Edição Especial | Julho de 2015 UNIVERSIDADE E FISCAL O ajuste fiscal e as universidades A Desoneração interessa a quem? Pág. 2 Pág. 3 O sistema da dívida pública gera riqueza à custa dos direitos sociais do povo brasileiro Pág. 5 Menor tributação sobre o lucro A Lógica da Austeridade diminuição da arrecadação redução dos serviços públicos UNIVERSIDADE E A ideologia do ajuste fiscal coloca a ciência e a sociedade em apuros Pág. 6 FISCAL Lógica da austeridade Pág. 9 O ‘ajuste fiscal’ e a paz de espírito dos tubarões Pág. 10 UNIVERSIDADE E FISCAL O ajuste fiscal e as universidades Lafaiete Neves, professor aposentado da UFPR, é doutor em Desenvolvimento Econômico pela UFPR e pesquisador da linha de pesquisa Economia Política do Poder (Eppeo/CNPq). O ajuste fiscal do governo Dilma fará um corte de R$ 70 bilhões no orçamento federal, com redução de recursos atingindo os 39 ministérios. O impacto será imediato na infraestrutura, atingindo em cheio o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em R$ 65,6 bilhões. Outro importante programa federal, o Minha Casa, Minha Vida, também foi afetado, passando de R$ 19 bilhões orçados para R$ 13 bilhões a serem executados. Isso significa um forte freio na construção de habitação para milhares de famílias de baixa renda sem moradia própria. Na atividade agrícola, principalmente para os pequenos agricultores, a redução foi pesada, com um corte de quase 50%, caindo de R$ 3,7 bilhões para R$ 1,8 bilhão. Um setor estratégico e fundamental para o desenvolvimento do país como a saúde teve redução para R$ 91,5 bilhões. Na área da educação, o corte foi o mais pesado. Segundo dados do Tesouro Nacional, chega a R$ 10 bilhões. Isto, na prática, significa o abandono do objetivo maior da campanha eleitoral da candidata Dilma, o “Brasil: pátria educadora”, dada a queda de investimentos na educação, que apenas no período de janeiro a abril de 2015 caiu de R$ 3,7 bilhões para R$ 2,17 bilhões. O efeito é imediato também para o setor privado da educação, que hoje se beneficia de recursos transferidos do orçamento públi- 2 Julho de 2015 co. Houve redução pela metade do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) – que no mesmo período de janeiro a junho de 2015 deixou de financiar as mensalidades de 252 mil alunos –, cujo total em 2014 era de 480 mil. Outro programa de transferência de recursos públicos para o setor privado da educação e que foi durante afetado foi o Programa Universidade para Todos (Prouni), que tinha no ano passado 191 mil alunos e, em 2015, aumentou para 213 mil. O ajuste fiscal tem afetado profundamente as universidades públicas, com cortes drásticos no custeio e capital, obrigando a paralisação de obras nos campi universitários e causando falta de material de pesquisa. O Ministério da Educação (MEC) acaba de anunciar aos reitores um corte para a pós-graduação (mestrados e doutorados) no total de 75%, o que afetará de imediato a continuidade dos cursos de pós-graduação, com o corte de bolsas de pesquisas para docentes e estudantes no Brasil e no exterior, principalmente no momento de maior valorização do dólar, o que dificultará a sobrevivência de milhares de pesquisadores que estão fora do país. Os burocratas de Brasília parecem não saber distinguir as áreas que devem ser preservadas no momento de maior crise econômica nacional e internacional. Desmontar a pesquisa e a pós-graduação interessa a quem objetivamente? Sem dúvida alguma, aos interesses internacionais, pois na retomada do crescimento, com o corte de investimentos nessas áreas, perderemos o avanço que temos na pesquisa básica e aplicada; sem novas tecnologias e patentes, aumentaremos a nossa dependência do mercado internacional. Isso significa que teremos de exportar mais commodities para importar menos tecnologia, dados os preços desiguais nas trocas internacionais. Isso implica uma regressão e, o pior, as pesquisas interrompidas não serão retomadas com facilidade. Esses tecnocratas do Ministério da Fazenda (MF) demonstram que preferem preservar ministérios com menos peso no desenvol- vimento econômico do país, como o da Defesa. Na verdade, o objetivo desse ajuste fiscal está bem explicito: é aumentar o superavit primário, menos despesas do governo, aumento da arrecadação com mais impostos, para pagar os juros exigidos pelos banqueiros, que vivem sangrando quase a metade do orçamento federal. Em nome desse objetivo, sacrifica-se o bem máximo do país, que é a educação. Essa política determinada pelo rentismo financeiro está encontrando na sociedade uma reação que cresce, manifestada pelos movimentos de greve dos servidores públicos em todos os níveis. UNIVERSIDADE E Categorias importantes do serviço público – como os professores das universidades federais, servidores do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), técnicos-administrativos das universidades – deflagraram greves que es- FISCAL tão se ampliando como forma de enfrentamento aos cortes drásticos de recursos para a educação e reposição de quadros técnicos na Previdência Social. O governo continua intransigente, sem abrir negociações com os Servidores Públicos Federais (SPFs), e ao mesmo tempo se mostra dócil ao baixar medida provisória autorizando a redução de salários na indústria com a cobertura do Fundo de Garantia pelo Tempo de Serviço (FGTS), que irá repor R$ 900 por trabalhador que vier a ter seu salário reduzido. É contraditória tal política diante dos cortes em setores estratégicos para o país, como educação, saúde e habitação, que não tiveram nenhuma medida compensatória. A Desoneração interessa a quem? Claudio Antonio Tonegutti, professor da UFPR e tesoureiro-geral da APUFPR-SSind, gestão 2015-2017. Completado o primeiro semestre do segundo governo da presidente Dilma Rousseff, a crise econômica (e política) que o Brasil vive desde o ano passado não deu sinal de ceder. Para conter a crise econômica, o governo federal lançou o “Ajuste Fiscal”; um conjunto de medidas tendo como objetivos reduzir a dívida pública bruta federal, diminuir o deficit externo e conduzir a inflação para o centro da meta, em 2016. Dentro desse “pacote” existe a proposta de modificação na política de “desoneração da folha de pagamento”. Os possíveis resultados desse conjunto de medidas são de análise complexa e geram polêmica entre os especialistas da área econômica. A desoneração da folha de pagamento surgiu com a Medida Provisória (MP) 540, de 2 de agosto de 2011, convertida na lei 12.546, de 14 de dezembro de 2011, e ampliada por alterações posteriores (lei 12.715/2012, lei 12.794/2013, lei 12.844/2013 e lei 13.043/2014). Segundo o governo federal, ela tem como objetivos melhorar a competitividade externa e interna da produção doméstica, gerar empregos, reduzir a informalidade no mercado de trabalho e reduzir preços. A melhoria da competitividade viria da redução dos custos de produção associados à diminuição dos encargos incidentes sobre a folha de salários, sem afetar a remuneração dos empregados ou seus direitos previdenciários. O desempenho das exportações e a redução do custo com encargos sociais estimulariam a geração de empregos formais e contribuiriam para maior formalização no mercado de trabalho. A desoneração consiste na substituição parcial ou total da contribuição previdenciária patronal (20% sobre a folha de pagamentos) por uma nova contribuição de 1% ou 2% sobre a receita bruta de vendas – deduzindo as receitas de exportação (Contribuição Patronal sobre a Receita Bruta – CPRB). A queda na arrecadação da Previdência Social seria coberta pelo Tesouro Nacional. Prevista para vigorar até dezembro de 2014, em novembro de 2014 foi tornada permanente (lei 13.403/2014) sob os argumentos de que a po- lítica tinha sido positiva e que torná-la perene daria maior segurança e previsibilidade aos empresários quanto ao cálculo do retorno de investimentos. Inicialmente, estimava-se que a desoneração atingiria Julho de 2015 3 UNIVERSIDADE E cerca de 870 mil trabalhadores, mas, com as várias ampliações de setores da economia beneficiados, esse número se elevou para 13,4 milhões de trabalhadores no final de 2014. Quanto ao montante da renúncia fiscal, a Secretaria da Receita Federal (SRF) estimou em cerca de R$ 25,2 bilhões para 2015. A desoneração reduziu sistematicamente a arrecadação de vários setores. Especificamente, FISCAL a razão “arrecadação pela massa salarial”, por Código de Atividade Econômica (CNAE), caiu por volta de dez pontos percentuais em vários setores (Tabela I). Além de substancial, o efeito da desoneração foi muito discrepante entre os setores econômicos, com queda da razão “arrecadação/massa salarial”, entre 2011 e 2014, variando entre setores de 2,4 a 10,8 pontos percentuais. Tabela I: Valor em pontos percentuais da relação Arrecadação pela Massa dos contribuintes da CPRB em 2011 e 2014, correspondente a 70% do número de empregados dos setores beneficiados. Setor (CNAE) Arrecadação / Arrecadação / Diferença massa salarial massa salarial 2014-2011 (%) 2011 (%) 2014 (%) Transporte terrestre 30,20 20,10 -10,10 Obras de infraestrutura 33,00 22,80 -10,20 Comércio varejista 29,40 23,50 -5,90 Atividades dos serviços de TI 27,70 16,90 -10,80 Fabricação de produtos alimentícios 28,80 24,00 -4,80 Construção de edifícios 34,10 23,90 -10,20 Fabricação de veículos automotores, reboques e carrocerias 30,60 21,00 -9,60 Fabricação de máquinas e equipamentos 30,90 21,30 -9,60 Serviços de escritório, de apoio admin. e outros serviços 28,70 18,30 -10,40 Serviços especializados para construção 34,10 23,40 -10,70 Fabricação de produtos de borracha e de material plástico 30,10 22,60 -7,50 Comércio p/ atacado, exceto veículos. automotivos e motocicletas 26,50 24,00 -2,50 Obs: Os dados da tabela são referentes aos contribuintes que recolheram a CPRB em setembro de 2014. Os setores econômicos acima representam 69,2% do total de número de vínculos dos beneficiários da CPRB. (1) Os códigos CNAE são aqueles identificados do estabelecimento principal (MF, 2015). 4 Julho de 2015 Estudo recente do Ministério da Fazenda concluiu que as medidas de desoneração não trouxeram benefícios econômicos e de geração de emprego significativos. A renúncia tributária mostra-se excessivamente onerosa, alcançando 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) (comparando, a meta de superavit primário para 2015 é de 1,2% do PIB). Também, é questionada a eficiência do programa, pois, mesmo naqueles setores que registram aumentos no emprego, cada emprego gerado ou preservado custa em torno de R$ 63.000, comparado a um salário médio de admissão do Cadastro Geral de Empregos e Desempregados (Caged) de aproximadamente R$ 20.400 por ano. Também, o programa tem um alto custo de administração, um impacto essencialmente regressivo e um descasamento entre contribuição e benefícios da Previdência Social. Com base nesses estudos, o governo federal propõe, em 2015, mudanças na desoneração da folha de pagamento, como parte do “Ajuste Fiscal” através do Projeto de Lei (PL) 863/2015 na Câmara dos Deputados (no Senado Federal, Projeto de Lei da Câmara – PLC 57/2015). A estimativa é de que o projeto, conforme aprovado na Câmara dos Deputados, resultaria numa arrecadação adicional de R$ 10 bilhões. Mesmo assim, sobrariam cerca de R$ 15 bilhões de renúncia fiscal em 2015, decorrente da aplicação dessa política. Uma crítica que fazemos a essa política é de que ao estabelecer uma “desoneração da folha de pagamentos” como forma de incentivo às empresas, o governo federal traz à sociedade a ideia de que o salário dos trabalhadores é um problema que afeta a competitividade dos produtos brasileiros em relação aos importados. Por outro lado, ela reforça também argumentos de segmentos do empresariado, replicados recorrentemente pela mídia, de que a carga tributária no Brasil é excessivamente elevada. Com dados de 2013 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), podemos verificar que a carga tributária no Brasil (35,7% do PIB) é alta se comparada ao conjunto de países da América Latina e Caribe (21,3% do PIB), mas está em linha com a média dos países da OCDE (34,1% do PIB). Vários países europeus trabalham com cargas tributárias bem mais elevadas do que a média da OCDE, como é o caso da França (45% do PIB) e da Itália (42,6% do PIB). O problema é que no Brasil, ao contrário do que ocorre na maioria dos países da OCDE, a parcela de tributos indiretos é elevada. Como os tributos indiretos são iguais para todos, independentemente da renda, eles acabam penalizando em maior proporção os mais pobres. Mas um bom nível de arrecadação tributária é importante para possibilitar a manutenção de políticas públicas adequadas em áreas como educação e saúde, por exemplo. A inspiração para a política de desoneração veio de iniciativas de países europeus na sequência da crise de 2008, para minimizar a oneração do fator trabalho decorrente das contribuições previdenciárias, com o objetivo de diminuir o desemprego. Nessas iniciativas, aumentou-se o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) em montante suficiente para compensar a queda na arrecadação da previdência social (neutralidade tributária). Esse aumento do IVA incidindo sobre os preços dos produtos importados, junto à redução dos custos de exportação (pela redução das contribuições sociais), simulava os efeitos de uma desvalorização cambial e, se bem arquitetado, não resultava em perda de arrecadação tributária. Os países da União Europeia (UE) não dispõem de mecanismos UNIVERSIDADE E de política cambial, tendo em vista que a moeda, o euro, é comum a todos. Então, nesse contexto, a desoneração em substituição a uma desvalorização cambial (não acessível) faz sentido. Esse não é o caso do Brasil, que possui, então, como uma alternativa à política de desoneração adotada em 2011, a possibilidade da adoção de uma nova política cambial, com a desvalorização do real a um nível que possa trazer competividade no mercado interno aos produtos daqueles setores econômicos que disputam preço com os importados, tendo também a vantagem adicional de incentivar as exportações. FISCAL Os recursos de que o governo federal abre mão para os empresários poderiam ser aplicados no aprimoramento do setor público. A folha de pagamentos de pessoal da União (todos os poderes) está prevista em R$ 253 bilhões para 2015 e, então, o volume estimado de recursos não arrecadados pela desoneração em 2015 corresponderia a cerca de 10% dos gastos da União com pessoal. Esses recursos seriam suficientes para estabelecer uma data-base aos Servidores Públicos Federais, o que permitiria a reposição anual das perdas inflacionárias nos respectivos vencimentos. Entretanto, sabemos que o “Ajuste Fiscal” passa longe de objetivos como a valorização do trabalhador ou do slogan eleitoral “pátria educadora”, este último desnudado pelo drástico corte no orçamento do Ministério da Educação e, por consequência, no orçamento das Instituições Federais de Ensino (IFEs). Respondendo à nossa questão inicial, na medida em que a desoneração implica na renúncia de arrecadação fiscal pelo governo federal, ela interessa aos empresários e não interessa aos trabalhadores do setor público. Referências: Dieese. (2015). O Projeto de Lei 863/2015 e as Mudanças na Desoneração da Folha. São Paulo: Dieese. Acesso em 08 de julho de 2015, disponível em www. dieese.org.br OECD. (12 de julho de 2015). Tax revenue. Fonte: OECD Date: https://data. oecd.org/tax/tax-revenue.htm SPE. (2015). Nota de Análise sobre a Desoneração da Folha. Ministério da Fazenda, Secretaria de Política Econômica. Brasília: Ministério da Fazenda. SRF. (2015). Desoneração da folha de pagamento: estimativa de renúncia e metodologia de cálculo. Ministério da Fazenda, Secretaria da Receita Federal. Brasília: Ministério da Fazenda. O sistema da dívida pública gera riqueza à custa dos direitos sociais do povo brasileiro Maria Suely Soares, professora da UFPR e presidente da APUFPR-SSind, gestão 2015-2017. Com a tendência de redução das taxas de lucro imposta pela crise do capital, os grandes investidores apostam em novas estratégias para a concentração de riqueza. Nesse sentido, contam com a reforma do estado – que inclui privatizações/desnacionalizações, parcerias público-privadas, fundos de previdência privada e redução de recursos públicos, em especial para as áreas sociais – e com o sistema da dívida pública. No Brasil, as dívidas externa, interna e dos estados, geradas durante décadas por governos irresponsáveis, foram multiplicadas pelo chamado sistema da dívida, cujos credores impõem juros abusivos. Ao final de 2014, a dívida pública dos estados brasileiros já era de R$ 977,9 bilhões; a dívida interna, da ordem de R$ 3,3 trilhões; e a externa, de US$ 554,7 bilhões. Para Maria Lúcia Fatorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, “a dívida pública é um megaesquema de corrupção institucionalizado”. Só em 2014, o governo federal gastou R$ 978 bilhões com juros e amortizações da dívida pública. Esta quantia corresponde a 45,1% do orçamento efetivamente executado no ano; 12 vezes o que foi destinado à educação; 11 vezes os gastos com saúde; e mais que o dobro dos recursos destinados à Previdência Social. No entanto, embora estes dados sejam oficiais, constam como “Juros e Encargos da Dívida” apenas R$ 170 bilhões; e como “Amortizações da Dívida”, ou seja, o pagamento do principal, R$ 808 bilhões. Há anos o governo vem deixando de computar grande parte dos juros nominais, classificando-os como “amortizações”. Este fato vem sendo denunciado desde a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Dívida Pública concluída na Câmara dos Deputados em 2010. A apresentação irreal dos gastos com a dívida pública mostra como o Sistema da Dívida é privilegiado em seus aspectos legal e econômico. Muitos analistas têm aliviado o peso do endividamento sobre as contas públicas do nosso país, afirmando que a parcela das amortizações configura “mera rolagem”, ou seja, o refinanciamento de dívida anteriormente existente mediante a contratação de nova dívida, o que não consideram como problema para o país. Por outro lado, é necessário ressaltar que a dívida atual é altamente questionável, por ser Julho de 2015 5 UNIVERSIDADE E produto de inúmeras ilegalidades e ilegitimidades desde a sua origem espúria no período da ditadura militar, até os tempos atuais. Os credores da dívida pública não oferecem abertura para negociações justas, cometendo ilegalidades, como juros sobre juros, as taxas de juros mais altas do planeta e renegociações nas quais decidem aumentar os juros ou mesmo exigir a emissão de títulos precatórios e a privatização de órgãos públicos, sem levar em conta a opinião dos devedores. Isto ocorre porque o processo de endividamento tem sido usado pelo sistema financeiro privado. Há uma transferência de recursos públicos para o setor privado. Ao se comparar os recursos destinados aos juros e amortização da dívida, com os aplicados em investimentos nas mais diversas áreas, pode-se falar em ilegalidade e ilegitimidade dos governos de plantão. O sistema da dívida tem imposto situação semelhante em muitos países, especialmente os da América Latina. FISCAL Em nome de pagar dívidas que já foram abusivamente cobradas e cujos juros já pagos são mais do que suficientes para o pagamento do capital, criou-se uma dívida real para com o povo brasileiro. A verdadeira dívida, que deve ser paga urgentemente, é a de manter recursos adequados para oferecer serviços públicos de qualidade. Há exemplos de enfrentamento em países nos quais a dívida pública se tornou insustentável. No Equador, a população e o próprio governo, com ajuda internacional, conseguiram comprovar os abusos e obtiveram o perdão de cerca de 70% da dívida pública de seu país. O povo grego tem se manifestado com veemência contra o pagamento de valores abusivos em relação à dívida pública, que traz imensos sacrifícios para aos direitos sociais. Representantes da Auditoria Cidadã da Dívida brasileira têm participado de comissões para estudos sobre a dívida pública nesses países com atuação significativa. Para que o Brasil possa finalmente ser um país livre no qual a ética e os direitos humanos sejam respeitados, é necessário que os governantes, as instituições e a população se unam em torno da compreensão do processo e da exigência de uma auditoria cidadã da dívida séria e consequente, que tenha como resultado uma renegociação justa e libertadora. Nós como brasileiros podemos fazê-lo e temos direito a ter de volta o nosso país. Referência: www.auditoriacidada.org.br A ideologia do ajuste fiscal coloca a ciência e a sociedade em apuros Fabiano Dalto, professor da UFPR. Todos parecem concordar que os cortes do orçamento das atividades de ensino, pesquisa e extensão das universidades, anunciadas pelo MEC, são deletérios ao 6 Julho de 2015 progresso da ciência no país. No último dia 16, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) enviou carta à presidente Dilma revelando sua preocupação com os efeitos dos cortes no orçamento sobre a educação e a ciência. Mesmo o ministro Janine, do MEC, admitiu que este é um ano de subfinanciamento de sua Pasta. Segundo as notícias iniciais, os cortes das agências de fomento à pesquisa seriam da ordem de 10%, cuja maior parte incidiu sobre o Programa de Apoio à UNIVERSIDADE E Pós-Graduação (Proap), recurso esse que mantém o custeio dos programas de pós-graduação. Na verdade, até o momento o governo apenas garantiu a manutenção do que existia, ainda que em condições de funcionamento precárias. Seja como for, o que se vislumbra é um aperto nos gastos públicos sem precedentes nos últimos dez anos. A questão central é: em nome do que se faz algo reconhecidamente contrário ao desenvolvimento econômico e social do país? Ideologia moralista parece-me parte da resposta. Parte dos argumentos levantados para cometer-se tamanho atentado aos interesses coletivos – como reduzir gastos em educação, ciência e tecnologia – relaciona-se a uma suposta responsabilidade sagrada de se obter superavit orçamentários. Não parece ser por outra razão que a própria SBPC diz em sua carta à presidente Dilma que reconhece a necessidade de se gerar superavit fiscal. Mistificação não combina com ciência e, de fato, a austeridade fiscal que o governo propõe, e a SBPC infelizmente aceita, decorre meramente de misticismo. Vejamos alguns dos mitos mais comuns relacionados à necessidade do ajuste fiscal. Mito 1 O governo não pode, assim como as famílias ou firmas, gastar mais do que arrecada. Esse mito é bastante difundido e aceito porque coloca o governo como um igual às famílias e firmas que realmente encontram dificuldade de gastar mais do que arrecadam, a menos que entrem num ritmo de endividamento insustentável. Trata-se de um mito justamente porque o governo não é como famílias e firmas. Enquan- FISCAL to famílias e firmas são usuárias de dinheiro, isto é, para gastarem mais do que arrecadam precisam emitir dívida (tomar empréstimos) denominada em moeda do Estado junto a terceiros, o governo é emissor de sua moeda. Em outras palavras, o governo denomina sua dívida na mesma moeda em que emite. Sendo assim, o governo não tem limites financeiros para seu nível de gastos. Ao gastar, o governo é o único a emitir meio de liquidação de todas e quaisquer dívidas em moeda nacional. Todos os demais agentes, que não ele, podem emitir dívidas para financiarem seus gastos, mas o fazem denominando suas dívidas em moeda do governo. Isso estabelece uma hierarquia entre as moedas dos vários emissores, e a do governo coloca-se no topo da pirâmide. Não por outra razão a dívida pública é considerada a dívida livre de risco do mercado financeiro, servindo de padrão de referência de valor para todas as demais dívidas. Em síntese, governos não quebram em suas próprias moedas (governos com dívidas externas e membros do euro, assim como firmas e famílias, podem quebrar porque devem em uma moeda que não emitem, são apenas usuários). Como temos assistido, o ajuste fiscal trata-se não mais do que uma escolha política do governo para atender a interesses privados específicos. Por exemplo, ao mesmo tempo em que anunciava o corte de cerca de R$ 10 bilhões da pasta da Educação, o governo anunciava um acréscimo de 20% no orçamento da Agricultura para o ano de 2015. Outro exemplo mais dramático é o aumento dos gastos com juros resultante do aumento das taxas de juros que veio junto com o pacote de austeridade. Com os rentistas, a mitologia se cala. Mito 2 Deficit do governo aumentam as taxas de juros e isso reduz o crescimento econômico (efeito crowding out). Decorre do que falamos acima que, se o governo pode financiar seus gastos com emissão de sua própria moeda, a taxa de juros sobre sua dívida é uma decisão do próprio governo (Banco Central). Ainda que considerações sobre inflação e endividamento externo devam entrar na decisão sobre a taxa de juros, não há verdade na suposta relação entre deficit público e taxa de juros. Sendo a decisão sobre a taxa de juros uma discricionariedade do governo (através do Banco Central, como já dito), o mito serve para justificar/naturalizar uma decisão eminentemente política que é a do Banco Central decidir a taxa de juros. Mito 3 O deficit público gera inflação. Embora isso possa ser verdade em situações em que o governo tente elevar os gastos acima do nível de pleno emprego, não é verdadeiro que a economia esteja geralmente em pleno emprego. Aliás, qualquer gasto privado acima do nível de pleno emprego teria o mesmo efeito sobre a inflação. Aqui, como no mito 2, a relação “inflação – deficit público” aparece com a força de um dogma sagrado, emergindo de um senso comum tão difundido quanto errado. Tem o mesmo conteúdo de validade quanto o efeito dos astros sobre o destino da humanidade. A seguir, apresentamos algumas informações que nos desassombram dos mitos listados acima. Desmistificação 1 Deficit públicos são a norma entre os países, não a exceção. Julho de 2015 7 UNIVERSIDADE E FISCAL Gráfico 1: Deficit Públicos em Proporção do PIB de países selecionados Fonte: FMI. http://elibrary-data.imf.org/ É obviamente mais factível o governo obter superavit em períodos de crescimento da renda, quando as receitas públicas crescem mais do que as despesas. Mas mesmo países com taxas de crescimento elevada, como China e Argentina, nos últimos 30 anos (na verdade, de 1982-2011, que são os dados disponíveis no Fundo Monetário Internacional – FMI) apresentam deficit públicos superiores a 1,5 do PIB em média. No caso brasileiro, para o mesmo período de 30 anos, ainda que o Gráfico 2: Taxa de Juros Selic, Taxa de Inflação e Deficit Primário Fonte: Ipeadata. Obs: Números negativos de deficit significam superavit e vice-versa. 8 Julho de 2015 crescimento tenha sido pífio, nosso deficit médio foi de 2,1 do PIB, meros 0,2 acima do apresentado pela China. Em suma, a mitologia não resiste ao fato de que o usual são os governos operarem em deficit. Mais importante, deficit ou superavit apurados são consequência de condições econômicas específicas e não deveriam ser meta de nenhum orçamento ou, pior ainda, medida de sucesso (responsabilidade?) de governo. Questões de distribuição de gastos e da tributação também importam para a distribuição de renda, a geração de emprego e o crescimento econômico e, obviamente, os eventos mundiais têm mostrado que a austeridade implica em piora em todos esses indicadores. Orçamentos públicos servem para alinhar prioridades de ação pública e a mitologia da austeridade favorece meramente a minúsculas, mas poderosas, parcelas da sociedade. Desmistificação 2 e 3 Os gráficos abaixo mostram dados de deficit primá- rios do governo brasileiro em proporção ao PIB e às taxas de juros (Selic) e de inflação (IGP-M), todos em bases mensais. A correlação dos deficit com a taxa de juros (0,022) e dos deficit com a taxa de inflação (-0,002), além da simples observação do gráfico, mostra que a ignorância obstinada dos mistificadores só pode encontrar justificativa em crendices que talvez nem mesmo os propaladores dos mitos tenham consciência. UNIVERSIDADE E Vale aqui reproduzir a avaliação do próprio governo sobre os efeitos de seu desastrado ajuste fiscal na geração de emprego e na inflação. “Em relação aos parâmetros macroeconômicos, a previsão para 2015 do crescimento real do PIB foi reduzida de ‐1,20% para ‐1,49%, sendo que tal queda impacta o mercado de trabalho e consequentemente a taxa de crescimento da massa salarial nominal, que acabou sendo revista de 4,83% para 1,74%. O índice de inflação (IPCA) passou de 8,26% para 9,0%. Nesse cenário FISCAL semelhante ao de mercado, a estimativa de inflação sugere certa persistência em 2015, refletindo o realinhamento dos preços administrados e a desvalorização cambial”. Em outras palavras, o próprio governo reconhece que a inflação galopa devido às medidas de austeridade nas tarifas públicas – realidade tarifária adotada após as eleições de 2014. Para finalizar, vale sublinhar que os mitos acima decorrem de uma visão geral, difundida pela ideologia neoliberal, que preconiza a dicotomia “Estado vs. Mercado” e que dá ganho de causa ao mercado como entidade eficiente, inovadora e progressista. Novamente, aceitar o ajuste fiscal é parte desse mesmo grande mito neoliberal. No campo da educação e da ciência, assim como no da inovação tecnológica, as evidências são avassaladoramente contrárias a essa mitologia neoliberal. Ignorância econômica tem feito o país atrasar-se na corrida do conhecimento e da transformação para uma sociedade mais igualitária e criativa. Como afirma Mariana Mazzucato, autora do livro Estado Empreendedor, o best-seller que tem mostrado o papel central e insubstituível do Estado na geração de novos conhecimentos, “elevados gastos público e privado em P&D tendem a crescer juntos... O governo tem um papel fundamental a desempenhar investindo em infraestrutura, no capital humano e na ciência básica... A retórica da austeridade serve, no entanto, para minar o apoio popular ao governo ativo e benigno e deixar inquestionável a empresa capitalista”. Lógica da austeridade Francisco Paulo Cipolla, professor da UFPR. Há um acordo generalizado entre economistas de que a economia mundial apresenta sintomas de estagnação secular, isto é, redução continua da taxa de crescimento da produção. Podemos ver essa tendência à estagnação através dos dados sobre o ritmo de acumulação de capital nos Estados Unidos da América (EUA), país onde se dispõe das melhores estatísticas econômicas. Nota-se claramente pela linha de tendência que a estagnação relativa começa no final da década de 1960 e continua até os dias de hoje. Quase meio século de patinação no barro! Os governos dos diversos países têm procurado, sob a pressão ininterrupta das empresas, diminuir a tributação sobre os lucros para incentivar os investimentos e o crescimento econômico. Esse foi um dos grandes pilares ideológicos do neoliberalismo, conhecido como supply side economics e erigido da doutrina ortodoxa para a recuperação da iniciativa privada. Figura 1: Figura 2: Corporações Não Financeiras. Taxa de acumulação de capital: 1945-2013 USA Corporações Não Financeiras. Imposto sobre a renda como proporção dos lucros: 1946-2013 Fonte: Bureau of Economic Analysis Fonte: Bureau of Economic Analysis Julho de 2015 9 UNIVERSIDADE E De nada adiantou. Ao contrário, o menu de subterfúgios e métodos “legais” de escapar dos impostos continua se expandindo com a força de um big bang. A outra fonte de lucros adicionais foi a redução da participação dos trabalhadores no valor por eles agregado à produção. A concentração de renda galopante dos últimos 40 anos tem alarmado os economistas de todos os quadrantes. Sintoma mais recente é o livro de Piketty sobre o Capital no Século XXI, livro que resume as causas dessa concentração na diferença entre taxa de lucro e taxa de crescimento. De fato, toda a história recente permitiu apenas uma recuperação da lucratividade empresarial, mas sem nenhum efeito sobre a taxa de acumulação de capital que continua sua impávida trajetória declinante. A diminuição da tributação sobre os lucros numa conjuntura de níveis de crescimento cada vez mais baixos teve um impacto negativo sobre a arrecadação dos governos. Esse impacto negativo pôs pressão no sentido da redução dos gastos públicos. O que fi- FISCAL cava no caixa das empresas devia ser compensado por uma redução das despesas que na maioria das vezes acabava afetando a qualidade de vida dos assalariados em geral. Mas o que ficava no caixa, ao contrário do que previam os economistas do main stream, não se transformava em mais investimento, mas sim numa maior acumulação de capital na forma de dinheiro que só podia ser investida em títulos geradores de juros. A maior disponibilidade de dinheiro face a uma acumulação de capital relativamente estagnada só podia provocar um aumento no preço dos títulos financeiros. Abria-se uma época de bolhas financeiras recorrentes e níveis de endividamento crescentes. Com a diminuição da arrecadação, os deficit só podiam ser financiados pelo aumento da dívida pública com o que o volume de juros pagos pelos governos tendia a aumentar. Esse aumento da carga de juros deveria ser compensado por uma redução de gastos, em geral escolhidos dentre os serviços públicos necessários à população. Menor tributação sobre o lucro A Lógica da Austeridade diminuição da arrecadação redução dos serviços públicos UNIVERSIDADE E Mas endividamento e especulação levam às crises. Nas crises, a sustentação da cadeia de endividamentos faz aumentar ainda mais a dívida pública, pois implica gastos de sustentação dos bancos e empresas à beira da falência. Por isso é que a pressão sobre a redução dos serviços públicos e gastos públicos FISCAL em geral aumenta durante as crises atropelando tudo pela frente. A não ser que nos oponhamos. Isso se passa na Grécia de forma drástica nos dias de hoje e, ainda que de forma mais moderada, entre nós. Mas como diz o proverbio: De te fabula narratur. Preparemo-nos pois. O ‘ajuste fiscal’ e a paz de espírito dos tubarões Claus Germer, professor aposentado do Departamento de Economia da UFPR. Como os dados sobre o valor do ajuste fiscal e suas possibilidades já são conhecidos de todos, vou ater-me ao sentido desta política. Ela é apresentada, pelos seus defensores e até por alguns 10 Julho de 2015 críticos, como uma necessidade para “equilibrar o orçamento” e viabilizar o retorno do crescimento econômico. O objetivo declarado do ajuste fiscal é “preparar a economia para a retomada do crescimento”, mas a eficácia do ajuste fiscal neste sentido é duvidosa e sujeita a interminável polêmica entre economistas, de modo que não pode ser levada a sério. Apesar disto, todos os go- vernos capitalistas, de todos os quadrantes ideológicos, diante de uma crise aplicam a mesma política. Por quê? O motivo real é que é necessário transmitir aos “agentes” UNIVERSIDADE E (que na linguagem cifrada da economia oficial significa capitalistas ou empresários) um sinal de que o governo é confiável e garante a estabilidade, a fim de “estimulá-los” a investir. Esta lógica é a desgraça dos governos socialdemocratas, isto é, dos governos que prometem aos trabalhadores instituir a igualdade e a felicidade geral sob o capitalismo. Desde os primeiros governos deste tipo, instalados após a I Guerra Mundial na Europa, a história proporcionou uma lição que foi, infelizmente, ignorada no Brasil: tais governos são uma armadilha que liquida politicamente tais partidos como portadores de mudanças superadoras do capitalismo. A razão disto reside no fato de que a sua sustentação eleitoral, constituída pela classe trabalhadora, só se mantém caso consiga garantir a manutenção e expansão dos empregos e salários, além dos demais direitos, o que exige que a economia se mantenha em crescimento. Mas só pode ser feito por quem detém a condição básica para oferecer emprego e salário, que é possuir meios de produção e circulação, isto é, fábricas, fazendas, minas, meios de transporte, supermercados, escolas, hospitais etc. Quem os possui, porém, em sociedades capitalistas, é a classe capitalista ou empresarial, não os governos. Quando os governos são diretamente exercidos por representantes desta – que é a situação mais geral –, os interesses de ambos coincidem e tudo se faz “naturalmente”. Mas quando são exercidos por representantes, mesmo que “moderados”, da classe trabalhadora, estes podem ser chantageados pela recusa do empresariado em dar continuidade aos investimentos. Os partidos socialdemocratas geralmente chegam ao governo FISCAL quando a economia se encontra em crise relativamente profunda e prolongada, e lá chegam com base em plataformas críticas do capitalismo e dos capitalistas, prometendo o fim da exploração e a ampliação de direitos de todo tipo. Mas, chegados ao “poder” (entre aspas porque ascender ao governo não é tomar o poder, pois o poder real consiste na posse dos meios de produção e circulação, pelo menos dos fundamentais, que nos países capitalistas encontram-se nas mãos de uma parte minoritária da sociedade, que é a classe capitalista, que por esta razão domina econômica e politicamente toda a sociedade), portanto, chegados ao poder defrontam-se com o fato de que a economia só pode recuperar-se caso os capitalistas se decidam a manter e ampliar seus investimentos, e só o fazem com a garantia da “segurança” da sua propriedade e dos lucros pretendidos. Assim, os governos socialdemocratas são obrigados a engolir as promessas eleitorais e sujeitar-se à chantagem da classe que detém o poder real, e iniciam os mais diversos tipos de programa de “ajuste”, reclamados pela classe empresarial, que são o oposto exato das promessas que lhes deram efêmeras maiorias eleitorais. Ao aplicar tais programas, que reduzem empregos e salários, a fim de ganhar a “confiança” do empresariado, tais governos perdem a confiança da classe que pretendem representar, a classe trabalhadora, e a sua sustentação eleitoral. É o que está ocorrendo no Brasil hoje. Outro exemplo prático, e mais dramático, ao vivo e em cores, pode ser observado também nestes dias na Grécia. Todos os programas de ajuste consistem basicamente em variantes, mais O 'ajuste fiscal' e a paz de espirito dos tubaroes UNIVERSIDADE E ou menos radicais, da política de “ajuste fiscal” que estamos sofrendo no Brasil neste momento, cuja essência é jogar sobre as costas dos assalariados o custo exigido pela classe capitalista para, supostamente, dignar-se a investir. Esta é a razão básica que justifica a tese de que a classe trabalhadora – que é a maioria da população dos países capitalistas, 75% ou mais – só poderá ser livre e a sociedade só será democrática quando os meios de produção e de circulação passarem às mãos de toda a população, portanto sob propriedade social e economia planejada, deixando de ser instrumento de chantagem que submete a sociedade aos mais bárbaros processos de exploração e opressão. Por que se pode dizer, como no início deste artigo, que a eficácia do “ajuste fiscal” é incerta? A principal razão é que o desajuste fiscal não é a causa da crise FISCAL econômica, mas, ao contrário, é a crise que causa o desajuste. Consequentemente, se o desajuste é consequência da crise, segue-se que o ajuste só pode ser obtido eliminando-se a causa da crise, e esta é complexa e situa-se nas próprias entranhas da economia capitalista e não pode ser eliminada por políticas econômicas. Se isto fosse possível, as crises já não existiriam. Isto pode parecer inconvincente, mas é facilmente explicável: a economia capitalista não é uma economia planejada, de modo que sua trajetória não é controlável, uma vez que, dada a propriedade privada dos meios de produção e de circulação, sua trajetória é determinada pelo entrechoque caótico de uma infinidade de agentes independentes. A natureza deste entrechoque contém os elementos que tornam as crises inevitáveis. Como todo sistema, a economia capitalista possui uma lógica expressa em leis de movimento sistêmicas, que produzem tanto as Julho de 2015 11 UNIVERSIDADE E crises quanto a superação das crises, independentemente de “políticas” econômicas. Observe-se, por exemplo, que a economia mundial está em crise desde 2008, há sete anos, portanto, e, apesar de todo o aparato informatizado e a genialidade de bem pagos consultores de todo tipo, ainda não foi debelada. Por isto pode-se dizer que as crises econômicas só deixarão de existir quando o capitalismo deixar de existir. Aos que duvidarem, basta dizer que crises financeiras existem desde 1620 e crises industriais desde 1825, e tudo que se fez para tentar evitá-las não funcionou, como se pode constatar facilmente pela repetição, até hoje, destas mesmas crises, além de novos tipos de crise que se acrescentaram às anteriores. O objetivo real do ajuste é atender às exigências da classe empresarial, que chantageia os governos e a sociedade porque mantém em seu poder, como reféns, os meios de produção e de circulação, que só liberam – ou seja, só investem – caso as suas exigências sejam atendidas. A exigência central é assegurar a segurança e a rentabilidade dos seus capitais. Toda a sociedade deve sujeitar-se a todo tipo de sacrifício em nome desta exigência. A dívida pública compõe-se essencialmente de aplicações da classe empresarial, remuneradas pela receita pública. Enquanto os investimentos nas atividades econômicas usuais não podem ser manipulados à vontade para voltar a dar lucros, porque estão sujeitos às leis impessoais e incontroláveis da economia em crise, a dívida pública, sujeita aos FISCAL governos e de certo modo fora dos circuitos econômicos convencionais, pode ser manipulada até certo ponto. Os rendimentos da dívida pública, para serem pagos, requerem que os governos possuam fundos adequados, e é a isto que o “ajuste fiscal” se presta: garantir a capacidade de pagamento da dívida pelo Estado, e a disposição deste de fazê-lo a todo custo. A existência de um “superavit primário” é sinal de que o governo se sujeitou à exigência empresarial e as despesas estão sendo comprimidas abaixo das receitas, em detrimento das necessidades do restante da população, de modo que há uma sobra para a remuneração dos credores, o que os “tranquiliza”, embora intranquilize dramaticamente o restante da população. Paradoxalmente, as crises econômicas favorecem os parasitas do orçamento público, pois a queda da arrecadação, decorrente da crise, obriga os governos a aumentar a tomada de empréstimos, mas, devido ao aumento do risco, os aplicadores exigem maiores taxas de juros, o que melhora a situação dos credores, mas piora a situação fiscal. A tranquilidade de espírito dos credores, garantida pela gestão “responsável” (isto é, a favor dos seus bolsos) do orçamento público, não assegura que decidam liberar os seus meios de produção e circulação (isto é, investir), para que a economia volte a crescer, uma vez que a remuneração destes investimentos não depende dos governos, mas do estado da economia. A própria crise da economia é sinal de que deixaram de investir, que é o que causou a paralisação da economia e a consequente queda da arrecadação e o desajuste fiscal. O ajuste fiscal real só virá com o ajuste da economia, que depende da superação da crise, mas o ajuste da remuneração dos credores do Estado deve ser imediato. O governo “dos trabalhadores” ganha a confiança dos parasitas da dívida pública mas perde a confiança dos seus eleitores. É um dilema insolúvel dos governos ditos “socialdemocratas” diante das crises econômicas. O “ajuste fiscal” consiste, em síntese, em transferir rendimentos dos bolsos dos trabalhadores para os bolsos dos credores da dívida pública. No caso do Brasil, hoje, cortaram-se, em primeiro lugar, gastos referentes a direitos dos trabalhadores do setor privado: seguro-desemprego, assistência médica, abono etc., em valor estimado de cerca de R$ 70 bilhões. Está em curso, em meio a reações e greves, o processo de imposição de cortes salariais dos trabalhadores do setor público. O exemplo das IFEs é ilustrativo e permite quantificar o processo de transferência: o reajuste obtido pelos docentes, em março, referente a 2014, foi em média de 5%, enquanto a inflação de 2014 foi superior a 8%. No reajuste escalonado em 4 anos, que está sendo proposto pelo governo, o reajuste do início do próximo ano, referente a 2015, é de cerca de 5%, enquanto a inflação prevista para o presente ano, no momento, aproxima-se dos 9%. O cenário dos anos seguintes ainda é incerto, mas dificilmente será melhor para os assalariados, pois a inflação quase certamente será superior aos 4% de reajuste propostos pelo governo. Isto sem contar as categorias que estão com salários defasados por diversos anos. Não dispomos do valor preciso da folha salarial anual dos docentes das IFEs, mas, supondo que seja de R$ 20 bi em 2015, segundo estimativa citada recentemente, que já incorpora a correção referente a 2014 , e acrescentando a correção proposta referente a 2015, a folha salarial de 2016 seria de R$ 21 bi, quando deveria ser de R$ 22,1 bilhões , de modo que o governo federal já teria transferido, dos bolsos dos docentes para os bolsos dos detentores da dívida pública, para a “tranquilidade” destes, nada menos que R$ 1,4 bilhão em dois anos. Esta é a lógica do “ajuste fiscal”. Percebe-se que a “tranquilidade” dos parasitas da dívida pública custa caro, não só em dinheiro, mas em intranquilidade para o restante da população e, no nosso caso, dos docentes e técnicos-administrativos das IFEs. Isto sem contar com os drásticos cortes anunciados em bolsas, financiamento e material de pesquisa, investimentos em infraestrutura etc. Como a folha salarial de R$ 20 bilhões em 2015 incorpora a correção salarial de 5%, em comparação com a inflação de 6,5% em 2014, deduz-se que a folha salarial de 2014 foi de aproximadamente R$ 19,05 bilhões e a de 2015 deveria ser de R$ 20,3 bilhões, em vez de R$ 20 bilhões, resultando em uma “economia” de R$ 0,3 bilhão em 2015. 2 A correção de 9% (estimativa conservadora de inflação de 2015) sobre a folha salarial de 2015, que deveria ser de R$ 20,3 bilhões, resulta em R$ 22,1 bilhões em 2016 e uma “economia” de R$ 1,1 bilhão em relação à folha de 2016 resultante do reajuste de cerca de 5% proposto pelo governo para 2016. Somada ao R$ 0,3 bilhão de 2015, a “economia” total nos dois anos seria de R$ 1,4 bilhão. 1 EXPEDIENTE Informativo APUFPR-SSind Publicação especial da Associação dos Professores da Universidade Federal do Paraná - Seção Sindical do Andes - Sindicato Nacional 12 Diretoria - Gestão 2013/2015 Presidente: Maria Suely Soares Vice-Presidente: Luis Allan Künzle Secretário Geral: Vilson Aparecido da Mata Primeira Julho Secretária: de 2015Adriana Hessel Dalagassa Tesoureiro Geral: Claudio Antonio Tonegutti Primeiro Tesoureiro: Herrmann Vinícius de O. Muller Diretor Administrativo: Vitor Marcel Schuhli Diretor Cultural: Marcelo Sandin Dourado Diretor de Esportes: Raimundo Alberto Tostes Diretora de Imprensa: Milena Maria Costa Martinez Diretor Jurídico: Afonso Takao Murata Diretora Social: Marise Fonseca dos Santos www.apufpr.org.br