universidade

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Edição Especial | Julho de 2015
UNIVERSIDADE
E
FISCAL
O ajuste fiscal e as
universidades
A Desoneração interessa a
quem?
Pág. 2
Pág. 3
O sistema da dívida pública
gera riqueza à custa dos direitos
sociais do povo brasileiro
Pág. 5
Menor tributação
sobre o lucro
A Lógica da
Austeridade
diminuição da
arrecadação
redução dos
serviços públicos
UNIVERSIDADE
E
A ideologia do ajuste fiscal
coloca a ciência e a sociedade em
apuros
Pág. 6
FISCAL
Lógica da austeridade
Pág. 9
O ‘ajuste fiscal’ e a paz de
espírito dos tubarões
Pág. 10
UNIVERSIDADE
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FISCAL
O ajuste fiscal e as universidades
Lafaiete Neves, professor aposentado da UFPR, é doutor em Desenvolvimento Econômico pela UFPR e pesquisador da
linha de pesquisa Economia Política do Poder (Eppeo/CNPq).
O ajuste fiscal do governo
Dilma fará um corte de R$ 70
bilhões no orçamento federal,
com redução de recursos atingindo os 39 ministérios. O impacto
será imediato na infraestrutura,
atingindo em cheio o Programa
de Aceleração do Crescimento
(PAC) em R$ 65,6 bilhões. Outro
importante programa federal, o
Minha Casa, Minha Vida, também foi afetado, passando de
R$ 19 bilhões orçados para R$ 13
bilhões a serem executados. Isso
significa um forte freio na construção de habitação para milhares de famílias de baixa renda
sem moradia própria.
Na atividade agrícola, principalmente para os pequenos
agricultores, a redução foi pesada, com um corte de quase 50%,
caindo de R$ 3,7 bilhões para R$
1,8 bilhão. Um setor estratégico e
fundamental para o desenvolvimento do país como a saúde teve
redução para R$ 91,5 bilhões.
Na área da educação, o corte
foi o mais pesado. Segundo dados do Tesouro Nacional, chega
a R$ 10 bilhões. Isto, na prática,
significa o abandono do objetivo
maior da campanha eleitoral da
candidata Dilma, o “Brasil: pátria educadora”, dada a queda de
investimentos na educação, que
apenas no período de janeiro a
abril de 2015 caiu de R$ 3,7 bilhões para R$ 2,17 bilhões.
O efeito é imediato também
para o setor privado da educação,
que hoje se beneficia de recursos
transferidos do orçamento públi-
2
Julho de 2015
co. Houve redução pela metade do
Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) – que no mesmo período
de janeiro a junho de 2015 deixou
de financiar as mensalidades de
252 mil alunos –, cujo total em
2014 era de 480 mil. Outro programa de transferência de recursos
públicos para o setor privado da
educação e que foi durante afetado foi o Programa Universidade
para Todos (Prouni), que tinha no
ano passado 191 mil alunos e, em
2015, aumentou para 213 mil.
O ajuste fiscal tem afetado
profundamente as universidades
públicas, com cortes drásticos
no custeio e capital, obrigando a
paralisação de obras nos campi
universitários e causando falta de
material de pesquisa. O Ministério da Educação (MEC) acaba de
anunciar aos reitores um corte
para a pós-graduação (mestrados e doutorados) no total de
75%, o que afetará de imediato a
continuidade dos cursos de pós-graduação, com o corte de bolsas
de pesquisas para docentes e estudantes no Brasil e no exterior,
principalmente no momento de
maior valorização do dólar, o que
dificultará a sobrevivência de milhares de pesquisadores que estão fora do país.
Os burocratas de Brasília parecem não saber distinguir as
áreas que devem ser preservadas
no momento de maior crise econômica nacional e internacional.
Desmontar a pesquisa e a pós-graduação interessa a quem objetivamente? Sem dúvida alguma, aos
interesses internacionais, pois na
retomada do crescimento, com o
corte de investimentos nessas áreas, perderemos o avanço que temos na pesquisa básica e aplicada;
sem novas tecnologias e patentes,
aumentaremos a nossa dependência do mercado internacional. Isso
significa que teremos de exportar
mais commodities para importar
menos tecnologia, dados os preços
desiguais nas trocas internacionais. Isso implica uma regressão e,
o pior, as pesquisas interrompidas
não serão retomadas com facilidade. Esses tecnocratas do Ministério da Fazenda (MF) demonstram
que preferem preservar ministérios com menos peso no desenvol-
vimento econômico do país, como
o da Defesa.
Na verdade, o objetivo desse
ajuste fiscal está bem explicito: é
aumentar o superavit primário,
menos despesas do governo, aumento da arrecadação com mais
impostos, para pagar os juros exigidos pelos banqueiros, que vivem
sangrando quase a metade do orçamento federal. Em nome desse
objetivo, sacrifica-se o bem máximo do país, que é a educação. Essa
política determinada pelo rentismo financeiro está encontrando
na sociedade uma reação que cresce, manifestada pelos movimentos
de greve dos servidores públicos
em todos os níveis.
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E
Categorias importantes do
serviço público – como os professores das universidades federais,
servidores do Instituto Nacional
do Seguro Social (INSS), técnicos-administrativos das universidades – deflagraram greves que es-
FISCAL
tão se ampliando como forma de
enfrentamento aos cortes drásticos de recursos para a educação e
reposição de quadros técnicos na
Previdência Social.
O governo continua intransigente, sem abrir negociações com
os Servidores Públicos Federais
(SPFs), e ao mesmo tempo se mostra dócil ao baixar medida provisória autorizando a redução de
salários na indústria com a cobertura do Fundo de Garantia pelo
Tempo de Serviço (FGTS), que irá
repor R$ 900 por trabalhador que
vier a ter seu salário reduzido. É
contraditória tal política diante
dos cortes em setores estratégicos
para o país, como educação, saúde e habitação, que não tiveram
nenhuma medida compensatória.
A Desoneração interessa a quem?
Claudio Antonio Tonegutti, professor da UFPR e tesoureiro-geral da APUFPR-SSind, gestão 2015-2017.
Completado o primeiro semestre do segundo governo da
presidente Dilma Rousseff, a
crise econômica (e política) que
o Brasil vive desde o ano passado não deu sinal de ceder.
Para conter a crise econômica, o governo federal lançou o
“Ajuste Fiscal”; um conjunto de
medidas tendo como objetivos
reduzir a dívida pública bruta
federal, diminuir o deficit externo e conduzir a inflação para o
centro da meta, em 2016. Dentro
desse “pacote” existe a proposta de modificação na política de
“desoneração da folha de pagamento”. Os possíveis resultados
desse conjunto de medidas são
de análise complexa e geram
polêmica entre os especialistas
da área econômica.
A desoneração da folha de
pagamento surgiu com a Medida Provisória (MP) 540, de 2 de
agosto de 2011, convertida na
lei 12.546, de 14 de dezembro de
2011, e ampliada por alterações
posteriores (lei 12.715/2012, lei
12.794/2013, lei 12.844/2013 e lei
13.043/2014).
Segundo o governo federal,
ela tem como objetivos melhorar a competitividade externa
e interna da produção doméstica, gerar empregos, reduzir a
informalidade no mercado de
trabalho e reduzir preços. A melhoria da competitividade viria
da redução dos custos de produção associados à diminuição
dos encargos incidentes sobre
a folha de salários, sem afetar
a remuneração dos empregados
ou seus direitos previdenciários. O desempenho das exportações e a redução do custo com
encargos sociais estimulariam a
geração de empregos formais e
contribuiriam para maior formalização no mercado de trabalho.
A desoneração consiste na
substituição parcial ou total
da contribuição previdenciária patronal (20% sobre a folha
de pagamentos) por uma nova
contribuição de 1% ou 2% sobre
a receita bruta de vendas – deduzindo as receitas de exportação (Contribuição Patronal sobre a Receita Bruta – CPRB). A
queda na arrecadação da Previdência Social seria coberta pelo
Tesouro Nacional. Prevista para
vigorar até dezembro de 2014,
em novembro de 2014 foi tornada permanente (lei 13.403/2014)
sob os argumentos de que a po-
lítica tinha sido positiva e que
torná-la perene daria maior segurança e previsibilidade aos
empresários quanto ao cálculo
do retorno de investimentos.
Inicialmente, estimava-se
que a desoneração atingiria
Julho de 2015
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UNIVERSIDADE
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cerca de 870 mil trabalhadores,
mas, com as várias ampliações
de setores da economia beneficiados, esse número se elevou
para 13,4 milhões de trabalhadores no final de 2014. Quanto
ao montante da renúncia fiscal,
a Secretaria da Receita Federal
(SRF) estimou em cerca de R$
25,2 bilhões para 2015.
A desoneração reduziu sistematicamente a arrecadação de
vários setores. Especificamente,
FISCAL
a razão “arrecadação pela massa salarial”, por Código de Atividade Econômica (CNAE), caiu
por volta de dez pontos percentuais em vários setores (Tabela
I). Além de substancial, o efeito
da desoneração foi muito discrepante entre os setores econômicos, com queda da razão
“arrecadação/massa
salarial”,
entre 2011 e 2014, variando entre setores de 2,4 a 10,8 pontos
percentuais.
Tabela I: Valor em pontos percentuais da relação Arrecadação pela
Massa dos contribuintes da CPRB em 2011 e 2014, correspondente a 70%
do número de empregados dos setores beneficiados.
Setor (CNAE)
Arrecadação / Arrecadação /
Diferença
massa salarial massa salarial 2014-2011 (%)
2011 (%)
2014 (%)
Transporte terrestre
30,20
20,10
-10,10
Obras de infraestrutura
33,00
22,80
-10,20
Comércio varejista
29,40
23,50
-5,90
Atividades dos serviços
de TI
27,70
16,90
-10,80
Fabricação de produtos
alimentícios
28,80
24,00
-4,80
Construção de edifícios
34,10
23,90
-10,20
Fabricação de veículos
automotores, reboques e
carrocerias
30,60
21,00
-9,60
Fabricação de máquinas
e equipamentos
30,90
21,30
-9,60
Serviços de escritório,
de apoio admin. e outros
serviços
28,70
18,30
-10,40
Serviços especializados
para construção
34,10
23,40
-10,70
Fabricação de produtos
de borracha e de material plástico
30,10
22,60
-7,50
Comércio p/ atacado,
exceto veículos. automotivos e motocicletas
26,50
24,00
-2,50
Obs: Os dados da tabela são referentes aos contribuintes que recolheram
a CPRB em setembro de 2014. Os setores econômicos acima representam
69,2% do total de número de vínculos dos beneficiários da CPRB. (1) Os
códigos CNAE são aqueles identificados do estabelecimento principal (MF,
2015).
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Julho de 2015
Estudo recente do Ministério da
Fazenda concluiu que as medidas de
desoneração não trouxeram benefícios econômicos e de geração de
emprego significativos. A renúncia
tributária mostra-se excessivamente
onerosa, alcançando 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) (comparando,
a meta de superavit primário para
2015 é de 1,2% do PIB). Também, é
questionada a eficiência do programa, pois, mesmo naqueles setores
que registram aumentos no emprego, cada emprego gerado ou preservado custa em torno de R$ 63.000,
comparado a um salário médio de
admissão do Cadastro Geral de Empregos e Desempregados (Caged) de
aproximadamente R$ 20.400 por ano.
Também, o programa tem um alto
custo de administração, um impacto
essencialmente regressivo e um descasamento entre contribuição e benefícios da Previdência Social.
Com base nesses estudos, o governo federal propõe, em 2015, mudanças na desoneração da folha de
pagamento, como parte do “Ajuste
Fiscal” através do Projeto de Lei (PL)
863/2015 na Câmara dos Deputados
(no Senado Federal, Projeto de Lei
da Câmara – PLC 57/2015). A estimativa é de que o projeto, conforme
aprovado na Câmara dos Deputados, resultaria numa arrecadação
adicional de R$ 10 bilhões. Mesmo
assim, sobrariam cerca de R$ 15 bilhões de renúncia fiscal em 2015, decorrente da aplicação dessa política.
Uma crítica que fazemos a essa
política é de que ao estabelecer uma
“desoneração da folha de pagamentos” como forma de incentivo às
empresas, o governo federal traz à
sociedade a ideia de que o salário
dos trabalhadores é um problema
que afeta a competitividade dos
produtos brasileiros em relação aos
importados. Por outro lado, ela reforça também argumentos de segmentos do empresariado, replicados
recorrentemente pela mídia, de que
a carga tributária no Brasil é excessivamente elevada.
Com dados de 2013 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), podemos verificar que a carga tributária no Brasil
(35,7% do PIB) é alta se comparada
ao conjunto de países da América
Latina e Caribe (21,3% do PIB), mas
está em linha com a média dos países da OCDE (34,1% do PIB). Vários
países europeus trabalham com cargas tributárias bem mais elevadas
do que a média da OCDE, como é
o caso da França (45% do PIB) e da
Itália (42,6% do PIB).
O problema é que no Brasil, ao
contrário do que ocorre na maioria
dos países da OCDE, a parcela de
tributos indiretos é elevada. Como
os tributos indiretos são iguais para
todos, independentemente da renda,
eles acabam penalizando em maior
proporção os mais pobres. Mas um
bom nível de arrecadação tributária
é importante para possibilitar a manutenção de políticas públicas adequadas em áreas como educação e
saúde, por exemplo.
A inspiração para a política de
desoneração veio de iniciativas de
países europeus na sequência da crise de 2008, para minimizar a oneração do fator trabalho decorrente das
contribuições previdenciárias, com
o objetivo de diminuir o desemprego. Nessas iniciativas, aumentou-se
o Imposto sobre o Valor Agregado
(IVA) em montante suficiente para
compensar a queda na arrecadação
da previdência social (neutralidade
tributária). Esse aumento do IVA incidindo sobre os preços dos produtos importados, junto à redução dos
custos de exportação (pela redução
das contribuições sociais), simulava os efeitos de uma desvalorização
cambial e, se bem arquitetado, não
resultava em perda de arrecadação
tributária.
Os países da União Europeia
(UE) não dispõem de mecanismos
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de política cambial, tendo em vista
que a moeda, o euro, é comum a
todos. Então, nesse contexto, a desoneração em substituição a uma
desvalorização cambial (não acessível) faz sentido. Esse não é o caso
do Brasil, que possui, então, como
uma alternativa à política de desoneração adotada em 2011, a possibilidade da adoção de uma nova
política cambial, com a desvalorização do real a um nível que possa
trazer competividade no mercado
interno aos produtos daqueles setores econômicos que disputam
preço com os importados, tendo
também a vantagem adicional de
incentivar as exportações.
FISCAL
Os recursos de que o governo
federal abre mão para os empresários poderiam ser aplicados no
aprimoramento do setor público.
A folha de pagamentos de pessoal
da União (todos os poderes) está
prevista em R$ 253 bilhões para
2015 e, então, o volume estimado
de recursos não arrecadados pela
desoneração em 2015 corresponderia a cerca de 10% dos gastos
da União com pessoal. Esses recursos seriam suficientes para estabelecer uma data-base aos Servidores Públicos Federais, o que
permitiria a reposição anual das
perdas inflacionárias nos respectivos vencimentos.
Entretanto, sabemos que o
“Ajuste Fiscal” passa longe de
objetivos como a valorização do
trabalhador ou do slogan eleitoral “pátria educadora”, este
último desnudado pelo drástico
corte no orçamento do Ministério da Educação e, por consequência, no orçamento das
Instituições Federais de Ensino
(IFEs).
Respondendo à nossa questão inicial, na medida em que a
desoneração implica na renúncia
de arrecadação fiscal pelo governo federal, ela interessa aos
empresários e não interessa aos
trabalhadores do setor público.
Referências:
Dieese. (2015). O Projeto de Lei
863/2015 e as Mudanças na Desoneração
da Folha. São Paulo: Dieese. Acesso em
08 de julho de 2015, disponível em www.
dieese.org.br
OECD. (12 de julho de 2015). Tax
revenue. Fonte: OECD Date: https://data.
oecd.org/tax/tax-revenue.htm
SPE. (2015). Nota de Análise sobre a
Desoneração da Folha. Ministério da Fazenda, Secretaria de Política Econômica.
Brasília: Ministério da Fazenda.
SRF. (2015). Desoneração da folha
de pagamento: estimativa de renúncia
e metodologia de cálculo. Ministério da
Fazenda, Secretaria da Receita Federal.
Brasília: Ministério da Fazenda.
O sistema da dívida pública gera riqueza à
custa dos direitos sociais do povo brasileiro
Maria Suely Soares, professora da UFPR e presidente da APUFPR-SSind, gestão 2015-2017.
Com a tendência de redução
das taxas de lucro imposta pela
crise do capital, os grandes investidores apostam em novas estratégias para a concentração de riqueza. Nesse sentido, contam com
a reforma do estado – que inclui
privatizações/desnacionalizações, parcerias público-privadas,
fundos de previdência privada e
redução de recursos públicos, em
especial para as áreas sociais – e
com o sistema da dívida pública.
No Brasil, as dívidas externa,
interna e dos estados, geradas
durante décadas por governos
irresponsáveis, foram multiplicadas pelo chamado sistema da
dívida, cujos credores impõem
juros abusivos. Ao final de 2014,
a dívida pública dos estados brasileiros já era de R$ 977,9 bilhões;
a dívida interna, da ordem de R$
3,3 trilhões; e a externa, de US$
554,7 bilhões. Para Maria Lúcia
Fatorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, “a dívida
pública é um megaesquema de
corrupção institucionalizado”.
Só em 2014, o governo federal
gastou R$ 978 bilhões com juros
e amortizações da dívida pública.
Esta quantia corresponde a 45,1%
do orçamento efetivamente executado no ano; 12 vezes o que foi
destinado à educação; 11 vezes
os gastos com saúde; e mais que
o dobro dos recursos destinados à
Previdência Social.
No entanto, embora estes dados sejam oficiais, constam como
“Juros e Encargos da Dívida”
apenas R$ 170 bilhões; e como
“Amortizações da Dívida”, ou seja,
o pagamento do principal, R$ 808
bilhões. Há anos o governo vem
deixando de computar grande
parte dos juros nominais, classificando-os como “amortizações”.
Este fato vem sendo denunciado
desde a Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) da Dívida Pública
concluída na Câmara dos Deputados em 2010.
A apresentação irreal dos
gastos com a dívida pública mostra como o Sistema da Dívida é
privilegiado em seus aspectos
legal e econômico. Muitos analistas têm aliviado o peso do endividamento sobre as contas públicas do nosso país, afirmando
que a parcela das amortizações
configura “mera rolagem”, ou
seja, o refinanciamento de dívida
anteriormente existente mediante a contratação de nova dívida,
o que não consideram como problema para o país.
Por outro lado, é necessário
ressaltar que a dívida atual é altamente questionável, por ser
Julho de 2015
5
UNIVERSIDADE
E
produto de inúmeras ilegalidades e ilegitimidades desde a sua
origem espúria no período da
ditadura militar, até os tempos
atuais.
Os credores da dívida pública não oferecem abertura para
negociações justas, cometendo
ilegalidades, como juros sobre
juros, as taxas de juros mais altas
do planeta e renegociações nas
quais decidem aumentar os juros
ou mesmo exigir a emissão de títulos precatórios e a privatização
de órgãos públicos, sem levar em
conta a opinião dos devedores.
Isto ocorre porque o processo de
endividamento tem sido usado
pelo sistema financeiro privado.
Há uma transferência de recursos públicos para o setor privado.
Ao se comparar os recursos destinados aos juros e amortização
da dívida, com os aplicados em
investimentos nas mais diversas
áreas, pode-se falar em ilegalidade e ilegitimidade dos governos
de plantão. O sistema da dívida
tem imposto situação semelhante
em muitos países, especialmente
os da América Latina.
FISCAL
Em nome de pagar dívidas que
já foram abusivamente cobradas e
cujos juros já pagos são mais do
que suficientes para o pagamento do capital, criou-se uma dívida
real para com o povo brasileiro.
A verdadeira dívida, que deve ser
paga urgentemente, é a de manter
recursos adequados para oferecer
serviços públicos de qualidade.
Há exemplos de enfrentamento em países nos quais a dívida
pública se tornou insustentável.
No Equador, a população e o próprio governo, com ajuda internacional, conseguiram comprovar
os abusos e obtiveram o perdão
de cerca de 70% da dívida pública
de seu país. O povo grego tem se
manifestado com veemência contra o pagamento de valores abusivos em relação à dívida pública,
que traz imensos sacrifícios para
aos direitos sociais. Representantes da Auditoria Cidadã da Dívida brasileira têm participado de
comissões para estudos sobre a
dívida pública nesses países com
atuação significativa.
Para que o Brasil possa finalmente ser um país livre no qual a
ética e os direitos humanos sejam
respeitados, é necessário que os governantes, as instituições e a população se unam em torno da compreensão do processo e da exigência de
uma auditoria cidadã da dívida séria e consequente, que tenha como
resultado uma renegociação justa
e libertadora. Nós como brasileiros
podemos fazê-lo e temos direito a
ter de volta o nosso país.
Referência:
www.auditoriacidada.org.br
A ideologia do ajuste fiscal
coloca a ciência e a sociedade em apuros
Fabiano Dalto, professor da UFPR.
Todos parecem concordar
que os cortes do orçamento das
atividades de ensino, pesquisa e
extensão das universidades, anunciadas pelo MEC, são deletérios ao
6
Julho de 2015
progresso da ciência no país. No
último dia 16, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC) enviou carta à presidente
Dilma revelando sua preocupação
com os efeitos dos cortes no orçamento sobre a educação e a ciência. Mesmo o ministro Janine, do
MEC, admitiu que este é um ano
de subfinanciamento de sua Pasta.
Segundo as notícias iniciais,
os cortes das agências de fomento à pesquisa seriam da ordem
de 10%, cuja maior parte incidiu
sobre o Programa de Apoio à
UNIVERSIDADE
E
Pós-Graduação (Proap), recurso
esse que mantém o custeio dos
programas de pós-graduação. Na
verdade, até o momento o governo apenas garantiu a manutenção do que existia, ainda que
em condições de funcionamento
precárias. Seja como for, o que se
vislumbra é um aperto nos gastos públicos sem precedentes nos
últimos dez anos.
A questão central é: em nome
do que se faz algo reconhecidamente contrário ao desenvolvimento econômico e social do
país? Ideologia moralista parece-me parte da resposta. Parte
dos argumentos levantados para
cometer-se tamanho atentado
aos interesses coletivos – como
reduzir gastos em educação, ciência e tecnologia – relaciona-se
a uma suposta responsabilidade
sagrada de se obter superavit orçamentários. Não parece ser por
outra razão que a própria SBPC
diz em sua carta à presidente Dilma que reconhece a necessidade
de se gerar superavit fiscal. Mistificação não combina com ciência e, de fato, a austeridade fiscal
que o governo propõe, e a SBPC
infelizmente aceita, decorre meramente de misticismo. Vejamos
alguns dos mitos mais comuns
relacionados à necessidade do
ajuste fiscal.
Mito 1
O governo não pode, assim
como as famílias ou firmas, gastar mais do que arrecada. Esse
mito é bastante difundido e aceito porque coloca o governo como
um igual às famílias e firmas que
realmente encontram dificuldade
de gastar mais do que arrecadam,
a menos que entrem num ritmo
de endividamento insustentável.
Trata-se de um mito justamente porque o governo não é
como famílias e firmas. Enquan-
FISCAL
to famílias e firmas são usuárias
de dinheiro, isto é, para gastarem mais do que arrecadam
precisam emitir dívida (tomar
empréstimos) denominada em
moeda do Estado junto a terceiros, o governo é emissor de
sua moeda. Em outras palavras,
o governo denomina sua dívida
na mesma moeda em que emite. Sendo assim, o governo não
tem limites financeiros para seu
nível de gastos. Ao gastar, o governo é o único a emitir meio de
liquidação de todas e quaisquer
dívidas em moeda nacional. Todos os demais agentes, que não
ele, podem emitir dívidas para
financiarem seus gastos, mas o
fazem denominando suas dívidas em moeda do governo. Isso
estabelece uma hierarquia entre
as moedas dos vários emissores,
e a do governo coloca-se no topo
da pirâmide. Não por outra razão
a dívida pública é considerada a
dívida livre de risco do mercado
financeiro, servindo de padrão
de referência de valor para todas
as demais dívidas. Em síntese,
governos não quebram em suas
próprias moedas (governos com
dívidas externas e membros do
euro, assim como firmas e famílias, podem quebrar porque
devem em uma moeda que não
emitem, são apenas usuários).
Como temos assistido, o ajuste
fiscal trata-se não mais do que
uma escolha política do governo
para atender a interesses privados específicos. Por exemplo, ao
mesmo tempo em que anunciava
o corte de cerca de R$ 10 bilhões
da pasta da Educação, o governo
anunciava um acréscimo de 20%
no orçamento da Agricultura
para o ano de 2015. Outro exemplo mais dramático é o aumento
dos gastos com juros resultante
do aumento das taxas de juros
que veio junto com o pacote de
austeridade. Com os rentistas, a
mitologia se cala.
Mito 2
Deficit do governo aumentam as taxas de juros e isso reduz
o crescimento econômico (efeito
crowding out). Decorre do que
falamos acima que, se o governo
pode financiar seus gastos com
emissão de sua própria moeda,
a taxa de juros sobre sua dívida
é uma decisão do próprio governo (Banco Central). Ainda que
considerações sobre inflação e
endividamento externo devam
entrar na decisão sobre a taxa
de juros, não há verdade na suposta relação entre deficit público e taxa de juros. Sendo a decisão sobre a taxa de juros uma
discricionariedade do governo
(através do Banco Central, como
já dito), o mito serve para justificar/naturalizar uma decisão
eminentemente política que é a
do Banco Central decidir a taxa
de juros.
Mito 3
O deficit público gera inflação. Embora isso possa ser verdade em situações em que o governo tente elevar os gastos acima
do nível de pleno emprego, não
é verdadeiro que a economia esteja geralmente em pleno emprego. Aliás, qualquer gasto privado
acima do nível de pleno emprego teria o mesmo efeito sobre a
inflação. Aqui, como no mito 2,
a relação “inflação – deficit público” aparece com a força de um
dogma sagrado, emergindo de
um senso comum tão difundido
quanto errado. Tem o mesmo
conteúdo de validade quanto o
efeito dos astros sobre o destino
da humanidade.
A seguir, apresentamos algumas informações que nos desassombram dos mitos listados
acima.
Desmistificação 1
Deficit públicos são a norma
entre os países, não a exceção.
Julho de 2015
7
UNIVERSIDADE
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FISCAL
Gráfico 1:
Deficit Públicos em Proporção do PIB de países selecionados
Fonte: FMI. http://elibrary-data.imf.org/
É obviamente mais factível o
governo obter superavit em períodos de crescimento da renda,
quando as receitas públicas crescem mais do que as despesas.
Mas mesmo países com taxas de
crescimento elevada, como China e Argentina, nos últimos 30
anos (na verdade, de 1982-2011,
que são os dados disponíveis no
Fundo Monetário Internacional –
FMI) apresentam deficit públicos
superiores a 1,5 do PIB em média.
No caso brasileiro, para o mesmo
período de 30 anos, ainda que o
Gráfico 2:
Taxa de Juros Selic,
Taxa de Inflação e
Deficit Primário
Fonte: Ipeadata.
Obs: Números negativos de deficit
significam superavit e vice-versa.
8
Julho de 2015
crescimento tenha sido pífio, nosso deficit médio foi de 2,1 do PIB,
meros 0,2 acima do apresentado
pela China. Em suma, a mitologia
não resiste ao fato de que o usual
são os governos operarem em deficit. Mais importante, deficit ou
superavit apurados são consequência de condições econômicas específicas e não deveriam ser meta
de nenhum orçamento ou, pior
ainda, medida de sucesso (responsabilidade?) de governo. Questões
de distribuição de gastos e da tributação também importam para
a distribuição de renda, a geração
de emprego e o crescimento econômico e, obviamente, os eventos mundiais têm mostrado que a
austeridade implica em piora em
todos esses indicadores. Orçamentos públicos servem para alinhar
prioridades de ação pública e a
mitologia da austeridade favorece
meramente a minúsculas, mas poderosas, parcelas da sociedade.
Desmistificação 2 e 3
Os gráficos abaixo mostram dados de deficit primá-
rios do governo brasileiro em
proporção ao PIB e às taxas
de juros (Selic) e de inflação
(IGP-M), todos em bases mensais.
A correlação dos deficit com
a taxa de juros (0,022) e dos
deficit com a taxa de inflação
(-0,002), além da simples observação do gráfico, mostra que a
ignorância obstinada dos mistificadores só pode encontrar
justificativa em crendices que
talvez nem mesmo os propaladores dos mitos tenham consciência.
UNIVERSIDADE
E
Vale aqui reproduzir a avaliação do próprio governo sobre os
efeitos de seu desastrado ajuste fiscal na geração de emprego e na inflação. “Em relação aos parâmetros
macroeconômicos, a previsão para
2015 do crescimento real do PIB
foi reduzida de ‐1,20% para ‐1,49%,
sendo que tal queda impacta o
mercado de trabalho e consequentemente a taxa de crescimento da
massa salarial nominal, que acabou
sendo revista de 4,83% para 1,74%.
O índice de inflação (IPCA) passou
de 8,26% para 9,0%. Nesse cenário
FISCAL
semelhante ao de mercado, a estimativa de inflação sugere certa
persistência em 2015, refletindo o
realinhamento dos preços administrados e a desvalorização cambial”.
Em outras palavras, o próprio governo reconhece que a inflação galopa devido às medidas
de austeridade nas tarifas públicas – realidade tarifária adotada
após as eleições de 2014.
Para finalizar, vale sublinhar
que os mitos acima decorrem de
uma visão geral, difundida pela
ideologia neoliberal, que preconiza
a dicotomia “Estado vs. Mercado” e
que dá ganho de causa ao mercado
como entidade eficiente, inovadora
e progressista. Novamente, aceitar
o ajuste fiscal é parte desse mesmo
grande mito neoliberal. No campo
da educação e da ciência, assim
como no da inovação tecnológica,
as evidências são avassaladoramente contrárias a essa mitologia
neoliberal. Ignorância econômica
tem feito o país atrasar-se na corrida do conhecimento e da transformação para uma sociedade mais
igualitária e criativa. Como afirma
Mariana Mazzucato, autora do livro
Estado Empreendedor, o best-seller
que tem mostrado o papel central
e insubstituível do Estado na geração de novos conhecimentos, “elevados gastos público e privado em
P&D tendem a crescer juntos... O
governo tem um papel fundamental a desempenhar investindo em
infraestrutura, no capital humano
e na ciência básica... A retórica da
austeridade serve, no entanto, para
minar o apoio popular ao governo
ativo e benigno e deixar inquestionável a empresa capitalista”.
Lógica da austeridade
Francisco Paulo Cipolla, professor da UFPR.
Há um acordo generalizado
entre economistas de que a economia mundial apresenta sintomas de estagnação secular, isto é,
redução continua da taxa de crescimento da produção. Podemos
ver essa tendência à estagnação
através dos dados sobre o ritmo
de acumulação de capital nos Estados Unidos da América (EUA),
país onde se dispõe das melhores
estatísticas econômicas. Nota-se
claramente pela linha de tendência
que a estagnação relativa começa no
final da década de 1960 e continua
até os dias de hoje. Quase meio século de patinação no barro!
Os governos dos diversos países têm procurado, sob a pressão
ininterrupta das empresas, diminuir a tributação sobre os lucros
para incentivar os investimentos e
o crescimento econômico. Esse foi
um dos grandes pilares ideológicos do neoliberalismo, conhecido
como supply side economics e erigido da doutrina ortodoxa para a
recuperação da iniciativa privada.
Figura 1:
Figura 2:
Corporações Não Financeiras. Taxa de acumulação de capital: 1945-2013
USA Corporações Não Financeiras. Imposto sobre a renda como proporção
dos lucros: 1946-2013
Fonte: Bureau of Economic Analysis
Fonte: Bureau of Economic Analysis
Julho de 2015
9
UNIVERSIDADE
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De nada adiantou. Ao contrário, o menu de subterfúgios e
métodos “legais” de escapar dos
impostos continua se expandindo
com a força de um big bang.
A outra fonte de lucros adicionais foi a redução da participação dos trabalhadores no valor
por eles agregado à produção. A
concentração de renda galopante
dos últimos 40 anos tem alarmado
os economistas de todos os quadrantes. Sintoma mais recente é o
livro de Piketty sobre o Capital no
Século XXI, livro que resume as
causas dessa concentração na diferença entre taxa de lucro e taxa
de crescimento.
De fato, toda a história recente permitiu apenas uma recuperação da lucratividade empresarial,
mas sem nenhum efeito sobre a
taxa de acumulação de capital que
continua sua impávida trajetória
declinante.
A diminuição da tributação
sobre os lucros numa conjuntura de níveis de crescimento cada
vez mais baixos teve um impacto
negativo sobre a arrecadação dos
governos. Esse impacto negativo
pôs pressão no sentido da redução dos gastos públicos. O que fi-
FISCAL
cava no caixa das empresas devia
ser compensado por uma redução
das despesas que na maioria das
vezes acabava afetando a qualidade de vida dos assalariados em
geral.
Mas o que ficava no caixa, ao
contrário do que previam os economistas do main stream, não se
transformava em mais investimento, mas sim numa maior acumulação de capital na forma de
dinheiro que só podia ser investida em títulos geradores de juros.
A maior disponibilidade de dinheiro face a uma acumulação de
capital relativamente estagnada
só podia provocar um aumento
no preço dos títulos financeiros.
Abria-se uma época de bolhas financeiras recorrentes e níveis de
endividamento crescentes.
Com a diminuição da arrecadação, os deficit só podiam ser
financiados pelo aumento da dívida pública com o que o volume
de juros pagos pelos governos
tendia a aumentar. Esse aumento
da carga de juros deveria ser compensado por uma redução de gastos, em geral escolhidos dentre os
serviços públicos necessários à
população.
Menor tributação
sobre o lucro
A Lógica da
Austeridade
diminuição da
arrecadação
redução dos
serviços públicos
UNIVERSIDADE
E
Mas endividamento e especulação levam às crises. Nas crises, a
sustentação da cadeia de endividamentos faz aumentar ainda mais a
dívida pública, pois implica gastos
de sustentação dos bancos e empresas à beira da falência. Por isso
é que a pressão sobre a redução dos
serviços públicos e gastos públicos
FISCAL
em geral aumenta durante as crises
atropelando tudo pela frente. A não
ser que nos oponhamos.
Isso se passa na Grécia de
forma drástica nos dias de hoje e,
ainda que de forma mais moderada, entre nós. Mas como diz o
proverbio: De te fabula narratur.
Preparemo-nos pois.
O ‘ajuste fiscal’ e a paz de espírito dos tubarões
Claus Germer, professor aposentado do Departamento de Economia da UFPR.
Como os dados sobre o valor
do ajuste fiscal e suas possibilidades já são conhecidos de todos, vou ater-me ao sentido desta
política. Ela é apresentada, pelos
seus defensores e até por alguns
10
Julho de 2015
críticos, como uma necessidade
para “equilibrar o orçamento”
e viabilizar o retorno do crescimento econômico. O objetivo declarado do ajuste fiscal é “preparar a economia para a retomada
do crescimento”, mas a eficácia
do ajuste fiscal neste sentido é
duvidosa e sujeita a interminável
polêmica entre economistas, de
modo que não pode ser levada a
sério. Apesar disto, todos os go-
vernos capitalistas, de todos os
quadrantes ideológicos, diante de
uma crise aplicam a mesma política. Por quê?
O motivo real é que é necessário transmitir aos “agentes”
UNIVERSIDADE
E
(que na linguagem cifrada da economia oficial significa capitalistas
ou empresários) um sinal de que
o governo é confiável e garante a
estabilidade, a fim de “estimulá-los” a investir. Esta lógica é a
desgraça dos governos socialdemocratas, isto é, dos governos
que prometem aos trabalhadores
instituir a igualdade e a felicidade geral sob o capitalismo. Desde
os primeiros governos deste tipo,
instalados após a I Guerra Mundial na Europa, a história proporcionou uma lição que foi, infelizmente, ignorada no Brasil: tais
governos são uma armadilha que
liquida politicamente tais partidos como portadores de mudanças superadoras do capitalismo. A
razão disto reside no fato de que
a sua sustentação eleitoral, constituída pela classe trabalhadora,
só se mantém caso consiga garantir a manutenção e expansão
dos empregos e salários, além dos
demais direitos, o que exige que a
economia se mantenha em crescimento. Mas só pode ser feito por
quem detém a condição básica
para oferecer emprego e salário,
que é possuir meios de produção
e circulação, isto é, fábricas, fazendas, minas, meios de transporte, supermercados, escolas, hospitais etc. Quem os possui, porém,
em sociedades capitalistas, é a
classe capitalista ou empresarial,
não os governos. Quando os governos são diretamente exercidos
por representantes desta – que é a
situação mais geral –, os interesses de ambos coincidem e tudo se
faz “naturalmente”. Mas quando
são exercidos por representantes,
mesmo que “moderados”, da classe trabalhadora, estes podem ser
chantageados pela recusa do empresariado em dar continuidade
aos investimentos.
Os partidos socialdemocratas
geralmente chegam ao governo
FISCAL
quando a economia se encontra
em crise relativamente profunda
e prolongada, e lá chegam com
base em plataformas críticas do
capitalismo e dos capitalistas,
prometendo o fim da exploração e a ampliação de direitos
de todo tipo. Mas, chegados ao
“poder” (entre aspas porque ascender ao governo não é tomar o
poder, pois o poder real consiste
na posse dos meios de produção
e circulação, pelo menos dos fundamentais, que nos países capitalistas encontram-se nas mãos
de uma parte minoritária da sociedade, que é a classe capitalista, que por esta razão domina
econômica e politicamente toda
a sociedade), portanto, chegados
ao poder defrontam-se com o
fato de que a economia só pode
recuperar-se caso os capitalistas
se decidam a manter e ampliar
seus investimentos, e só o fazem
com a garantia da “segurança” da
sua propriedade e dos lucros pretendidos. Assim, os governos socialdemocratas são obrigados a
engolir as promessas eleitorais e
sujeitar-se à chantagem da classe
que detém o poder real, e iniciam
os mais diversos tipos de programa de “ajuste”, reclamados
pela classe empresarial, que são
o oposto exato das promessas
que lhes deram efêmeras maiorias eleitorais. Ao aplicar tais
programas, que reduzem empregos e salários, a fim de ganhar a
“confiança” do empresariado,
tais governos perdem a confiança da classe que pretendem representar, a classe trabalhadora,
e a sua sustentação eleitoral. É
o que está ocorrendo no Brasil
hoje. Outro exemplo prático, e
mais dramático, ao vivo e em cores, pode ser observado também
nestes dias na Grécia. Todos os
programas de ajuste consistem
basicamente em variantes, mais
O
'ajuste
fiscal'
e a paz de espirito
dos tubaroes
UNIVERSIDADE
E
ou menos radicais, da política de
“ajuste fiscal” que estamos sofrendo no Brasil neste momento, cuja essência é jogar sobre as
costas dos assalariados o custo
exigido pela classe capitalista
para, supostamente, dignar-se a
investir.
Esta é a razão básica que justifica a tese de que a classe trabalhadora – que é a maioria da
população dos países capitalistas,
75% ou mais – só poderá ser livre
e a sociedade só será democrática quando os meios de produção
e de circulação passarem às mãos
de toda a população, portanto sob
propriedade social e economia
planejada, deixando de ser instrumento de chantagem que submete a sociedade aos mais bárbaros
processos de exploração e opressão.
Por que se pode dizer, como
no início deste artigo, que a eficácia do “ajuste fiscal” é incerta?
A principal razão é que o desajuste fiscal não é a causa da crise
FISCAL
econômica, mas, ao contrário, é a
crise que causa o desajuste. Consequentemente, se o desajuste é
consequência da crise, segue-se
que o ajuste só pode ser obtido eliminando-se a causa da crise, e esta
é complexa e situa-se nas próprias
entranhas da economia capitalista
e não pode ser eliminada por políticas econômicas. Se isto fosse
possível, as crises já não existiriam. Isto pode parecer inconvincente, mas é facilmente explicável:
a economia capitalista não é uma
economia planejada, de modo que
sua trajetória não é controlável,
uma vez que, dada a propriedade
privada dos meios de produção e
de circulação, sua trajetória é determinada pelo entrechoque caótico de uma infinidade de agentes
independentes. A natureza deste
entrechoque contém os elementos
que tornam as crises inevitáveis.
Como todo sistema, a economia
capitalista possui uma lógica expressa em leis de movimento sistêmicas, que produzem tanto as
Julho de 2015 11
UNIVERSIDADE
E
crises quanto a superação das crises, independentemente de “políticas” econômicas. Observe-se, por
exemplo, que a economia mundial
está em crise desde 2008, há sete
anos, portanto, e, apesar de todo o
aparato informatizado e a genialidade de bem pagos consultores de
todo tipo, ainda não foi debelada.
Por isto pode-se dizer que as crises
econômicas só deixarão de existir
quando o capitalismo deixar de
existir. Aos que duvidarem, basta
dizer que crises financeiras existem desde 1620 e crises industriais
desde 1825, e tudo que se fez para
tentar evitá-las não funcionou,
como se pode constatar facilmente pela repetição, até hoje, destas
mesmas crises, além de novos tipos de crise que se acrescentaram
às anteriores.
O objetivo real do ajuste é
atender às exigências da classe
empresarial, que chantageia os
governos e a sociedade porque
mantém em seu poder, como reféns, os meios de produção e de
circulação, que só liberam – ou
seja, só investem – caso as suas
exigências sejam atendidas. A
exigência central é assegurar a
segurança e a rentabilidade dos
seus capitais. Toda a sociedade
deve sujeitar-se a todo tipo de
sacrifício em nome desta exigência. A dívida pública compõe-se
essencialmente de aplicações da
classe empresarial, remuneradas
pela receita pública. Enquanto
os investimentos nas atividades
econômicas usuais não podem
ser manipulados à vontade para
voltar a dar lucros, porque estão sujeitos às leis impessoais e
incontroláveis da economia em
crise, a dívida pública, sujeita aos
FISCAL
governos e de certo modo fora
dos circuitos econômicos convencionais, pode ser manipulada
até certo ponto. Os rendimentos
da dívida pública, para serem pagos, requerem que os governos
possuam fundos adequados, e é a
isto que o “ajuste fiscal” se presta:
garantir a capacidade de pagamento da dívida pelo Estado, e a
disposição deste de fazê-lo a todo
custo. A existência de um “superavit primário” é sinal de que o
governo se sujeitou à exigência
empresarial e as despesas estão
sendo comprimidas abaixo das receitas, em detrimento das necessidades do restante da população,
de modo que há uma sobra para a
remuneração dos credores, o que
os “tranquiliza”, embora intranquilize dramaticamente o restante da população. Paradoxalmente,
as crises econômicas favorecem
os parasitas do orçamento público, pois a queda da arrecadação,
decorrente da crise, obriga os
governos a aumentar a tomada
de empréstimos, mas, devido ao
aumento do risco, os aplicadores
exigem maiores taxas de juros, o
que melhora a situação dos credores, mas piora a situação fiscal.
A tranquilidade de espírito dos
credores, garantida pela gestão
“responsável” (isto é, a favor dos
seus bolsos) do orçamento público,
não assegura que decidam liberar
os seus meios de produção e circulação (isto é, investir), para que a
economia volte a crescer, uma vez
que a remuneração destes investimentos não depende dos governos, mas do estado da economia. A
própria crise da economia é sinal
de que deixaram de investir, que
é o que causou a paralisação da
economia e a consequente queda
da arrecadação e o desajuste fiscal.
O ajuste fiscal real só virá com o
ajuste da economia, que depende
da superação da crise, mas o ajuste
da remuneração dos credores do
Estado deve ser imediato. O governo “dos trabalhadores” ganha
a confiança dos parasitas da dívida pública mas perde a confiança
dos seus eleitores. É um dilema
insolúvel dos governos ditos “socialdemocratas” diante das crises
econômicas.
O “ajuste fiscal” consiste, em
síntese, em transferir rendimentos dos bolsos dos trabalhadores
para os bolsos dos credores da
dívida pública. No caso do Brasil,
hoje, cortaram-se, em primeiro
lugar, gastos referentes a direitos dos trabalhadores do setor
privado: seguro-desemprego, assistência médica, abono etc., em
valor estimado de cerca de R$ 70
bilhões. Está em curso, em meio
a reações e greves, o processo de
imposição de cortes salariais dos
trabalhadores do setor público.
O exemplo das IFEs é ilustrativo
e permite quantificar o processo
de transferência: o reajuste obtido pelos docentes, em março,
referente a 2014, foi em média
de 5%, enquanto a inflação de
2014 foi superior a 8%. No reajuste escalonado em 4 anos, que
está sendo proposto pelo governo, o reajuste do início do próximo ano, referente a 2015, é de
cerca de 5%, enquanto a inflação
prevista para o presente ano, no
momento, aproxima-se dos 9%.
O cenário dos anos seguintes
ainda é incerto, mas dificilmente
será melhor para os assalariados,
pois a inflação quase certamente
será superior aos 4% de reajuste
propostos pelo governo. Isto sem
contar as categorias que estão
com salários defasados por diversos anos. Não dispomos do
valor preciso da folha salarial
anual dos docentes das IFEs,
mas, supondo que seja de R$ 20
bi em 2015, segundo estimativa
citada recentemente, que já incorpora a correção referente a
2014 , e acrescentando a correção proposta referente a 2015, a
folha salarial de 2016 seria de R$
21 bi, quando deveria ser de R$
22,1 bilhões , de modo que o governo federal já teria transferido,
dos bolsos dos docentes para os
bolsos dos detentores da dívida
pública, para a “tranquilidade”
destes, nada menos que R$ 1,4
bilhão em dois anos. Esta é a lógica do “ajuste fiscal”. Percebe-se
que a “tranquilidade” dos parasitas da dívida pública custa caro,
não só em dinheiro, mas em intranquilidade para o restante da
população e, no nosso caso, dos
docentes e técnicos-administrativos das IFEs. Isto sem contar
com os drásticos cortes anunciados em bolsas, financiamento
e material de pesquisa, investimentos em infraestrutura etc.
Como a folha salarial de R$ 20 bilhões em 2015
incorpora a correção salarial de 5%, em comparação com a inflação de 6,5% em 2014, deduz-se que
a folha salarial de 2014 foi de aproximadamente
R$ 19,05 bilhões e a de 2015 deveria ser de R$ 20,3
bilhões, em vez de R$ 20 bilhões, resultando em
uma “economia” de R$ 0,3 bilhão em 2015.
2
A correção de 9% (estimativa conservadora de
inflação de 2015) sobre a folha salarial de 2015,
que deveria ser de R$ 20,3 bilhões, resulta em R$
22,1 bilhões em 2016 e uma “economia” de R$ 1,1
bilhão em relação à folha de 2016 resultante do reajuste de cerca de 5% proposto pelo governo para
2016. Somada ao R$ 0,3 bilhão de 2015, a “economia” total nos dois anos seria de R$ 1,4 bilhão.
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EXPEDIENTE
Informativo APUFPR-SSind
Publicação especial da Associação dos Professores da Universidade Federal do Paraná - Seção Sindical do Andes - Sindicato Nacional
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Diretoria - Gestão 2013/2015
Presidente: Maria Suely Soares
Vice-Presidente: Luis Allan Künzle
Secretário Geral: Vilson Aparecido da Mata
Primeira
Julho Secretária:
de 2015Adriana Hessel Dalagassa
Tesoureiro Geral: Claudio Antonio Tonegutti
Primeiro Tesoureiro: Herrmann Vinícius de O. Muller
Diretor Administrativo: Vitor Marcel Schuhli
Diretor Cultural: Marcelo Sandin Dourado
Diretor de Esportes: Raimundo Alberto Tostes
Diretora de Imprensa: Milena Maria Costa Martinez
Diretor Jurídico: Afonso Takao Murata
Diretora Social: Marise Fonseca dos Santos
www.apufpr.org.br
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