130 Estado do Rio de Janeiro Poder Judiciário Segunda Câmara Cível APELAÇÃO CÍVEL Nº 0312755-58.2012.8.19.0001 APELANTE: ESTADO DO RIO DE JANEIRO APELADO: MARA LUCIA E SILVA DOS SANTOS RELATORA: DES. GILDA MARIA DIAS CARRAPATOSO ORIGEM: 15ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL DECISÃO MONOCRÁTICA APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CONSTITUCIONAL. RITO ORDINÁRIO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM TUTELA ANTECIPADA. SENTENÇA QUE JULGA PROCEDENTE O PEDIDO PARA CONDENAR O RÉU A FORNECER À AUTORA, O FÁRMACO SENSIPAR OU MIMPARA (CLORIDRATO DE CINACALCETE), NAS DOSES E QUANTIDADE NECESSÁRIAS AO TRATAMENTO DA DOENÇA DA AUTORA, MEDIANTE APRESENTAÇÃO DE RECEITA E ATESTADO SEMESTRALMENTE, MÉDICO TORNANDO OFICIAL DEFINITIVA A A SER APRESENTADO TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA. APELO DO RÉU, SUSTENTANDO CERCEAMENTO DE DEFESA, EM RAZÃO DE TER SIDO JULGADO ANTECIPADAMENTE A LIDE. AUTORA QUE APRESENTA INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA TERMINAL (CID 10: N 18.0) SECUNDÁRIA À HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA (CID 10: I 10), EVOLUINDO PARA HIPERPARATIREOIDISMO SECUNDÁRIO À DOENÇA RENAL GRAVE (CID 10: N 25.8), NÃO APRESENTANDO RESULTADOS SATISFATÓRIOS AO USO DO MEDICAMENTO ATUALMENTE DISPONIBILIZADO PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE-SUS. PARECER DO NÚCLEO DE ASSESSORIA TÉCNICA EM AÇÕES DE SAÚDE QUE INFORMA ESTAR A AUTORA CADASTRADA NO COMPONENTE ESPECIALIZADO DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA - CEAF PARA RECEBIMENTO DOS MEDICAMENTOS PADRONIZADOS, BEM COMO QUE O FÁRMACO PLEITEADO PODE REPRESENTAR, NESTE CASO, NOVA FORMA DE INTERVENÇÃO PARA CONTROLAR A DOENÇA DA AUTORA. SENTENÇA QUE ADOTA COMO FUNDAMENTO A PROVA DOCUMENTAL PRODUZIDA DURANTE A INSTRUÇÃO PROCESSUAL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. TRATAMENTO IMPRESCINDÍVEL, DIANTE DA ENFERMIDADE E GRAVIDADE DA PACIENTE. OBRIGATORIEDADE LEGAL DO ENTE PÚBLICO. É DEVER DO ESTADO, SEM DISTINÇÃO ENTRE OS ENTES POLÍTICOS, A PROMOÇÃO DA SAÚDE, DE FORMA PLENA. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO, NA FORMA DO ART. 557, CAPUT, DO CPC. Trata-se de apelação cível interposta contra a r. Sentença de fls. 68/72, proferida na ação de obrigação de fazer com pedido de tutela antecipada, ajuizada por MARA LUCIA E SILVA DOS SANTOS em face do ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Alega a Autora, na inicial, que: é portadora de insuficiência renal crônica, estágio V, sem causa definida, realizando Hemodiálise, CID N 18.0, com níveis elevados de PTHI caracterizando hiperparatiroidismo secundário à doença renal crônica; não responde ao tratamento atualmente disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde-SUS; não está 1 GILDA MARIA DIAS CARRAPATOSO:000015377 Assinado em 29/05/2013 09:42:36 Local: GAB. DES(A). GILDA MARIA DIAS CARRAPATOSO 131 Estado do Rio de Janeiro Poder Judiciário Segunda Câmara Cível obtendo resultados efetivos com o uso dos medicamentos disponíveis; o controle da doença é vital para evitar deformidades ósseas irreversíveis; apresenta contraindicação ao uso de Calcitriol, devido aos níveis elevados de fósforo e a presença de calcificação vascular, não pode usar o medicamento; apresenta risco aumentado de fraturas e dores ósseas, fraqueza muscular, fadiga, incapacidade funcional, calcificação muscular e dores nos tecidos moles com risco de morte; necessita do medicamento MIMPARA 30 mg (Cloridrato de Cinacalcet), disponível no Brasil também com o nome comercial de SENSIPAR, com dose inicial de 30 (trinta) mg, 01 (hum) comprimido ao dia, podendo ser aumentada pra 180 (cento e oitenta) mg ao dia; não possui condições financeiras para custear o tratamento; não obteve êxito em conseguir o remédio, junto à Secretaria de Saúde do Estado. Requer a antecipação da tutela para que seja determinado o fornecimento do medicamento requerido, enquanto perdurar a doença da Autora, sob pena de busca e apreensão para 06 (seis) meses de tratamento e multa diária a ser arbitrada pelo Juízo, bem como o bloqueio judicial do numerário correspondente. A fls.26/29, parecer do Núcleo de Assessoria Técnica em Ações de Saúde, informa que: o fármaco não está padronizado em nenhuma lista oficial de dispensação de medicamentos; a Autora está cadastrada no Componente Especializado de Assistência Farmacêutica – CEAF, para recebimento dos medicamentos padronizados; o Cloridrato de Cinacalcet pode representar, neste caso, nova forma de Intervenção farmacológica para controlar a doença. A fls.30, é deferida a antecipação dos efeitos da tutela, para que o Réu forneça à Autora o medicamento requerido, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, em quantidade suficiente para 03 (três) meses de tratamento, sob pena de busca e apreensão. A fls. 38/57, em defesa o Réu argui a necessidade de produção de prova pericial para comprovar a impossibilidade de submissão a tratamento diverso de menor custo, uma vez que o uso do medicamento Cinacalcete é recomendado apenas para pacientes com hiperparatireoidismo secundário refratário à terapia padrão, com níveis sanguíneos elevados de PHT e para os quais a cirurgia de paratireoidectomia, que é realizada através do SUS em diversos hospitais, está contra indicada; o medicamento pleiteado é de alto custo. No mérito, sustenta que: o fármaco Cloridrato de Cinacalcete não se encontra padronizado nas listas oficiais para dispensação gratuita de medicamentos do Sistema Único de Saúde-SUS; os protocolos clínicos observam linhas de tratamento a serem seguidas, constituindo-se em diretrizes terapêuticas para quando não há resposta às possibilidades elencadas; devem ser observados os princípios da separação dos poderes, do orçamento e da licitação; deve ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente; é necessário Laudo Médico da rede pública de saúde; não devem ser aplicadas astreintes, para se evitar enriquecimento sem causa. Requer a improcedência do pedido, ou a substituição do medicamento pleiteado pelo fármaco Cloridrato de Sevelamer 800mg, que é disponibilizado pela rede pública de saúde, que o fornecimento do medicamento seja condicionado à apresentação de 2 132 Estado do Rio de Janeiro Poder Judiciário Segunda Câmara Cível receituário médico expedido pelo Sistema Único de Saúde, bem como que os honorários advocatícios sejam arbitrados na forma do § 4º, do art. 20, do CPC. A fls.67 verso, o Ministério Publico opina pela procedência do pedido. A fls.68/72, a r. Sentença julga procedente o pedido, para condenar o Réu a fornecer à Autora o medicamento Sensipar ou Mimpara (Cloridrato de Cinacalcete), nas doses e quantidade necessárias ao tratamento da doença da Autora, mediante apresentação de receita e atestado médico oficial a ser apresentado semestralmente, confirmando os efeitos da tutela antecipada deferida, arcando o Réu com os honorários advocatícios no valor de R$ 300,00 (trezentos reais), sem custas ante a isenção legal. A fls. 75/93, em apelo, o Réu argui cerceamento de defesa, eis que houve o julgamento antecipado da lide, sem produção de prova pericial técnica apta a comprovar a impossibilidade de submissão ao tratamento dispensado pelo SUS, reprisando, no mais, os argumentos da contestação. Requer o acolhimento da preliminar suscitada, ou a improcedência do pedido. A fls. 98/102, contrarrazões em prestígio do julgado. A fls.106, o Ministério Público opina conhecimento do apelo. A fls.122/129, a Procuradoria de Justiça oficia pelo desprovimento do recurso. É O RELATÓRIO. DECIDO. O recurso é tempestivo e estão presentes os requisitos de admissibilidade. Impõe-se o julgamento monocrático, como forma de solução mais célere do procedimento recursal, haja vista tratar-se de recurso veiculando questões conhecidas cuja solução possui parâmetros delineados pela jurisprudência deste Tribunal e dos Tribunais Superiores. Primeiramente, no que se refere à alegação de nulidade de decisum por cerceamento de defesa em razão do julgamento antecipado da lide, a d. Sentença adotou como fundamento a prova documental produzida durante a instrução processual, não configurando violação à ampla defesa e ao contraditório. O Juiz é o destinatário das provas, competindo-lhe analisar a necessidade para sua produção, nos termos do art. 130, do CPC. A Constituição Federal de 1988, no preâmbulo e nos arts. 1º, 5º e 6º alça o bemestar, o desenvolvimento, a igualdade, a dignidade da pessoa humana como paradigmas do Estado Democrático, elencando os direitos fundamentais garantidos a todos os indivíduos, corolários de uma sociedade justa, fraterna e igualitária, dentre eles, o direito à saúde. No mesmo sentido, os artigos 196 e 198 ditam que a saúde é direito indisponível assegurado a todas as pessoas. 3 133 Estado do Rio de Janeiro Poder Judiciário Segunda Câmara Cível Art. 196: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (...) Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: (...) Como explicitado nos dispositivos, é dever do Estado garantir políticas sociais e econômicas que visem reduzir o risco de doença e facilitar o acesso universal aos meios para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, sendo os serviços públicos um sistema único e organizado. Da análise do atestado médico emitido pela médica Mariana Mazzei Caiado Bressan (CREMERJ nº 52.86400-5) da Clínica Depuração Extra Renal e Transplante (fls.15), constata-se que a Autora, ora Apelada, apresenta Insuficiência renal Crônica Terminal (CID 10: N 18.0) secundária à Hipertensão Arterial Sistêmica (CID 10: I 10), evoluindo para Hiperparatireoidismo Secundário à doença renal grave (CID 10: N 25.8), apresentando contraindicação ao uso de altas doses de Calcitriol devido aos níveis elevados de fósforo e a presença de calcificações vasculares, necessitando fazer uso de Calcimimético Mimpara, na dose inicial de 30 mg por dia, corroborado pelo Laudo Médico da nefrologista Elisa de Albuquerque Sampaio (CREMERJ 52.33245-0), do Hospital Universitário Antônio Pedro - Universidade Federal Fluminense (fls. 17). Ademais, o parecer técnico do Núcleo de Assessoria Técnica em Ações de Saúde, de fls. confirma que a Apelada está cadastrada no Componente Especializado da Assistência Farmacêutica – CEAF para o recebimento dos medicamentos padronizados e uma vez que não apresentam resultados satisfatórios, o remédio prescrito representa nova forma de intervenção farmacológica para controlar a doença da Paciente. O quadro de saúde da Apelada é grave e precário, suportando várias dores, devendo receber o fármaco, de forma segura, imediata e contínua. Por certo, ao paciente é garantido o direito de escolha quanto ao médico de sua confiança, não podendo ser imposta a utilização do Sistema Único de Saúde – SUS, cabendo ao profissional legalmente habilitado ao exercício da atividade, a escolha da melhor terapêutica para seu paciente. A norma administrativa não se sobrepõe aos ditames máximos da sociedade inscritos na Carta Maior, que visam garantir os direitos fundamentais do indivíduo. Não pode a Apelada ficar adstrita aos medicamentos e insumos que estejam arrolados pelas diretrizes do Ministério da Saúde, como pretende o Apelante. Destaquem-se as Súmulas de Jurisprudência Dominante deste Tribunal: Súmula 180 - A obrigação dos entes públicos de fornecer medicamentos não padronizados, desde que reconhecidos pela ANVISA e por recomendação médica, compreende-se no dever de prestação unificada de saúde e não afronta o princípio da reserva do possível. Súmula 179 - Compreende-se na prestação unificada de saúde a obrigação de ente público de fornecer produtos complementares ou acessórios aos 4 134 Estado do Rio de Janeiro Poder Judiciário Segunda Câmara Cível medicamentos, como os alimentícios e higiênicos, desde que diretamente relacionados ao tratamento da moléstia, assim declarado por médico que assista o paciente. Colaciona-se jurisprudência deste Tribunal de Justiça e desta Câmara Cível: APELACAO - 0020512-21.2008.8.19.0001 (2009.001.25596) - 2ª Ementa - DES. LEILA MARIANO - Julgamento: 01/07/2009 - SEGUNDA CAMARA CIVEL -AGRAVO INOMINADO. RATIFICAÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. A saúde é direito fundamental garantido pela Constituição Federal, a ser atendido através do sistema único de saúde - SUS, sendo solidária a responsabilidade de todos os entes federativos. As normas constitucionais que dispõem acerca do dever do estado de promover a saúde são de eficácia plena, devendo ser interpretadas à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, assegurando atendimento médico e fornecimento de remédio a todos, indistintamente. O direito à vida e à saúde se sobrepõe as regras de restrições orçamentárias. Inexistência de condenação genérica, já que seu cumprimento decorre da apresentação de receituários médicos atualizados, inexistindo porquanto violação ao princípio da correlação. Aplicação da súmula 116 do TJRJ. Desprovimento do recurso (grifos nossos). APELACAO - 0343423-12.2012.8.19.0001 - 2ª Ementa DES. MARCO AURELIO BEZERRA DE MELO - Julgamento: 09/04/2013 - DECIMA SEXTA CAMARA CIVEL AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA EM OBRIGAÇÃO DE FAZER. MEDICAMENTOS. AUTORA PORTADORA DE INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA EM ESTÁGIO FINAL E LUPUS ERITEMATOSO DISSEMINADO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. Obrigatoriedade dos entes públicos no fornecimento da medicação de uso contínuo para a eficiência do tratamento. Direito à Saúde. Garantia Constitucional do Direito à Vida. Solidariedade entre os entes federados. Existência de programa estratégico para o fornecimento de medicamentos excepcionais no âmbito do governo estadual não afasta a sua responsabilidade pelo fornecimento do fármaco do qual necessita a paciente. Desnecessidade da prescrição do medicamento ser realizada por médico conveniado ao SUS. Presunção de boa-fé do profissional habilitado junto ao Conselho de Medicina. A substituição do medicamento por outro fármaco padronizado pelo SUS depende de prévia autorização do profissional médico que atende a autora. Manutenção dos honorários advocatícios, eis que fixados na forma do artigo 20, §4º do CPC, e da Súmula nº 182, deste Tribunal. Não demonstrado o desacerto da decisão impugnada, não há como prosperar a irresignação, tanto mais quando nada de novo é trazido que justifique sua reforma. Decisão que se mantém. Desprovimento do recurso. Ante o exposto, NEGO SEGUIMENTO ao recurso de apelação, por contrário à jurisprudência dominante deste Tribunal de Justiça, para manter a Sentença proferida, na forma do art. 557, caput, do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro, 15 de maio de 2013. GILDA MARIA DIAS CARRAPATOSO Desembargadora Relatora 5