Revista Vernáculo, n. 21 e 22, 2008 FLÁVIO JOSEFO E A TRADIÇÃO POLÍTICO-JUDAICA PRESENTE EM JEREMIAS David Rodrigues Josefo era filho da eminente tribo de Levi dentro da comunidade judaica, isto representava que a sua descendência estava a cargo das funções sacerdotais. Possuía a cidadania romana, com um admirável conhecimento nas línguas orientais, como o hebraico e o aramaico, e nas ocidentais, tanto o grego como o latim. Desde pequeno Josefo foi instruído na Lei judaica, aprendendo a ler desde cedo. Quando jovem passa pelas seitas religiosas de seu tempo, tais como a dos fariseus, a dos saduceus e a dos essênios. Conforme Hadas-Lebel, os fariseus eram a seita mais vigorosa do judaísmo1. Enquanto que os saduceus estavam em decadência. Com algumas diferenças de interpretação do Antigo Testamento, os Saduceus apresentavam um comportamento social pouco agradável, principalmente contra os estrangeiros. Os Essênios, sendo estes a ala mais radical e isolada do judaísmo, hoje conhecidos pelos seus manuscritos encontrados próximos ao Mar Morto, a partir de 1947. Dentre estes documentos encontrados há um que se denomina de “da Regra”. Este expressa a forma rígida como viviam os essênios. Josefo os exalta e os admira em sua obra, porém, não se propõe a caminhar por este caminho em sua formação. Um isolamento total da sociedade de sua época, não era algo que Josefo estava disposto a seguir. Dos dezesseis aos dezenove anos Josefo se juntou a um eremita chamado de Banus. Teve uma experiência religiosa profunda, e segundo Hadas-Lebel, conquistou um desapego admirável por coisas materiais2. Neste momento também Josefo conquistou o conhecimento necessário com relação aos assuntos 1 HADAS-LEBEL, Mireille. Flávio Josefo: O Judeu de Roma. Trad. Paula Rossas. Rio de Janeiro: Imago Ed. 1991, p. 40. 2 Idem, p. 49. 40 Revista Vernáculo, n. 21 e 22, 2008 espirituais, que foram tão importantes no momento que profetiza à Vespasiano, se é que este momento realmente existiu3. Dos dezenove anos até os vinte e seis Josefo esteve casado e junto com a sua família em Jerusalém. Aos vinte e seis anos de idade foi à Roma em uma missão para conquistar a liberdade de alguns “homens distintos” de Jerusalém. Neste momento, Josefo percebeu alguns valores romanos, tais como a centralização do poder, algo que neste período se apresentava bastante consolidado, décimo ano do governo de Nero, e com a plena certeza um conhecimento das Legiões Romanas. Depois do sucesso de sua missão, voltou a Jerusalém com os dois sacerdotes libertos. Depois de voltar de Roma, Hadas-Lebel o coloca como não apoiador de um levante contra Roma. Isto devido ao conhecimento que teve das forças romanas. Josefo afirma que foram os líderes da Judéia que os fez se levantar contra Roma. “Obrigou-nos a começar a guerra contra os romanos porque preferíamos morrer por atacado a morrer aos poucos”4. Enfim, Josefo foi um profeta e sacerdote, um escritor filo Romano, como Ivan Rocha destaca: “Flávio Josefo representa a corrente moderada dos judeus, aliada dos romanos, que descreve os inimigos de Roma como seus inimigos5”. Os romanos são 3 Dois anos depois, cumprida a profecia, foi libertado e adotou o nome de Flavius Josephus. Acompanhou Vespasiano a Alexandria e depois seguiu as legiões de Tito, no assédio a Jerusalém, em 70. Protegido por Vespasiano e por Domiciano, dedicou-se à historiografia. Josefo não contou com a estima dos historiadores hebraicos e foi mesmo acusado de traição por Justo de Tibérias. Rebateu as acusações na Autobiografia, em que se apresenta como adepto do realismo contra o extremismo na guerra judaico-romana e declara ter previsto a derrota de Jerusalém. Na História da guerra judaica (75-79) acusa os fariseus radicais de conduzirem o povo judeu à catástrofe, mas em Antiguidades judaicas (93-94) faz a apologia das instituições hebraicas. Josefo morreu em Roma, no ano 100 da era cristã. ©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. Versão Digital 4 Antiguidades Judaicas, 20. 257. 5 ROCHA, Ivan Esperança. Dominadores e dominados na Palestina do século I. Departamento de História - Faculdade de Ciências e Letras. UNESP. Assis, SP. 41 Revista Vernáculo, n. 21 e 22, 2008 considerados quase como um Messias para Flávio Josefo, salvadores contra os “tiranos”. “Flávio Josefo demonstrou que podia ter apenas um controle literário sobre os conflitos, obtendo direta ou indiretamente muitas informações sobre eles, mantendo seus artifícios retóricos, a serviço do poder romano.”6 Josefo depois de sua campanha junto a Tito foi a Roma, onde passou os restos de seus dias dedicando-se a escrita de suas obras7. Neste comento receberia a intitulação que faria parte do seu nome, Flavius. O Paralelo Flávio Josefo possui um paralelo na tradição judaica, tanto na sua escrita quanto no seu posicionamento ideológico. Flávio Josefo foi filo Romano e o profeta Jeremias, anteriormente, filo Babilônico. Enquanto Jeremias escreve para culpar os líderes por se revoltarem contra os Babilônicos e justificar a atuação da Babilônia sobre toda a região da Palestina, Josefo escreve para legitimar a atuação de Roma sobre a Judéia e, também, para culpar os líderes “tirânicos” pela revolta contra Roma. Tanto Josefo como Jeremias se consideram profetas enviados por Deus, com o direito de ouvir a sua voz e anunciá-la. Os dois, em diferentes épocas, enfrentam o Cerco e a Revista História v.23 n.1-2 Franca 2004. Consultado em [http://www.scielo.br/scielo.php]. 6 Idem, ibidem. 7 Dois anos depois, cumprida a profecia, foi libertado e adotou o nome de Flavius Josephus. Acompanhou Vespasiano a Alexandria e depois seguiu as legiões de Tito, no assédio a Jerusalém, em 70. Protegido por Vespasiano e por Domiciano, dedicou-se à historiografia. Josefo não contou com a estima dos historiadores hebraicos e foi mesmo acusado de traição por Justo de Tibérias. Rebateu as acusações na Autobiografia, em que se apresenta como adepto do realismo contra o extremismo na guerra judaico-romana e declara ter previsto a derrota de Jerusalém. Na História da guerra judaica (75-79) acusa os fariseus radicais de conduzirem o povo judeu à catástrofe, mas em Antiguidades judaicas (93-94) faz a apologia das instituições hebraicas. Josefo morreu em Roma, no ano 100 da era cristã. ©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. Versão Digital 42 Revista Vernáculo, n. 21 e 22, 2008 destruição à Jerusalém; Jeremias supostamente no século VI a.C e Flávio Josefo no século I d.C. Enfrentam oposição, tanto do povo como dos sacerdotes e profetas, por seu posicionamento ao lado do “inimigo”. Nas duas obras há referências à miséria que o povo judeu foi reduzido e, sendo isto, um castigo enviado pelo próprio Deus. Antes de tudo é preciso ressaltar que a concepção de política e religião para o mundo antigo oriental está estreitamente ligada, não podendo ser interpretada separadamente, mas as entendendo como uma construção e legitimação de uma determinada posição política e ideológica, sendo consideradas como um único elemento. No século primeiro, tanto para Josefo, com ênfase no pensamento oriental, como para Tácito8, com ênfase no pensamento latino, a importância dos elementos religiosos e políticos estão extremamente ligados. Flávio Josefo possuiu modelos de escrita. Além das influências gregas, como Tucídides, possui um dentro da tradição judaica, Jeremias. Esta idéia foi apontada por Dobroruka9, em Josefo, A Literatura Apocalíptica e a Revolta de 70 na Judéia. Flávio Josefo ao escrever a sua obra, Guerra dos Judeus, mostra-se muito semelhante com o profeta da tradição judaica Jeremias. Há claramente uma tendência do historiador filo romano em se basear na tradição política dos seus antepassados judaicos. Isto fica claro quando em sua obra afirma que os judeus durante quase toda a sua história estiveram sobre o domínio de outros povos. Quando Josefo está diante de Jerusalém, discurso que aparece no seu livro cinco da 8 Tácito, em sua obra História, quando evidência a escolha dos imperadores, apresenta Vespasiano como um escolhido pelos oráculos, não como um deus, mas como um homem ilustre, de forma transcendental, desde o seu nascimento. Isto se evidenciaria, cada vez mais, com as conquistas no Oriente, onde também foi elogiado por sacerdotes e anciões. “This, as the Haruspices agreed, was an omen of brilliant success, and the highest distinction seemed prophesied to Vespasian in early youth. At first, however, the honours of a triumph, his consulate, and the glory of his victories in Judæa, appeared to have justified the truth of the omen.” (Tácito, History. Book II, 72) 9 DOBRORUKA, V. Josefo, A Literatura Apocalíptica e a Revolta de 70 na Judéia. PHOÎNIX, Rio de Janeiro, 8: 372-391, 2002. 43 Revista Vernáculo, n. 21 e 22, 2008 Guerra dos Judeus, diz que os judeus já tinham estado sob o governo dos Egípcios, dos Assírios, dos Babilônicos, dos Persas, dos Gregos e agora dos Romanos. Tendo, segundo Josefo, momentos de independência dados unicamente por Deus, como foi no caso do Êxodo Bíblico, momento em que Deus teria operado milagres com as pragas ao Faraó e ao povo Egípcio. Neste sentido, Josefo se acopla de uma tradição política que estava presente em toda a tradição de seu povo, mais especificamente em Jeremias, para defender a rendição dos sitiados de Jerusalém e de toda Judéia aos romanos. Quando nos reportamos aos livros do Antigo Testamento não podemos nos esquecer que a conjuntura de sua escrita perpassa por um amplo debate, tanto acadêmico, historiográfico, como religioso, seja cristão ou judaico. Como nos lembra Leite10 os textos do Antigo Testamento não foram concluídos em sua versão atual pelo menos até o período do domínio persa, isto é, algo em torno do século IV a.C. Em Jeremias, especificamente, não há a preocupação em se fazer história, mas sim, o livro veio a existir unicamente com propósitos religiosos. Quando o compreendemos como tradição, estamos aqui fazendo uma análise mais fria e distante do objeto não o entendendo como portador de elementos de “regra de fé” – seja judaico ou cristão. Considerando as críticas externas, observando as condições possíveis para a sua escrita e posteriores traduções, mantemos aqui uma posição mais acadêmica e mais cética com relação ao conteúdo da obra. Somente neste sentido passamos a considerar os acontecimentos históricos presentes no texto judaico. Enquanto que a visão mais religiosa manteria uma interpretação mais literal do livro aplicando pouca, ou senão nenhuma, crítica ao conteúdo do texto. Jeremias é considerado, dentro da tradição judaica, como escritor de dois livros do Antigo Testamento, tanto de Jeremias, classificado como um dos profetas maiores da antiga Aliança, como 10 LEITE, E. Cosmogonias Védica e Judaica. PHOÎNIX, Rio de Janeiro, 10: 100110, 2004. 44 Revista Vernáculo, n. 21 e 22, 2008 também de Lamentação de Jeremias. No primeiro livro, além de contar com a ajuda de auxiliares, tais como Baruque e Jeudi11, comenta sobre os Cercos Babilônicos exortando o povo judeu de seu tempo a se render diante do “inimigo”. No segundo livro o autor idealiza a cidade de Jerusalém, dirigindo-se a ela como uma pessoa, mostrando a realidade da sua calamidade diante do Cerco Babilônico. Jeremias, considerado pela tradição, viveu na época em que Nabucodonosor, chefe Babilônico se lançou a conquistar a Mesopotâmia e o reino do Sul dos judeus. Os babilônicos fizeram três cercos à cidade de Jerusalém, que foram acontecendo de forma progressiva, até a destruição de Jerusalém e do seu Templo, diante da não aceitação do povo em se submeter politicamente. No final da sua vida, Jeremias estava juntamente com o povo que restou na cidade de Jerusalém pregando, através de vários sermões, uma mensagem de rendição para que o povo se submetesse politicamente aos babilônicos. Porém, diante das oposições, Jeremias acabou morrendo no Egito, onde muitos judeus revoltosos buscavam apoio político contra os Babilônicos. Há certos fatores que precisam ser ressaltados com relação a estes elementos da tradição: se Jeremias foi levado cativo ao Egito, e morto lá, como os seus escritos sobreviveram? Talvez Jeremias tenha sido levado cativo à Babilônia, onde sobreviveu e teve condições de escrever. Isto ganha relevância quando consideramos que Jeremias era de família eminente em Jerusalém, sendo filho de sacerdote. Além disto, os últimos capítulos do livro, do quarenta e seis ao cinqüenta e dois, tratam das relações da Babilônia com outros povos, quando o profeta dirige mensagens de alerta religioso a estes povos. Há, também, a possibilidade de este escrito ser posterior: uma retomada da tradição oral daquele período antecedente, como nos lembra Leite, sendo então propriamente escritos próximos ao século IV a.C., no final do período persa e início do período helenístico. 11 Jeremias 36.4, 23. 45 Revista Vernáculo, n. 21 e 22, 2008 Dentro dos livros históricos do povo de Israel, o livro de Reis do Antigo Testamento, mais especificamente Segundo Livro de Reis da Bíblia Cristã, mostra como os momentos do Cerco babilônico, foram se sucedendo. O livro de Jeremias remonta a um passado que está em torno do século VII a.C., mais especificamente abordando um momento onde os Babilônicos fazem três cercos em Jerusalém. Dentro da tradição judaica12, o primeiro Cerco é considerado aproximadamente no ano de 605 a.C., onde o Reino do Sul encontrava-se, à três anos, submetido aos Babilônicos. Jeoiaquim, Rei de Judá se levantou contra Nabucodonosor. Uma coligação de povos se reuniu para destruir Jerusalém; Caldeus, Siros, Moabitas e Amonitas. Este Rei foi morto e seu filho Joaquim foi colocado em seu lugar. Por volta de 597 a.C., com uma nova rebelião, os Babilônicos prenderam Joaquim, sua família, todos os trabalhadores da terra, os servos do Rei e toda a riqueza do Templo, os levando cativos para a Babilônia, restando na terra somente as pessoas pobres da região. Zedequias, tio de Joaquim, foi colocado por Nabucodonosor para reinar na Judéia. Próximo do ano 586 a.C., Zedequias se rebelou contra à Babilônia. Os Babilônicos, de forma violenta, devido à constante resistência dos judeus, acamparam, cavaram trincheiras e montaram o cerco à cidade de Jerusalém. A cidade passou por uma fome gravíssima. Os Babilônicos arrombaram as muralhas e invadiram Jerusalém. Degolaram os filhos de Zedequias diante dele, furam os seus olhos, colocam cadeias de bronze sobre ele, o levando para a Babilônia. Nebuzaradã, general babilônico, se encarregou de queimar o Templo, a casa do Rei, todas as casas de Jerusalém, depois de derrubar as colunas do Templo e os muros da cidade. Os prisioneiros foram executados na cidade de Ribla. Por fim, os Babilônicos deixaram poucas pessoas na terra, estas foram influenciadas pelos que faziam resistências à Babilônia a fugir ao Egito, buscando auxílio político. A situação dos judeus foi relativamente boa nos domínios da Babilônia, eram bem tratados e respeitados. Na Babilônia, se 12 2 Reis 24 e 25. 46 Revista Vernáculo, n. 21 e 22, 2008 prostravam diante das estátuas de Nabucodonosor13, o que não implica que perderam os seus valores religiosos14. Os babilônicos apresentavam bastante tolerância religiosa para com os judeus e aos povos submetidos, desde que pagassem os impostos e se submetessem politicamente. No caso dos judeus, uma grande parte do povo não entendia como ordem de Deus que eles se submetessem, gerando assim oposição à mensagem de Jeremias, que era um filo babilônico. O Modelo de Jeremias Presente em Josefo Podemos analisar os paralelos nos dois autores, semelhanças que dificilmente possam passar despercebidas por qualquer leitor. Tanto em Jeremias quanto em Josefo há o relato de mães comendo os seus filhos diante da situação de fome proporcionada pelo Cerco. Em Jeremias, num primeiro momento, como predição: “E lhes farei comer a carne de seus filhos e a carne de suas filhas, e comerá cada um a carne do seu amigo, no cerco e no aperto em que os apertarão os seus inimigos, e os que buscam a vida deles.” (Jeremias 19.9). E, posteriormente como acontecimento: “As mãos das mulheres compassivas cozeram seus próprios filhos; serviram-lhes de alimento na destruição da filha do meu povo.” (Lamentações 4.10). Em Josefo há o relato de uma mulher eminente dentro do povo judeu que estava dentro de Jerusalém no momento do Cerco. Esta possuía um filho que ainda estava na sua fase de mama, porém diante da situação, não via motivo para preservar o seu filho com 13 Daniel 3.5,6: “Quando ouvirdes o som da buzina, da flauta, da harpa, da sambuca, do saltério, da gaita de foles, e de toda a espécie de música, prostrar-voseis, e adorareis a estátua de ouro que o rei Nabucodonosor tem levantado. E qualquer que não se prostrar e não a adorar, será na mesma hora lançado dentro da fornalha de fogo ardente”. 14 Salmos 137.1 “Junto dos rios de Babilônia, ali nos assentamos e choramos, quando nos lembramos de Sião”. Texto que é tido como evidência de reuniões religiosas judaicas nas terras longínquas da Babilônia. 47 Revista Vernáculo, n. 21 e 22, 2008 vida. Assim decidiu que ele seria a sua comida15. Depois de dizer algumas palavras, o assou, e o cheiro podia ser sentido de longe. Pessoas famintas que estavam longe da casa foram ao local, com espada na garganta da mulher, ordenaram que respondesse o que tinha ali preparado. A mulher os notificou que era o seu filho e os persuadiu, em discurso, a não fazerem o seu sacrifício em vão, mas que se alimentassem também da criança. Tanto em Josefo quanto em Jeremias a culpa, pela situação extrema por qual estão passando é, principalmente, dos líderes judeus e do povo por sua “rebeldia” contra os verdadeiros profetas. Em Jeremias as expressões “fizeram o que era mal aos olhos do Senhor (...) E se rebelou contra a Babilônia”16 se repetem, num sentido de se levantarem contra os Babilônicos e, assim, diretamente agirem contra a vontade de Deus. Os autores enfatizam que os líderes do povo que seriam os mais culpados, pois em Jeremias são os líderes que provocam a “rebelião” contra a Babilônia e, em Josefo, são os líderes “tiranos” que a provocam contra Roma. Tanto em Jeremias como em Josefo é Deus quem os condena. Josefo em seu livro cinco comenta que os romanos teriam vindo para purificar Jerusalém. O Templo deixou de ser um lugar para do próprio Deus, como anteriormente era considerado, para ser um lugar de ódio, de disputa entre “tiranos”, sendo agora um lugar profanado. Neste sentido, Josefo argumenta que “Deus é o autor da tua destruição”. Jeremias ressalta que o propósito de Deus a enviar os estrangeiros a julgar o povo devido as suas próprias desobediências: Assim diz o Senhor Deus de Israel: Eis que virarei contra vós as armas de guerra, que estão nas vossas mãos, com que vós pelejais contra o rei de 15 ...she said, "O thou miserable infant! for whom shall I preserve thee in this war, this famine, and this sedition? As to the war with the Romans, if they preserve our lives, we must be slaves. This famine also will destroy us, even before that slavery comes upon us. Yet are these seditious rogues more terrible than both the other. Come on; be thou my food, and be thou a fury to these seditious varlets, and a byword to the world, which is all that is now wanting to complete the calamities of us Jews."... (Josefo, The War of the Jews. Book VI, 201) 16 Jeremias 52.2,3 48 Revista Vernáculo, n. 21 e 22, 2008 Babilônia, e contra os caldeus, que vos têm cercado de fora dos muros, e ajuntá-los-ei no meio desta cidade... E entregar-te-ei na mão dos que buscam a tua vida, e na mão daqueles diante de quem tu temes, a saber, na mão de Nabucodonosor, rei de Babilônia, e na mão dos caldeus. (Jeremias 22.25 e 21.4) Tanto em Jeremias como em Josefo aparecem personagens que se dizem profetas divinos, e que exortam o povo a se levantarem contra os “inimigos”, alegando a vitória dada por Deus. Em Jeremias falou em nome de Deus sobre a rendição aos Babilônicos: E acontecerá que, se alguma nação e reino não servirem o mesmo Nabucodonosor, rei de Babilônia, e não puserem o seu pescoço debaixo do jugo do rei de Babilônia, a este povo o castigarei com espada, e com fome, e com peste, diz o Senhor, até que a consuma pela sua mão. Mas o povo que colocar o seu pescoço sob o jugo do rei de Babilônia, e o servir, eu a deixarei na sua terra, diz o Senhor, e lavrá-la-á e habitará nela. (Jeremias 27.8,11). Depois desta passagem Jeremias enfrenta um falso profeta, que desfaz a sua encenação quebrando o julgo que estava com ele dizendo que deveriam de se levantar contra os Babilônicos: Então Hananias, o profeta, tomou o jugo do pescoço do profeta Jeremias, e o quebrou. E falou Hananias na presença de todo o povo, dizendo: Assim diz o Senhor: Assim, passados dois anos completos, quebrarei o jugo de Nabucodonosor, rei de Babilônia, de sobre o pescoço de todos os povos. E Jeremias, o profeta, seguiu o seu caminho. (Jeremias 28.10,11) Josefo, no seu livro seis da Guerra dos Judeus, mostra como os falsos profetas ordenaram ao povo para eles se refugiarem no Templo e esperassem por um livramento divino. Estes profetas agiram incitados pelos líderes “tirânicos”. Contrapondo em seu discurso diante de Jerusalém, Josefo faz uma retrospectiva sobre os presságios que alertaram o povo sobre a futura destruição que viria sobre a cidade; porém, o povo judeu e os seus líderes, naquele momento passado, desacreditaram destas profecias. Tanto Josefo como Jeremias se consideram profetas de Deus, que ouvem a sua voz e anunciam a sua vontade. Josefo no momento da sua rendição aos Romanos, ora a Deus dizendo que os favores 49 Revista Vernáculo, n. 21 e 22, 2008 antes dados por Deus aos Judeus agora faziam parte do povo Romano, afirma, em oração, que não está indo aos romanos como um desertor dos judeus, mas como um ministro de Deus17. Jeremias, como foi o seu objetivo principal em toda a obra, faz um diálogo com Deus tentando negar a sua função de profeta18. Mas por fim a aceita e é recompensado como uma visão. Um dos aspectos que diferencia Josefo de Jeremias é com relação a sua morte. Jeremias é considerado, dentro da tradição judaica, como mártir, pois morreu entre os pobres do seu povo defendendo a sua idéia, mesmo diante da oposição dos judeus mais radicais permaneceu firme em seu posicionamento, o que gerou supostamente a sua morte no Egito. Josefo, como apresenta HadasLebel 19, deixou a Judéia com trinta e três anos de idade, passando o resto da sua vida em Roma, onde sucederam no mínimo quatro Imperadores até a sua morte em 100 d.C20, outros duvidam que tenha chegado a ver Trajano no poder, alegando que teria morrido cinco anos antes. Teve esposa e filhos em Roma, enquanto Jeremias, segundo a tradição, foi aconselhado por Deus a ficar só21. 17 “... and since all their good fortune is gone over to the Romans... I do not go over to the Romans as a deserter of the Jews, but as a minister from thee.” (Josefo, The War of the Jews. Book III, 350) 18 “Assim veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: Antes que te formasse no ventre te conheci, e antes que saísses da madre, te santifiquei; aos povos te dei por profeta. Então disse eu: Ah, Senhor Deus! Eis que não sei falar; porque ainda sou um menino. Mas o Senhor me disse: Não digas: Eu sou um menino; porque a todos a quem eu te enviar, irás; e tudo quanto te mandar, falarás. Não temas diante deles; porque estou contigo para te livrar, diz o Senhor. (Jeremias 1.4-8) 19 HADAS-LEBEL, Mireille. Op. cit. 20 ©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. 21 “E veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: Não tomarás para ti mulher, nem terás filhos nem filhas neste lugar. Porque assim diz o Senhor, acerca dos filhos e das filhas que nascerem neste lugar, acerca de suas mães, que os tiverem, e de seus pais que os gerarem nesta terra: Morrerão de enfermidades dolorosas, e não serão pranteados nem sepultados; servirão de esterco sobre a face da terra; e pela espada e pela fome serão consumidos, e os seus cadáveres servirão de mantimento para as aves do céu e para os animais da terra.” (Jeremias 16.1,4). Josefo esteve casado quatro vezes. Cf. HADAS-LEBEL. Op. cit., p. 15. 50 Revista Vernáculo, n. 21 e 22, 2008 Josefo, porém, dentro da tradição judaica, não morre como um profeta sem valores de mártir; assim, há uma construção, uma outra versão, da tradição sobre o autor, o que Hadas-Lebel aponta como o seu duplo22. Com tendências historiográficas menos compromissadas, apresentam Josefo como salvador de sua cultura através de sua atitude filo romano, como foi o caso de Yohanan Ben Zakkai, que apresentaria as mesmas características de Josefo, porém mais idealizado pelas seitas judaicas, não defendendo os seus interesses, mas dando uma exaltação direta as convicções religiosas. Diante do Cerco, não de Jotapata, mas de Jerusalém23, Yohanan Ben Zakkai, a segunda versão de Josefo, teria passado como morto junto com rolos da lei dentro de um caixão, quando este foi aberto, se mostrou vivo e foi colocado diante de Vespasiano, onde profetizou que este seria Imperador, imediatamente chegaram mensageiros dizendo que Nero estava morto. Vespasiano diante do acontecido concedeu privilégios ao sacerdote judaico. Um outro ponto que diferencia Josefo de Jeremias é que o primeiro acreditava que estava fazendo uma história verdadeira. Sendo esta uma influência, não da tradição judaica, mais sim, dos valores provenientes da cultura helenística, mais especificamente de Tucídides24. Mesmo com uma obra recheada de elementos da tradição religiosa judaica, Josefo acreditava inocentemente que estava fazendo uma história verdadeira completamente imparcial: “Eu, de minha parte decidi não acrescentar os assuntos concernentes ao meu povo para não rivalizar com os que glorificam os romanos, sendo que vou relatar os feitos de ambos os lados com exatidão (...) Escrevi todos 22 HADAS-LEBEL. Op. cit., p. 132 a 135. “Impressionado com a profecia do rabino, o novo imperador permitiu-lhe proteger os rolos da Torá e os eruditos que se dedicavam ao seu estudo na cidade de Yavneh. Assim, embora o Templo tenha sido destruído, a Torá foi preservada; e, embora Jerusalém tenha sido arrasada, o judaísmo foi poupado”. PRICE, R. Jerusalém, Jerusalém!. World of the Bible Ministries. www.beth-shalon.com.br 24 DOBRORUKA, V. Josefo, A Literatura Apocalíptica e a Revolta de 70 na Judéia. PHOÎNIX, Rio de Janeiro, 8: 372-391, 2002. 23 51 Revista Vernáculo, n. 21 e 22, 2008 estes acontecimentos em sete livros para os que amam a verdade, não por prazer” (JOSEFO, Livro I). 52