Revista de Ciências Gerenciais Vol. XII, Nº. 15, Ano 2008 GERENCIAMENTO DE MARKETING GLOBAL: O CASO COCA-COLA RESUMO Célia Maria Cassiano Faculdade Anhanguera de Jundiaí [email protected] O trabalho de cunho teórico discute a importância do marketing global, focando especificamente no composto de marketing, grupo de variáveis controláveis de marketing que a empresa utiliza para produzir as respostas que deseja no mercado alvo. Inicialmente, serão apresentados conceitos e reflexões sobre globalização da economia e mundialização da cultura; em seguida, será apresentada uma discussão sobre o composto de marketing internacional e um estudo de caso sobre a Coca-Cola. Os dados foram obtidos através de pesquisa bibliográfica e videográfica. A pesquisa aponta que, na busca por mercados internacionais, a Coca-Cola mantém a estratégia de marketing e promove pequenas modificações no composto de marketing, visando adaptação às diferentes características culturais nos diversos mercados de atuação. Palavras-Chave: Globalização; composto de marketing global; CocaCola. ABSTRACT This paper of theoretical matrix discusses the importance of global marketing, focusing specifically in the marketing mix, group of variables to control marketing that the company uses to produce the answers they want on the target market. Initially will be presented concepts and ideas on globalization of economy and globalization of culture, then will be a discussion on the international marketing mix and a case study of Coca-Cola. The data had been gotten through bibliographical and documentary films research. The research points that in the search for international markets Coca-Cola keeps the marketing strategy and promotes small modifications in the marketing mix aiming at the adaptation to the different cultural characteristics in the diverse markets of performance. Keywords: Globalization; global marketing mix; Coca-Cola. Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP. 13.278-181 [email protected] Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Artigo Original Recebido em: 30/05/2008 Avaliado em: 04/08/2008 Publicação: 28 de novembro de 2008 159 160 Gerenciamento de marketing global: o caso Coca-Cola 1. INTRODUÇÃO Para discutir a importância do marketing internacional, é necessário apresentar o cenário da globalização da economia. Existe uma economia mundial desde o século XVI, porém os processos de globalização intensificaram-se nas últimas décadas do século XX. Segundo Santos (2001, p. 289), esse fato é reconhecido mesmo por aqueles que pensam que a economia internacional não seja ainda uma economia global, em virtude da continuada importância dos mecanismos nacionais de gestão macroeconômica e da formação de blocos comerciais. Entre 1945 e 1973, a economia mundial teve uma grande expansão, apresentando uma taxa de cerca de 6% no crescimento anual do produto industrial. A partir de 1973, esse crescimento diminuiu significativamente, mas, mesmo assim, a economia mundial cresceu mais do pós-guerra até hoje do que em toda a história mundial anterior. Na discussão sobre a evolução da economia, um dos aspectos mais importantes que devem ser apresentados é o poder total das empresas multinacionais como agentes do mercado global. A própria evolução do nome de “empresas multinacionais” para “empresas transnacionais” e, mais recentemente, para “empresas globais”, mostra a expansão dessas empresas com atividades em mais que um Estado nacional. Segundo Santos (2001, p. 289-299), qualquer que seja o indicador utilizado – investimento dessas empresas como percentagem do investimento total; percentagem da produção mundial; percentagem do comércio intra-empresas no total do comércio mundial; número de filiais no estrangeiro –, fica claro o aumento da importância das empresas multinacionais. Essas empresas multinacionais canalizam seus recursos para a identificação de oportunidades e de riscos do mercado global. Nessa mesma linha de raciocínio, Keegan (2003) discute a importância do marketing global, pois a empresa que não conseguir se globalizar em termos de perspectiva, estará arriscada a perder para concorrentes que tenham custos menores, mais experiência e produtos melhores. O autor afirma que há três semelhanças e três diferenças importantes entre o marketing doméstico e o global. Os pontos em comum são: os conceitos básicos, as atividades e os processos de marketing, pois as empresas devem analisar tanto clientes como concorrentes em ambos os mercados, integrar seus programas totais de marketing, além de ter uma idéia clara do seu objetivo final e um conhecimento dos obstáculos que podem ser encontrados no caminho das vendas e dos lucros. Por outro lado, as diferenças entre ambos os mercados são decorrentes da diversidade dos vários ambientes nacionais, nos quais o marketing global será condu- Revista de Ciências Gerenciais • Vol. XII, Nº. 15, Ano 2008 • p. 159-176 Célia Maria Cassiano zido, e também das formas na organização e nos programas das empresas que operam simultaneamente em mercados internacionais distintos. Nesse processo, uma importante ferramenta é o mix de marketing ou composto de marketing, definido como o conjunto de ferramentas de marketing que a empresa utiliza para produzir as respostas que deseja no mercado alvo. (KOTLER, 2000, p. 37). O mix de marketing compreende quatro elementos: produto, preço, ponto de distribuição e promoção, e pode ser considerado um aspecto universal do marketing, pois é aplicável em qualquer lugar. Porém não é necessariamente aplicado da mesma forma em todos os países; dessa forma, o marketing global deve ter capacidade de adaptação às variações socioeconômicas e culturais dos diferentes países ou regiões. Diferentes autores consideram importante definir a natureza do campo do marketing global, ou seja, o que é e o que não é marketing global (KEEGAN; GREEN, 2003, p. 5; KOTLER, 2000, p. 401) A polêmica em torno do conceito surgiu em 1983, quando Theodore Levitt publicou o artigo “The globalization of markets1” (apud KOTLER, 2000, p. 402), defendendo que o mundo estava se tornando uma aldeia global homogênea e, portanto, as organizações deveriam desenvolver produtos mundiais padronizados, de alta qualidade, e comercializá-los no mundo todo por meio de publicidade, preços e distribuição padronizados. Após os fracassos de algumas empresas, começaram a surgir idéias contrárias à de Levitt, ou seja, discordando de que o mundo estaria se homogeneizando. Os analistas apontam que as empresas devem optar por uma regionalização global: o profissional de marketing deve ter a capacidade de pensar globalmente e atuar localmente. Dessa forma, um produto global pode ser o mesmo em todos os lugares e, ainda assim, ser diferente. O marketing global exige que os profissionais de marketing se comportem de maneira global e local ao mesmo tempo, respondendo às diferenças e às semelhanças existentes nos mercados mundiais. Essa discussão, desde a década de 1980, também está na pauta de diversos teóricos culturais, entre os quais podem ser citados Kenneth Thompson, Stuart Hall, Nestor Garcia Canclini, Renato Ortiz. Serão aqui apresentadas as principais idéias desses estudiosos, as quais, como análises do mundo contemporâneo, fornecem subsídios para as ações de marketing. Thompson (1992, apud HALL, 2002, p.74) argumenta que a tendência em direção a uma maior interdependência global está destruindo as identidades culturais. 1Harvard Business Review, n. 61, may-june, 1983 p. 92-102. Revista de Ciências Gerenciais • Vol. XII, Nº. 15, Ano 2008 • p. 159-176 161 162 Gerenciamento de marketing global: o caso Coca-Cola Percebe que os fluxos culturais entre as nações e o consumismo global criam possibilidades de identidades partilhadas, ou seja, pessoas muito diferentes, que estão muito distantes umas das outras no espaço e no tempo, tornam-se consumidores dos mesmos bens, clientes dos mesmos serviços, público das mesmas mensagens e imagens. Dessa forma, está ocorrendo uma homogeneização no mundo, que na visão do autor é negativa. Por outro lado, Stuart Hall (2002, p. 83-85) acredita que essa é uma visão muito simplista e que, no mundo pós-moderno, devem ser consideradas duas contratendências. A primeira é que a globalização gera uma fascinação pela diferença e, com isso, produz uma mercantilização da etnia e da alteridade, ou seja, juntamente com o impacto do global, há um interesse pelo local. A segunda é que a globalização provoca a produção de novas identidades, que não correspondem à global nem à local, mas são produtos de uma fusão das duas, são identidades híbridas. Canclini (1999), em seus estudos sobre consumo e cidadania na era da globalização, aponta que, no processo de hibridização cultural, as culturas locais não desaparecem totalmente, mas perdem peso em um mercado dominado pelas culturas eletrônicas transnacionais. Há uma tendência das gerações mais jovens em buscar os “nãolugares”, ou seja, espaços de anonimato, sem raízes2. Para os jovens, a cidadania não está relacionada com o local, mas com uma interação com o global e passa necessariamente pelo consumo de bens culturais veiculados pelos meios de comunicação de massa. O autor cita que não é por acaso que foram justamente os empresários japoneses que inventaram o neologismo “glocalize”, para aludir ao novo esquema que articula informação, crenças e rituais procedentes do local, do nacional e do internacional. Ortiz acredita que qualquer discussão sobre a globalização da economia passe necessariamente pela análise da mundialização da cultura. Para o autor, a cultura é a categoria-chave para a compreensão da sociedade contemporânea. Ortiz (1995) aponta que, desde o século XIX, as pessoas do mundo ocidental vêm passando por transformações na sensibilidade para perceber o tempo, o espaço e o consumo, assim como nas relações com a tradição e com a memória coletiva local. Ainda no século XIX, os espaços locais se transformaram em nacionais, surgindo a idéia de nação e, a partir do século XX, no pós-guerra, surgiu o conceito de cultura mundial, proporcionado principalmente pelos meios de comunicação de massa. Na opinião do autor, o surgimento de uma cultura-mundo, sem território específico, desterritorializada, desenraizada, não significa que as culturas locais ou nacionais desapareçam totalmente, mas sim que es2 O autor está citando o antropólogo Marc Auge. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas: Papirus, 1994. Revista de Ciências Gerenciais • Vol. XII, Nº. 15, Ano 2008 • p. 159-176 Célia Maria Cassiano tão se mesclando a outras matrizes, para serem reconhecidas em todos os lugares do mundo. Considerando esse contexto de globalização, será apresentada a seguir uma análise de cada elemento do mix de marketing, usando como exemplo o caso CocaCola3. Segundo Keegan (2003, p. 5), foi o marketing global que fez da Coca-Cola um sucesso mundial, porém esse êxito não se baseia na padronização total dos elementos do mix de marketing, ou seja, mesmo com a aplicação de conceitos do marketing universal, foram elaboradas estratégias específicas para cada país, lembrando que a CocaCola está presente em aproximadamente 200 países. Serão analisados os quatro elementos do mix de marketing: produto, preço, canais de distribuição e comunicação. 2. PRODUTO O produto é o elemento mais importante de um programa de marketing, e todos os outros elementos devem se ajustar a ele. Segundo Keegan, todos os conceitos básicos de produtos se aplicam integralmente ao marketing global. Mas existem também alguns conceitos adicionais específicos. Um produto é tudo aquilo que pode ser oferecido ao mercado com o objetivo de satisfazer alguma necessidade ou desejo de um indivíduo ou grupo de indivíduos. A princípio pode ser definido em termos do que é tangível, mas não é possível ignorar os atributos intangíveis que um produto proporciona. Dessa forma, Keegan amplia a definição: produto é um conjunto de atributos físicos, psicológicos, de utilidade e simbólicos que, no todo, trazem satisfação ou benefícios a seu comprador ou usuário. É qualquer coisa que possa ser oferecida a um mercado para atenção, aquisição, uso ou consumo e que possa satisfazer a um desejo ou a uma necessidade, além dos bens tangíveis (2003, p. 319). 2.1. Produtos e marcas globais: o caso Coca-Cola Um produto global deve atender às necessidades de um mercado global. A Coca-Cola é um produto global e uma marca global, posicionada e comercializada da mesma maneira em todos os países, projetando uma imagem de diversão, de momentos felizes e 3Neste texto, o termo “Coca-Cola”, com iniciais maiúsculas, faz referência à empresa ou à marca; a forma “coca-cola”, com iniciais minúsculas, refere-se à bebida, em si. Revista de Ciências Gerenciais • Vol. XII, Nº. 15, Ano 2008 • p. 159-176 163 164 Gerenciamento de marketing global: o caso Coca-Cola de alegria. O produto em si pode variar de acordo com os gostos locais: com mais açúcar, por exemplo, no Oriente Médio, onde o povo prefere bebidas mais doces. Além disso, os preços podem variar para atender às condições da concorrência local, assim como podem diferir os canais de distribuição. Entretanto, os princípios estratégicos básicos que orientam a administração da marca são os mesmos no mundo todo (KEEGAN, 2003, p. 323). A história da Coca-Cola, o produto mais consumido no mundo – 900 milhões de vezes por dia – começou no século XIX, em Atlanta, EUA. John Pemberton, exsoldado da Guerra Civil, viciado em morfina, fez pesquisas com folha de coca mais noz de cola, para descobrir um elixir que o curasse do vício. Em 1886 esse elixir recebeu o nome de Coca-Cola, com o slogan: o elixir cura - tudo. Ainda em 1886, fez o primeiro anúncio no Atlanta Journal. Com a aceitação do produto pelo público, foram utilizados barris vermelhos, já disponíveis para a distribuição. Poucos anos depois, Asa Griggs Candler, pastor metodista, comprou e modificou a fórmula. Desejando ampliar o mercado, Candler criou anúncios da Coca-Cola, planejados para o público-alvo masculino, especialmente homens de negócios. Em seguida, passou a anunciar para as massas, não apenas para os doentes que precisavam de um elixir cura - tudo. Os primeiros anúncios foram feitos por artistas famosos, como Norman Rockwell, N.C. Wyeth, Haddon Sundblom e outros. Os cartazes sempre mostravam pessoas felizes, ou seja, vinculavam pessoas a momentos especiais da vida. Com essa estratégia, a empresa passou a vender uma imagem, e não apenas o produto tangível: “deliciosa e refrescante para jovens modernos”. O que a marca vende é a “imagem” e, segundo pesquisas, a publicidade produz efeitos na vida dos jovens, pois estes internalizam as imagens dos comerciais e as usam para criar as expectativas a respeito do que devem ser. A Coca-Cola mostra pessoas felizes e promete felicidade e liberdade. Em uma das campanhas, usou como estratégia a união dos povos, mostrando que esse é o espírito Coca-Cola. O produto Coca-Cola, portanto, é um símbolo carregado de significados, que perpassa as gerações e os lugares, ou seja, o tempo e o espaço. O consumidor de CocaCola espera a princípio beber algo refrescante para saciar a sede e, além disso, ao optar por essa marca, está investindo na construção da sua identidade. Através do consumo, as pessoas sentem-se compartilhando os mesmos valores. Revista de Ciências Gerenciais • Vol. XII, Nº. 15, Ano 2008 • p. 159-176 Célia Maria Cassiano 2.2. Posicionamento Segundo Ries e Trout, que popularizaram a expressão, “posicionamento” pode ser explicado da seguinte forma: O posicionamento começa com um produto, uma mercadoria, um serviço, uma empresa, uma instituição ou até mesmo uma pessoa. Mas o posicionamento não é o que você faz com o produto. Posicionamento é o que você faz com a mente do cliente potencial. Ou seja, você posiciona o produto na mente do cliente potencial. (RIES; TROUT apud KOTLER, 2000, p.321). Para os autores, é mais fácil penetrar primeiro na mente do consumidor do que tentar convencê-lo de que um segundo produto é melhor do que aquele que já penetrou em sua mente. Ou seja, é melhor ser o primeiro na mente do consumidor do que o primeiro no mercado. Com o atual cenário de extrema concorrência e marcas dominantes na mente dos consumidores, é muito difícil introduzir um produto na mesma categoria de outros já existentes. Ries e Trout apontam três estratégias alternativas: reforçar a posição atual na mente do consumidor; ocupar uma posição não ocupada; destituir ou reposicionar a concorrência (RIES; TROUT apud KOTLER, 2000, p. 321). Kotler aponta que Ries e Trout lidam essencialmente com estratégias de comunicação para posicionamento ou reposicionamento de uma marca na mente do consumidor; aponta ainda que o posicionamento deve levar em conta também os aspectos tangíveis de produto, preço, praça e promoção. Kotler define posicionamento de marca como o “ato de planejar a oferta e a imagem da empresa de modo que ela ocupe um lugar distinto e valorizado na mente dos clientes-alvo”. Porém essa distinção ou diferença deve ser feita até o ponto em que ela satisfaça alguns critérios: ofereça um benefício de alto valor a um número suficiente de compradores; seja superior a outras maneiras de se obter benefícios; não seja facilmente copiada pelos concorrentes; tenha um preço acessível; seja lucrativa para a empresa (KOTLER, 2000, p. 321). Dessa forma, cada empresa precisa desenvolver um posicionamento diferente – inclusive no que se refere à quantidade de benefícios – para oferecer ao mercado. Uma estratégia de posicionamento freqüentemente usada explora um atributo, um benefício ou uma característica em particular. No caso da Coca-Cola, esse posicionamento começou durante a Segunda Guerra, período em que houve uma relação estreita entre a empresa e o governo. A estratégia foi a descrição de como o produto é usado e a associação a um determinado usuário. Nesse período foram abertas no exterior sessenta engarrafadoras para suprir Revista de Ciências Gerenciais • Vol. XII, Nº. 15, Ano 2008 • p. 159-176 165 166 Gerenciamento de marketing global: o caso Coca-Cola as necessidades dos soldados, pois a coca-cola era considerada fundamental para elevar o moral das tropas. Os soldados escreviam cartas para as suas famílias, dizendo que lutavam pelo direito de beber coca-cola, deixando claro o surgimento de um sentimento: o nacionalismo ficou associado ao produto. A guerra fez da marca um símbolo mundial de liberdade e do modo americano de viver4. Para confirmar essa simbologia da coca-cola relacionada ao ideal de liberdade, é importante citar outros fatos marcantes, principalmente relacionados ao preconceito racial contra os negros nos Estados Unidos, nos anos 1960. Em reação ao preconceito, houve um protesto dos estudantes negros, que entraram em uma lanchonete exclusiva para pessoas brancas em Nashville, sentaram no balcão e pediram hambúrguer e cocacola. Esse feito foi visto por alguns setores da sociedade com bons olhos, pois estavam defendendo o sonho americano de democracia. A Coca-Cola assumiu as idéias antiracistas. A empresa era de Atlanta, na Georgia, onde o preconceito era muito acentuado, mas o seu proprietário, Woodruff, percebeu que não poderia ser racista e retrógrado, para não perder os negócios e um grande público consumidor: os afro-americanos. Para demonstrar a sua posição, ele nomeou Charles Boone como o primeiro funcionário negro a ocupar um cargo de destaque na empresa. Outra intervenção positiva da Coca-Cola relaciona-se à atitude que tomou após o assassinato de Martin Luther King em Memphis (Tennessee). Woodruff – seguindo as orientações do então presidente dos EUA Lyndon Johnson –, para evitar o caos social em Atlanta e também para manter a estratégia de relacionamento inter-racial, arcou com os custos decorrentes do funeral: transporte, segurança, apoio à família, etc. Tanto nos EUA como no resto do mundo, estrategicamente a imagem da Coca-Cola foi sendo cada vez mais atrelada à idéia de liberdade. Nos anos 1960 e 1970, enquanto o cenário interno americano era de racismo, nos países comunistas foi estabelecida a Cortina de Ferro, que impedia a liberdade e o consumo5. Em 1989, durante a queda do muro de Berlim, a Coca-Cola estava presente, distribuindo o refrigerante de graça. Para os jovens do mundo todo, a coca passou a representar o sonho americano, porque é um dos símbolos mais fortes das suas conquistas. Ao consumir coca-cola, as pessoas sentem que estão fazendo parte dessas conquistas, desse sonho. Para os antropólogos, esse fenômeno é chamado de canibalismo 4 Informações obtidas no documentário: Trilogia Coca-Cola. Revista Super Interessante. Dirigido por Irene Angélico, 1998. Desde os anos 1950, as colas estavam presentes na Rússia. Em 1959, em um momento de trégua entre as duas potências, ocorreu a Exposição Americana em Moscou. Porém, em 1961, Krushov ergueu o muro de Berlim, marcando o fim da democracia e o fim da Pepsi e da Coca-Cola nos países comunistas. Em 1971 foi feito um acordo para a entrada da Pepsi, mas a abertura política e comercial ocorreu apenas no final da década de 1980. 5 Revista de Ciências Gerenciais • Vol. XII, Nº. 15, Ano 2008 • p. 159-176 Célia Maria Cassiano simbólico, ou seja, as pessoas acreditam que, consumindo algo que os americanos produzem, elas se tornam como os americanos. Segundo Benjamin Barber6, a razão da imensa popularidade dos produtos americanos é que eles vendem os EUA, um produto que representa: oportunidades, justiça social (mais do que muitos países) e outras coisas boas que as pessoas valorizam. 2.3. Atitudes em relação a produtos estrangeiros Os produtos americanos, carregados de simbolismos relacionados à cultura de massa, nem sempre são bem recebidos nos diversos países. Cateora aponta que as multinacionais também devem levar em conta um aumento do orgulho nacionalista em alguns países, o que exerce um impacto sobre as marcas. [...] O consumidor associa o valor do produto à marca. A marca pode conduzir uma mensagem positiva ou negativa do produto para o consumidor e é afetada por propaganda, promoções, reputação do produto, avaliação do produto e experiências passadas. [...] Outro fator que preocupa as companhias que fabricam mundialmente é o efeito do país de origem sobre a percepção do mercado sobre o produto. O efeito do país de origem pode ser definido como qualquer influência que o país de fabricação exerce sobre a percepção positiva ou negativa que o consumidor tem do produto (CATEORA, 2001, p. 227). Para discutir essa situação, serão apresentadas três circunstâncias em que a Coca-Cola encontrou resistência: na França, na Rússia e na China, e uma outra, no México, em que ela foi totalmente assimilada às culturas tradicionais. Coca-Cola na França Na França, acredita-se que se consegue a felicidade por meio da liberdade; tanto que os franceses deram aos americanos a Estátua da Liberdade e, durante a Segunda Guerra, os americanos retribuíram, transformando o símbolo em ação: libertaram os franceses do nazismo. Como conseqüência, chegou também à França a Coca-Cola, que não foi bem recebida, pois ameaçou duas coisas que a aquele país europeu preza: o vinho e o orgulho nacional. Esse processo foi chamado de “colonização da Coca” e foi repudiado por muitos franceses, que já estavam absorvendo vários elementos da cultura americana: o jazz, os filmes de Hollywood, as Seleções do Reader’s Digest. Naquele momento do pós-guerra, os franceses tinham a idéia de que o vinho, bebida nacional, era crucial para a identidade francesa, mais do a língua ou a religião, e a chegada da Coca estaria Revista de Ciências Gerenciais • Vol. XII, Nº. 15, Ano 2008 • p. 159-176 167 168 Gerenciamento de marketing global: o caso Coca-Cola questionando essa identidade nacional. Foram criados e espalhados em locais públicos vários cartazes, com tons de ironia, mostrando, em cenas do cotidiano, o beaujoulais7 sendo substituído pela coca-cola. Aconteceram muitas ações contra o chamado “imperialismo americano”, que se justificavam pelo medo de perda da identidade nacional. Na França, a culinária, o vinho e a família são elementos inter-relacionados, significando união, compartilhamento, degustação. Por outro lado, nos EUA a cozinha ocupa um posto diferente no panorama nacional, e esse estilo de comer hambúrguer com coca-cola encontrou resistências nos setores mais conservadores e tradicionais da França. Coca-Cola na Rússia Na Rússia, a Coca-Cola entrou como segunda marca, porém com perspectiva de crescimento nesse mercado incipiente, relativamente pobre, em que dezenas de bilhões de consumidores pretendiam satisfazer a demanda reprimida por bens de consumo industrializados. (KEEGAN, 2003, p.30) Em 1971, com a eleição de Nixon para a presidência dos EUA, a Pepsi foi à Rússia em missão comercial e liderou por dez anos. O então presidente dos EUA tinha uma dívida com a Pepsi, pois havia sido o advogado da empresa por muitos anos. No final dos anos 1980, com a Glasnot, chegou a fartura - para alguns - na Rússia e chegou também a concorrência para a Pepsi: a Coca. A Pepsi estava muito bem posicionada, pois significava emprego para muitos jovens que antes iriam para o exército. Na década de 1990, houve o lançamento da Pepsi Blue Company, cuja estratégia era associar o passado da Rússia à cor vermelha e o futuro à cor azul, da Pepsi. Cateora (2001, p. 228-229) aponta que na Rússia o mundo é dividido em dois tipos de produtos: os “nossos” e os importados. Os russos preferem os produtos alimentícios frescos, de cultivo doméstico, porém as roupas e os itens manufaturados, importados. Para os russos, o país de origem é um indicador de qualidade mais forte do que um nome ou marca. O autor discute que a adoção de alguns produtos pelos consumidores pode ser afetada, quando o conceito do país de origem entra em conflito com as normas, os valores e os padrões de comportamento. No documentário: Trilogia da Coca-Cola, foram gravados vários depoimentos de pessoas dos setores mais tradicionalistas da Rússia, enfatizando que: 6 Cientista político americano contemporâneo. tradicional francês, obtido a partir da uva "gamay", da região da Borgonha. 7Vinho Revista de Ciências Gerenciais • Vol. XII, Nº. 15, Ano 2008 • p. 159-176 Célia Maria Cassiano [...] Antes das colas, os refrigerantes eram russos. As colas entraram no mercado e compraram as fábricas russas. Poucos refrigerantes tradicionais sobraram, como por exemplo, o Kvass, que era usado há séculos também na culinária russa. [...] O perigo da cultura do consumo moderno, a cultura pop global americana e os interesses empresariais que ela promove, é que ela gera uma espécie de guerra branda contra a alma característica das diferentes nações. A alma russa diz respeito também aos produtos russos, de fazer as coisas à moda russa. Vender Cocacola, Big Mac, Reebok, é fazer os russos se comportarem como jovens do mundo inteiro. E significa que, quem quiser vender esses produtos, terá que convencer os russos que não é nada ser russo. Terá que dizer: vocês têm que ser cidadãos globais, assistir à MTV, beber Coca-Cola e ver filmes de Hollywood. Isso é muito ruim para a alma russa e é muito bom para os negócios americanos. (depoimento, Trilogia da Coca-Cola, 1998). A Coca-Cola na China Na China também a Coca-Cola encontrou algumas resistências, quando chegou a Xangai, na década de 1920, pois Mao Tse-Tung baniu o refrigerante, que considerava o ópio dos capitalistas. Porém o livro vermelho de Mao não foi páreo para a Coca-Cola, pois em 1978, após a sua morte, a Companhia voltou ao país. Os chineses não gostaram muito do sabor, por causa de uma tradição: o chá. Desde o século IV os chineses cultivam o chá, considerado tão importante quanto o vinho para os franceses. A cultura do chá é profunda e está ligada a outras formas de arte: caligrafia chinesa, pintura chinesa, ópera de Pequim. Mas a Coca-Cola investiu em estratégias de marketing para mudar essa tradição, por causa do tamanho do mercado. Na China havia, na década de 1980, um bilhão de consumidores de chá, tomando menos que uma coca-cola por ano. Portanto o problema para a Coca-Cola na China foi vencer o desafio da cultura do chá, combater todas as outras bebidas. E a estratégia foi bem planejada, para não colocar a Coca-Cola em uma guerra cultural que não seria favorável para a imagem da empresa, pois pareceria uma nova forma de imperialismo. Para atingir o seu objetivo, a Coca-Cola investiu 500 milhões de dólares e construiu 23 fábricas na China, até meados dos anos 1990. Esse aspecto é considerado a parte fácil do marketing internacional, pois a parte difícil foi justamente mudar um ritual que perdurava há séculos. A Coca-Cola usou as mesmas técnicas da revolução cultural de Mao. O seu alvo, porém, foi a parte da China para quem a revolução teve outro significado: os jovens que recebem influência do Ocidente através da TV, da MTV, e principalmente do break. Segundo pesquisas realizadas na China, os jovens chineses compraram rapidamente a idéia – nova para eles – de que se pode ser feliz pelo consumo. Revista de Ciências Gerenciais • Vol. XII, Nº. 15, Ano 2008 • p. 159-176 169 170 Gerenciamento de marketing global: o caso Coca-Cola Os jovens chineses têm como modelo os seus antecessores que enfrentaram o governo na Praça da Paz Celestial, exigindo liberdade política e civil, e hoje ampliam essa exigência, incluindo a liberdade de consumo. Vários depoimentos no documentário dirigido por Angélico (1998) mostram que o maior sonho dos jovens é ter dinheiro para poder consumir muito e, portanto, são favoráveis à aculturação, porque acreditam que o Ocidente tem coisas boas que devem chegar ao país. Atualmente, na China, a Coca-Cola fornece, produz e vende quase todos os seus produtos e emprega chineses em diferentes posições. Esse nível de compromisso com a China, aliado a uma estratégia ambiciosa que enfatiza localização dos produtos e a publicidade, coloca a empresa numa posição fortemente privilegiada8. Coca-Cola no México No México, o consumo das colas encontrou pouca resistência. Em Chamula a coca-cola foi incorporada a muitos rituais, incluindo o ritual de cura dos xamãs e as purificações que são feitas com o cacau. Ela teve um impacto tão grande nas comunidades indígenas que se tornou uma espécie de água sagrada. Por muitas gerações os maias usaram poções caseiras para entrar em contato com o criador. Aos poucos, a coca-cola tomou o lugar dessas bebidas. Para os antropólogos, essa aceitação está relacionada às características físicas do produto: líquido escuro borbulhante, que o transforma em objeto ritual consumido em grandes quantidades. 3. PREÇO Preço pode ser definido como a soma dos valores que os consumidores trocam pelo benefício de possuírem ou usarem um produto ou serviço. A tarefa de determinar preços no marketing global é dificultada por taxas de câmbio flutuantes, que às vezes estabelecem uma relação limitada com os custos. Isto significa que os profissionais de marketing se vêem diante de situações difíceis, como ganhos inesperados resultantes de taxas de câmbio favorável ou perdas pelo motivo inverso. Segundo Keegan (2003, p. 354), há uma série de estratégias de fixação de preços. Uma meta geral deve ser contribuir para os objetivos de vendas e lucros da empresa no mercado mundial. Estratégias orientadas para o cliente, como marketing por 8 Disponível em: <http://www.chinabusinessreview.com/public/0107/weisert.html>. Acesso em: 23 maio 2008. Revista de Ciências Gerenciais • Vol. XII, Nº. 15, Ano 2008 • p. 159-176 Célia Maria Cassiano skimming, penetração e retenção de mercado podem ser usadas quando as percepções dos clientes, conforme determinadas pela equação de valor, são usadas como guia. Serão apresentadas a seguir algumas estratégias de fixação de preços. A fixação de preços por penetração utiliza o preço como arma competitiva para obter uma posição no mercado e significa que o produto pode ser vendido com prejuízo por certo período de tempo. Outra estratégia é o dumping, que pode ser definido como a venda de um produto importado por um preço mais baixo do que o normalmente cobrado num mercado doméstico ou no país de origem. Tal procedimento, considerado concorrência desleal, fez com que, a partir dos anos 1990, muitos países aprovassem o sistema de leis antidumping, no sentido de proteger as empresas nacionais (KEEGAN, 2003, p. 361-363). Não foi realizada pesquisa aprofundada sobre as estratégias de precificação da Coca-Cola em diferentes países, porém alguns dados mostram que as decisões de preços são determinadas pelo custo, pela natureza da demanda e pelas condições da concorrência local. Na região do Saara, a Coca-Cola, apesar do sucesso inicial, vendeu o produto com pouca margem de lucro. A estratégia de marketing – “incentivar o gosto pelo produto certo” – foi eficiente, pois os tuaregues chegam a deslocar-se 15 horas de carro para adquirir o produto. Nesses países foi mantida a mesma estratégia de alegria e promessa de felicidade, porém totalmente adequada às tradições locais, com a montagem de palcos e a exibição de músicos locais para ensinar as pessoas a beberem coca-cola gelada ao invés de água ou do chá tradicional9. 4. CANAIS E DISTRIBUIÇÃO NO MARKETING GLOBAL A Associação Americana de Marketing define canal de distribuição como “uma rede organizada de agências e instituições que, em combinação, executam todas as atividades necessárias para ligar produtores e usuários a fim de realizar a tarefa de marketing”. E a distribuição é o fluxo de bens pelos canais (KEEGAN, 2003, p. 379). Canais e distribuição física são partes integrantes do programa de marketing total e devem ser compatíveis com os aspectos de projeto, preço e comunicações do produto. O objetivo dos canais de marketing é criar utilidade para os clientes. As prin- 9 Tuaregues fazem parte do povo berbere, nômades que se deslocam entre o Centro e o Oeste do deserto do Saara. É importante salientar que os tuaregues possuem cultura baseada na tradição oral. Os músicos não têm apenas a função de divertir as pessoas, mas fazem parte de “castas” que transmitem os valores culturais tradicionais através do canto e da dança. Conforme: KI-ZERBO, J. (Org.) História geral da África. São Paulo: Ática/Unesco, 1980. Revista de Ciências Gerenciais • Vol. XII, Nº. 15, Ano 2008 • p. 159-176 171 172 Gerenciamento de marketing global: o caso Coca-Cola cipais categorias de utilidade dos canais são: local (a disponibilidade de um produto numa localização que seja conveniente para o cliente), tempo (a disponibilidade de um produto quando desejado pelo cliente) e informação (disponibilidade de respostas a perguntas e de comunicações gerais sobre características e benefícios úteis do produto). Segundo Keegan (2003, p. 380), essas utilidades podem ser uma fonte básica de vantagem competitiva e valor do produto; portanto, a escolha de uma estratégia de canais é uma das principais decisões do composto de marketing. Para a Coca-Cola, os canais e a distribuição sempre foram prioridades, a partir do lema: “qualquer pessoa deve ter uma coca-cola ao alcance das mãos, ou seja, em qualquer horário e lugar que tiver sede.” A coca-cola estava ao alcance das mãos dos soldados, durante a Segunda Guerra; estava em Berlim, durante a queda do Muro em 1989; estava no Vietnam, quando Clinton suspendeu o embargo; está nas danceterias chinesas e no deserto do Saara, assim como nos rituais xamanistas dos descendentes dos povos maias, no México. 5. DECISÕES DE COMUNICAÇÃO EM MARKETING GLOBAL A propaganda, a publicidade e outras formas de comunicação são ferramentas fundamentais para o mix de marketing internacional. A comunicação de marketing refere-se a todas as formas de comunicação usadas por organizações para informar, lembrar, explicar, persuadir e influenciar as atitudes e o comportamento de compra dos clientes e de outras pessoas. O principal objetivo da comunicação de marketing é comunicar aos clientes sobre os benefícios e os valores que um produto ou serviço oferece. O composto comunicação/promoção é formado pelos seguintes elementos: propaganda, relações públicas, vendas pessoais e promoção de vendas. Todos os elementos podem ser utilizados no marketing global, isoladamente ou em diversas combinações (KEEGAN, 2003, p. 403). Neste artigo será analisada a propaganda global, que é o uso dos mesmos apelos, mensagens, arte, textos, fotografias, roteiros, em múltiplos mercados mundiais. Segundo Cateora (2001, p. 318), de todos os elementos do composto de marketing, as decisões envolvendo a propaganda são as mais freqüentemente afetadas pelas diferenças culturais entre os mercados. Isso ocorre porque os consumidores respondem à propaganda, tendo por base sua cultura, seu estilo de vida, seus sistemas de valores, Revista de Ciências Gerenciais • Vol. XII, Nº. 15, Ano 2008 • p. 159-176 Célia Maria Cassiano atitudes, crenças e percepções. Como a função da propaganda global é compreender e traduzir as necessidades, os desejos e as aspirações do consumidor de qualquer lugar, os apelos emocionais, os símbolos, as abordagens persuasivas, a arte, os textos, as fotografias e outras características da propaganda devem coincidir com as normas culturais, para que ela venha a ser eficaz. Cateora (2001, p. 318) aponta também que há uma diferença entre estratégia de marketing multidoméstica e estratégia global. A primeira é baseada na premissa de que todos os mercados são culturalmente diferentes e que uma empresa deve adaptar os seus programas de marketing para conciliar as diferenças; a segunda considera as similaridades e as diferenças, padronizando onde há similaridades e adaptando onde há mudanças culturais significativas. Keegan (2003, p. 404) afirma que, para a propaganda global ser efetiva, é necessário que as empresas reconheçam e adotem novos conceitos, tais como “culturas de produtos”. Isso significa que alguns segmentos do mercado podem ser definidos tendo por base a demografia global – sem partir da cultura étnica ou nacional –, como, por exemplo, a cultura jovem. William Roedy, diretor da MTV Europa, vê implicações claras dessas “culturas de produtos” para a publicidade. Ele considera que a MTV é apenas um dos veículos de mídia que permitem às pessoas de qualquer parte do globo assistir como é o resto do mundo, aprender sobre seus modos de vida, sobre produtos que são populares em outras culturas. Segundo Roedy, muitas vontades e desejos humanos são muito semelhantes, se apresentados dentro de situações reconhecíveis da experiência. Cita como exemplo que as pessoas de qualquer parte querem valor, qualidade e tecnologias mais recentes, disponíveis e acessíveis; todas querem ser amadas, respeitadas, etc. (KEEGAN, 2003, p. 404-405). A Coca-Cola encaixa-se nesse conceito de cultura de produto. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A “COCALIZAÇÃO DO MUNDO”10 Desde o século XIX, a Coca-Cola já difundia sua marca em diferentes pontos do globo, graças às campanhas publicitárias através de cartazes e de anúncios em revistas, esquema seguido até hoje. Os padrões técnicos de publicidade são relativamente recentes e, quando surgiram as primeiras campanhas publicitárias da Coca-Cola, elas estavam 10 Expressão utilizada por Leandro Marshall, doutorando em Comunicação pela PUC-RS e professor da UEPG, Paraná. Revista de Ciências Gerenciais • Vol. XII, Nº. 15, Ano 2008 • p. 159-176 173 174 Gerenciamento de marketing global: o caso Coca-Cola indiretamente construindo uma nova tendência de propaganda e marketing. Em 1891, a empresa já fazia uma campanha publicitária forte, oferecendo prêmios e brindes. Durante as primeiras décadas do século XX, o visual da publicidade da Coca-Cola evoluiu e houve desde o início uma tendência em mostrar pessoas saudáveis e felizes como modelos do consumidor do produto. Além de marcar os momentos felizes da vida, a Coca-Cola também investiu na imagem relacionada à tradição e aos grandes eventos, com o slogan: “Em todos os momentos que fazem a história, você bebe Coca-Cola". E realmente, a marca esteve presente desde que os Jogos Olímpicos tiveram início, em 1896. No primeiro já havia um button oficial da Coca-Cola, o que demonstrou o interesse da empresa em participar do evento. O ano de 1921 marcou a era da publicidade nos Jogos Olímpicos e, em 1928, a Coca-Cola entrou definitivamente nas Olimpíadas. A empresa procurou utilizar a estratégia de relacionar os acontecimentos importantes do mundo à sua marca. Dessa forma, durante a Segunda Guerra Mundial realizou uma campanha publicitária voltada para união entre os povos, através da CocaCola, em línguas diferentes. Ao final da guerra, o então presidente da Coca-Cola, Robert Woodruff, organizou uma campanha promocional – para incentivar os soldados que haviam participado da guerra –, em que um homem fardado podia comprar uma garrafa de coca-cola por um preço simbólico, muito menor que o preço regular. No Brasil, a Coca-Cola chegou na década de 1940, quando o jovem urbano da época tinha como principais diversões o cinema e as revistas, veículos através dos quais o produto era divulgado. A publicidade da Coca-Cola no Brasil sempre esteve relacionada aos acontecimentos e aos fatos que poderiam cada vez mais nacionalizar o consumo desse refrigerante, como o Carnaval. Ao mesmo tempo que o produto criava uma imagem ligada a eventos nacionais, em diferentes países, o percurso da comunicação da Coca-Cola aponta para o conceito de “cultura de produto”, ou seja, um produto que transcende as fronteiras nacionais. Isso foi possível a partir da globalização da economia e da facilidade de comunicação, quando determinados desejos e necessidades se tornaram valores universais. Como exemplo pode ser citado o clima de liberdade dos anos 1950 e 1960: em qualquer lugar do mundo com acesso aos meios de comunicação de massa, surgia uma juventude “transviada”, com novas propostas de comportamento, dançando rock’ n’ roll e bebendo coca-cola que, misturada com rum, dava origem à cuba libre. Porém, ao mesmo tempo que se direcionava à juventude transviada do mundo todo, a Coca-Cola atingia Revista de Ciências Gerenciais • Vol. XII, Nº. 15, Ano 2008 • p. 159-176 Célia Maria Cassiano mundialmente também as famílias. Nessa mesma época, a empresa incentivava não só o consumo no balcão, mas também o consumo em casa, promovendo o vasilhame do lar, sobre uma intensa campanha publicitária. Ou seja, também aí estava presente o conceito de “cultura de produto”, para as famílias do mundo inteiro. As campanhas mais recentes propõem um valor que todas as pessoas em qualquer lugar do mundo estão buscando atualmente, neste momento de crise das ideologias: otimismo e esperança. Baseada na plataforma “Beba o que é bom”, a Coca-Cola lançou sua estratégia de comunicação com a campanha “O lado Coca-Cola da vida”, que faz um convite em massa a tomar uma atitude positiva diante da vida, que propicie momentos de felicidade. De acordo com a empresa, “O lado Coca-Cola da vida” resgata os valores próprios da famosa bebida, relacionados com a felicidade e a gratificação, que estão na origem da marca e do produto. Por se tratar de uma marca global, mas com conexões e significado locais, a campanha foi desenvolvida para o mundo inteiro com um menu de opções bastante amplo, em que cada país seleciona a criatividade mais próxima e relacionada ao seu mercado. O lado Coca-Cola da vida possui uma extensa campanha viral online, com vídeos de características e conteúdo únicos, que ajudaram a dimensionar a aposta no universo digital. A estética prima-se pelas cores vivas, refletindo a felicidade e o prazer de viver a vida, traduzidas no estilo que a Coca-Cola propõe de viver a vida.11 A trajetória da Coca-Cola – que inventou a categoria e mantém a liderança, associando o consumo ao cotidiano das pessoas, propondo um estilo de vida – mostra a importância do marketing global. Para disputar o jogo competitivo, a empresa analisou os consumidores, selecionou os mercados-alvo e utilizou as ferramentas do mix de marketing para interferir em aspectos comportamentais dos seus consumidores, ou seja, mostra-lhes como eles devem ser. Ao optar por um programa de marketing internacional, a empresa situa-se entre a padronização e a adaptação ao novo mercado. A Coca-Cola não focalizou a divergência de gostos no mercado global, mas sim a convergência, conseguindo, através da padronização e de algumas adaptações, produtos a preços mais acessíveis, percebidos como de alta qualidade. As estratégias de marketing foram elaboradas prevendo alterações em alguns elementos para atenderem às alterações do ambiente. Portanto, estru- 11 Disponível em: <http://www.fashionbubbles.com/tabs/mundo/2006/coca-cola-tem-nova-campanha-mundial> Acesso em: 07 out. 2007 Revista de Ciências Gerenciais • Vol. XII, Nº. 15, Ano 2008 • p. 159-176 175 176 Gerenciamento de marketing global: o caso Coca-Cola turar um bom composto de marketing é uma estratégia de vantagem competitiva para as empresas. A distribuição global e a presença visual constante no mundo, seja em pontos de consumo, no mobiliário urbano, nas roupas, nas ruas, na mídia, nas artes e em grandes eventos, contribuem para tornar a Coca-Cola de conhecimento praticamente total. É um produto que conseguiu ser “glocal”. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. 4. ed. Rio de Janeiro, Editora da UFRJ, 1999. 290 p. CATEORA, Philip; GRAHAM, John L. Marketing internacional. 10. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2001. 486 p. COCA COLA TEM NOVA CAMPANHA MUNDIAL. Fashion bubbles: moda, consumo, tecnologia e comportamento. 06 out. 2006. Disponível em: <http://www.fashionbubbles.com/tabs/mundo/2006/coca-cola-tem-nova-campanhamundial> Acesso em: 07 out. 2007. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 7. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. 102 p. KEEGAN, Warren J.; GREEN, Mark C. Princípios de marketing global. São Paulo: Saraiva, 2003. 476 p. KOTLER, Philip. Administração de marketing: edição do novo milênio. 10. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2000. 764 p. KUAZAQUI, Edmir. Marketing internacional: como conquistar negócios em mercados internacionais. 1. ed. São Paulo: Makron Books, 1999. 229 p. MARSHALL, Leandro. Mundo coca-colizado: o nome do nosso Deus. Observatório da Imprensa, 07 mai 2003. Disponível em: <http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/jd070520035.htm>. Acesso em: 07 out. 2007. ORTIZ, Renato. Modernidade e cultura. In: SOUZA, Mauro Wilton. Sujeito, o lado oculto do receptor. 1. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995. 231 p. SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e político na pós-modernidade. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2001. 348 p. TRILOGIA COCA COLA: construindo um mito. Guerra e paz. Dominando o planeta. Documentário. Direção: Irene Angélico. Produção: Abbey Jack Neidik, 1998. Inspirado em “For God, country and Coca-Cola”, de Mark Pendergrast. DLI Productions. Distribuído no Brasil pela Revista Super Interessante. 1 DVD. Revista de Ciências Gerenciais • Vol. XII, Nº. 15, Ano 2008 • p. 159-176