FLÁVIO JOSEFO E A APOLOGIA ROMANA, ANÁLISE SOBRE A POSTURA IDEOLÓGICA NO CONTEÚDO DA OBRA GUERRAS JUDAICAS DE FLÁVIO JOSEFO EM RELAÇÃO AO CERCO DE JERUSALÉM EM 70 D.C. David Rodrigues da Silva Drº. Renan Frighetto Ideologia – Poder – Romanos As obras de Flávio Josefo são comentadas por uma vasta bibliografia, principalmente em torno da sua postura de formação ideológica apologética do poder. Especificamente a obra Guerra dos Judeus de Josefo não mantêm um caráter apologético judaico, mas sim romano. Nesta pesquisa discorri sobre este assunto, procurando desvendar “o porquê, ou, os porquês” da atitude filo romana de Josefo, relacionando com as implicações disto na justificação do poder romano na Judéia. Neste sentido, procurei comentar o tema tendo como recorte temporal o conteúdo da obra sobre o cerco em Jerusalém em 70 d.C. Assim, analisei a obra de Josefo como divulgadora da atuação romana na Judéia, entrelaçando com as justificativas pessoais de Josefo. A obra comenta sobre o cerco de Jerusalém em 70 d.C, sendo este o trecho específico que me detive para a análise. A escolha temporal e o tema de cunho ideológico político na retratação da Palestina do século I d.C constituem de extrema importância para o entendimento da formação das justificativas política romanas e judaicas do século I, que perpassa por uma conjuntura político-religiosa extremamente intrínseca. Sendo assim foi importante entender os motivos que levaram Josefo a legitimar o poder de Tito sobre o oriente judaico e as mudanças de governo sobre a região. Como auxílio para a observação da conjuntura do século I d.C em Jerusalém, momento no qual Flávio Josefo viveu e redigiu a sua obra, com uma visão essencialmente Romana, foi analisado os tomos II e V da obra A História de Tácito1. 1 A obra está disponível em versão on-line na Tufts University, em Massachusetts USA. Há na Tufts o chamado Projeto Perseus, que disponibiliza quase toda a literatura grego-romana clássica em suas versões originais e traduções para o inglês, que foi fundamental para a análise de trechos em latim da obra de Tácito e em grego da de Josefo. Tendo como objetivos específicos à análise, por um lado, das justificativas da obra como divulgadora de Tito em Roma, e de outro, as justificativas pessoais de Josefo, procurei evidenciar o que o levou a escrever a obra com a determinada atitude. Posteriormente, procurei entrelaçar estes pontos de abordagem um com o outro, observando, principalmente entre os fatos narrados por Josefo, a exaltação de Roma e de Tito, uma forma de “propaganda” de Roma, e as suas justificativas pessoais, a si e aos seus irmãos. Concluindo, nesse sentido, “o porquê, ou, os porquês” da atitude filo românica de Josefo. Tracei um paralelo de Flávio Josefo com a tradição judaica, tanto na sua escrita quanto no seu posicionamento ideológico. Flávio Josefo foi filo Romano e o profeta Jeremias, anteriormente, filo Babilônico. Enquanto Jeremias escreveu para culpar os líderes por se revoltarem contra os Babilônicos e justificar a atuação da Babilônia sobre toda a região da Palestina, Josefo escreveu para legitimar a atuação de Roma sobre a Judéia e, também, para culpar os líderes “tirânicos” pela revolta contra Roma. Tanto Josefo como Jeremias se consideravam profetas enviados por Deus, com o direito de ouvir a sua voz e anunciá-la. Os dois, em diferentes épocas, enfrentam o Cerco e a destruição à Jerusalém; Jeremias supostamente no século VI a.C e Flávio Josefo no século I d.C. Enfrentaram oposição, tanto do povo como dos sacerdotes e profetas, por seu posicionamento ao lado do “inimigo”. Nas duas obras há referências à miséria que o povo judeu foi reduzido e, sendo isto, um castigo enviado pelo próprio Deus. Neste sentido conclui observando que Josefo se propôs a colocar-se a serviço dos romanos na campanha na Judéia eternizando as ações daquele povo através de suas obras e publicações2. A obra foi encomendada à Josefo, ou seja, pensada previamente. Neste sentido, temos a conjuntura de uma ameaça de levante por parte do oriente contra Roma, principalmente dos partos. O próprio Josefo confessa: “Dei estas explicações detalhadas, não para exaltar os romanos, mas (...) para levar a reflexão aqueles que se sentiam tentados a se insurgir3”. Isto também se reforça pelo motivo de Antioco, aliado dos romanos na Guerra, ser acusado de tentar motivar um levante contra Roma em 74 d.C. A obra de Josefo se tornou então um elemento de propaganda de Roma nas regiões orientais, levando os que se sentiam tentados a se levantar contra Roma a serem ameaçados com o mesmo fim que os judeus; destruição, escravidão e expropriação de suas terras. Sendo assim, as possibilidades de revolta estariam minimizadas. 2 3 “As palavras são mais eficazes do que as armas” Guerra Judaica 5.361 Guerra Judaica 3.5 Um outro ponto que evidência a romanização na conjuntura dos fatos que envolveram o cerco e a tomada de Jerusalém, foi a moeda cunhada por Vespasiano para homenagem aos romanos, a chamada Judaea Capta. Josefo diz que César mandou destruir a entrada da cidade e do Templo, porém permitiu que algumas torres fossem mantidas, juntamente com um muro, para que a posteridade pudesse ver como a cidade era fortificada, mas diante dos Romanos foi submetida a ruínas. Tito colocou a décima legião em guarda da cidade e fez um tribunal para julgar os sitiados. Os romanos diante da guerra não tinham perdido o seu valor. Josefo passa a exaltar os valores romanos de forma extrema. Há no relato de Josefo uma extrema exaltação das legiões romanas e da figura de Tito, características tais que teriam possibilitado estas façanhas. Josefo comenta que todos os judeus eram vítimas de acusações, seja lá onde residissem, até o escritor deste livro sofreu certas restrições. Assim Josefo chega ao fim de sua história da guerra dos romanos contra os judeus, destacando que seus leitores poderão julgá-lo, porém, quando escreveu, sempre manteve um compromisso com a verdade. O posicionamento de Josefo ao lado dos romanos mostra bem a prática do antigo provérbio judaico que a tradição judaica atribui ao sábio rei Salomão: “Ora, para aquele que está entre os vivos há esperança, pois melhor é o cão vivo do que o leão morto. Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem coisa nenhuma, nem tampouco terão eles recompensa, mas a sua memória fica entregue ao esquecimento4”. 4 Eclesiastes 9.4-5