osteonecrose dos maxilares associada ao uso de bifosfonatos

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OSTEONECROSE DOS MAXILARES ASSOCIADA AO USO DE BIFOSFONATOS
OSTEONECROSE DOS MAXILARES ASSOCIADA
AO USO DE BIFOSFONATOS
OSTEONECROSIS OF THE JAWS ASSOCIATED
WITH THE USE OF BISPHOSPHONATES
Darklilson PEREIRA-SANTOS *
João MARQUES MENDES-NETO **
Júlio César de Paulo CRAVINHOS ***
_______________________________________
* Professor do Curso de Odontologia da Universidade Estadual Do Piauí – UESPI.
** Acadêmico do Curso de Odontologia da Universidade Estadual Do Piauí – UESPI.
*** Professor Assistente I da Área de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial – Universidade
Federal do Piauí – Teresina.
PEREIRA-SANTOS, D.; MARQUES MENDES-NETO, J., CRAVINHOS, J. C. P. Osteonecrose dos maxilares associada ao uso
de bifosfonatos. Rev. Odont. (ATO), Bauru, SP., v. 16, n. 9, p. 924-929, set., 2016.
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OSTEONECROSE DOS MAXILARES ASSOCIADA AO USO DE BIFOSFONATOS
RESUMO
Bifosfonatos são importantes inibidores da reabsorção óssea e, muito
utilizados no mundo em diferentes indicações, como em doenças benignas e
malignas, como mieloma múltiplo e, tratamento de câncer de próstata, mama e
metástase óssea, além de osteoporose. Importante complicação da sua utilização
crônica passou a ser relatada nos últimos anos, a osteonecrose dos maxilares. Esta
patologia frequentemente ocorre após procedimentos cirúrgicos bucais que incluem
principalmente extrações e cirurgia para instalação de implantes. Embora exodontia
seja fator de risco significativo para osteonecrose dos maxilares, a condição pode
ocorrer, também, na ausência de intervenção dental, tornando enigma sua etiologia.
Incidência associada à terapia crônica de bisfosfonatos e suas complicações podem
ser diminuídas por meio de condutas de prevenção e, tratamento precoce. Baseado
nos dados disponíveis na literatura propôs-se realização de revista envolvendo sua
etiologia, manifestações clínicas, diagnóstico, tratamento e, sobretudo sua
prevenção.
ABSTRACT
Bisphosphonates are important inhibitors of bone resorption and widely
used worldwide in different directions, as in benign and malignant diseases such as
multiple myeloma and treatment of prostate cancer, breast cancer and bone
metastases, and osteoporosis. An important complication of chronic use began to be
reported in recent years, osteonecrosis of the jaws. This condition often occurs after
oral surgical procedures which include mainly extractions and surgery to implant
placement. Although tooth extraction is a significant risk factor for osteonecrosis of
the jaws, the condition can also occur in the absence of dental intervention, which
makes a puzzle etiology. The incidence associated with chronic bisphosphonate
therapy and its complications can be minimized through ducts prevention and early
treatment. Based on available data in the literature, we propose to undertake a
review involving the etiology, clinical manifestations, diagnosis, treatment and
especially prevention.
Unitermos: Bisfosfonatos; Osteonecrose; Cirurgia bucal.
Uniterms: Bisphosphonates; Osteonecrosis; Oral surgery.
INTRODUÇÃO
Bifosfonatos (BFs) são importantes inibidores de reabsorção óssea e,
muito utilizados no mundo em diferentes indicações, como doenças benignas e
malignas, mieloma múltiplo e tratamento de câncer da próstata, mama e metástase
óssea, além de osteoporose (PELAZ; JUNQUERA; GALLEGO et al., 2015).
Este grupo de drogas foi sintetizado no século 19 e, na década de 1960
foi incrementada a utilização terapêutica dos BFs. Continuação da evolução
estrutural e funcional levou à formação de fármacos que inibem reabsorção óssea
de forma mais eficiente, sem prejudicar sua mineralização (FLEISCH, 2002).
Os BFs são análogos sintéticos do pirofosfato inorgânico, em que
átomo oxigênio central é substituído pelo carbono. Estrutura P-C-P dos BFs é
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responsável por sua ligação à matriz óssea e, resistência às enzimas (BART;
TRESCKOW, 2014).
Aqueles mais utilizados são o etidronato, clodronato,
alendronato, risedronato, ibandronato e, o pamidronato (PEREIRA; PEREIRA;
PEREIRA et al., 2010).
Prevalência de ONM com uso oral BP foi estimado como sendo entre
0,01 e 0,05%, tendo exodontia como principal agravante. Sua prevalência com
administração intravenosa BP pode ser tão alta quanto 10%, maior ainda observada
entre doentes com mieloma múltiplo e, menor naquelas pacientes com câncer de
mama (LAZAROVICI; KYOFFE, 2014).
Primeiro relato de caso de Osteonecrose dos Maxilares (ONM)
induzida pelos BFs foi publicado por Marx em 2003 (PASSERI; BERTOLO;
ABUABARA, 2011). Série de 36 casos apresentados e grande quantidade de
publicações tornou-se disponível na literatura a partir de então e, sua etiologia para
esta patologia tornou-se um enigma para a comunidade científica.
REVISTA DA LITERATURA
APRESENTAÇÃO CLÍNICA
A ONM pode permanecer assintomática por semanas, meses ou anos,
podendo resultar em dor ou exposição óssea maxilar ou mandibular. Estas lesões
são mais frequentemente sintomáticas quando tecidos adjacentes se tornam
inflamados ou se houver evidência clínica de infecção (OTTO; KWON; ASSAF,
2014). Aproximadamente 80% dos casos de ONM se desenvolvem após exodontia
e, 20% dos pacientes afetados não estão relacionados com qualquer procedimento
odontológico (TANVETYANON; STIFF, 2016). Geralmente apresentam dor no local
da extração e ausência de reparo, resultando em exposição de osso necrótico e,
ocasionalmente edema localizado, parestesia, secreção purulenta, formação de
fístula buco-sinusal além de osteomielite (TANVETYANON; STIFF, 2016). Osso
exposto pode ter contornos irregulares e grosseiros, podendo ser plano. Mandíbula
é mais frequentemente afetada que a maxila numa proporção de 2:1. Dentes que
estão localizados em sítios ósseos afetados tornam-se móveis e dolorosos e,
fraturas mandibulares patológicas podem ocorrer, sendo, entretanto, complicação
rara (PEREIRA; PEREIRA; PEREIRA et al., 2010).
ETIOLOGIA
ONM frequentemente ocorre após procedimentos cirúrgicos orais que
incluem principalmente exodontia e cirurgia para instalação de implantes. Fatores
de risco para desenvolvimento de ONM incluem trauma, gênero feminino, idade
avançada, regiões edêntulas, radioterapia, quimioterapia, terapia com esteroides,
discrasias sanguíneas / doença metastática, anemia, coagulopatia, procedimentos
cirúrgicos odontológicos, uso de álcool ou tabaco, infecção prévia, além da terapia
com BFs (MASOODI, 2009).
Principal efeito tóxico dos BFs é induzir a apoptose das células dos
osteoclastos. Também, comprometimento da atividade osteoclástica pode favorecer
desenvolvimento de osteonecrose secundária a processos inflamatórios orais ou
procedimentos cirúrgicos na mandíbula (CHIU; CHIANG; CHUANG et al., 2010).
Devido à epitelização ser passo essencial na cicatrização de feridas
após procedimentos cirúrgicos, foi levantada hipótese que tecidos moles da mucosa
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oral poderiam desempenhar papel significativo na ONM. Sugeriu-se que BFs, que
se acumulam no osso, têm efeitos tóxicos diretos sobre epitélio oral, inibindo
cicatrização normal de lesões de tecidos moles causadas por qualquer intervenção
dentária ou outro trauma. Falha na cicatrização de tecidos moles resultaria em
exposição óssea, se tornando necrótico (ALLEN; BURR, 2009).
Evidência atual sugere que pacientes que estão em uso de BFs sofrem
sérios riscos desde que os BFs por via endovenosa sejam utilizados por, pelo
menos, 12 meses, ou por via oral por pelo menos 36 meses, embora exista pequeno
número de casos de pacientes relatando ter tomado por períodos curtos
(RUGGIERO; DODSON; FANTASIA et al., 2014).
DIAGNÓSTICO
Pacientes podem ser considerados com ONM se as três características
estiverem presentes (American Association of Oral and Maxillofacial Surgeons –
AAOMS), como o tratamento atual ou anterior com agentes antirreabsortivos ou antiangiogênicos, exposição óssea na região maxilo-facial persistindo por mais de oito
semanas e, nenhuma história da terapia de radiação para os maxilares
(RUGGIERO; DODSON; FANTASIA et al., 2014).
As radiografias panorâmicas e periapicais mostram mudanças após
30% a 50% de desmineralização. São verificadas áreas radiolúcidas irregulares,
com limites difusos e, após seis meses da exodontia, pouca ou nenhuma ossificação
alveolar é notada (MCLEOD; BRENNAN; RUGGIERO, 2012).
Marcadores de reabsorção óssea, especialmente o telopeptídeo
carboxiterminal do colágeno tipo I (CTx), são aqueles melhores para estimar a
resposta à intervenção no início na pós-menopausa, sendo ainda mais específicos
para a reabsorção óssea. O CTx é um simples exame de sangue dando índice de
turnover ósseo. Níveis séricos de CTx > 150 pg/mL – indicam baixo risco; 100 a 150
pg/mL-risco moderado e, <100 pg/mL-risco elevado (MARX; SAWATARI; FORTIN
et al., 2005).
TRATAMENTO E PREVENÇÃO
Pacientes em terapia com BFs endovenosos devem evitar
procedimentos com trauma ao tecido ósseo. Não devem ser realizados implantes
em pacientes que utilizaram 4 – 12 vezes/ano. Pacientes em terapia com BFs por
via oral devem seguir as seguintes orientações: a) utilização há menos de 03 anos e
sem fatores de risco - todos os procedimentos cirúrgicos podem ser realizados; b)
utilização há menos de 03 anos com utilização de corticosteroides - considerar
suspensão dos BFs 03 meses antes até 03 meses após cirurgia; c) utilização há
mais de 03 anos com ou sem corticosteroides - considerar suspensão dos BFs 03
meses antes até 03 meses após cirurgia (MARX; SAWATARI; FORTIN et al., 2005;
RUGGIERO; GRALOW; MARX et al., 2006 e WOO; HELLSTEIN; KALMAR, 2006).
Com base nos artigos publicados, seguintes recomendações são feitas
pela AAOMS para controle de pacientes em terapia com BFs e, com ONM (TABELA
1) (RUGGIERO; DODSON; FANTASIA et al., 2014).
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TABELA 1 - Recomendações da American Association of Oral and Maxillofacial Surgeons
(2014) para controle de pacientes em terapia com BFs e pacientes com ONM.
ESTÁGIO
TRATAMENTO
Em risco - sem osso
exposto/necrótico.
- Nenhum tratamento - Educação do paciente
Estágio 0 - sem evidências clínicas de
necrose óssea, mas achados clínicos
não específicos e sintomas.
- Conduta sistêmica, incluindo uso de
analgésicos e antibióticos.
Estágio 1 - Osso exposto sem
sintomatologia e sem evidências de
inflamação.
- Educação do paciente.
- Bochechos com antimicrobianos.
- Acompanhamento.
Estágio 2 - Osso exposto/necrótico
associado com infecção, dor com ou
sem drenagem purulenta.
- Educação do paciente.
- Antibioticoterapia e analgésicos.
- Bochechos com antimicrobianos.
- Debridamento superficial para aliviar irritação
dos tecidos moles. - Acompanhamento.
Estágio 3 - Osso exposto/ necrótico
associado com infecção, dor e,
também, existem fraturas patológicas
ou osteólise na borda inferior da
mandíbula e, fístula extra oral.
- Antibioticoterapia e analgésicos.
- Bochechos com antimicrobianos.
- Cirurgia de debridamento/ressecção.
- Acompanhamento.
CONCLUSÕES
A ONM ainda é um enigma para a comunidade científica. Sua
incidência é rara, e com o aumento da expectativa de vida, aumentará o número de
pacientes que utilizam estas drogas, principalmente para o tratamento de
osteoporose.
Assim, prevenção, por meio de educação do paciente e
acompanhamento profissional é a melhor forma de evitar que ocorra.
Procedimentos cirúrgicos devem proporcionar menor trauma possível ao tecido
ósseo, levando-se em consideração tipo de droga utilizada, sua via de administração
e, tempo de utilização para avaliação da necessidade de suspensão da droga.
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_______________________________________
* De acordo com as normas da ABNT e da Revista de Odontologia da ATO.
o0o
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