corpos dos soldados os
Romanos também se preocupavam com as almas, num sentido de motivá-los para a
guerra. Josefo conclui destacando que “não são inferiores a ninguém, somente aos
próprios romanos64”. Esta articulação na escrita de Josefo revela bem a sua posição
com relação a sua postura pró-romana. O louvor às tropas provém de uma estrita
relação de justificação da sua opinião, pois deixa a entender nas entrelinhas, que
qualquer que coloque contra tal poderio não estaria sendo coerente com a realidade,
principalmente representada pela superioridade militar Romana.
Josefo passa a comentar sobre a investida de Placidus contra Jotapata, uma
cidade que foi fortificada pelo general Josefo. Tentando fazer uma investida rápida
para surpreender o inimigo romano, os homens de Jotapata saíram ao encontro do
inimigo, esperando o combate fora da cidade. O que fez com que Placidus partisse
em retirada. Esta investida ocorria quando Vespasiano estava colocando o seu
exército em ordem para a marcha, se lançando sobre a Galiléia, e estava exibindo o
exército. Por sua vez Vespasiano era mais prudente, pois passou a organizar o seu
exército de forma preventiva, deixando sempre os arqueiros sempre preparados,
pois poderia haver ataques repentinos dos Judeus. Josefo destaca a organização da
formação que Vespasiano vez quando marchava com as legiões. Onde estavam as
bagagens, ele colocou homens a cavalo para fazerem à segurança. Comenta sobre
o estandarte da Águia Romana, como símbolo de conquista. Fala que atrás da legião
romana provinha uma multidão de “mercenários”. Josefo diz que Vespasiano
acampou com seu exército na região próxima à Galiléia. Como uma atitude de
misericórdia para com o inimigo permitiu que as suas tropas fossem vistas pelo
inimigo judeu, para que eles tivessem a chance de mudar de opinião, em vez de lutar
contra os romanos a se arrependessem da Revolta. Muitos judeus vendo o poderoso
exército romano fugiram para outras cidades próximas, principalmente para
Tiberiades.
64
(...) “One might well say that the Roman possessions are not inferior to the Romans themselves”.
(Josefo, livro III, 102)
34
O subtítulo inicia-se comentando sobre a rendição da Gadara e da cidade de
Jotapata, esta sendo a cidade onde Josefo estava. Os argumentos de Josefo, neste
momento da sua obra, trazem luz com relação ao seu posicionamento filo românico.
Vale ressaltar também que a obra foi escrita cerca de cinco anos depois. A posição
de Vespasiano como Imperador, desde 69 d.C já havia se consolidado e a postura
de Josefo como uma espécie de “comentarista” ao lado do Imperador também se
fortalecia. Isto traz marcas com relação à utilização da obra como divulgadora das
ações dos romanos mesmo que estivessem na capital do Império, pois seria
impossível a obra ter sido escrita anteriormente. Se por um lado à sinceridade do
conteúdo da obra parece não passar de ideologia e legitimação política, por outro,
mostra também a eficácia e a violência empregada por Roma à região.
O caso da cidade de Gadara, no conteúdo da obra de Josefo, foi tratado de
forma violenta, a cidade foi extremamente destruída. Não houve misericórdia por
parte dos romanos. As vilas circunvizinhas foram aniquiladas pelo fogo. Alguns
sobreviventes foram destinados à escravidão.
As virtudes de um general Judaico, O Cerco em Jotapata
Josefo passa a retratar o desejo de Vespasiano de tomar Jotapata, mas esta
cidade não era como as outras, pois havia uma segurança extrema. Não podemos
esquecer que está cidade era protegida por Josefo. Este não deixaria de mencionar
as suas virtudes na hora da guerra e as suas responsabilidade como líder judaico,
mesmo se tratando de escrever, especificamente neste trecho, contra Roma. O seu
conteúdo não se deixa levar a uma argumentação negativa do inimigo, muito pelo
contrário, o inimigo é retratado como prudente e com habilidades de guerra,
principalmente a figura de Vespasiano. Assim, as legiões romanas fizeram caminhos
para o exército e montaram o cerco.
Josefo começa a ressaltar as qualidades dos dois povos, tanto dos judeus
como dos romanos, porém permanece em exaltar os últimos. Cita que os judeus
lutavam por um sentimento de encorajamento, enquanto que os romanos, além da
coragem e da força, possuíam ao seu lado a habilidade, a sabedoria de guerra.
35
Por um outro lado podemos observar as baixas na hora da batalha, de um
lado 13 romanos mortos com feridos e, do lado dos judeus, 17 juntamente com 600
feridos65.
Grupos de judeus desesperados se lançaram sobre os romanos para tentar
uma espécie de ofensiva, porém os resultados foram lastimáveis.
Josefo passa a retratar a geografia de Jotapata, que era cercada por vales
profundos. As partes que poderiam ser utilizadas pelos inimigos, tinham antes sido
fortalecidas por muralhas por Josefo. O discurso passa para a terceira pessoa, ou
seja, Josefo está escrevendo sobre si, mas como se estivesse escrevendo sobre
outro. Termina dizendo que a situação de Jotapata era privilegiada, principalmente
por sua posição natural que oferecia certa defesa.
Vespasiano foi motivado a vencer as resistências naturais bem como a
resistência dos judeus através do Cerco. Vespasiano motivou a estarem firmes no
Cerco. Ele também mantinha as suas tropas um pouco longe dos arqueiros judeus.
Fizeram também uma espécie de barricadas contra o que os judeus lançavam do
muro. Muitas destas barreiras foram quebradas por pedras e vários tipos de dardos
que eram lançados pelos judeus do muro da cidade. Vespasiano preparou os
homens para, com as suas máquinas, lançar pedras e dardos contra a cidade. 160
máquinas. Pedras que pesavam um talento66, juntamente com fogo e um número
enorme de dardos e flechas que foram lançados, os arqueiros eram árabes.
Josefo comenta que sob as suas ordens as muralhas foram reforçadas, as
deixando mais altas. Também foram criados grandes números de torres fortes para
reforço da defesa. Há neste trecho, mais uma vez, um aspecto de exaltação das
virtudes de Josefo como líder militar. O próximo passo tomado por Vespasiano foi
deitar o cerco para causar fome e cansaço aos de Jotapata. Assim os judeus desta
cidade estariam forçados a pedir por misericórdia ou, se eles tivessem coragem,
pereceriam pela fome. Assim, mesmo que houvesse combate, os judeus estariam
mais enfraquecidos.
Josefo comenta que dentro da cidade havia abundância de cereais, porém
havia falta de água, pois dentro da cidade não havia fontes. Naquela estação do ano
65
(...) “as despair of deliverance encouraged the Jews, so did a sense of shame equally encourage
the Romans. These last had skill as well as strength; the other had only courage, which armed them,
and made them fight furiously. And when the fight had lasted all day, it was put an end to by the
coming on of the night. They had wounded a great many of the Romans, and killed of them thirteen
men; of the Jews' side seventeen were slain, and six hundred wounded”. (Josefo, livro III, 150)
66
Cerca de 35 quilos no século I d.C.
36
as chuvas também eram raras. Josefo comenta, exaltando as características
daqueles homens, que eram merecedores de água, sendo assim, ordenou que a sua
própria reserva de água fosse distribuída. Algo semelhante dentro da tradição
helenística, pois quando Alexandre atravessa um deserto da Mesopotâmia se recusa
a tomar água diante de seus subalternos que não a tem. Porém, com esta atitude,
Josefo causou alguns problemas, espécie de confusão entre o povo, pois tomavam
como se fosse à última vez.
Diante do Cerco, Vespasiano esperava que os judeus de Jotapata, por
motivos de sede, se rendessem. Porém, com mais artimanhas de Josefo o povo, por
enquanto, foi salvo. Josefo ordenou para eles pendurassem tecidos para pegar
umidade, assim, com os tecidos úmidos, pudessem retirar água.
As virtudes dos judeus não entram em confronto com as de Vespasiano.
Josefo ressalta que muitos dos que estavam em Jotapata preferiam à morte na
batalha, a esperá-la pela fome ou pela sede.
Josefo percebeu que a situação do cerco era extrema, sendo assim, procurou
salvar a sua vida, juntamente com a vida dos seus homens, porém percebeu
obstinação dos seus homens em morrer ante a rendição. Tenta uma retirada da
cidade, mas não atinge o objetivo. Pois foi pressionado a permanecer com os judeus
que estavam dentro da cidade. Neste momento Josefo, ao lado dos judeus, mostrase de forma clara que estava sendo forçado a isto. Josefo diante desta contradição
de pensamentos decide fazer um discurso em prol da luta contra os romanos, pelo
menos seriam lembrados deste ato de bravura. Porém era diante das máquinas dos
Romanos que os judeus mais sofriam, sejam pelas máquinas que lançassem pedras
ou pelos que lançavam flechas. Os arqueiros Árabes também somavam as forças
contra os judeus, aliados dos romanos, provocaram grandes estragos sem ao menos
chegarem perto dos judeus.
Vespasiano teria uma arma que parecia como um mastro de navio, que foi
utilizado para romper as defesas dos judeus, ficava batendo em um mesmo lugar até
atingir os seus objetivos, romper as muralhas ou as portas da fortaleza. Josefo, como
líder militar dos judeus, deu ordens aos seus soldados para queimar as máquinas
romanas, com a ajuda de substâncias, como o betume e o breu. Josefo comenta
sobre alguns judeus que merecem ser lembrados, são uma espécie de heróis
judeus. Os romanos, porém, recuperaram algumas de suas armas e se laçaram
novamente sobre os muros na tentativa de rompê-los. Os romanos estavam furiosos,
37
pois com gritos se motivavam mutuamente, se lançando violentamente contra os
muros. Josefo comenta que as baixas entre os judeus foram grandes, pois com a
violência das máquinas, que estavam a uma distância que nem poderiam ser vistas,
lançavam pedras e dardos que causavam danos às muralhas, as torres e aos
judeus. De tanto bater sobre a muralha, ela cedeu e os romanos tiveram mais
facilidade para entrar na cidade. Quando os romanos tentaram entrar na cidade,
sofreram um ataque inesperado por parte dos judeus. Foi jogado óleo sobre eles,
juntamente com fogo, que os fez como tochas ambulantes. Os combates se
seguiram por muitos dias.
Josefo comenta que Vespasiano enviou Trajano para tomar a cidade de
Japha, próxima de Jotapata, mas a cidade era protegida por barreiras naturais.
Porém, segundo Josefo, Deus teria trazido os romanos para punir os Galileus, por
isso que estes teriam o seu insucesso já traçado67. Este elemento se reforça neste
trecho porque Josefo tem que justificar a sua transição aos romanos, nada melhor
que os elementos religiosos para justificar e se explicar de forma simplista à
hegemonia romana sobre a Judéia e sobre os desígnios da história.
Com a ajuda de Tito, enviado por Vespasiano, Trajano terminou de conquistar
a cidade de Japha e fez alguns cativos e escravos dos Galileus.
Josefo comenta também de tropas romanas enviadas ao monte Gerizim, onde
forças judaicas se refugiavam, muitos dos judeus preferiam a morte a eminente
escravidão diante dos romanos. Sendo assim, a morte veio para todos àqueles
judeus. Onze mil e seiscentos, segundo Josefo.
Jotapata ainda resistia ao cerco Romano. Vespasiano teria agora montado
espécies de barricadas que se tornaram mais altas que os muros. O exército romano
se preparou para tomar a cidade. Entraram na cidade de forma quieta, cortaram a
garganta do vigia. Havia uma grande neblina sobre a cidade, o que contribuiu para
os romanos. Quando os judeus acordaram perceberam que a cidade estava tomada.
Os romanos lembravam das dificuldades do cerco, assim não pouparam ninguém.
Os homens que estavam junto de Josefo preferiam a morte pelas próprias
mãos a se entregar aos romanos. Perceberam o que estava acontecendo e
conseguiram fugir, muitos fugiram para cavernas ou refúgios subterrâneos.
67
“It was certainly God therefore who brought the Romans to punish the Galileans, and did then
expose the people of the city every one of them manifestly to be destroyed by their bloody enemies;”
(Josefo, livro III, 289)
38
Assim os Romanos, no décimo terceiro ano do Reino de Nero, isto significa no
ano 67 d.C, tomaram a cidade. Vespasiano poupou algumas crianças e mulheres.
Todas as construções e fortificações, a pedido de Vespasiano, foram demolidas e
queimadas.
Na tradução inicia-se um subtítulo comentando sobre como o General Josefo
foi achado por uma mulher. Josefo declara que era do desejo dos romanos o pegá-lo
vivo, pois isto os favoreceria muito. Estes elementos fazem parte da retórica de
Josefo para exaltar a sua pessoa. Josefo comenta que ficou em uma espécie de
cova contando com alguns suprimentos. Na tentativa de procurar à noite uma fuga
foi impossibilitado, pois havia grande presença Romana sobre a região. Comenta
que ficaram assim por dois dias. No terceiro dia foram descobertos por uma mulher,
sendo assim, Vespasiano mandou seus dois melhores tribunos para o pegarem,
sendo que eles deveriam oferecer o seu braço direito em prol da vida de Josefo,
exortando a ficar com eles. Josefo abusa em destacar a sua importância diante dos
romanos. Josefo comenta que temiam por suas vidas se ele viesse a morrer. Josefo
comenta que os soldados romanos ficaram muito irados e queriam por fogo no
refúgio deles, mas os tribunos não permitiram, pois queriam o homem vivo. Josefo
comenta que tinha tido sonhos provenientes de Deus, para avisá-lo das calamidades
dos judeus e o futuro dos imperadores romanos. Josefo se considerou capaz de
interpretá-los também, o que destaca as suas características como chefe religioso,
ou seja, sacerdote judeu. Neste trecho o posicionamento filo romano de Josefo
chega a um ápice. Ora a Deus dizendo que “os favores antes dados por Deus aos
Judeus agora faziam parte dos Romanos”, afirmando, em oração, que “não está indo
aos romanos como um desertor dos judeus, mas como um ministro de Deus”68.
Josefo inicia um discurso entre os seus homens para que não se lançassem
contra as suas próprias vidas, mas que se entregassem aos seus futuros mestres. A
retórica é parafraseada, cheia de citações de exemplos da lei dos judeus e dos
povos vizinhos. Rocha destaca que “Flávio Josefo começa seu relato como general
judeu em luta contra os romanos, mas pouco a pouco vai mudando de opinião a
respeito dos conflitos e termina envidando todos os esforços para demonstrar à
inutilidade de se gastar as forças internas tanto em guerras civis como na luta contra
68
... “and since all their good fortune is gone over to the Romans... I do not go over to the Romans as
a deserter of the Jews, but as a minister from thee”. (Josefo, livro III, 350)
39
os romanos.”69 Isto também evidencia a posterior construção da escrita da obra. No
discurso afirma que mesmo que eles fossem mortos, seria melhor que morrerem nas
mãos dos seus inimigos, não por suas próprias mãos. Os homens estavam com os
seus ouvidos fechados, assim se lançaram com as suas espadas na mão para matar
Josefo, o acusando de covarde. Mas tomando a posição de general entre eles,
Josefo tomou a decisão de suicídio. A decisão de Josefo foi de lançar sortes para
quem morresse primeiro. Na disputa de sortes Josefo teria sobrado por último
juntamente com um subordinado, assim, teria prometido lutar pela vida deste como
da dele próprio. Assim Josefo declara que sobreviveu da guerra com os Romanos.
Comenta sobre o tumulto, entre os romanos, causado pela sua prisão. Todos
queriam vê-lo. Preso, Vespasiano manteve sobre grande cautela, querendo logo o
enviar a Nero.
Quando Josefo viu quem dava as ordens, pediu, queira, falar com líder a sós.
Assim Josefo declarou que Nero era apenas um subseqüente, o Cesar seria
Vespasiano, deste modo, Josefo queria se manter com Vespasiano. Colocou-se
como enviado por Deus a manter a cidade de Jotapata para que pudesse ser
recolhido pelos romanos com vida. Declara que num primeiro momento os Romanos
desconfiaram das suas predições, mas posteriormente, com o desenvolver dos fatos
foram lhe presenteando e dando-lhe privilégios, pois as suas predições encontraram
cumprimento entre os Romanos.
Rocha destaca que:
“Esta mudança de posição justifica-se por um conjunto de fatos que
aproxima Flávio Josefo dos romanos. Arriscando-se como profeta, ele
anuncia que Vespasiano seria o próximo imperador, em substituição a
Vitélio, talvez, se servindo de uma análise do óbvio, ou seja, Vespasiano era
no momento o mais cotado para assumir o império. Profecia ou não, este
fato trouxe-lhe uma série de benefícios e a partir daí sua avaliação dos
conflitos muda de tom. Os generais romanos envolvidos na contenda
passam a ser apresentados mais como salvadores que como opressores
dos judeus, e os revoltosos se transformam em simples leistai, bandidos ou
70
terroristas.”
Campanhas Romanas na Judéia – Vitórias dignas de Imperadores
69
ROCHA, Ivan Esperança. Dominadores e dominados na Palestina do século I. Departamento de
História - Faculdade de Ciências e Letras. UNESP. Assis, SP. Revista História v.23 n.12 Franca 2004. Consultado em [http://www.scielo.br/scielo.php].
70
Ibid.
40
Josefo comenta que Vespasiano foi à cidade de Cesáreia, onde foi aclamado
e recebido com grande regozijo. Nesta cidade, ao litoral oeste de Samaria, havia um
grande número de gregos, que de pronto receberam bem os Romanos. Josefo
comenta que muitos pediam ali por sua morte, porém Vespasiano negou o pedido.
Após, Josefo comenta sobre a cidade litorânea de Joppa, que tentava se reconstruir
após um conquista dos romanos feita anteriormente. Joppa se situa ao sul de
Cesáreia, cujos habitantes, agora, muitos “piratas”, tentaram fugir com embarcações,
porém foram atingidos por um vento muito forte que os fez bater uns contra os
outros. Muitos foram atingidos por flechas romanas. Enfim, a cidade foi retomada
sem demais resistências. Vespasiano, por precaução deixou ali alguns homens para
fazer a guarda da cidade71.
Josefo comenta que as notícias da tomada de Jotapata tinham chegado em
Jerusalém. Muitos lamentaram pelo acontecido, outros não acreditavam. Tanto a
desolação causada pelos romanos como também a atitude tomada por parte de
Josefo. Esta encheu a cidade de tristeza. Quando souberam que Josefo estava
aliado de fato aos romanos, isso causou muita ira e raiva em Jerusalém.
Vespasiano descansou o seu exército por dias, se uniu com as forças de
Agripa e agradeceu a Deus pelas suas vitórias. Vespasiano enviou Tito com algumas
legiões para Decapoles e grupos de cavaleiros para verificar a fidelidade de algumas
cidades. Josefo acusou Jesus, um líder judeu, como um chefe de ladrões. Assim,
Josefo culpa os líderes pela revolta e, neste trecho especifico, não o povo judeu.
Visto que logo após o comentário do “chefe dos ladrões”, há um comentário de que
muitos se renderam aos romanos e encontraram o seu favor, visto que a exigência
de Vespasiano era que apontasse a ele os líderes da revolta para que pudessem ser
punidos.
Josefo passa a retratar a resistência de Jesus na cidade de Taricheae.
Grande parte das resistências desta cidade teria sido feita por Josefo. Vespasiano
enviou a cidade homens sob o comando de Tito. Este diante do inimigo pediu
reforços. Neste entretempo, Josefo redige em sua obra um discurso de Tito as suas
legiões, cujos enaltecimentos aos valores Romanos aparecem em abundância, tais
como a preparação para a guerra mesmo em tempos de paz. Os reforços chegaram
71
(...) “bodies that were thus thrown out of the sea was four thousand and two hundred. The Romans
also took the city without opposition, and utterly demolished it.” (Josefo, livro III, 419)
41
e iniciaram-se os conflitos. Em meio ao conflito Josefo narra mais discursos de Tito.
“Deus estaria entregando os judeus nas mãos dos Romanos, então porque temer o
perigo?”. Logo após estes gritos de Tito a cidade teve uma brecha aberta, e de todos
os romanos, Tito foi “o primeiro a entrar na cidade”72.
Há neste trecho da obra de Josefo uma exaltação extrema da postura militar
de Tito, tanto por palavra como por suas atitudes como chefe militar, sendo uma
construção retórica de uma imagem ideal no conteúdo da obra de Josefo. Isto se
justifica pela época que a obra foi escrita e pelos interesses que a envolviam.
A cidade foi tomada, um mensageiro enviado a Vespasiano para relatar a
glória da batalha.
Josefo comenta sobre a importância do lago de Genesaré. Passa a comentar
sobre as pessoas e as características da região.
Muitos conseguiram fugir ao ataque a cidade de Taricheae, usando barcos
pelo lago de Genesaré. Os romanos organizaram uma busca aos fugitivos que os
alcançou e tiveram muito sucesso. Assim muita tristeza foi causada aos judeus, pois
os corpos dos mortos não puderam ser enterrados e ficaram sob o estado de
decomposição. Nesta batalha, juntamente com a tomada da cidade, Josefo calculou
seis mil e quinhentas mortes por parte dos judeus. Os considerados culpados pela
revolta foram julgados e condenados à escravidão por Vespasiano. Os mais fortes
foram enviados a Nero, outros a Agripa.
Um outro ponto bastante interessando é que Josefo não comenta sobre o
número de soldados romanos que foram feridos ou mesmo que morreram em
combate. Isto ocorre devido ao motivo da utilização da obra, como Goodman a trata,
como uma peça de propaganda (GOODMAN, 1994. Pg. 201.). As batalhas eram
travadas de homem a homem, quando muito, se situava a uma distância para se
lançar com as máquinas, tanto pedras como flechas. Nestas batalhas muitos homens
perdiam as suas vidas, mesmo sendo de um exército superior como o romano.
Porém, na postura do conteúdo da obra de Josefo, temos uma apresentação de um
exército romano que não apresenta falhas, apenas virtudes de guerra. Isto evidência
que o posicionamento de Josefo omitiu, ou até manipulou, vários fatos para defender
um ponto de vista predeterminado.
72
Josefo, livro III, 497.
42
As batalhas se seguiram pela região da Judéia. Josefo comenta que
Vespasiano pensava que as maiores e mais árduas batalhas já tinham ocorrido.
Assim se finaliza o comentário de Josefo no terceiro livro da sua obra Guerras
Judaicas.
Jerusalém, uma cidade Profanada
A análise passa a ser sobre o livro cinco da obra de Josefo, especificamente o
capítulo que trata sobre a tomada da cidade de Jerusalém. O título do capítulo revela
o que comentará Josefo, “a vitória do Cerco sobre Jerusalém e a extremidade em
que os judeus foram reduzidos”. O período, segundo uma frase explicativa no início
desta edição, aborda um recorte temporal de seis meses.
Josefo comenta sobre a importância de Tito sobre a região e também os
caminhos que a revolta tomou. Em Jerusalém, os revoltosos judeus estavam
divididos em facções que se laçavam a luta um contra os outros. Os zelotes, seita
judaica que defendia o sentimento de liberdade judaica com relação a Roma, teriam
afastado do povo de si. Nesta situação, o Templo, a cada dia, era profanado por
assassinados e por brigas entre os próprios judeus. Os grupos foram divididos em
três facções distintas. Eleazar, Simão e João seriam os líderes respectivos de cada
grupo, ocupando partes distintas da cidade. Estes foram os mesmos líderes
apresentados por Tácito em sua obra História, o que representa certa harmonia com
relação à interpretação da revolta.
Os líderes da revolta são chamados de “tiranos”. Josefo lamenta o que
fizeram com a cidade de Jerusalém. Assim os romanos teriam vindo para redimi-la.
Josefo comenta que esta obra não era para fazer “lamentações pessoais,
domésticas, mas para narrações históricas”. Josefo dentro de uma tradição clássica
helenística, principalmente influenciada por Tucídides, acreditava que era possível
separar a sua formação e convicções pessoais da sua escrita, o que, com o
desenvolver da análise sobre Josefo, estamos verificando que não foi possível. O
conteúdo da sua obra está repleto de convicções pessoais adquiridas durante toda a
sua vida.
Tito se lançou em campanha sobre a Cesáreia, procurando se certificar do
poderio romano sobre as cidades. Tito foi se posicionando para marchar sobre a
cidade de Jerusalém, onde poderia ver a cidade e meditar sobre o inimigo. Quando
43
um grupo de cavaleiros romanos se aproximou, um grande número de judeus iniciou
o ataque. Uma multidão de flechas foi lançada pelos judeus nos romanos, quase
acertando a Tito. Josefo faz questão de esclarecer que Tito não tinha vindo à cidade
para lutar, mas sim para somente olhar a cidade. Os judeus ficaram empolgados
com está pequena vitória. Tito reforçou a segurança dos acampamentos.
Para Josefo o exército romano se portava com ordem para as batalhas,
respeitando as ordens dos seus superiores. Já no caso dos Judeus, se laçavam fora
dos muros correndo ao inimigo como animais selvagens73, enquanto os romanos se
preparavam para marchas74. As batalhas se seguiram nos vales e na região
circunvizinha aos muros de Jerusalém.
Josefo se colocou como uma espécie de interceptor diplomático, pois Tito
enviou termos, mas não obteve respostas. As batalhas se seguiram. Diante de umas
derrotas romanas, Tito conclama um discurso para as suas legiões reconhecendo os
valores e convicções dos judeus, obedientes e perseverantes na sua boa vontade e
fidelidade mútua. Isto mostra a prudência de Josefo em não radicalizar em
apresentar os judeus como desprovidos de valores ou mesmo com a ausência total
de capacidades militares, legitimando assim a dificuldade das batalhas travadas no
Oriente por Roma ao mundo latino75.
Após este discurso as legiões se aproximaram de Jerusalém. Josefo abre um
parêntese na narrativa sobre a Guerra e se propõe a analisar, de forma detalhada, a
cidade de Jerusalém e o Templo.
Desde a sua fundação a cidade de Jerusalém foi palco de violentas batalhas.
Em sua história, temos vários relatos históricos de guerras, cercos e graves
destruições. O seu território, apesar do caráter religioso que o marca, tem
características bastante cruéis. Isso aconteceu por vários motivos. Desde crises
econômicas, revoltas políticas e até por culpa de extremismos religiosos. Enfim, a
cidade que foi fundada por Davi, foi marcada por sangue e por destruições.
73
(...) “that one might compare it to the running of the most terrible wild beasts”. (Josefo, livro V, 85).
(...) “Who had been constantly used to fight skillfully in good order, and with keeping their ranks, and
obeying the orders that were given them;”(...) (Josefo, livro V, 71).
75
“Jews (...) they are obedient, and preserve their goodwill and fidelity to one another”; (...) (Josefo,
livro V, 120)
74
44
Nos anos de 926 a.C76, Sisaque, Faraó egípcio, saqueou a cidade de
Jerusalém. Isso aconteceu cinco anos após a morte de Salomão. O apogeu hebraico
não sobreviveu após a sua morte. No reinado de Roboão, filho de Salomão, a
organização política em Jerusalém perdeu a sua força. Problemas administrativos
levaram o reino a fragmentar-se77. Em torno de 848 a.C a 841 a.C, os filisteus e
árabes, uniram forças contra o reinado de Jorão. Jerusalém foi saqueada e a família
real foi feita prisioneira78.
Após a morte de Salomão, houve a divisão dos hebreus em dos reinos
distintos. O reino que se localizava mais ao norte, foi denominado de Israel, com
capital em Samaria. O reino mais ao sul, que guardava a linhagem de Davi ao Trono,
era denominado de Judá, com capital em Jerusalém. Aproximadamente no ano de
790 a.C, houve conflitos entre essas duas facções de israelitas. Jeoás era o rei de
Israel, ao norte e Amazias, da linhagem de Davi, era o rei de Judá ao sul,
enfrentaram-se na batalha de Bete-Semes79, cidade que está localizada a trinta e
oito quilômetros a oeste de Jerusalém; nos dias de Davi foi um posto de fronteira
entre os de Judá e os Filisteus. A passagem de 2º Reis 14.12-14 comenta:
“Judá foi derrotado diante de Israel, e fugiu cada um para a sua tenda...
Então Jeoás foi a Jerusalém, e rompeu o murro de Jerusalém, desde a Porta
80
de Efraim até a Porta da Esquina, quatrocentos côvados . Tomou todo o
ouro e a prata...como também reféns e voltou para Samaria”.
No início do Século VII a.C, Samaria foi saqueada e a grande maioria dos
hebreus que habitavam na terra mais ao norte de Israel foram deportados para Hala,
em Goza, junto ao rio Habor e para cidades dos medos81. O reino do norte foi
assimilado pelos Assírios. As outras cidades de Judá mais ao sul foram
paulatinamente sendo conquistadas pelos Assírios. Diante da ameaça crescente, o
atual rei da descendência de Davi, Ezequias oferece um pedido de trégua.
Senaqueribe pediu uma quantia de trezentos talentos de prata e trinta talentos de
76
Sistematização de datas estabelecida por Donald C. Stamps, teólogo e comentarista histórico do
Antigo Testamento.
77
1º Reis 14.25,26
78
2º Crônicas 21.16,17
79
OWEN. Frederick, D.D., Ed. D. G. Suplemento arqueológico da palestina.
80
Um côvado no século X a.C na palestina girava em torno de 45 a 50 centímetros. A referência faz
menção que a destruição do muro de Jerusalém atingiu 400 côvados. Isso pode ser traduzido por
aproximadamente 200 metros de estrago nas muralhas de Jerusalém.
81
2º Reis 18.11
45
ouro. Uma das suas principais acusação contra os israelitas eram por algumas
alianças feitas com os egípcios. A quantia foi paga por Ezequias, que esvaziou os
cofres e os tesouros sagrados do templo em Jerusalém. Mesmo assim isso não
impediu o cerco a Jerusalém. Senaqueribe estava em uma outra batalha em Laquis,
cerca de 50 quilômetros a sudoeste de Jerusalém, e, posteriormente em uma batalha
em Libna. O cerco em Jerusalém teve e ser revogado e os generais Assírios Tartã,
Rabe-Saris e Rabsaqué, que cercavam a cidade vieram à Libna. Senaqueribe
retorna a Nínive82, provavelmente em busca de reforços. Em Nínive foi vítima da
usurpação de seus filhos ao trono. Adrameleque e Sarezer fugiram depois do
assassinato e o seu outro irmão assumiu o trono Assírio, Esar-Hadom.83
Posteriormente os babilônicos tomariam a cidade, certa do século VI a.C. Com
os Persas, os judeus puderam reconstruir o Templo, mas em 70 d.C, encontrariam o
seu destino definitivo.
A cidade tinha três muralhas e fora delas um vale. As torres fortaleciam a
defesa da cidade, eram, segundo Josefo, fortes, altas e belas, pois foram
construídas com mármores brancos. Havia reservatórios de água, e compartimentos
que a retinham quando chovia.
O Templo estava assentado sobre um firme monte. Suas bases foram
fundadas por Salomão. Josefo destaca as características físicas do centro religioso
judeu; pedras, madeiras, ouro e prata abundantemente adornavam as portas.
Sugere explicações para os objetos encontrados dentro do Templo. Explica quem
eram os encarregados das atividades no Templo e como faziam os sacrifícios.
Josefo novamente apresenta a narrativa sobre a guerra. Havia uma
quantidade grande de homens fortemente armados, tanto sobre o comando de
Eleazar como sobre o de Simão. As rivalidades não pararam mesmo quando os
romanos se aproximaram das muralhas. Este foi o principal motivo para a destruição
da cidade. Josefo culpa de forma direta os homens que por ela brigavam, se
rebelando contra a paz. Assim os romanos não destruíram a cidade, mas sim a
82
No seu palácio, Senaqueribe ordena que sejam feitas 13 painés comemorando a vitória em Laquis.
Em 1850, em escavações em Nínive, foram descobertas por LAYARD pinturas e vestígios
arqueológicos da campanha de Senaqueribe na Síria e na Palestina. OWEN. Frederick, D.D., Ed. D.
G. Suplemento arqueológico da palestina.
83
ARMSTRONG, Karen. Jerusalém – Uma Cidade, Três Religiões. Ed. Cia das Letras. 2000..
46
rebelião. Sendo assim os acontecimentos lamentáveis não poderiam ser atribuídos
aos romanos, mas ao seu próprio povo84.
Josefo agora passa a ser um dos coadjuvantes da cena, pois tenta proclamar
nos muros os termos de paz, visto que era conhecido por muito dos habitantes de
Jerusalém. Os romanos se aproximaram em três frentes, literalmente cercando a
cidade. Todas as árvores foram cortadas e utilizadas pelos romanos, tanto para
fortificações como para reposição de armas e peças de guerra. Josefo descreve
como as armas de guerra funcionavam contra o Cerco em Jerusalém. Principalmente
lançadas pela décima legião, poderiam optar por lançar flechas ou pedras, estas
últimas mais eficientes contra as muralhas e causando um estrago maior aos
aspectos físicos da cidade e de baixas no lado judaico. Josefo comenta que as
pedras lançadas pelos romanos causavam assombro nos habitantes de Jerusalém,
fazendo com que os revoltosos, mesmo de facções diferentes, por um pouco de
tempo se unissem contra os romanos, mas “Deus não permitiu que estivessem
unidos por um período maior de tempo”. Os romanos pensando que os judeus iriam
se retrair devido ao cansaço ou ao medo, não esperavam pelo ataque repentino que,
como destaca Josefo, bravamente saíram por um portão em baixo de uma torre e
queimaram algumas armas de guerra dos Romanos. Os romanos organizaram
defesas mais eficientes contra estas espécies de ataques.
Na obra de Josefo sempre quando aparecem comentários sobre Tito, este
nome é tratado como sinônimo ao título César.
Josefo comenta sobre a morte de certo João, homem que tinha muita
influência dentro da cidade, que foi atingido por uma flecha não romana, mas Árabe.
A importância da escrita de Josefo em não culpar diretamente os romanos fica clara
nesta passagem. O João que foi morto não parece ser o líder revolucionário, pois o
líder da revolta continua a aparecer no decorrer dos comentários sobre o Cerco.
Tito organizou uma espécie de crucificação exemplar para ver se mobilizava
uma espécie de comoção e de rendição aos revoltosos de dentro da cidade, o que
se tornou ineficaz.
O subtítulo da edição usada apresenta como Tito tomou o primeiro e o
segundo muro de Jerusalém. Tito tinha construído três torres com aproximadamente
84
(...) “I venture to affirm that the sedition destroyed the city, and the Romans destroyed the sedition,
which it was a much harder thing to do than to destroy the walls; so that we may justly ascribe our
misfortunes to our own people” (...) (Josefo, livro V, 248)
47
vinte e cinco metros de altura para se fortalecer ao ataque, porém em meio à noite
uma destas torres veio a cair causando um grande barulho, fazendo com que os
romanos se assustassem pensando que eram os judeus que estavam em um ataque
noturno. Posteriormente, Tito se posicionou com um ataque violento, mantendo os
seus homens a salvo das flechas dos judeus, foi avançando com as armas de
guerra. Muitos judeus pediam por clemência, enquanto a maioria declarava em bom
som que nunca estaria sob um regime de escravidão romano, mas lutaria pela
liberdade política de seu povo sobre a região até a morte. Tito foi logrado por um
grupo de desertores que supostamente iria se render ficando, assim, com muita raiva
e agora se lançando contra os judeus com mais força.
Quando Tito está sobre o domínio do primeiro muro, destrói as fortificações
que antes pertenciam aos judeus, assim, segundo o posicionamento de Josefo, o
César teria feito para tentar comover a sensibilidade dos que estavam dentro dos
muros da segunda muralha. Tito não foi um destruidor, mas destruiu os muros para
facilitar a sua saída da cidade e para não mostrar fraqueza com relação ao inimigo
judaico. Sendo assim, Tito não permitiu que matassem os prisioneiros nem
queimassem as casas, pois “gostaria de preservar a cidade por seu amor e, o
Templo, por causa da cidade85”.
Tito manteve máquinas de guerras que lançavam pedras e flechas na linha
dos judeus revoltosos, mantendo os seus homens em posições seguras. Com um
novo ataque dos judeus os romanos tiveram que recuar, perdendo a posse do
segundo muro da cidade. Assim os judeus pensavam que os romanos nunca mais
iriam tentar reconquistar os muros da cidade, porém sua resistência durou três dias,
no quarto dia Tito se lançou sobre as resistências judaicas e retomou o segundo
muro e estava a se posicionar para tomar a terceira muralha.
Tito, apresentado por Josefo, com um sentimento de misericórdia e de
clemência para com o povo judeu, tendo então tomado boa parte da cidade enviaria
Josefo, para que o povo, já tendo perdido a cidade, não perdesse agora as suas
vidas. No discurso de Josefo fica clara a convicção de que o exército Romano era
invencível, principalmente naquela circunstância. Assim Josefo iniciou o seu discurso
em língua própria, provavelmente o hebreu, ou uma das suas variações, como o
85
(...) “for he was very desirous to preserve the city for his own sake, and the temple for the sake of
the city”. (Josefo, livro V, 331)
48
aramaico. Josefo queria que os judeus poupassem as suas vidas, a sua cidade e o
seu Templo. Novamente o posicionamento filo românico de Josefo tem um ápice,
pois com este discurso toda à possibilidade de culpa aos Romanos pela destruição
da cairia consequentemente por terra, pois a retórica leva a uma construção de que
os próprios judeus seriam os autores das causas daquela destruição. Josefo apela
para a história/tradição do seu próprio povo. O discurso de Josefo é bastante
inflamado e culpa com profunda gravidade a atitude dos revoltosos. Não estariam se
colocando somente “contra os romanos, mas também contra o próprio Deus86”.
O discurso se inicia com a citação de Abraão que estava debaixo do domínio
dos Egípcios e não lutou diretamente por sua independência, mas sim Deus,
posteriormente, com grande poder, através das dez pragas, os libertou. Cita o caso
dos Assírios que pegaram elementos sagrados do Templo, mais especificamente a
Arca da Aliança, porém de forma miraculosa, o ídolo Dagon se quebrou diante da
Arca, o que fez com que os Assírios a devolvesse ao povo de judeu. Cita os mortos
de Sanaqueribe, que depois de conquistarem quase toda a Ásia, se retiraram, pois
tiveram uma baixa de cinco mil homens, onde Deus teria enviado o seu anjo para
destruí-los. Cita os setenta anos que o povo Judeu esteve no cativeiro na Babilônia
e, posteriormente, a libertação com o reinado de Ciro, o persa. Porém Josefo ficou
mais irado ainda quando os judeus lançavam pedras e flechas para que parasse com
o discurso. Comenta também sobre o exemplo de Antioco Epifanes que desolou a
região dos judeus e profanou o templo. Quando a região estava sendo governada
por Aristobulos e Hiscano, por sua tolice, Pompeu teve que intervir na região. Na
mesma situação, se os revoltosos não se rendessem o Templo poderia ser afetado,
como fez Nabucodonosor, quando tomou a cidade e queimou o Templo. Termina seu
discurso dizendo que estaria disposto a dar a sua vida pelas dos que se rendessem.
Judeus, “Bárbaros” famintos e irredutíveis
Josefo passa a narrar sobre as pessoas que se entregaram aos romanos. No
subtítulo também há o comentário de que houve muitas tristezas por causa da fome
e das coisas intoleráveis que aconteceram. Para Josefo grande parte do povo tinha
86
(...) “may be informed how you fight not only against the Romans, but against God himself” (...)
(Josefo, livro V, 375)
49
uma tendência a se render aos romanos, não dos militantes revoltosos. Muitos
passaram fome dentro do cerco. A comida era rara, gerando um descontrole dos que
estavam dentro da cidade. Muitos saqueavam as casas dos vizinhos em procura de
alguma comida. Os que a tinham se trancavam nos seus quartos nas suas casas
para comê-la. Josefo passa a retratar os sitiados como “bárbaros”, pois diante da
fome agiam de tal forma. Crianças, que antes eram prestigiadas pelos pais, agora se
tornaram o alimento principal para a preservação das suas vidas. Houve o caso,
segundo Josefo, de homens que perceberam que havia comida em uma das casas e
entraram para pegá-la, assim os que estavam comendo engoliram rápido e algumas
mulheres que estavam com comida nas mãos, tiveram os seus cabelos arrancados
pelos outros famintos. Pessoas, mesmo sendo judeus, eram torturadas para revelar
onde tinham escondido as suas poucas reservas de comida.
O povo teria sofrido isto por causa dos “tiranos” que estavam com o comando
da cidade; novamente, a culpa era dos líderes revoltosos. Josefo culpa também o
povo por sua iniqüidade, e assim, estaria merecendo o seu sofrimento87.
Os homens romanos estavam desgastados com o Cerco, assim, com a ordem
de Tito, alguns se retiraram a buscar nos vales alguma comida. Na tentativa de
mobilização dos revoltosos, Tito organizou uma crucificação em massa para tentar
mobilizar a rendição. Os legionários romanos com ira e raiva das pessoas que
estavam dentro da cidade, não tinham piedade. Os judeus não pareciam muito
motivados a entregar a cidade ou a se render, sendo preferível morrer em batalha
pela proteção da cidade. A maioria do povo se mostrava irredutível.
Para os romanos não havia muita preocupação em preservar o Templo, pois
Josefo passa a justificá-los de certa maneira. Os tais concebiam que o mundo era
um templo melhor para Deus do que o Templo dos judeus88.
Reforços aos romanos começaram a chegar. Comandantes e homens de
guerra. A cidade estava cercada por quatro frentes. Josefo narra uma espécie de
contra ataque dos judeus, posicionaram pedras com betume incendiadas com fogo e
as lançaram contra os muros de madeira que os romanos tinham construído, assim,
destruindo parte dos reforços estratégicos que os romanos tinham recém construído.
87
(...) “nor did any age ever breed a generation more fruitful in wickedness than this was, from the
beginning of the world”. (Josefo, livro V, 442)
88
(...) “to the Romans (...) to be destroyed, they had no concern about it, and that the world itself was a
better temple to God than this”. (Josefo, livro V, 452)
50
Simão teria visto que o plano de destruir as máquinas de guerra dos romanos
juntamente com muros de madeira parecia um bom plano. Assim, alguns dos judeus
se lançaram a queimar o acampamento dos romanos, obtendo sucesso, pois o fogo
se espalhou rapidamente levando os romanos a se apresassem para salvar as suas
coisas. Josefo destaca que as coisas eram difíceis para os romanos. A importância
de não colocar os romanos também como “gigantes diante de anões” (Josefo, The
War of the Jews. Book I, 8), pois se isto fosse verdade, qual seria a glória da
batalha? Josefo faz questão de mostrar as convicções e força com que o exército
dos judeus agia contra os romanos diante da guerra. Mesmo com grande parte das
suas fortificações, feitas de madeira, que davam proteção aos Romanos, destruídas,
Tito não iria desistir.
Tito aconselha-se com os seus generais para decidir o que seria feito. A figura
de Tito se apresenta não como um “tirano”, ditador, mas sim como um homem que
ouve a opinião dos seus subalternos, sendo assim, se contrapondo aos seus
adversários, que eram “tirânicos”, não ouvindo opiniões divergentes. Os generais, de
comum acordo, decidiram fortalecer o Cerco, construindo um muro em redor da
cidade para impedir que os judeus se lançassem com investidas.
Tito deu ordens para que as legiões se separassem por suas porções para a
construção do muro. Diante da situação os soldados foram tomados de uma “divina
fúria”. Construída as guarnições, Tito revezava os seus homens como vigias.
Assim a fome assolou de forma plena a cidade. Todas as casas e famílias de
igual modo. Os ladrões dentro da cidade se lançavam a procurar alguma coisa para
comer, invadindo as casas onde havia pessoas mortas. Quando estavam a morrer
olhavam para o Templo, o que demonstra o valor religioso do Templo para eles. Os
corpos dos mortos eram lançados dentro do vale, fora da cidade. Tito quando vê
estende as mãos para o céu e diz que Deus era testemunha da sua tristeza diante
daquela situação. O posicionamento de Tito, apresentado por Josefo, se contrapõe
ao da maioria dos romanos, pois estes agora estavam alegres vendo os resultados
da fome, ou seja, ela produziu uma efetividade nas pessoas que estavam
internamente na cidade.
Nas falas que Josefo atribui a Tito nos dá a parecer que este é um converso
ao judaísmo, um verdadeiro prosélito. Não se percebe Tito diretamente invocando as
tradições romanas, se o fez, Josefo a transcreveu, omitindo os nomes ou as
51
referências aos deuses Romanos, parecendo que estava se direcionando ao mesmo
Deus dos judeus.
Os romanos tinham abundância de provisões que vinham da Síria e das
províncias vizinhas, sendo assim tinham condições para manter o Cerco sobre a
cidade. Este alimento também era colocado à vista dos judeus para tentar uma
espécie de comoção nos revoltosos.
Dentro da cidade Josefo comenta que as divergências entre os grupos rivais
continuavam, sendo que por fim Matias, um alto sacerdote e fiel ao seu povo,
juntamente com outros judeus teriam sido condenados a morrer por supostamente
estar ao lado dos romanos. O interessante nesta passagem que os que estão ao
lado dos romanos sempre apresentam características positivas na visão de Josefo,
enquanto os que são revoltosos não faltam advérbios como “tiranos e bárbaros”.
Como Rocha destaca:
“Flávio Josefo insiste em defender que a ordem social é dada por Deus, por
sua ação, e que ele não se sente nem um pouco traidor do povo judeu ao
bandear para os romanos, que se tornaram a garantia da ordem na
Palestina. Assim, o quadro que Flávio Josefo tece dos inimigos é o quadro
89
que a classe dominante tece no século I da nossa era.”
Josefo discursando e andando ao redor da cidade teve a sua cabeça atingida
por uma pedra. Josefo continuou o discurso para que se rendessem aos romanos.
Alguns diante da grave situação que foi provocada pelo cerco atenderam aos
chamados, outros lançavam pedras demonstrando o seu descontentamento.
“Barrigas pesquisadas”, uma atuação Árabe
Josefo comenta que uma outra praga caiu sobre os que se rendiam. Foi
encontrado ouro entre os excrementos dos que tinham saído de Jerusalém. Entre os
Sírios e Árabes estavam os presos, judeus que tinham se rendido aos romanos.
Porém, quando a notícia se espalhou entre estes, se lançaram a matar os judeus, e
em uma noite cerca de dois mil judeus tiveram as suas “barrigas pesquisadas” pelas
espadas a procura de ouro.
89
ROCHA, Ivan Esperança. Dominadores e dominados na Palestina do século I. Artigo em
Revista História. UNESP. ISSN 0101-9074 da versão impressa. Revista História v.23 n.1-2. Assis,
SP: Franca 2004. Consultado em [www.scielo.br/scielo.php]
52
Tito quando soube da ímpia atitude procurou conselhos junto aos seus
comandantes, pois havia alguns legionários romanos que teriam tomado parte da
matança dos prisioneiros. Tito discursa demonstrando que o ódio dos Árabes e
Sírios pelos judeus não poderia ser imputado ao povo romano. Assim, os homens
que eram suspeitos de terem feitos tais atos foram penalizados com a morte.
O interessante nesta passagem é que a atitude inicial de “pesquisar as
barrigas”, não partiu dos romanos, mas sim dos Árabes e Sírios, assim, de forma
indireta, os romanos não apresentaram culpa nas atitudes feitas por quem odiavam
os judeus, neste caso, os verdadeiros culpados foram os Árabes e os Sírios. Mesmo
os poucos legionários romanos que se envolveram no incidente, foram condenados
pelo César, assim expiando a culpa do seu povo.
A Tomada de Jerusalém, uma Atitude Providencial
Josefo passa a comentar sobre o sacrilégio que João fez sobre os utensílios
do Templo. Este se considerava um lutador pelas coisas de Deus, sendo assim, se
apossou dos óleos e vinhos sagrados que eram usados nos sacrifícios sacerdotais,
distribuindo isto entre os revoltosos passaram a se ungir e a beber. Josefo tinha a
perspectiva que, se não fosse os romanos, estes vilões seriam destruídos de forma
rápida, ou a terra os engoliria vivos, ou a cidade sofreria um dilúvio ou seriam
exterminando como Sodoma90.
O livro seis da Guerra dos Judeus tem um título explicativo que demonstra o
trecho tratado historicamente abrange um período de um mês. Desde a calamidade
extrema dos judeus à tomada da cidade de Jerusalém por Tito. Josefo comenta que
a calamidade da situação do povo que estava dentro da cidade estava cada vez pior.
A visão sobre a região se tornou profundamente triste, pois todas as árvores foram
cortadas, a região estava se parecendo com um deserto.
Tito inicia um ataque reforçado a uma torre. Diante das batalhas profere um
discurso que procura valorizar as qualidades Romanas e se utiliza do argumento de
90
“I suppose, that had the Romans made any longer delay in coming against these villains, that the
city would either have been swallowed up by the ground opening upon them, or been overflowed by
water, or else been destroyed by such thunder as the country of Sodom perished by, for it had
brought forth a generation of men much more atheistical than were those that suffered such
punishments; for by their madness it was that all the people came to be destroyed”. (Josefo, livro V,
562)
53
que Deus teria assinado a derrota dos judeus. Este argumento se reforçou quando
uma das muralhas judaicas inexplicavelmente veio a cair91.
Dentro desse discurso, inflamado aos legionários, Tito, dentro da obra de
Josefo, apresenta uma característica bastante comum com relação à administração
romana no oriente, a possibilidade da revolta causar à idéia de mais impunidade,
gerando assim mais problemas a administração central proveniente de Roma. Pois,
se esta comunidade tivesse a sua independência política, talvez, todo o oriente
poderia se levantar contra Roma, por isto a repreensão deveria se dar por
completo92.
Josefo passa a comentar sobre como as batalhas se desenvolveram até Tito
tomar a torre Antonia. Tito ordenou que a torre fosse destruída. Posteriormente, Tito
convocou Josefo para falar, em língua hebraica, ao povo que estava dentro da
cidade para tentar salvar o resto da cidade e o Templo. Josefo, no fim do seu
discurso declara que era o próprio Deus que estava purificando a cidade de suas
impiedades através dos romanos93.
O Cerco romano foi se aproximando do Templo. Os judeus não se mostraram
dispostos a se render. Josefo destaca que houve uma tranqüilidade militar por parte
dos romanos quando enfrentavam a situação e, por parte dos judeus, um imoderado
desespero e uma intolerável paixão94.
Os romanos ao se aproximarem foram atingidos por uma espécie de
armadilha dos judeus, levando muitos romanos a se queimarem com fogo. Os
romanos ficaram um tanto tristes com a situação. O cerco estava fechado para os
judeus, assim, Josefo retrata como a fome assolava àqueles dentro do Templo. A
situação foi tão extrema que Josefo diz que se tornou inexplicável. Porém, Josefo
afirma que está em uma situação que não pode reprimir nem lamentar pelo o que o
91
(...) “and the fall of their walls without our engines, what can they all be but demonstrations of God's
anger against them, and of his assistance afforded us? ( ...) (Josefo, livro VI, 33)
92
(...) “we, who have gotten possession of almost all the world that belongs to either land or sea, to
whom it will be a great shame if we do not conquer them, do not once undertake any attempt against
our enemies wherein there is much danger”. (...) (Josefo, livro VI, 33)
93
(...) “It is God, therefore, it is God himself who is bringing on this fire, to purge that city and temple by
means of the Romans, and is going to pluck up this city, which is full of your pollutions” (...) (Josefo,
livro VI, 93)
94
(...) “while the Romans showed both their courage and their skill in war, as did the Jews come on
them with immoderate violence and intolerable passion” (...) (Josefo, livro VI, 157)
54
povo judeu sofreu, pois isto seria apenas conseqüência de suas atitudes
anteriores95.
Josefo se lamenta sobre a situação de sobreviventes até aquele momento.
Quando os que estavam pela cidade se perceberam naquela situação, davam os
mortos por felizes, pois não viram nem se compactuaram com a situação em que a
guerra os fez viver96.
Quando os romanos souberam disso muitos não puderam acreditar, outros
foram movidos com um ódio ainda maior contra os judeus, Josefo utiliza a
expressão: “ódio contra o nosso povo”. Por fim conclui que foram os judeus que
tinham escolhido esta situação97.
As máquinas de guerra estavam posicionadas contra o Templo e Tito deu
ordens para que as portas fossem queimadas e, posteriormente, todo o Templo
estava em chamas, mesmo contra a sua vontade. Isto se deu depois das máquinas
tentaram derrubar os muros em vão, após seis dias de tentativa. Com a queima das
portas, os judeus, dentro do Templo, ficaram assustados assistindo o que acontecia.
Tito, no outro dia, fez uma assembléia com os chefes das legiões para que se
preservasse o Santo dos Santos, sala mais sagrada do Templo dos judeus. Porém
os soldados, movidos de “divina fúria”, lançaram fogo sobre a porta de ouro e sobre
as cortinas das salas. Tito, porém correu até a sala e com grande voz, gritou,
acenando com a sua mão direita, para que parassem com o fogo. Porém os
soldados não puderam ouvi-lo, Tito não conseguiu conter o furor dos soldados,
restando muitos mortos naquele lugar e os objetos queimados, quando não
derretidos. Josefo ressalta que esta atitude foi feita sem a aprovação de Tito, e,
sendo assim, juntamente com Josefo, passam a lamentar sobre o ocorrido. Os
legionários romanos que continuaram com a destruição do Templo, foram movidos
pelo desejo de encontrarem ouro. A atitude de oposição de Tito ocorreu, talvez, pelo
seu nível intelectual, sabendo da grandeza que o Templo dos judeus representava
dentro do cenário romano como símbolo dos valores judeus; ao contrário de seus
soldados que não tinham as mesmas preocupações, sendo que sobreviviam
95
(...) “and besides, my country would have had little reason to thank me for suppressing the miseries
that she underwent at this time”. (Josefo, livro VI, 193)
96
(...) “So those that were thus distressed by the famine were very desirous to die, and those already
dead were esteemed happy, because they had not lived long enough either to hear or to see such
miseries”. (Josefo, livro VI, 201)
97
(...) “but that they, instead of concord, had chosen sedition; instead of peace, war; and before satiety
and abundance, a famine”(...) (Josefo, livro VI, 214)
55
principalmente dos saques que estas expedições militares proporcionavam. O
Templo se tornou em ruínas. Os prisioneiros de guerra também lamentavam
amargamente o ocorrido. O Templo foi queimado, restando somente às paredes.
Desta maneira Josefo procurou justificar a atuação de Vespasiano na Judéia,
mas não o culpou diretamente pelos acontecimentos: O templo, “centro financeiro e
religioso da Palestina, o Templo foi espoliadas de suas riquezas, que foram levadas
por Tito para Roma, ostentadas no desfile sob o arco que leva seu nome, construído
para a ocasião98”.
Posteriormente houve por parte de Tito, juntamente com os legionários
romanos, um momento de regozijo. Trouxeram as suas insígnias para o templo e
aclamaram Tito como Imperador99. Os soldados se alegravam com os despojos da
guerra tomada na batalha.
Josefo passa a narrar um discurso de Tito que ressalta as conquistas romanas
e lança algumas perguntas para os romanos em busca de respostas. Será que os
judeus seriam mais fortes que os cartagineses e os germanos? Não saberiam do
tamanho das conquistas romanas desde a Bretanha. Tito acusa os judeus de
cobrarem impostos do povo para organizarem a guerra contra Roma, sendo este
dinheiro propriamente romano. Tito, mais uma vez alega sua inculpabilidade diante
da queima do Santo Lugar.
A batalha continuou com Tito conquistando os últimos lugares de resistências
judaicas. A alegria dos soldados em verem a cidade destruída era grande, porém
Josefo se interpôs entre eles e pediu que poupassem o resto da cidade. Josefo diz
que os últimos redutos de resistência estavam sobre o comando dos Idumeus.
Novamente Tito promete a sua mão direita em prol da segurança dos que se
rendessem. Alguns dos sitiados até tinham afinidades com estas idéias, porém os
líderes quando tinham o conhecimento de que estavam tendendo ao lado romano,
executavam os seus próprios liderados. Por fim, Josefo declara que os homens
98
ROCHA, Ivan Esperança. Dominadores e dominados na Palestina do século I. Departamento de
História - Faculdade de Ciências e Letras. UNESP. Assis, SP. Revista História v.23 n.12 Franca 2004. Consultado em [http://www.scielo.br/scielo.php].
99
“And now the Romans, upon the flight of the seditious into the city, and upon the burning of the holy
house itself, and of all the buildings round about it, brought their ensigns to the temple and set them
over against its eastern gate; and there did they offer sacrifices to them, and there did they make Titus
imperator with the greatest acclamations of joy”(...) (Josefo, livro VI, 316)
56
destruíram as últimas construções de Jerusalém que ainda permaneciam
levantadas100.
Entre os prisioneiros, segundo Josefo, desde o início da guerra, noventa e
sete mil, poupados e vendidos como escravos. Josefo comenta sobre a rendição de
Jesus, um eminente judeu que estava com muitos utensílios do Templo, objetos que
foram preservados. Dentre estes, provavelmente o Candelabro de Ouro que aparece
no Arco do triunfo de Tito em Roma.
Quando os homens procuravam pelas casas algo de valor, depois de tomados
os refúgios da cidade, encontraram muitos corpos mortos, estendidos pelas camas
esperando a morte devido à fome.
Josefo passa a retratar os cativos e os que conseguiram fugir do Cerco por
cavernas subterrâneas. Simão e João conseguiram fugir, mas dentro de uma
caverna, encurralados pelos romanos, abatidos pela fome, pediram socorro por suas
vidas. Simão foi assassinado e João condenado à prisão perpétua.
100
(...) “And now the Romans set fire to the extreme parts of the city, and burnt them down, and
entirely demolished its walls”. (Josefo, livro VI, 427)
57
ROMANIZAÇÃO NO ORIENTE
Uma Consolidação dos Valores Romanos no Oriente
A primeira idéia de romanização por parte de Tito presente em Josefo está no
patrocínio da obra. Josefo confessa, em tom de exaltação própria: “O imperador Tito
quis que a divulgação para o público do conhecimento dos fatos só fosse feita
através de meus livros, a tal ponto que os assinou de seu próprio punho e ordenou a
sua publicação à custa do Tesouro101”.
A romanização, neste sentido, pode ser entendida como uma idéia de
promoção dos valores Romanos na região mais oriental do Império. No caso
específico de Josefo e da Judéia, Hadas-Lebel comenta:
“A romanização do relato de Josefo também é sentida na maneira como ele
procura desculpar Vespasiano de uma abominável traição. Depois da vitória
sobre Tariquéia, o general manda os habitantes de volta para casa e finge
conceder anistia aos estrangeiros, mas não lhes deixa outra escolha senão
dirigir-se a Tiberíade. Lá, reúne-os no estádio, manda massacrar os “inúteis”
em número de mil e duzentos, escolhe seis mil jovens robustos e manda-os
102
abrir o istmo de Corinto.”
Josefo então se propôs a colocar-se a serviço dos romanos na campanha na
Judéia eternizando as ações daquele povo sobre a região através de suas obras e
publicações103. No sentido de sua obra, Guerra dos Judeus, ser encomendada à
Josefo, ou seja, pensada previamente, leva a uma reflexão sobre a sua utilização.
Neste sentido, temos a conjuntura de uma ameaça de levante por parte do oriente
contra Roma, principalmente dos partos. O próprio Josefo confessa: “Dei estas
explicações detalhadas, não para exaltar os romanos, mas (...) para levar a reflexão
aqueles que se sentiam tentados a se insurgir104”. Isto também se reforça pelo
motivo de Antioco, aliado dos romanos na Guerra, ser acusado de tentar motivar um
levante contra Roma a partir de 74 d.C. A obra de Josefo se torna então um
elemento de propaganda de Roma nas regiões orientais, levando os que se sentiam
tentados a se levantar contra Roma a terem o mesmo fim que os judeus, destruição
101
JOSEFO. Autobiografia. 367
HADAS-LEBEL, Mireille. Flávio Josefo: O Judeu de Roma. Mirreille Hadas-Lebel; tradução Paula
Rossas. Rio de Janeiro: Imago Ed. 1991. 290p. (Série Diversos). Pg. 145
103
“As palavras são mais eficazes do que as armas” JOSEFO. Guerra Judaica 5.361.
104
Ibid.
102
58
e expropriação de suas terras. Sendo assim, as possibilidades de revolta estariam
minimizadas.
Um outro ponto que evidência a romanização na conjuntura dos fatos que
envolveram o cerco e a tomada de Jerusalém, foi a moeda cunhada por Vespasiano
para homenagem aos romanos, a chamada Judaea Capta105.
O livro VII de Guerra dos Judeus de Flávio Josefo, em seu título específico
deste livro, na edição usada, comenta que abordará um período de três anos, a partir
da tomada de Jerusalém.
Josefo diz que César mandou destruir a entrada da cidade e do templo, porém
permitiu que algumas torres fossem mantidas, juntamente com um muro, para que a
posteridade pudesse ver como a cidade era fortificada, mas diante dos Romanos foi
submetida a ruínas106. Tito colocou a décima legião em guarda da cidade e fez um
tribunal para julgar os sitiados. Os romanos diante da guerra não tinham perdido o
seu valor. Josefo passa a exaltar os valores romanos de forma extrema107. Há no
relato de Josefo uma extrema exaltação das legiões romanas e da figura de Tito,
características tais que teriam possibilitado estas façanhas.
Tito, com grande alegria, passou a distribuir o que eles tinham tomado como
despojo de guerra: ouro, prata e vestes. Tito agradeceu os Deuses, oferecendo
sacrifícios. Duas legiões permaneceram com Tito, pois iria ao Egito.
Tito seguiu para Cesáreia de Filipe, onde se propôs a mostrar a recompensa
da guerra. Fez com que muitos fossem mortos por feras e que também se
lançassem em ataque, uns sobre os outros108. Tito seguiu fazendo mais conquistas e
pegando os últimos “tiranos” do povo hebreu.
Na comemoração do aniversário do pai de Tito, mais festas se seguiram,
contando com a destruição de mais judeus presos na guerra109.
105
Judéia conquistada. Imagem numismática presente nos anexos.
(...) “in order to demonstrate to posterity what kind of city it was, and how well fortified, which the
Roman valor had subdued”; (...) Josefo, livro VII.1
107
(...) “as also for that courage they had shown, and had thereby augmented of themselves their
country's power, and had made it evident to all men, that neither the multitude of their enemies, nor the
strength of their places, nor the largeness of their cities, nor the rash boldness and brutish rage of their
antagonists, were sufficient at any time to get clear of the Roman valor, although some of them may
have fortune in many respects on their side. (...) the most bravely, and with greater force, and had
signalized their conduct in the most glorious manner, and had made his army more famous by their
noble exploits;” (...) Josefo, livro VII.5
108
(...) “And here a great number of the captives were destroyed, some being thrown to wild beasts,
and others in multitudes forced to kill one another, as if they were their enemies.” (...) Josefo, livro
VII.21
109
(...) “exhibited a still more pompous solemnity about his father's birthday” (...) Josefo, livroVII.37)
106
59
Josefo em um outro subtítulo passa a narrar sobre como Vespasiano foi
recebido em Roma e como os Germanos foram submetidos. Há também o relato
sobre como Tito foi recebido em Roma, com aclamações e muita festa110.
Josefo interrompe a sua narrativa sobre a festividade em Roma para comentar
sobre o que aconteceu com os Germanos que tentaram se rebelar contra o Império,
enquanto Vespasiano estava em Alexandria e Tito enfrentando o Cerco em
Jerusalém. Os Germanos viam que Roma estava em uma situação de desordem
internamente, nesta oportunidade então, se revoltaram. Domiciano foi à região da
Gália e a pacificou.
Josefo passa a comentar sobre o sucesso que Tito tinha alcançado com a
vitória em Jerusalém e a sua saída pela região. Em Antioquia foi recebido com
muitas aclamações, porém após a revolta não manteve os mesmo privilégios que
esta cidade possuía. Na sua volta ao Egito, Tito lamentou-se da situação a qual a
cidade foi reduzida. Isto seria culpa dos líderes judaicos. Porém viu a revolta como
uma oportunidade para mostrar a sua coragem111.
Prisioneiros foram enviados a Roma, para mostrar o seu triunfo sobre a região
da Judéia. Estes homens foram selecionados entre os mais altos e de
encorpados112.
Tito, juntamente com Vespasiano no Egito, no Templo de Isis, festejou a
conquista. Uma festa que se tornou, segundo Josefo, impossível descrevê-la.
Mesmo assim, Josefo dedica parte da sua obra para explicar como eram os objetos
da festa e como Tito e Vespasiano se apresentaram113. Josefo comenta que a última
parte desta festa foi feita no Capitólio de Júpiter, em Roma. E como era de costume
dos romanos trouxeram o general inimigo. Simão estava diante do Fórum com uma
corda no pescoço, na qual devia ser morto. Todos se alegraram com o fim da revolta.
Tito ordenou a construção de um Templo com insígnias dos judeus que foram vistas
naqueles dias da contenção da revolta.
110
(...) “acclamations, on account of the joy they had to see him, and the pleasantness of his
countenance, and styled him their Benefactor and Savior, and the only person who was worthy to be
ruler of the city of Rome. (...) Josefo, livro VII.63
111
(...) “as this punishment of theirs amounted to should be a demonstration of his courage”. (...)
Josefo, livro VII.100
112
(...) “Simon and John, with the other seven hundred men, whom he had selected out of the rest as
being eminently tall and handsome of body, he gave order that they should be soon carried to Italy, as
resolving to produce them in his triumph”. (...) Josefo, livro VII.116
113
(...) “was worthy of admiration”. Josefo, livro VII.132
60
Josefo passa a comentar sobre as últimas companhias que foram enviadas a
Judéia para a contenção dos últimos focos de Revolta. Lucianus Bassus foi enviado
à Macherus, uma obra de Herodes, principalmente porque fazia fronteira contra os
Árabes, sendo então uma verdadeira fortaleza, contando com apoio de forças
naturais para o seu reforço. Bassus montou o cerco à fortaleza, que estava sobre o
domínio dos judeus revoltosos. Josefo comenta sobre as características do local,
suas fontes, seus reservatórios. As batalhas se seguiram no local, com poucos
feridos por parte dos romanos e três mil por parte dos judeus, inclusive o seu
general.
Josefo passa a escrever sobre a calamidade com que Antioco foi reduzido por
se levantar contra os Romanos, no quarto ano do Reinado de Vespasiano, ano 73
d.C. Comenta também sobre como os Alans estavam entrando em conflito com os
Medos e os Armênios.
Flávio Silva assumiu o lugar de Bassus como procurador da Judéia, e
sabendo que havia um último lugar onde os judeus revoltosos estavam marchou
para lá. Massada estava sob o poder Eleazar e de judeus revoltosos contra Roma,
sendo esses um grupo de Sicarii. Josefo passa a retratar os judeus deste caso como
“bárbaros”, não economizando explicações para isto. Com o cerco montado contra a
fortaleza, Silva tinha que contar com apoio de suprimentos de outras regiões, pois
não havia comida nem fontes perto da fortaleza. Por um outro lado, comenta Josefo,
Massada era uma fortaleza que contava com reservatórios e fontes de água. As
estruturas físicas do local também eram reforçadas contra ataques dos inimigos.
Internamente havia mobílias e, quando o lugar foi tomado por Eleazar e os Sicarii,
havia abundância de vinho e azeite. Uma quantidade enorme de armamento foi
encontrado no local, o suficiente para equipar dez mil homens. Uma fortaleza que foi
reconstruída por Herodes e agora estava tomada pela guerra dos Judeus. Silva
levantou um muro para se proteger, contando com pedras e terra. Silva concentrouse em queimar um dos portões da fortaleza para tentar uma entrada, conforme
Josefo com a ajuda de Deus, conseguiu atingir o seu objetivo114.
114
(...) “Now, at the very beginning of this fire, a north wind that then blew proved terrible to the
Romans; for by bringing the flame downward, it drove it upon them, and they were almost in despair of
success, as fearing their machines would be burnt: but after this, on a sudden the wind changed into
the south, as if it were done by Divine Providence, and blew strongly the contrary way, and carried the
flame, and drove it against the wall, which was now on fire through its entire thickness. So the
Romans, having now assistance from God, returned to their camp with joy, and resolved to attack their
61
Josefo se propõe a narrar o discurso de Eleazar, uma fala repleta de
conseqüências à insubmissão romana: teriam escolhido não ser servos dos
Romanos. Há o reconhecimento de que a violência empreendida aos judeus provém
de Deus. Teriam sido castigados. Sendo assim, não seriam castigados pelos
romanos, mas unicamente pelo próprio Deus. Uma punição executadas pelas suas
próprias mãos. Seriam melhor que as suas mulheres morressem antes de serem
abusadas e os filhos antes de experimentar a escravidão. Preferiam a morte à
escravidão115.
É difícil acreditar que Josefo tenha ouvido este discurso, o que se torna mais
plausível aceitar que a sua construção foi posterior e com um conjunto repleto de
idealizações proposta pelo autor.
Josefo passa a registrar um lamento de Eleazar, talvez mais uma construção
de Josefo direcionando como exemplo aos que se por ventura rebelassem contra os
romanos - por mais que eles fossem bravos e corajosos, não eram melhores do que
nenhum outro povo e deveriam ter se submetido aos romanos. No comentário há
uma espécie de exaltação e contentamento com a morte em vez da escravidão116.
As suas mortes e a sua disponibilidade para morrer deveriam ser colocadas como
exemplo117. Os Romanos nunca tiveram os judeus como inimigos, até que os judeus
se revoltassem contra eles118. Em nome da liberdade que teriam se levantado contra
enemies the very next day; on which occasion they set their watch more carefully that night, lest any of
the Jews should run away from them without being discovered”. Josefo, livro VII.304
115
(...) “the punishments of which let us not receive from the Romans, but from God himself, as
executed by our own hands; for these will be more moderate than the other. Let our wives die before
they are abused, and our children before they have tasted of slavery; and after we have slain them, let
us bestow that glorious benefit upon one another mutually, and preserve ourselves in freedom, as an
excellent funeral monument for us. But first let us destroy our money and the fortress by fire; for I am
well assured that this will be a great grief to the Romans, that they shall not be able to seize upon our
bodies, and shall fall of our wealth also; and let us spare nothing but our provisions; for they will be a
testimonial when we are dead that we were not subdued for want of necessaries, but that, according to
our original resolution, we have preferred death before slavery." Josefo, livro VII.320
116
(...) “but I find that you are such people as are no better than others, either in virtue or in courage,
and are afraid of dying, though you be delivered thereby from the greatest miseries, while you ought to
make no delay in this matter, nor to await any one to give you good advice; for the laws of our country,
and of God himself, have from ancient times, and as soon as ever we could use our reason,
continually taught us, and our forefathers have corroborated the same doctrine by their actions, and by
their bravery of mind, that it is life that is a calamity to men, and not death; for this last affords our souls
their liberty, and sends them by a removal into their own place of purity, where they are to be
insensible of all sorts of misery;” (...) Josefo, livro VII.337
117
(...) “We, therefore, who have been brought up in a discipline of our own, ought to become an
example to others of our readiness to die” (...).Josefo, livro VII.337
118
(...) “The Romans themselves, who never took us for their enemies till we revolted from them”. (...)
Josefo, livro VII.337
62
Roma119. Depois da desilusão de ver o Templo destruído e profanado queriam
apenas morrer bravamente120. Como não preferir a morte a tais misérias? Mesmo
porque quando tiveram a chance de se renderem com vida não o fizeram121. Que
todos permitissem que morressem com as suas famílias e em uma situação de
liberdade122.
O subtítulo na seqüência comenta sobre como apenas duas mulheres e cinco
crianças conseguiram escapar, enquanto os outros foram mortos pela mão de seus
compatriotas.
Segundo
Josefo,
Eleazar
estava
motivado
por
uma
“fúria
demoníaca”123. Assim se lançaram a matar as suas esposas, seus filhos e a eles
próprios. Uma das mulheres sobreviventes contou a história de como aquilo tinha
acontecido124.
Josefo passa a comentar sobre uns judeus que fugiram para o Egito, tanto
para Alexandria como para Tebas, lugar onde se tornou perigoso para eles. Eram
acusados de se revoltarem de forma tola contra os Romanos. Em Alexandria havia
um templo dos judeus, o governador Lupus, com medo do que aconteceu na Judéia
se repetisse, ordenou a destruição daquele templo. Construindo outro em um lugar
mais reservado, próximo a Memphis, não parecido com o de Jerusalém, mas como
uma torre. Foi dado também condições para que os judeus mantivessem os seus
sacrifícios125. Porém, pouco tempo depois, o templo foi trancado por ordem de
Lupus.
Por fim, Josefo comenta sobre uma revolta de alguns judeus pobres de
Cirene. Jonathan, um chefe religioso judeu, prometeu uma série de aparições no
119
(...) “in the cause of liberty, which encouraged us all to revolt from the Romans”. (...) Josefo, livro
VII.337
120
(...) “And I cannot but wish that we had all died before we had seen that holy city demolished by the
hands of our enemies, or the foundations of our holy temple dug up after so profane a manner. But
since we had a generous hope that deluded us, as if we might perhaps have been able to avenge
ourselves on our enemies on that account, though it be now become vanity, and hath left us alone in
this distress, let us make haste to die bravely”. (...) Josefo, livro VII.337
121
(...) “although such as do not prefer death before those miseries, when it is in their power so to do,
must undergo even them, on account of their own cowardice. We revolted from the Romans with great
pretensions to courage; and when, at the very last, they invited us to preserve ourselves, we would not
comply with them.” (...) Josefo, livro VII.337
122
(...) “let us die before we become slaves under our eneimies, and let us go out of the world,
together with our children and our wives, in a state of freedom”. (...) Josefo, livro VII.337
123
(...) “moved with a demoniacal fury” (...). Josefo, livro VII.389
124
(...) “the women heard this noise, and came out of their under-ground cavern, and informed the
Romans what had been done, as it was done; and the second of them clearly described all both what
was said and what was done” (...) Josefo, livro VII.402
125
(...) “The king also gave him a large country for a revenue in money, that both the priests might
have a plentiful provision made for them, and that God might have great abundance of what things
were necessary for his worship” (...). Josefo, VII.426
63
deserto, levando consigo a muitos. Catulo prendeu-os e matou quase três mil judeus,
tanto os culpados como os inocentes; os ricos judeus da cidade, por exemplo.
Jonathan foi levado a Roma, onde foi julgado e queimado vivo. Catulo foi vítima de
sonhos e aparições que lhe atrapalhavam o sono, sendo isto para Josefo a prova de
que Deus julga os maus126. Neste trecho Josefo se mostra desfavorável pelo que
aconteceu com os judeus de Cirene.
Josefo comenta que todos os judeus eram vítimas de acusações, seja lá onde
residissem, até o escritor deste livro sofria certas restrições127.
Assim Josefo chega ao fim de sua história da guerra dos romanos contra os
judeus, destacando que seus leitores poderão julgá-lo, porém, quando escreveu,
sempre manteve um compromisso com a verdade128.
126
(...) “that God punishes wicked men”. (...) Josefo, livro VII.451
(...) “One of these, against whom this treacherous accusation was laid, was Josephus, the writer of
these books”. (...) Josefo, livro VII.447
128
(...) “Of which history, how good the style is, must be left to the determination of the readers; but as
for its agreement with the facts, I shall not scruple to say, and that boldly, that truth hath been what I
have alone aimed at through its entire composition”. Josefo, livro VII.454
127
64
CONCLUSÃO
Com relação a obra de Josefo, Guerra dos Judeus, ter sido feita como uma
justificação do status quo romano sobre a região da palestina parece que fica claro
que foi este o objetivo direto da obra. Implicando também não só uma hegemonia
sobre a judéia e as regiões sob a jurisdição de Roma, mas também sobre o oriente
de uma forma geral. Isto se explica, num primeiro momento, pela obra ter sido feita
sob o patrocínio de Tito. Em um segundo momento, leva a reflexão sobre a obra ter
sido escrita em variações das línguas orientais, para uma melhor divulgação
naquelas terras, obras estas que não permaneceram ao desenvolver do tempo.
Posteriormente também há de ser considerado que a obra, como ressaltou
Goodman, foi feita com uma idéia de propaganda romana. Ao que parece, Josefo
escreve para tentar influenciar os povos do oriente a não se levantarem contra
Roma. Roma estava definitivamente preocupada com o controle da região oriental.
O porquê de Josefo ter se mostrado como filo romano em seu posicionamento
está diretamente relacionado com a sua formação, seus conhecimentos dos valores
judaicos, não de forma fechada, mas sim de forma flexível, analisando friamente as
circunstâncias. Com o conhecimento da política romana e, principalmente, do seu
poderio bélico não seria sábio aos seus olhos tomar o caminho de enfrentamento
direto. Num segundo momento, diante da eminente morte, não se lança contra a sua
própria vida como fizeram os seus irmãos judeus, mas se arrisca a tentar uma
rendição aos romanos. Hadas-Lebel, neste sentido comenta:
“Se cumpre realmente, como conclusão para esta obra, fornecer
mais um retrato de Josefo, o próprio leitor o terá reconstituído através das
páginas precedentes: Uma criança prodígio; um rapaz brilhante, confiante
em sua estrela; um intelectual eloqüente, que não gosta de derramamento
de sangue; um ambicioso que não quer morrer aos trinta anos; um espírito
mais político do que guerreiro; um racionalista prudente, que odeia a
exaltação mística; um cortesão por senso de compromisso; e, com tudo
129
isso, um judeu profundamente fiel ”.
Uma postura bilbiográfica que merece ser contestada em Josefo, na Guerra
dos Judeus, é que ele se mostra como um “mentiroso e enganador”, como apontado
por Goodman. Josefo acreditava piamente que estava escrevendo uma história
129
HADAS-LEBEL, Mireille. Flávio Josefo: O Judeu de Roma. Mirreille Hadas-Lebel; tradução Paula
Rossas. Rio de Janeiro: Imago Ed. 1991. 290p. (Série Diversos). Pg. 273
65
verdadeira e, seja pelos elementos da sua postura de filo romano ou por sua
participação no decorrer dos acontecimentos, acreditava que estava escrevendo
uma história mais verdadeira do que a dos seus contemporâneos. (JOSEFO, Livro I).
Definitivamente, não foi enganador. Pois Josefo foi apenas um homem marcado por
sua formação e por suas escolhas políticas. Sua formação, tanto de influência
judaica, no caso de se parecer e adotar o modelo da tradição de Jeremias, como de
influência grega, no caso de Tucídides quando acreditava estar fazendo uma história
com um modelo de verdade, foi o que marcou os seus escritos e o seu
posicionamento filo romano, não um sentimento previamente estabelecido de
interesse pessoal e egoísta. Mas, muito pelo contrário, não podemos simplificar as
coisas para uma racional explicação. Nas escolhas pessoais de uma pessoa, na
maioria das vezes, os princípios não se opõem aos privilégios. No caso de Josefo
podemos perceber que tanto os seus princípios, sua formação, como os seus
interesses, o de salvar a sua vida e a sua memória à posteridade, por exemplo,
estão apontando para um mesmo sentido, assim, explicando o seu posicionamento.
Um conjunto de causas e escolhas o leva a tomar a sua decisão ao lado dos
romanos e a escrever com tal posicionamento. Este conjunto de fatores só pode ser
explicado quando analisamos a vida de Josefo por completo e procuramos entender
as características dos grupos que envolveram a sua formação pessoal, como
também a conjuntura histórica a qual ele estava inserido. Apesar de a obra ser
pensada previamente e patrocinada por Tito, não podemos a vê-la como mentirosa e
desvalorizada dos seus valores históricos. A obra teve a sua importância na sua
época e para a posteridade na justificação do poderio romano sobre a região. Por
um outro lado, a obra teve a sua importância de forma religiosa, com as
interpretações cristãs sobre a destruição violenta de Jerusalém e do Templo,
concluindo como vontade de Deus o fim dos sacrifícios judaicos.
Quando Josefo se apropria de uma tradição política judaica de submissão aos
povos estrangeiros não a faz de forma descompromissada. Muito pelo contrário,
quando Josefo analisa toda a tradição judaica e principalmente o caso de Jeremias,
observa de forma sincera que os estrangeiros, especificamente os romanos, são sim
salvadores contra os “tiranos”. Um outro modelo que é atribuído a Josefo, dentro da
tradição judaica, é o modelo do profeta Daniel. Este teria vivido dentro das cortes
Babilônicas e, posteriormente a queda destes, dentro da corte Persa. Tanto em
66
Daniel como também no profeta Isaías130, podemos observar os estrangeiros como
salvadores contra os líderes que não respeitavam ao Deus dos judeus. Os Persas
são bem quistos pela tradição judaica. Quando Josefo analisa os estrangeiros como
salvadores, não está manipulando o pensamento judaico com recortes específicos
para defender o seu posicionamento, mas sim está mantendo uma coerência muito
forte dentro do pensamento judaico.
Goodman também aponta Josefo como omisso a certos fatos a sua obra, fator
que se torna irrelevante, pois procuramos somente relacionar e analisar de forma
histórica aquilo que o autor escreveu. Não temos nenhuma pretensão de
procurarmos a verdade na obra Guerra dos Judeus de Josefo, muito pelo contrário, a
análise feita procura exatamente os seus exageros e as suas exaltações a Roma e
aos seus Imperadores, para assim, tentar localizar o cerne do posicionamento filo
romano.
Quando comparamos Tácito com Josefo podemos ter uma mesma espécie de
exaltação dos imperadores. Tácito ressalta de forma negativa os Imperadores
anteriores a Vespasiano, o colocando como uma espécie de salvador. O texto vai se
formando de forma paulatina para a construção de uma imagem ideal, tanto de
Vespasiano como de Tito. Por fim, em Tácito fica claro a exaltação do Exército
Romano diante dos judeus e, de certa forma, uma aversão aos textos judaicos e a
postura dos judeus revoltosos.
Josefo, nesse mesmo sentido de Tácito, faz exaltação militar aos romanos,
principalmente com relação aos valores militares e de organização para a batalha.
Josefo também não se esqueceu de exaltar a sua pessoa diante do conflito.
Porém não se confrontou com as exaltações dos Romanos. Josefo teve a habilidade
de mesclar para um mesmo sentido, no conteúdo de sua obra, um emaranhado de
opiniões divergentes, as consolidando para um mesmo objetivo, principalmente, em
torno do elemento religioso, consequentemente político. O conteúdo de sua obra que
130 "Assim diz o Senhor ao seu ungido, a Ciro, a quem tomo pela mão direita, para abater as nações
diante de sua face, e tirar os lombos dos reis, para abrir diante dele as portas, e as portas não se
fecharão. Eu irei adiante de ti, e endireitarei os caminhos tortuosos; quebrarei as portas de bronze, e
despedaçarei os ferrolhos de ferro. Dar-te-ei os tesouros escondidos, e as riquezas encobertas, para
que saibas que eu sou o Senhor, o Deus de Israel, que te chama pelo teu nome. Por amor de meu
servo Jacó, e de Israel, meu eleito, eu te chamei pelo teu nome, pus o teu sobrenome, ainda que não
me conhecesses. Eu sou o Senhor, e não há outro; fora de mim não há Deus; eu te cingirei, ainda que
tu não me conheças;" (Isaías 45.1-5) Grifo. A palavra ungido pode ser traduzida por Messias, se
tornando assim como uma figura de um salvador. “Ungido” deriva do hebraico Mashiach, messias,
que é equivalente com o grego Christos, cristo.
67
comenta sobre a sua rendição aos romanos foi feito com um extremo cuidado para
não perder a legitimidade religiosa.
Com relação às campanhas de Vespasiano e, posteriormente, de Tito na
região da Judéia, Josefo abusa em enaltecer a imagem dos Romanos. O exército
Romano não apresentou baixas de soldados nem dificuldades nas suas campanhas,
apenas uma oposição que servia para mostrar a coragem de tais soldados romanos
e, principalmente, de seus Imperadores Generais. Sendo assim um sentido de dar
legitimidade ao caráter de líder militar, aclamatio, algo crucial na conjuntura política
romana, mesmo que fosse uma construção de retórica, ou seja, com ênfase na
teoria.
Quando Josefo comenta sobre a obra dos romanos na Judéia, podemos
observar que a idealização e forças retóricas continuam sendo potencializadas no
conteúdo da sua obra. Josefo os coloca como salvadores; como aqueles que vieram
redimir uma a cidade profanada. Apesar de ser uma cidade construída como centro
religioso, tem em toda a sua história a marca das disputas e das guerras geralmente
causadas por esses mesmo princípios da religião. Na conjuntura histórica de Josefo,
os Romanos seriam os pacificadores da cidade, a livrando das mãos dos “tiranos”. A
culpa pelos acontecimentos não foi direcionada aos Romanos, mas sim aos
revoltosos. Mesmo na atitude de crucificar judeus, Tito é absolvido por Josefo, pois
estava tentando a rendição dos judeus revoltosos dentro da cidade e não a guerra
direta. O povo revoltoso, segundo Josefo, com argumentos retóricos provenientes da
tradição dos judeus, foram os culpados pela situação a qual Jerusalém foi reduzida.
No final da leitura de Josefo, Guerra dos Judeus, o leitor se conforma com a
explicação de Josefo. Seus argumentos são poderosos em explanar o porquê de se
culpar os seus próprios irmãos pela revolta. Um leitor mais desatento acreditará
piamente nos argumentos de Josefo, tendo-os por verdadeiros.
A acusação de Josefo aos judeus revoltosos dentro da cidade de Jerusalém
foi violenta. Os judeus seriam “bárbaros”, principalmente por suas ações diante da
fome e da sua posição irredutível, como foram as atitudes dos judeus em Massada.
Neste sentido justifica a atuação Romana de destruição da cidade e do Templo.
Josefo aplica a causa destes acontecimentos aos sitiados, não aos romanos. Mesmo
diante da situação das “barrigas pesquisadas”, a culpa foi dos Sírios e dos Árabes. O
César, Tito, condenou tal atitude. No máximo aplica certa culpa aos legionários
romanos, mas nunca a figura do Imperador. A conclusão final de Josefo foi
68
construída, de forma retórica, a demonstrar que a atitude Romana final foi um serviço
prestado ao próprio Deus.
Estes fatores podem ser explicados pelo motivo de Josefo ter sido patrocinado
por Vespasiano e por Tito, levando a uma idealização destes e uma construção
pejorativa dos revoltosos, evitando assim, mais insurreições.
As justificativas pessoais de Josefo e a exaltação Romana não entram em
contradição na obra de Josefo, muito pelo contrário, apontam para uma mesma
direção. Isto fica claro quando procura ressaltar os seus valores pessoais na obra.
Josefo se apresenta como um excelente general, mesmo quando luta contra os
romanos, e como um sábio, na sua posição final ao lado dos romanos. Em nenhum
momento isto não desmerece a figura de Vespasiano nem a figura de Tito. Os
líderes são exaltados como dignos Imperadores. Isto não ocorre com os soldados de
baixo escalão, os legionários – estes são apresentados como uma espécie de
pessoas simples e tolas que não possuem a mesma dignidade dos seus generais.
O posicionamento de Josefo ao lado dos romanos mostra bem a prática do
antigo provérbio judaico que a tradição judaica atribui ao sábio rei Salomão: “Ora,
para aquele que está entre os vivos há esperança, pois melhor é o cão vivo do que o
leão morto. Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem
coisa nenhuma, nem tampouco terão eles recompensa, mas a sua memória fica
entregue ao esquecimento”. (Eclesiastes 9.4-5) Como também: “Melhor é o
longânimo do que o valente, e o que controla o seu espírito do que aquele que toma
uma cidade (Provérbios 16.32)”.
69
REFERÊNCIAS
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Janeiro. CPAD, 1990.
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GOODMAN, Martin. A Classe dirigente da Judéia: As Origens da Revolta
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Westwood, N. J.: Revell, 1963.
71
ANEXOS:
http://www.forumancientcoins.com/catalog/roman-and-greek-coins.
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