GILDA MARIA DIAS CARRAPATOSO:000015377 Assinado

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Estado do Rio de Janeiro
Poder Judiciário
Segunda Câmara Cível
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0312755-58.2012.8.19.0001
APELANTE: ESTADO DO RIO DE JANEIRO
APELADO: MARA LUCIA E SILVA DOS SANTOS
RELATORA: DES. GILDA MARIA DIAS CARRAPATOSO
ORIGEM: 15ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL
DECISÃO MONOCRÁTICA
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CONSTITUCIONAL. RITO ORDINÁRIO. AÇÃO DE
OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM TUTELA ANTECIPADA. SENTENÇA
QUE JULGA PROCEDENTE O PEDIDO PARA CONDENAR O RÉU A FORNECER
À AUTORA, O FÁRMACO SENSIPAR OU MIMPARA (CLORIDRATO DE
CINACALCETE),
NAS
DOSES
E
QUANTIDADE
NECESSÁRIAS
AO
TRATAMENTO DA DOENÇA DA AUTORA, MEDIANTE APRESENTAÇÃO DE
RECEITA
E
ATESTADO
SEMESTRALMENTE,
MÉDICO
TORNANDO
OFICIAL
DEFINITIVA
A
A
SER
APRESENTADO
TUTELA
ANTECIPADA
CONCEDIDA. APELO DO RÉU, SUSTENTANDO CERCEAMENTO DE DEFESA,
EM RAZÃO DE TER SIDO JULGADO ANTECIPADAMENTE A LIDE. AUTORA QUE
APRESENTA INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA TERMINAL (CID 10: N 18.0)
SECUNDÁRIA À HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA (CID 10: I 10),
EVOLUINDO PARA HIPERPARATIREOIDISMO SECUNDÁRIO À DOENÇA RENAL
GRAVE (CID 10: N 25.8), NÃO APRESENTANDO RESULTADOS SATISFATÓRIOS
AO USO DO MEDICAMENTO ATUALMENTE DISPONIBILIZADO PELO SISTEMA
ÚNICO DE SAÚDE-SUS. PARECER DO NÚCLEO DE ASSESSORIA TÉCNICA EM
AÇÕES DE SAÚDE QUE INFORMA ESTAR A AUTORA CADASTRADA NO
COMPONENTE ESPECIALIZADO DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA - CEAF
PARA RECEBIMENTO DOS MEDICAMENTOS PADRONIZADOS, BEM COMO
QUE O FÁRMACO PLEITEADO PODE REPRESENTAR, NESTE CASO, NOVA
FORMA DE INTERVENÇÃO PARA CONTROLAR A DOENÇA DA AUTORA.
SENTENÇA QUE ADOTA COMO FUNDAMENTO A PROVA DOCUMENTAL
PRODUZIDA DURANTE A INSTRUÇÃO PROCESSUAL. DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA. TRATAMENTO IMPRESCINDÍVEL, DIANTE DA ENFERMIDADE E
GRAVIDADE DA PACIENTE. OBRIGATORIEDADE LEGAL DO ENTE PÚBLICO. É
DEVER DO ESTADO, SEM DISTINÇÃO ENTRE OS ENTES POLÍTICOS, A
PROMOÇÃO DA SAÚDE, DE FORMA PLENA. RECURSO AO QUAL SE NEGA
SEGUIMENTO, NA FORMA DO ART. 557, CAPUT, DO CPC.
Trata-se de apelação cível interposta contra a r. Sentença de fls. 68/72, proferida
na ação de obrigação de fazer com pedido de tutela antecipada, ajuizada por MARA LUCIA
E SILVA DOS SANTOS em face do ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
Alega a Autora, na inicial, que: é portadora de insuficiência renal crônica, estágio V,
sem causa definida, realizando Hemodiálise, CID N 18.0, com níveis elevados de PTHI
caracterizando hiperparatiroidismo secundário à doença renal crônica; não responde ao
tratamento atualmente disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde-SUS; não está
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GILDA MARIA DIAS CARRAPATOSO:000015377
Assinado em 29/05/2013 09:42:36
Local: GAB. DES(A). GILDA MARIA DIAS CARRAPATOSO
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obtendo resultados efetivos com o uso dos medicamentos disponíveis; o controle da
doença é vital para evitar deformidades ósseas irreversíveis; apresenta contraindicação ao
uso de Calcitriol, devido aos níveis elevados de fósforo e a presença de calcificação
vascular, não pode usar o medicamento; apresenta risco aumentado de fraturas e dores
ósseas, fraqueza muscular, fadiga, incapacidade funcional, calcificação muscular e dores
nos tecidos moles com risco de morte; necessita do medicamento MIMPARA 30 mg
(Cloridrato de Cinacalcet), disponível no Brasil também com o nome comercial de
SENSIPAR, com dose inicial de 30 (trinta) mg, 01 (hum) comprimido ao dia, podendo ser
aumentada pra 180 (cento e oitenta) mg ao dia; não possui condições financeiras para
custear o tratamento; não obteve êxito em conseguir o remédio, junto à Secretaria de
Saúde do Estado. Requer a antecipação da tutela para que seja determinado o
fornecimento do medicamento requerido, enquanto perdurar a doença da Autora, sob pena
de busca e apreensão para 06 (seis) meses de tratamento e multa diária a ser arbitrada
pelo Juízo, bem como o bloqueio judicial do numerário correspondente.
A fls.26/29, parecer do Núcleo de Assessoria Técnica em Ações de Saúde, informa
que: o fármaco não está padronizado em nenhuma lista oficial de dispensação de
medicamentos; a Autora está cadastrada no Componente Especializado de Assistência
Farmacêutica – CEAF, para recebimento dos medicamentos padronizados; o Cloridrato de
Cinacalcet pode representar, neste caso, nova forma de Intervenção farmacológica para
controlar a doença.
A fls.30, é deferida a antecipação dos efeitos da tutela, para que o Réu forneça à
Autora o medicamento requerido, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, em quantidade
suficiente para 03 (três) meses de tratamento, sob pena de busca e apreensão.
A fls. 38/57, em defesa o Réu argui a necessidade de produção de prova pericial
para comprovar a impossibilidade de submissão a tratamento diverso de menor custo, uma
vez que o uso do medicamento Cinacalcete é recomendado apenas para pacientes com
hiperparatireoidismo secundário refratário à terapia padrão, com níveis sanguíneos
elevados de PHT e para os quais a cirurgia de paratireoidectomia, que é realizada através
do SUS em diversos hospitais, está contra indicada; o medicamento pleiteado é de alto
custo. No mérito, sustenta que: o fármaco Cloridrato de Cinacalcete não se encontra
padronizado nas listas oficiais para dispensação gratuita de medicamentos do Sistema
Único de Saúde-SUS; os protocolos clínicos observam linhas de tratamento a serem
seguidas, constituindo-se em diretrizes terapêuticas para quando não há resposta às
possibilidades elencadas; devem ser observados os princípios da separação dos poderes,
do orçamento e da licitação; deve ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em
detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente; é necessário Laudo Médico da rede
pública de saúde; não devem ser aplicadas astreintes, para se evitar enriquecimento sem
causa. Requer a improcedência do pedido, ou a substituição do medicamento pleiteado
pelo fármaco Cloridrato de Sevelamer 800mg, que é disponibilizado pela rede pública de
saúde, que o fornecimento do medicamento seja condicionado à apresentação de
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receituário médico expedido pelo Sistema Único de Saúde, bem como que os honorários
advocatícios sejam arbitrados na forma do § 4º, do art. 20, do CPC.
A fls.67 verso, o Ministério Publico opina pela procedência do pedido.
A fls.68/72, a r. Sentença julga procedente o pedido, para condenar o Réu a
fornecer à Autora o medicamento Sensipar ou Mimpara (Cloridrato de Cinacalcete), nas
doses e quantidade necessárias ao tratamento da doença da Autora, mediante
apresentação de receita e atestado médico oficial a ser apresentado semestralmente,
confirmando os efeitos da tutela antecipada deferida, arcando o Réu com os honorários
advocatícios no valor de R$ 300,00 (trezentos reais), sem custas ante a isenção legal.
A fls. 75/93, em apelo, o Réu argui cerceamento de defesa, eis que houve o
julgamento antecipado da lide, sem produção de prova pericial técnica apta a comprovar a
impossibilidade de submissão ao tratamento dispensado pelo SUS, reprisando, no mais,
os argumentos da contestação. Requer o acolhimento da preliminar suscitada, ou a
improcedência do pedido.
A fls. 98/102, contrarrazões em prestígio do julgado.
A fls.106, o Ministério Público opina conhecimento do apelo.
A fls.122/129, a Procuradoria de Justiça oficia pelo desprovimento do recurso.
É O RELATÓRIO.
DECIDO.
O recurso é tempestivo e estão presentes os requisitos de admissibilidade.
Impõe-se o julgamento monocrático, como forma de solução mais célere do
procedimento recursal, haja vista tratar-se de recurso veiculando questões conhecidas
cuja solução possui parâmetros delineados pela jurisprudência deste Tribunal e dos
Tribunais Superiores.
Primeiramente, no que se refere à alegação de nulidade de decisum por
cerceamento de defesa em razão do julgamento antecipado da lide, a d. Sentença adotou
como fundamento a prova documental produzida durante a instrução processual, não
configurando violação à ampla defesa e ao contraditório.
O Juiz é o destinatário das provas, competindo-lhe analisar a necessidade para
sua produção, nos termos do art. 130, do CPC.
A Constituição Federal de 1988, no preâmbulo e nos arts. 1º, 5º e 6º alça o bemestar, o desenvolvimento, a igualdade, a dignidade da pessoa humana como paradigmas
do Estado Democrático, elencando os direitos fundamentais garantidos a todos os
indivíduos, corolários de uma sociedade justa, fraterna e igualitária, dentre eles, o direito à
saúde.
No mesmo sentido, os artigos 196 e 198 ditam que a saúde é direito indisponível
assegurado a todas as pessoas.
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Art. 196: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.
(...)
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as
seguintes diretrizes: (...)
Como explicitado nos dispositivos, é dever do Estado garantir políticas sociais e
econômicas que visem reduzir o risco de doença e facilitar o acesso universal aos meios
para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, sendo os serviços
públicos um sistema único e organizado.
Da análise do atestado médico emitido pela médica Mariana Mazzei Caiado
Bressan (CREMERJ nº 52.86400-5) da Clínica Depuração Extra Renal e Transplante
(fls.15), constata-se que a Autora, ora Apelada, apresenta Insuficiência renal Crônica
Terminal (CID 10: N 18.0) secundária à Hipertensão Arterial Sistêmica (CID 10: I 10),
evoluindo para Hiperparatireoidismo Secundário à doença renal grave (CID 10: N 25.8),
apresentando contraindicação ao uso de altas doses de Calcitriol devido aos níveis
elevados de fósforo e a presença de calcificações vasculares, necessitando fazer uso de
Calcimimético Mimpara, na dose inicial de 30 mg por dia, corroborado pelo Laudo Médico
da nefrologista Elisa de Albuquerque Sampaio (CREMERJ 52.33245-0), do Hospital
Universitário Antônio Pedro - Universidade Federal Fluminense (fls. 17).
Ademais, o parecer técnico do Núcleo de Assessoria Técnica em Ações de Saúde,
de fls. confirma que a Apelada está cadastrada no Componente Especializado da
Assistência Farmacêutica – CEAF para o recebimento dos medicamentos padronizados e
uma vez que não apresentam resultados satisfatórios, o remédio prescrito representa nova
forma de intervenção farmacológica para controlar a doença da Paciente.
O quadro de saúde da Apelada é grave e precário, suportando várias dores,
devendo receber o fármaco, de forma segura, imediata e contínua.
Por certo, ao paciente é garantido o direito de escolha quanto ao médico de sua
confiança, não podendo ser imposta a utilização do Sistema Único de Saúde – SUS,
cabendo ao profissional legalmente habilitado ao exercício da atividade, a escolha da
melhor terapêutica para seu paciente.
A norma administrativa não se sobrepõe aos ditames máximos da sociedade
inscritos na Carta Maior, que visam garantir os direitos fundamentais do indivíduo.
Não pode a Apelada ficar adstrita aos medicamentos e insumos que estejam
arrolados pelas diretrizes do Ministério da Saúde, como pretende o Apelante.
Destaquem-se as Súmulas de Jurisprudência Dominante deste Tribunal:
Súmula 180 - A obrigação dos entes públicos de fornecer medicamentos não
padronizados, desde que reconhecidos pela ANVISA e por recomendação
médica, compreende-se no dever de prestação unificada de saúde e não afronta
o princípio da reserva do possível.
Súmula 179 - Compreende-se na prestação unificada de saúde a obrigação de
ente público de fornecer produtos complementares ou acessórios aos
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medicamentos, como os alimentícios e higiênicos, desde que diretamente
relacionados ao tratamento da moléstia, assim declarado por médico que assista
o paciente.
Colaciona-se jurisprudência deste Tribunal de Justiça e desta Câmara Cível:
APELACAO - 0020512-21.2008.8.19.0001 (2009.001.25596) - 2ª Ementa - DES. LEILA
MARIANO - Julgamento: 01/07/2009 - SEGUNDA CAMARA CIVEL -AGRAVO INOMINADO.
RATIFICAÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO GRATUITO DE
MEDICAMENTOS. A saúde é direito fundamental garantido pela Constituição Federal, a ser
atendido através do sistema único de saúde - SUS, sendo solidária a responsabilidade de
todos os entes federativos. As normas constitucionais que dispõem acerca do dever do estado
de promover a saúde são de eficácia plena, devendo ser interpretadas à luz do princípio da
dignidade da pessoa humana, assegurando atendimento médico e fornecimento de remédio a
todos, indistintamente. O direito à vida e à saúde se sobrepõe as regras de restrições
orçamentárias. Inexistência de condenação genérica, já que seu cumprimento decorre da
apresentação de receituários médicos atualizados, inexistindo porquanto violação ao princípio
da correlação. Aplicação da súmula 116 do TJRJ. Desprovimento do recurso (grifos nossos).
APELACAO - 0343423-12.2012.8.19.0001 - 2ª Ementa DES. MARCO AURELIO
BEZERRA DE MELO - Julgamento: 09/04/2013 - DECIMA SEXTA CAMARA CIVEL AGRAVO
INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA EM OBRIGAÇÃO DE FAZER. MEDICAMENTOS.
AUTORA PORTADORA DE INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA EM ESTÁGIO FINAL E
LUPUS ERITEMATOSO DISSEMINADO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. Obrigatoriedade
dos entes públicos no fornecimento da medicação de uso contínuo para a eficiência do
tratamento. Direito à Saúde. Garantia Constitucional do Direito à Vida. Solidariedade entre os
entes federados. Existência de programa estratégico para o fornecimento de medicamentos
excepcionais no âmbito do governo estadual não afasta a sua responsabilidade pelo
fornecimento do fármaco do qual necessita a paciente. Desnecessidade da prescrição do
medicamento ser realizada por médico conveniado ao SUS. Presunção de boa-fé do
profissional habilitado junto ao Conselho de Medicina. A substituição do medicamento por outro
fármaco padronizado pelo SUS depende de prévia autorização do profissional médico que
atende a autora. Manutenção dos honorários advocatícios, eis que fixados na forma do artigo
20, §4º do CPC, e da Súmula nº 182, deste Tribunal. Não demonstrado o desacerto da decisão
impugnada, não há como prosperar a irresignação, tanto mais quando nada de novo é trazido
que justifique sua reforma. Decisão que se mantém. Desprovimento do recurso.
Ante o exposto, NEGO SEGUIMENTO ao recurso de apelação, por contrário à
jurisprudência dominante deste Tribunal de Justiça, para manter a Sentença proferida, na
forma do art. 557, caput, do Código de Processo Civil.
Rio de Janeiro, 15 de maio de 2013.
GILDA MARIA DIAS CARRAPATOSO
Desembargadora Relatora
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