924 OSTEONECROSE DOS MAXILARES ASSOCIADA AO USO DE BIFOSFONATOS OSTEONECROSE DOS MAXILARES ASSOCIADA AO USO DE BIFOSFONATOS OSTEONECROSIS OF THE JAWS ASSOCIATED WITH THE USE OF BISPHOSPHONATES Darklilson PEREIRA-SANTOS * João MARQUES MENDES-NETO ** Júlio César de Paulo CRAVINHOS *** _______________________________________ * Professor do Curso de Odontologia da Universidade Estadual Do Piauí – UESPI. ** Acadêmico do Curso de Odontologia da Universidade Estadual Do Piauí – UESPI. *** Professor Assistente I da Área de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial – Universidade Federal do Piauí – Teresina. PEREIRA-SANTOS, D.; MARQUES MENDES-NETO, J., CRAVINHOS, J. C. P. Osteonecrose dos maxilares associada ao uso de bifosfonatos. Rev. Odont. (ATO), Bauru, SP., v. 16, n. 9, p. 924-929, set., 2016. 925 OSTEONECROSE DOS MAXILARES ASSOCIADA AO USO DE BIFOSFONATOS RESUMO Bifosfonatos são importantes inibidores da reabsorção óssea e, muito utilizados no mundo em diferentes indicações, como em doenças benignas e malignas, como mieloma múltiplo e, tratamento de câncer de próstata, mama e metástase óssea, além de osteoporose. Importante complicação da sua utilização crônica passou a ser relatada nos últimos anos, a osteonecrose dos maxilares. Esta patologia frequentemente ocorre após procedimentos cirúrgicos bucais que incluem principalmente extrações e cirurgia para instalação de implantes. Embora exodontia seja fator de risco significativo para osteonecrose dos maxilares, a condição pode ocorrer, também, na ausência de intervenção dental, tornando enigma sua etiologia. Incidência associada à terapia crônica de bisfosfonatos e suas complicações podem ser diminuídas por meio de condutas de prevenção e, tratamento precoce. Baseado nos dados disponíveis na literatura propôs-se realização de revista envolvendo sua etiologia, manifestações clínicas, diagnóstico, tratamento e, sobretudo sua prevenção. ABSTRACT Bisphosphonates are important inhibitors of bone resorption and widely used worldwide in different directions, as in benign and malignant diseases such as multiple myeloma and treatment of prostate cancer, breast cancer and bone metastases, and osteoporosis. An important complication of chronic use began to be reported in recent years, osteonecrosis of the jaws. This condition often occurs after oral surgical procedures which include mainly extractions and surgery to implant placement. Although tooth extraction is a significant risk factor for osteonecrosis of the jaws, the condition can also occur in the absence of dental intervention, which makes a puzzle etiology. The incidence associated with chronic bisphosphonate therapy and its complications can be minimized through ducts prevention and early treatment. Based on available data in the literature, we propose to undertake a review involving the etiology, clinical manifestations, diagnosis, treatment and especially prevention. Unitermos: Bisfosfonatos; Osteonecrose; Cirurgia bucal. Uniterms: Bisphosphonates; Osteonecrosis; Oral surgery. INTRODUÇÃO Bifosfonatos (BFs) são importantes inibidores de reabsorção óssea e, muito utilizados no mundo em diferentes indicações, como doenças benignas e malignas, mieloma múltiplo e tratamento de câncer da próstata, mama e metástase óssea, além de osteoporose (PELAZ; JUNQUERA; GALLEGO et al., 2015). Este grupo de drogas foi sintetizado no século 19 e, na década de 1960 foi incrementada a utilização terapêutica dos BFs. Continuação da evolução estrutural e funcional levou à formação de fármacos que inibem reabsorção óssea de forma mais eficiente, sem prejudicar sua mineralização (FLEISCH, 2002). Os BFs são análogos sintéticos do pirofosfato inorgânico, em que átomo oxigênio central é substituído pelo carbono. Estrutura P-C-P dos BFs é PEREIRA-SANTOS, D.; MARQUES MENDES-NETO, J., CRAVINHOS, J. C. P. Osteonecrose dos maxilares associada ao uso de bifosfonatos. Rev. Odont. (ATO), Bauru, SP., v. 16, n. 9, p. 924-929, set., 2016. 926 OSTEONECROSE DOS MAXILARES ASSOCIADA AO USO DE BIFOSFONATOS responsável por sua ligação à matriz óssea e, resistência às enzimas (BART; TRESCKOW, 2014). Aqueles mais utilizados são o etidronato, clodronato, alendronato, risedronato, ibandronato e, o pamidronato (PEREIRA; PEREIRA; PEREIRA et al., 2010). Prevalência de ONM com uso oral BP foi estimado como sendo entre 0,01 e 0,05%, tendo exodontia como principal agravante. Sua prevalência com administração intravenosa BP pode ser tão alta quanto 10%, maior ainda observada entre doentes com mieloma múltiplo e, menor naquelas pacientes com câncer de mama (LAZAROVICI; KYOFFE, 2014). Primeiro relato de caso de Osteonecrose dos Maxilares (ONM) induzida pelos BFs foi publicado por Marx em 2003 (PASSERI; BERTOLO; ABUABARA, 2011). Série de 36 casos apresentados e grande quantidade de publicações tornou-se disponível na literatura a partir de então e, sua etiologia para esta patologia tornou-se um enigma para a comunidade científica. REVISTA DA LITERATURA APRESENTAÇÃO CLÍNICA A ONM pode permanecer assintomática por semanas, meses ou anos, podendo resultar em dor ou exposição óssea maxilar ou mandibular. Estas lesões são mais frequentemente sintomáticas quando tecidos adjacentes se tornam inflamados ou se houver evidência clínica de infecção (OTTO; KWON; ASSAF, 2014). Aproximadamente 80% dos casos de ONM se desenvolvem após exodontia e, 20% dos pacientes afetados não estão relacionados com qualquer procedimento odontológico (TANVETYANON; STIFF, 2016). Geralmente apresentam dor no local da extração e ausência de reparo, resultando em exposição de osso necrótico e, ocasionalmente edema localizado, parestesia, secreção purulenta, formação de fístula buco-sinusal além de osteomielite (TANVETYANON; STIFF, 2016). Osso exposto pode ter contornos irregulares e grosseiros, podendo ser plano. Mandíbula é mais frequentemente afetada que a maxila numa proporção de 2:1. Dentes que estão localizados em sítios ósseos afetados tornam-se móveis e dolorosos e, fraturas mandibulares patológicas podem ocorrer, sendo, entretanto, complicação rara (PEREIRA; PEREIRA; PEREIRA et al., 2010). ETIOLOGIA ONM frequentemente ocorre após procedimentos cirúrgicos orais que incluem principalmente exodontia e cirurgia para instalação de implantes. Fatores de risco para desenvolvimento de ONM incluem trauma, gênero feminino, idade avançada, regiões edêntulas, radioterapia, quimioterapia, terapia com esteroides, discrasias sanguíneas / doença metastática, anemia, coagulopatia, procedimentos cirúrgicos odontológicos, uso de álcool ou tabaco, infecção prévia, além da terapia com BFs (MASOODI, 2009). Principal efeito tóxico dos BFs é induzir a apoptose das células dos osteoclastos. Também, comprometimento da atividade osteoclástica pode favorecer desenvolvimento de osteonecrose secundária a processos inflamatórios orais ou procedimentos cirúrgicos na mandíbula (CHIU; CHIANG; CHUANG et al., 2010). Devido à epitelização ser passo essencial na cicatrização de feridas após procedimentos cirúrgicos, foi levantada hipótese que tecidos moles da mucosa PEREIRA-SANTOS, D.; MARQUES MENDES-NETO, J., CRAVINHOS, J. C. P. Osteonecrose dos maxilares associada ao uso de bifosfonatos. Rev. Odont. (ATO), Bauru, SP., v. 16, n. 9, p. 924-929, set., 2016. 927 OSTEONECROSE DOS MAXILARES ASSOCIADA AO USO DE BIFOSFONATOS oral poderiam desempenhar papel significativo na ONM. Sugeriu-se que BFs, que se acumulam no osso, têm efeitos tóxicos diretos sobre epitélio oral, inibindo cicatrização normal de lesões de tecidos moles causadas por qualquer intervenção dentária ou outro trauma. Falha na cicatrização de tecidos moles resultaria em exposição óssea, se tornando necrótico (ALLEN; BURR, 2009). Evidência atual sugere que pacientes que estão em uso de BFs sofrem sérios riscos desde que os BFs por via endovenosa sejam utilizados por, pelo menos, 12 meses, ou por via oral por pelo menos 36 meses, embora exista pequeno número de casos de pacientes relatando ter tomado por períodos curtos (RUGGIERO; DODSON; FANTASIA et al., 2014). DIAGNÓSTICO Pacientes podem ser considerados com ONM se as três características estiverem presentes (American Association of Oral and Maxillofacial Surgeons – AAOMS), como o tratamento atual ou anterior com agentes antirreabsortivos ou antiangiogênicos, exposição óssea na região maxilo-facial persistindo por mais de oito semanas e, nenhuma história da terapia de radiação para os maxilares (RUGGIERO; DODSON; FANTASIA et al., 2014). As radiografias panorâmicas e periapicais mostram mudanças após 30% a 50% de desmineralização. São verificadas áreas radiolúcidas irregulares, com limites difusos e, após seis meses da exodontia, pouca ou nenhuma ossificação alveolar é notada (MCLEOD; BRENNAN; RUGGIERO, 2012). Marcadores de reabsorção óssea, especialmente o telopeptídeo carboxiterminal do colágeno tipo I (CTx), são aqueles melhores para estimar a resposta à intervenção no início na pós-menopausa, sendo ainda mais específicos para a reabsorção óssea. O CTx é um simples exame de sangue dando índice de turnover ósseo. Níveis séricos de CTx > 150 pg/mL – indicam baixo risco; 100 a 150 pg/mL-risco moderado e, <100 pg/mL-risco elevado (MARX; SAWATARI; FORTIN et al., 2005). TRATAMENTO E PREVENÇÃO Pacientes em terapia com BFs endovenosos devem evitar procedimentos com trauma ao tecido ósseo. Não devem ser realizados implantes em pacientes que utilizaram 4 – 12 vezes/ano. Pacientes em terapia com BFs por via oral devem seguir as seguintes orientações: a) utilização há menos de 03 anos e sem fatores de risco - todos os procedimentos cirúrgicos podem ser realizados; b) utilização há menos de 03 anos com utilização de corticosteroides - considerar suspensão dos BFs 03 meses antes até 03 meses após cirurgia; c) utilização há mais de 03 anos com ou sem corticosteroides - considerar suspensão dos BFs 03 meses antes até 03 meses após cirurgia (MARX; SAWATARI; FORTIN et al., 2005; RUGGIERO; GRALOW; MARX et al., 2006 e WOO; HELLSTEIN; KALMAR, 2006). Com base nos artigos publicados, seguintes recomendações são feitas pela AAOMS para controle de pacientes em terapia com BFs e, com ONM (TABELA 1) (RUGGIERO; DODSON; FANTASIA et al., 2014). PEREIRA-SANTOS, D.; MARQUES MENDES-NETO, J., CRAVINHOS, J. C. P. Osteonecrose dos maxilares associada ao uso de bifosfonatos. Rev. Odont. (ATO), Bauru, SP., v. 16, n. 9, p. 924-929, set., 2016. 928 OSTEONECROSE DOS MAXILARES ASSOCIADA AO USO DE BIFOSFONATOS TABELA 1 - Recomendações da American Association of Oral and Maxillofacial Surgeons (2014) para controle de pacientes em terapia com BFs e pacientes com ONM. ESTÁGIO TRATAMENTO Em risco - sem osso exposto/necrótico. - Nenhum tratamento - Educação do paciente Estágio 0 - sem evidências clínicas de necrose óssea, mas achados clínicos não específicos e sintomas. - Conduta sistêmica, incluindo uso de analgésicos e antibióticos. Estágio 1 - Osso exposto sem sintomatologia e sem evidências de inflamação. - Educação do paciente. - Bochechos com antimicrobianos. - Acompanhamento. Estágio 2 - Osso exposto/necrótico associado com infecção, dor com ou sem drenagem purulenta. - Educação do paciente. - Antibioticoterapia e analgésicos. - Bochechos com antimicrobianos. - Debridamento superficial para aliviar irritação dos tecidos moles. - Acompanhamento. Estágio 3 - Osso exposto/ necrótico associado com infecção, dor e, também, existem fraturas patológicas ou osteólise na borda inferior da mandíbula e, fístula extra oral. - Antibioticoterapia e analgésicos. - Bochechos com antimicrobianos. - Cirurgia de debridamento/ressecção. - Acompanhamento. CONCLUSÕES A ONM ainda é um enigma para a comunidade científica. Sua incidência é rara, e com o aumento da expectativa de vida, aumentará o número de pacientes que utilizam estas drogas, principalmente para o tratamento de osteoporose. Assim, prevenção, por meio de educação do paciente e acompanhamento profissional é a melhor forma de evitar que ocorra. Procedimentos cirúrgicos devem proporcionar menor trauma possível ao tecido ósseo, levando-se em consideração tipo de droga utilizada, sua via de administração e, tempo de utilização para avaliação da necessidade de suspensão da droga. REFERÊNCIAS * PELAZ, A.; JUNQUERA, L.; GALLEGO, L. et al., Epidemiologia, farmacologia y caracterización clínica de la osteonecrosis de los maxilares. Un estudio retrospectivo de 70 casos. Acta Otorrinol. Esp., v. 66, p. 139---47, 2015. FLEISCH, H. Development of bisphosphonates. Breast Cancer Res., v. 4, n. 1, p. 304, 2002. BARTL, R.; TRESCKOW, E. Pharmacological aspects of antiresorptive drugs: Bisphosphonates and denosumab. Medication-Related Osteonecrosis of the Jaws., p. 1-15, 2014. PEREIRA, F. A.; PEREIRA, J. C.; PEREIRA, C. A. A. et al., Osteonecrose dos maxilares associado a bifosfonatos. Rev. bras. Cir. Cabeça Pescoço., v. 38, p. 2836, 2010. LAZAROVICI, T. S.; YOFFE, T. Epidemiology of medication-related osteonecrosis of the jaw. Medication-Related Osteonecrosis of the Jaws., p. 55-61, 2014. PEREIRA-SANTOS, D.; MARQUES MENDES-NETO, J., CRAVINHOS, J. C. P. Osteonecrose dos maxilares associada ao uso de bifosfonatos. Rev. Odont. (ATO), Bauru, SP., v. 16, n. 9, p. 924-929, set., 2016. 929 OSTEONECROSE DOS MAXILARES ASSOCIADA AO USO DE BIFOSFONATOS PASSERI, L. A.; BERTOLO, M. B.; ABUABARA, A. Osteonecrose dos maxilares associada ao uso de bisfosfonatos. Rev. bras. Reumatol., São Paulo, v. 51, n. 4, p. 404-7, aug., 2011. OTTO, S.; KWON, T. G.; ASSAF, A. T. Definition, clinical features and staging of medication-related osteonecrosis of the jaw. Medication-Related Osteonecrosis of the Jaws., p. 43-54, 2014. TANVETYANON, T.; STIFF, P. Management of the adverse effects associated with intravenous bisphosphonates. Ann. Oncol., v. 17, n. 6, p. 897-907, 2016. MASOODI, N. A. Oral bisphosphonates and the risk for osteonecrosis of the jaw. Br. J. Med. Pract., v. 2, n. 2, p. 11-5, 2009. CHIU, C. T.; CHIANG, W. F.; CHUANG, C. Y. et al., Resolution of oral bisphosphonate and steroid-related osteonecrosis of the jaw- A serial case analysis. J. oral Maxillofac. Surg., v. 68, n. 5, p. 1055-63, 2010. ALLEN, M. R.; BURR, D. B. 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