PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) Reflexões sobre alimentos consumidos no lanche escolar 1 Patrícia Oliveira de Freitas2 e Suzane Moreira Coelho3 Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ Resumo Apresentamos parte de um estudo monográfico que teve como objetivo conhecer um pouco da relação entre Criança, Consumo e Alimentação no âmbito escolar. O consumo é um aspecto presente no cotidiano das crianças, por isso, a indústria alimentícia vem criando estratégias para atrair ainda mais o público infantil, utilizando personagens de desenhos animados nas suas embalagens, o que aumenta o consumo por alimentos prontos e freqüentemente de baixo valor nutricional. Diante dessa realidade o trabalho buscou analisar o consumo de alimentos no lanche escolar e envolveu tanto os alimentos levados de casa quanto os alimentos comprados na cantina escolar de duas escolas privadas do bairro de Santa Cruz, no município do Rio de Janeiro, além da publicidade vinculada nos alimentos consumidos. Buscou também perceber a importância do lanche consumido na escola e da educação alimentar e nutricional no cotidiano escolar. Palavras-chave: Consumo, Alimentação, Crianças, Lanche Escolar. Reflexões iniciais A alimentação infantil sofre forte influência do padrão familiar, assim, a adequação da alimentação nos primeiros anos de vida depende do padrão e da disponibilidade alimentar da família. Mais adiante, a influência de outros grupos sociais (creche, clubes, escolas, etc) e da publicidade na área de alimentos, se apresentam de forma mais intensa (ACCIOLY, 2009; p.2). A alimentação infantil pode gerar graves conseqüências, como os distúrbios alimentares provocados por consumo alimentar inadequado na infância, por isso, o tema consumo e alimentação se tornam de grande relevância no âmbito escolar, que deve se tornar um espaço para reflexões e ações sobre as conseqüências dos atos cotidianos de 1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho GT 3 - COMUNICAÇÃO, CONSUMO E INFÂNCIAS, do 4º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 08, 09 e 10 de outubro de 2014. 2 Doutora em Educação – UFF, profª do Departamento de Economia Doméstica e Hotelaria da UFRRJ, e -mail: [email protected] 3 Graduada em Economia Doméstica – UFRRJ - [email protected] PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) consumo dos individuos (COELHO; FREITAS, 2011; p. 6). O problema do consumismo na infância é urgente e não pode ficar restrito à esfera familiar (PEREIRA, 2010). Segundo Accioly (2009; p.1) “a escola pode ser considerada espaço privilegiado para implementação de ações de promoção da saúde e desempenha papel fundamental na formação de valores, hábitos e estilos de vida, entre eles, o da alimentação [...]”. Falando da nossa metodologia O estudo foi realizado em duas escolas privadas situadas no bairro de Santa Cruz do município do Rio de Janeiro. A pesquisa de campo foi realizada durante o mês de novembro de 2013. A metodologia envolveu a observação do lanche dos alunos, a realização de conversas coletivas com os alunos durante o recreio, a observação das cantinas das escolas, além da aplicação de questionários aos professores e responsáveis pelos estudantes e ainda uma entrevista com a gerente da cantina da escola B. Na escola A, foi realizada uma observação durante o horário de recreio e envolveu alunos na faixa etária de 2 a 12 anos, de ambos os sexos, da educação infantil e do primeiro segmento do ensino fundamental. Após o recreio, foram realizadas conversas coletivas, sobre o lanche que levam para a escola e que compram na cantina, com todos os alunos, aproximadamente 166 estudantes participaram nesta escola. Além disso, foram aplicados de questionários aos professores e responsáveis pelos estudantes. Na escola B, com aproximadamente 1500 alunos, foram realizadas observações dos lanches, uma entrevista com a gerente da cantina e encaminhados 9 questionários para os professores do primeiro segmento do ensino fundamental. O Consumo Infantil Para Esperança (2011; p.3) “a infância é percebida como um artefato historicamente variável e constitui uma categoria social geracional que se constrói a partir das práticas sociais e das interações entre adultos e crianças e entre elas próprias”. A partir dos anos 90, as crianças já são consideradas influenciadoras de consumo e passam a ser estudas com destaque, pois começam a interferir e representar PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) significativamente parte dos resultados das organizações frente ao consumo, estimulando e aquecendo gradativamente a economia (MACHADO, 2012; p. 3). Salgado (2010) reforça: Um dos alvos privilegiados da sociedade de consumo, a criança movimenta poderosas remessas de capital pelo mundo afora, sendo o pivô da criação de mercados exclusivamente dedicados a ela. Do programa de TV ao macarrão, há um mercado cada vez mais vasto e multifacético, que também se configura como rede. Basta aparecer um desenho animado na TV para que uma série de produtos esteja disponível no mercado. Os personagens da TV são prontamente materializados em roupas, calçados, bonecos, jogos, cartas, videogame, biscoitos, acessórios, alimentos, material escolar, vale brindes e uma série de gadgets, possíveis de serem consumidos em contextos e momentos diversos da vida (SALGADO, 2010; p.5). Alves (2011) considera que nos primeiros anos de vida, o meio social em que a criança está inserida e as primeiras experiências de consumo, são determinantes para o futuro adulto e para o seu comportamento enquanto consumidor. A autora ressalta que durante os primeiros anos de vida a criança começa a ligar a imagem da marca às suas preferências e começa a desenvolver a lealdade à marca. A Publicidade Britto explica que a publicidade que se submete aos preceitos da legislação de consumo é aquela que se presta à comunicação entre o fornecedor de produtos ou serviços e os seus consumidores, por onde se anunciam os produtos e serviços colocados por aquele no mercado de consumo, porém, esclarece que a publicidade deve ser sempre entendida a partir, também, de seus elementos “persuasão” e “sedução”, que valoram as informações transmitidas em um discurso rico em subjetividades, ampliando a mera informação para uma tentativa de convencimento, criação de desejos, estímulo ao consumo e manipulação de vontades (BRITTO, 2009; p.50). O referido autor ressalta que as condições especiais de atitude influenciável e de baixas aptidões das crianças, combinados com o domínio e uso intencional dos elementos persuasivos nas mensagens, que provavelmente não são percebidos pelas crianças, garante maior poder de persuasão ao discurso publicitário quando dirigido ao público infantil, e maior eficiência da publicidade na produção dos seus resultados, de convencer PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) as crianças a desejar e consumir os bens anunciados e de manipular os seus ânimos. Assim, são criadas muitas outras situações nas quais o público infantil e adolescente é estimulado a conviver com marcas, produtos, apresentadores e personagens, extrapolando, em muito, o instante específico no qual eles vem/ouvem os apelos publicitários (SAMPAIO, 2009; p.14). Ferguson diz que a publicidade utiliza-se do uso de personagens do universo infantil para representar suas marcas nas campanhas publicitárias, como, as embalagens, ou até mesmo fazer com que o personagem constitua a própria marca, como uma espécie de mascote. “O personagem que permeia o mundo de fantasia da criança passa a ser o porta-voz da empresa, do produto e endossa o consumo” (FERGUSON, 2013 citado por SOARES et al., 2013; p.8). Renner (2013 citado por Soares et al., 2013; p. 8) afirma que produtos sem valores nutricionais são reforçados pela personalidade do personagem e, como em quase tudo relacionado a marketing infantil, a segmentação do mercado é a guia sobre os tipos de personagens que devem ser utilizados. No entanto, Fragoso (2009) diz que seria um equívoco afirmar que a propaganda é a principal responsável pelo processo de aquisição de um alimento de baixo valor nutricional. Soares et al. (2013) reforça que a indústria alimentícia usa personagens licenciados para aumentar a venda de alimentos com alto teor de gordura, açúcar e sódio. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) em 2010 analisou 44 produtos de 27 marcas de alimentos industrializados voltados ao público infantil, identificando que 37 desses alimentos apresentavam quantidades elevadas de nutrientes não saudáveis. Na televisão brasileira, os anúncios de alimentos estão entre os mais frequentes no que se refere a exposições de produtos nos intervalos comerciais (BRASIL, 2010). Estudo desenvolvido em 2006 pela Universidade de São Paulo (USP) mostra que 27,5% das propagandas veiculadas pelas emissoras de tevês abertas se referem a esse tipo de produtos alimentícios. Pouco depois da USP identificar o percentual de participação da propaganda de alimento industrializado na grade de programação das tevês, a Universidade de Brasília (UnB) divulgou uma pesquisa do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar (OPSAN), realizada em PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) 2006, apontando que 72% das propagandas de alimentos estimulam o consumo de alimentos com altos teores de açúcares, sódio e gorduras (BRASIL, 2010; p.34). Calvert (2008) afirma que atualmente o marketing e a publicidade influenciam a o dia a dia das crianças. Para o autor, muitos produtos não são saudáveis e promovem a obesidade. Crianças mais novas, não entendem a intenção persuasiva da propaganda, mesmo as mais velhas provavelmente tem dificuldade de entender este intuito, que é aplicado por novas técnicas de marketing e que se tornam invisíveis à linha entre comercial e programa. A indústria de alimentos infantis passa a oferecer às crianças uma gama cada vez mais repleta de produtos, em toda a sua multiplicidade de cores, aromas, sabores, embalagens, brindes e personagens, trazendo para os seus pequenos consumidores um universo fantástico de alimentação, diversão, comunicação e interatividade (BAADER, 2011; p.230) Baader (2011; p.231) enfatiza que a partir desse contexto a indústria e a publicidade de alimentos infantis utiliza a diversão como elemento e conteúdo principal nas peças e campanhas publicitárias desses produtos, a autora percebe que a “atratividade deste conteúdo de diversão pode acabar se sobrepondo à necessidade de informação referente aos valores nutricionais dos produtos, instruções para moderação no consumo, possíveis efeitos nocivos para a saúde infantil”. Se o produto anunciado pode causar malefícios, ele deve ser o principal objeto de mudança. Ou seja, as empresas devem oferecer alimentos sem excesso de açúcar, sódio ou gordura saturada, além de orientar para o consumo moderado, o contrário acarretará em perda de vendas futuras. (Rabelo 2013, citado por Soares et al., 2013; p.7) A Associação Brasileira de Agências de Publicidade (ABAP, 2013) aponta que na visão de vários especialistas, não se pode simplesmente estabelecer uma relação direta de causa e efeito entre publicidade e obesidade infantil, isolando todos os demais fatores presentes no desenvolvimento das crianças, pois, se sabe, por exemplo, que famílias com hábitos alimentares mais saudáveis tem menos chances de conviver com o problema da obesidade infantil. PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) Por outro lado, se a indústria investe e as agências de propaganda ajudam a vender, na outra ponta do jogo estão as autoridades de Saúde Pública para apontar os limites à mensagem publicitária voltada a formar o padrão de consumo (BRASIL, 2010). A ABAP (2013; p.8) diz que a publicidade para crianças tem regras, “a publicidade no Brasil conta com regras bastante rígidas, principalmente quando se trata de anunciar para o público infantil”. Para a Associação Paulista de Nutrição (APAN, 2008 citado por Alves, 2011; p.7) a publicidade responsável e consciente, além de beneficiar diretamente o consumidor, também pode trazer muitos benefícios para as empresas, agências publicitárias e a própria economia de um país. Se a publicidade for bem gerida, bem direcionada e bem controlada, a publicidade infantil pode ser uma fonte de aprendizagem no processo de socialização do consumidor, completa Alves (2011). Por outro lado o Instituto Alana defende a regulamentação da publicidade de alimentos não saudáveis. De acordo com o Instituto é fundamental a regulação da publicidade no Brasil, principalmente quando dirigida a crianças, pois estas estão em fase de desenvolvimento psíquico, afetivo e cognitivo e são mais vulneráveis aos apelos para o consumo. Contudo, o Alana (2013) alerta para “a necessidade de um esforço coletivo com o cuidado e a proteção da criança brasileira frente aos abusos da comunicação mercadológica endereçada a ela”. Olhando os resultados Análise da comercialização das cantinas nas escolas A e B Na cantina da escola B, os alimentos mais consumidos são salgados, hambúrguer e geladinho e na cantina da escola A, pizza. Segundo Danelon et al. (2006; p.92) “as cantinas escolares comercializam alimentos com elevada densidade energética, cujo consumo freqüente pelos alunos pode contribuir para a prevalência de excesso de peso entre os indivíduos”. PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) A Lei nº 4.508 de 2005 do estado do Rio de Janeiro proíbe a comercialização, aquisição, confecção e distribuição de produtos que colaborem para obesidade infantil, em bares, cantinas e similares instalados em escolas públicas e privadas (BRASIL, 2005). Mesmo com a regulamentação dos alimentos comercializados pelas cantinas não há fiscalização suficiente para a garantia do cumprimento da mesma, podendo assim, ter a permanência da venda dos produtos proibidos por tais estabelecimentos, sendo necessárias medidas que possam fazer valer as proibições. Na pesquisa foi possível perceber que nenhuma das cantinas estão de acordo com a Lei nº 4.508 de 2005. Na cantina da escola B, a venda de hambúrgueres e salgados aumenta conforme a faixa etária dos alunos, ou seja, a partir do segundo segmento do ensino fundamental a maior procura por esses alimentos. Os alunos do primeiro segmento do ensino fundamental, na sua maioria levam o lanche de casa para a escola, porém, foi possível que alguns alunos compram o lanche na cantina, às vezes para complementar o lanche que levam, como refrigerante, guaraná natural, ou apenas compram guloseimas, como balas, picolé, geladinho etc. Accioly (2009) destaca que as cantinas no interior das próprias escolas e o comércio ambulante nos arredores das instituições oferecem, por vezes, alimentos de baixo valor nutricional, geralmente ricos em energia, gorduras, açúcar e sal e pobres em vitaminas e sais minerais. A cantina da escola B, tentou oferecer salada de frutas, mas a gerente explicou que as frutas estragavam porque os alunos não consumiam esse produto, além disso, ofereceram durante um determinado tempo um kit de lanche saudável, com opção de sanduíche natural; iogurte, suco ou achocolatado e fruta, mas não houve aceitação. Mesmo quando o kit era consumido, os alunos não comiam a fruta e para evitar desperdício e prejuízo a cantina da escola B não oferece mais esse Kit Lanche. A cantina da escola B mesmo com a dificuldade de aceitação dos alunos por produtos saudáveis, mantem três opções de sanduíches – misto quente (pão de forma, queijo e presunto), sanduíche natural (pão de forma integral, frango desfiado, maionese light, cenoura e milho) e sanduíche light (pão de hambúrguer, peito de frango, alface e PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) tomate), sendo o sanduíche natural o mais consumido em relação aos outros dois, mas comparando-o com os sanduíches que levam carne de hambúrguer, queijo, ovo, bacon e linguiça calabresa os oferecidos pela escola tem pouca saída. Todos os sanduíches levam alface e tomate, que seria a opção mais saudável dentro do sanduíche, mas os alunos pedem na sua maioria para tirar a salada. Zancul (2008) sobre a comercialização de alimentos pelas cantinas escolares ressalta que tentativas de se evitar a venda de certos tipos de alimentos como doces, salgadinhos, frituras e refrigerantes podem ser encontradas hoje em alguns municípios como Rio de Janeiro. Para que a proibição da comercialização de alimentos não saudáveis seja efetiva, além da fiscalizar é preciso orientar todos os envolvidos, pais, alunos, funcionários, proprietários das cantinas sobre a necessidade de uma alimentação saudável, não permitir a venda talvez causasse estranhamento e descontentamento, já que esses alimentos fazem parte do cotidiano das crianças e das famílias e são comercializados fora da escola. Danelon et al. (2006) explica que a regulamentação dos alimentos comercializados pelas cantinas pode ser uma medida de impacto em curto período de tempo, mas não substitui a necessidade de orientação nutricional para os alunos, a fim de que estes possam selecionar de forma consciente os alimentos que comporão a sua dieta. Os responsáveis por sua vez, contribuem para o consumo de alimentos não saudáveis, pois acabam dando o dinheiro ao invés de preparar o lanche em casa, esse consumo se eleva conforme a faixa etária aumenta e fica cada vez mais difícil o responsável controlar o que seu filho come na escola. Ao redor das duas escolas existem estabelecimentos que vendem alimentos considerados não saudáveis. A oferta de alimentos saudáveis pelas cantinas escolares deve ser conjunto com a promoção da educação alimentar e nutricional, pois, a criança não tendo o produto dentro da escola, não quer dizer que não irá conseguir acesso por outro tipo de comércio, por isso, é importante que a criança tenha conhecimento e junto com a escola e família, consiga ter noção de saudável e não saudável para que possa fazer escolhas mais adequadas. PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) Para Ruas (2013) as ações de marketing dentro das instituições de ensino, baleiros nas portas das escolas e a pressão das entidades que defendem os interesses dos comerciantes contribuem para o desrespeito à lei da cantina saudável e a manutenção de uma alimentação prejudicial para o desenvolvimento de crianças e adolescentes. A autora questiona que muitos pais e mães permitem que as crianças consumam frequentemente produtos considerados não saudáveis e, inclusive, enviam, de casa, os itens proibidos de serem vendidos nas cantinas escolares. Segundo a autora os bons hábitos alimentares começam em casa, ainda nos primeiros anos de vida das crianças, e o aprendizado continua ao longo da vida, principalmente no ambiente escolar. Os responsáveis devem estar cientes de que esses produtos causam graves consequências na saúde dos seus filhos, por isso, é importante que as famílias e escolas atuem conjuntamente para reverter hábitos alimentares inadequados (RUAS, 2013), são necessárias ações conjuntas entre escola, família e cantinas para que as crianças tenham uma alimentação mais saudável, além de elaboração de portarias, por gestores dos estados e municípios, que regulamentam o funcionamento das cantinas, pode ser um importante passo em direção à transformação da escola em um ambiente facilitador para escolhas alimentares adequadas (DANELON et al., 2006). Consumir na cantina é uma prática de muitos alunos, essa opção pode ser por escolha dos pais, advinda da falta de tempo, praticidade, preço acessível e falta de informação, e quando a faixa etária aumenta pode ser por escolha dos alunos, que não querem mais levar o lanche de casa, por diversos fatores, tal como, se sentirem mais independentes, mais “adultos”, por não querer ser diferente do grupo. Essa realidade se dá pelos hábitos alimentares adquiridos na família e pela influencia da publicidade, além disso, se não consumir na cantina, tem o supermercado, o comércio ao redor da escola, por isso, é preciso perceber que não basta proibir, mas orientar, mostrar que maus hábitos alimentares causam doenças e que o alimento pode ser um vilão quando consumido sem conhecimento. As cantinas podem oferecer alimentos mais saudáveis, mas para que haja procura por esse tipo de produto os alunos precisam compreender a importância desse consumo. PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) Nota-se que a regulamentação por si só não será a solução para a mudança de hábitos, essa mudança tem que ser construída desde a infância e a escola é um ambiente propicio para inserção de hábitos alimentares saudáveis. Análise do lanche dos alunos Foi realizada a observação do lanche das turmas da educação infantil e do primeiro segmento do ensino fundamental da escola A durante o horário de recreio. Na observação do lanche, alguns líquidos não puderam ser identificados por estarem em garrafas da lancheira, alguns pareciam ser refrigerante, outros sucos, porém, não foi possível perceber se seria suco industrializado ou natural. Dos alunos que estavam presentes nos momentos de observação apenas dois levaram fruta, apenas três levaram pão, apenas um levou geléia e alguns não consumiram nenhum produto durante o recreio. A maioria dos alunos levou o lanche de casa, aproximadamente 80%, outros complementaram o lanche de casa com algum produto da cantina, outros só consumiram produtos da cantina e alguns apenas compraram guloseimas. Considerando o tipo de produto que os alunos levaram, percebe-se que a maioria está consumindo produtos de baixo valor nutricional, com alto teor de sódio, açúcar e gordura, além de corantes. Quando perguntadas se era comum a frequência desse tipo de lanche as professoras responderam que geralmente os alunos levam o mesmo tipo de lanche todos os dias, variando apenas o produto. Costa et al. (2009) esclarece que o lanche que as crianças levam para a escola deve seguir o mesmo padrão alimentar adotado em casa, segundo o autor, a criança que conhece desde cedo o valor dos alimentos, o aceitará em qualquer momento e lugar. A maioria dos lanches tinham em suas embalagens algum tipo de personagem, tais como, personagens próprios da marca e personagens de desenhos infantis. Spaniol (2011; p. 16) observou no seu estudo que a presença do personagem infantil nas embalagens dos alimentos detém de forte poder de influência na preferência alimentar das crianças. Segundo a autora os produtos alimentícios que retratam em suas PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) embalagens personagens característicos do mundo infantil tem maior poder de persuasão no momento da compra e constitui atualmente uma das principais estratégias publicitárias. Spaniol (2011; p. 20) destaca as análises das estratégias persuasivas para o público infantil nas embalagens de alimentos de 110 produtos alimentícios realizadas por Spaniol (2011), que observaram que 67,3% utilizam estratégias persuasivas para o público infantil, e que deste percentual, 74% apresentaram altos teores de açúcar, gordura saturada, trans ou sódio conjuntamente e 33,8% faziam menção a sua relação entre seu consumo e boa saúde da criança. Araújo e Leão (2013) citam o estudo realizado em 2007 por Robinson et al que teve como objetivo analisar se a presença de marcas nas embalagens influencia ou não a percepção das crianças a respeito dos alimentos. No estudo foram apresentados alimentos iguais, porém alguns em embalagens do Mc Donald’s e outros em embalagens semelhantes, mas sem a marca estampada. Em conversa com os alunos, percebeu-se que na maioria dos casos são os pais que decidem o lanche que eles levam para a escola, mas alguns relataram insatisfação com a escolha dos pais e que gostariam de levar pães e frutas, os mais novos, faixa etária entre 2 a 4 anos disseram que não gostam de frutas. Os alunos gostavam do lanche que o colega leva e pedem aos pais para levarem o mesmo lanche, as vezes pediam o lanche do colega. Alguns alunos consumiam os produtos da cantina nos cinco dias da semana. Os pacotes, os produtos prontos, de fácil manuseio e acesso, ajudam no cotidiano das famílias, porém, mesmo com essa facilidade, os responsáveis devem estar atentos ao tipo de alimento que estão oferecendo para seus filhos, pois alimentar-se somente com esses produtos podem trazer graves conseqüências para a saúde. A questão não é proibir esses produtos, mas diminuir o consumo desses e aumentar o consumo de alimentos considerados saudáveis, tais como, frutas, pães, leite e derivados, hortaliças etc. O que pensam os responsáveis: um breve olhar De acordo com a amostra, 54% dos responsáveis decidem juntos o lanche que o filho(a) irá levar para a escola, mas conversando com os alunos a maioria diz que são os PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) responsáveis que decidem o que eles irão levar. Quanto a escolha dos produtos, os responsáveis levam em consideração a preferência do filho(a) e em seguida a praticidade. Lopez (2010) enfatiza que devido ao estilo de vida atual, cada vez mais se recorre à praticidade dos alimentos processados. As mudanças que vem ocorrendo na constituição das famílias e no ritmo de vida moderno tem afetado também a formação dos hábitos alimentares dos filhos (ZANCUL, 2004). Lopez (2010) ressalta que existem muitos produtos no mercado alimentício que são fáceis e rápidos de serem transportados e consumidos, de boa aceitação, porém, nem todos são os mais adequados para atender às necessidades nutricionais das crianças. Há opções de alimentos processados com perfil adequado, mas Lopez (2010) explica que é consenso que devem ser preferidos produtos in natura, porém, segundo o autor, alimentos processados, quando apresentam composição nutricional adequada, podem ser alternativas, dada a praticidade e conveniência que oferecem, favorecendo ainda a segurança alimentar, especialmente no preparo de lanches transportados na lancheira escolar. A maioria dos responsáveis (68%) não restringem o consumo dos produtos da cantina, apenas 9% diz que o filho(a) costuma levar dinheiro para comprar na cantina da escola, levando em consideração que 48% leva dinheiro algumas vezes na semana, obteve-se 57% dos alunos levando dinheiro pelo menos uma vez na semana para consumir na cantina da escola. Um dado significativo, pois a maioria dos pais, 77% sabe que tipos de produtos são oferecidos na cantina. “Um fator que ganha importância na vida da criança é o ganho da mesada, pois permite a criança formar uma identidade, com auxilio da liberdade de escolha no momento do consumo” (SIMPLÍCIO, 2006; p.16). Refletindo sobre os achados da pesquisa A pesquisa possibilitou perceber que os produtos consumidos pelos alunos não são adequados em relação à necessidade nutricional dos mesmos, o que pode vir a prejudicar a saúde na infância ou ao longo dos anos caso os hábitos alimentares permaneçam os mesmos. PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) Os responsáveis indicam que os filhos possuem hábitos saudáveis, porém, através da pesquisa percebeu-se que essa informação não está de acordo com o observado no lanche dos alunos e das respostas dos professores, além da conversa junto aos alunos, verificando que muito deles costumam consumir esses alimentos nas suas casas. Quanto à publicidade dirigida aos alimentos foi notório que as crianças preferem os alimentos que em suas embalagens trazem os seus personagens preferidos. A pesquisa também mostrou que as crianças acham mais interessante consumir esses produtos, os pais dizem que a preferência do filho é fundamental para escolha do lanche e acabam fazendo a vontade dos filhos, que muitas vezes nem sabem se realmente vão gostar do alimento/bebida, mas querem consumir pelo fato de estarem “tirando onda”, “consumir o que o colega consome”, “por acharem mais bonitinho”, “por fazer parte do universo do personagem”, Assim, se o personagem indica o consumo de certo alimento, a criança passa a consumir porque acredita no personagem, a publicidade aproveita esse universo infantil e usa estratégias, como vincular personagens de desenhos animados ou cria próprios para alcançar esse público. A publicidade voltada para o público infantil deve ser questionada e analisada. Os responsáveis devem questionar o quanto esse tipo de alimento pode ser prejudicial a saúde dos seus filhos, é compreensível que controlar a exposição dos filhos a esse tipo de publicidade torna-se difícil, pois essa realidade faz parte do cotidiano das crianças, por isso, a importância de uma regulamentação para esse tipo de publicidade e do apoio da escola/família para inserir hábitos mais saudáveis, pois assim, as crianças serão capazes de perceber que esses alimentos não são saudáveis. A escola é um espaço fundamental para promover bons hábitos, disseminar conhecimento e contribuir para a qualidade de vida dos alunos, a parceria entre escola, professores, família e alunos deve ser planejada para a realização de ações conjunta, para que a educação possa trazer transformações e benefícios para a sociedade. Esse espaço é privilegiado e propicio para a formação dos hábitos alimentares saudáveis na infância, pois, é nesse momento que a criança adquire comportamentos, inclusive os alimentares. PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) Referências ACCIOLY, E. A escola como promotora da alimentação saudável. Instituto de Nutrição Josué de Castro – UFRJ. Ciência em Tela – volume 2, nº 2. 2009. ALANA. Autorregulação da publicidade no Brasil é insuficiente. 2013. Disponível em < http://defesa.alana.org.br/post/61776511682/autorregulacao-publicidade-no-brasil-insuficiente> Acesso em 5 fev. 2014. ALVES, M. A. Marketing Infantil: um estudo sobre a influência da publicidade televisiva nas crianças. Universidade de Coimbra. Portugal. Setembro 2011. ARAÚJO, C.; LEÃO, C. Estudos compravam a influência das marcas e da publicidade na alimentação das crianças. PropagaNUT. 2013. 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