Vírus T-linfotrópicos humanos (HTLV

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Licenciatura em Bioquímica
Departamento de Biologia
Virologia
Vírus T-linfotrópicos humanos
(HTLV-I e II)
2003/2004
Évora
Trabalho realizado por:
Luís Fernandes nº13290
Mª Alexandra Silva nº15318
Os vírus T-linfotrópicos humanos, tipo 1 (HTLV-I) e tipo 2 (HTLV-II), foram
os primeiros retrovírus humanos descobertos. Pertencem à subfamília Oncoviridae
da família Retroviridae, podendo transformar linfócitos humanos que se mantêm
viáveis in vitro (“imortais”).
Figura 1 – Organização genética dos retrovírus
A estrutura destes vírus compreende uma cápside icosaédrica, e o genoma
são dois segmentos lineares idênticos (e não complementares) de ssRNA+.
Figura 2 – Representação esquemática do HTLV
HTLV-I
Como noutros retrovírus, o genoma proviral do HTLV-I contém os genes
gag, pol e env, flanqueados por sequências terminais repetitivas (LTR). Os três
genes mencionados codificam, respectivamente, para proteínas do core, para o
transcriptase inverso e proteínas do envelope (Bangham et al, 2003).
Figura 3 – Genoma do HTLV-I
Entre as regiões env e a 3’-LTR encontra-se a região pX que codifica para
proteínas de regulação, tais como a p40 (Tax), p27 (Rex), p21, p12 e p13. Entre
estas, a proteína Tax tem um papel central na transformação dos linfócitos, devido
ao seu efeito pleiotrópico. Esta proteína liga-se ao promotor ou à sequência
enhancer mediante a interacção com factores de transcrição ou modeladores de
funções celulares. A interacção com o IKKg, que causa fosforilação do IkB e
activação do NF-kB, resulta na activação transcripcional de genes celulares, tais
como, genes receptores. A ligação do Tax ao CREB provoca a activação
transcripcional de genes virais e celulares (Bangham et al, 2003).
Figura 4 – Mecanismo de trans-activação pela Tax no HTLV-I
Por outro lado, a proteína Tax pode reprimir a transcrição de genes, tais
como, o lck, o p18 e o polimerase de DNA. A interacção directa desta proteína
com proteínas celulares pode interromper as suas funções; a Tax pode desactivar
as funções do p16, inibidor-chave das cinases 4 e 6 dependentes de ciclina, bem
como das MAD1 e p53 (Bangham et al, 2003)..
Deste modo, as funções pleiotrópicas da Tax contribuem para a
imortalidade das células infectadas com o HTLV-I, principalmente os linfócitos T
que contém CD4. Análises dos locais de integração permitiram detectar que a
proliferação das células infectadas in vivo é clonal.
Estudos demonstram que linfócitos T CD4+ infectadas pelo HTLV-I
persistem durante cerca de 7 anos no mesmo indivíduo, levando a crer que este
vírus transforma e imortaliza estes linfócitos.
Após a infecção com o HTLV-I, o período de latência é muito longo (cerca
de 50 anos), indicando que no desenvolvimento da ATL (leucemia/linfoma de
células T do adulto) são necessários múltiplos passos. Durante o período de
latência, acumulam-se mutações genéticas nas células infectadas (Bangham et al,
2003).
No primeiro estágio da ATL, a expressão da Tax tem um papel crítico na
promoção do ciclo celular e na inibição da apoptose das células infectadas. Já no
último passo, mudanças adquiridas pelo genoma do hospedeiro podem substituir a
função da Tax. Como a Tax é o maior alvo citotóxico dos linfócitos T, a perda
desta impede as células infectadas de escaparem à resposta imunitária do
hospedeiro (Bangham et al, 2003).
Para que ocorra a invasão eficiente do HTLV-I de célula para célula é
necessário que haja contacto celular. Contudo, o mecanismo de invasão célula a
célula ainda não está totalmente esclarecido. O HTLV-I expressa uma
glicoproteína, proteína do envelope (env), necessária na infecção e fusão entre
células. Algumas integrinas (ICAM-1, ICAM-3 e VCAM) actuam como cofactores
na fusão celular induzida pelo HTLV-1, aumentando a adesão celular. O contacto
celular induz rapidamente a polarização da célula infectada para a junção celular.
Verifica-se a acumulação de proteínas do core, de glicoproteínas do envelope e
do genoma viral (RNA) na junção celular. Isto ocorre mediante um processo de
transporte intracelular envolvendo o citoesqueleto, com deslocação do Centro
Organizador dos Microtúbulos (MTOC) para a junção celular. O material viral é
então transferido para a célula não infectada, sem necessidade de libertar viriões
(Matsuoka, 2002).
É possível que outros vírus linfotrópicos, como o HIV, usem mecanismos
semelhantes para invadirem células vizinhas (das já infectadas).
Figura 5 – Invasão de um linfócito T pelo HTLV-I
As infecções por HTLV-I e HTLV-II são diagnosticadas serologicamente. A
presença de anticorpos para HTLV-I ou HTLV-II indica que um indivíduo está
infectado pelo vírus. Até recentemente, o único modo seguro para diferenciar
HTLV-I da infecção de HTLV-II era recorrendo ao PCR. Durante a infecção, o
genoma é retrotranscrito em DNA proviral e integrado no genoma da célula
hospedeira. Assim, pela extracção de uma amostra de DNA do indivíduo podem
ser detectadas as sequências provirais por PCR. Tal método é vantajoso, na
medida em que apresenta elevada sensibilidade e é independente da conversão
serológica. A distinção entre os dois tipos de HTLV é conseguida por análise
RFLP.
Nos
últimos
anos,
peptídeos
e
proteínas
recombinantes
foram
desenvolvidos para uso em ensaios serológicos que podem, mais facilmente,
diferenciar os anticorpos de HTLV-I dos de HTLV-II.
Prevalência do HTLV-I
A infecção pelo HTLV-I é endémica no sudoeste do Japão, na Bacia do
Caribe, na Melanesia e nalgumas regiões de África. Nalgumas áreas, onde a
infecção pelo HTLV-I é endémica, a taxa de prevalência atinge 15% da população
total. A prevalência aumenta com a idade e é superior nas mulheres. Nos EUA, a
taxa média de seroprevalência de HTLV-I/II entre dadores de sangue voluntários é
calculada em 0,016 %.
Transmissão do HTLV-I
A transmissão do HTLV-I pode acontecer da mãe para o filho, através do
contacto sexual, pela transfusão de sangue e pela partilha de agulhas
contaminadas.
A
transmissão
mãe-filho
acontece,
principalmente,
na
amamentação; em áreas endémicas para o HTLV-I, aproximadamente 25% de
crianças amamentadas, nascidas de mães seropositivas, adquirem a infecção.
Estudos recentes sugerem que a transmissão de HTLV-I por amamentação
possa estar associada a títulos maternos elevados de anticorpos totais para
HTLV-I. Porém, a utilidade clínica deste marcador ainda não foi estabelecida. A
transmissão intra-uterina ou perinatal de HTLV-I acontece, mas parece ser menos
frequente que a transmissão por amamentação; aproximadamente 5% de crianças
nascidas de mães infectadas, mas não amamentadas, adquirem a infecção.
A transmissão sexual do HTLV-I parece ser mais eficiente de homens para
mulheres que de mulheres para homens. Num estudo realizado em casais, no
Japão, foi calculada a eficiência da transmissão sexual de homens para mulheres
em 61% num período de 10 anos, comparado com menos que 1% de mulheres
para homens. Outro estudo sugere que a presença do anticorpo para a proteína
Tax no homem está associada com a transmissão sexual à mulher. Nos EUA,
aproximadamente 25%-30% dos parceiros sexuais, de dadores de sangue HTLVI/II-seropositivos, são também seropositivos.
A transmissão de HTLV-I pode ocorrer pela transfusão de sangue, bem
como de produtos de sangue celulares (eritrócitos e plaquetas) mas não na
transfusão de plasma ou derivados de plasma de sangue infectado pelo HTLV-I.
Foram verificadas taxas de seroconversão de 44% a 63% em receptores de
componentes celulares infectados com o HTLV-I, em áreas endémicas, enquanto
que nos EUA, foram observadas taxas mais baixas (aproximadamente 20%). A
probabilidade de transmissão pelo sangue total ou eritrócitos em stock parece
diminuir com a duração de armazenamento do produto, em consistência com
depleção de linfócitos T. A partilha de seringas contaminadas é a forma mais
provável de transmissão entre os consumidores de drogas injetáveis.
Trabalhadores da saúde que cuidam de pessoas infectadas só podem ser
infectados por exposição percutânea com o sangue contaminado. Precauções
universais, indicadas para contacto com todos os pacientes, são adequadas
contra a transmissão de HTLV-I em trabalhadores da saúde.
Doenças associadas ao HTLV-I
Existem duas doenças que são associadas ao HTLV-I: leucemia/linfoma de
células T do adulto (ATL) e um quadro neurológico degenerativo crónico,
mielopatia/ paraparesia espástica tropical associada ao HTLV-I (HAM/TSP).
A ATL é uma malignidade nos linfócitos T, positivos para o CD4, infectados
pelo HTLV-I. O genoma proviral é integrado no genoma das células hospedeiras,
conforme descrito anteriormente.
Um amplo espectro clínico foi descrito como característica patológica,
incluindo as formas aguda, crónica, linfomatosa e leve. A forma aguda de ATL é
caracterizada por infiltração de linfonodos, vísceras e pele com células malignas,
resultando em uma variedade de características clínicas. Geralmente são
observados linfócitos anormais em circulação, concentrações anormais dos
enzimas hepáticos e lesões líticas dos ossos. A sobrevivência média é de 11
meses a partir do diagnóstico. A quimioterapia convencional não é eficaz, e
registam-se recaídas frequentes e de progressão rápida, embora a sobrevivência
prolongada tenha sido registada.
Calcula-se que a ATL pode afectar 2 a 4% de pessoas em regiões
onde o HTLV-I é endémico e onde a infecção precoce na infância é comum. A ATL
ocorre frequentemente, entre pessoas dos 40 aos 60 anos de idade, sugerindo um
período de latência de algumas décadas, para o desenvolvimento da doença.
A HAM/TSP é caracterizada pela fraqueza progressiva dos membros
inferiores, perturbações sensoriais e incontinência urinária. Nos pacientes com
HAM/TSP, ao contrário daqueles com esclerose múltipla, os sinais e sintomas são
progressivos, os nervos cranianos não são envolvidos e a função cognitiva não é
afectada. A HAM/TSP desenvolve-se em menos de 1% das pessoas com HTLV-I,
afectando mais mulheres que homens. O período de latência para a HAM/TSP é
mais curto de que para ATL; casos de HAM/TSP foram associados à transfusão
de sangue, com um intervalo médio de 3,3 anos entre a transfusão e o
desenvolvimento da HAM/TSP.
O espectro de doenças associadas ao HTLV-I pode incluir outras
desordens. Casos de polimiosite, artropatia crónica e panbronquite foram
relatados em pacientes infectados com o HTLV-I.
HTLV-II
Até recentemente, não havia informação disponível para diferenciar o
HTLV-II do HTLV-I, devido, em parte, à falta de testes serológicos relativos à
seroepidemiologia ou modos de transmissão do HTLV-II. O HTLV-II é prevalente
entre os consumidores de drogas injectáveis, nos EUA e na Europa; mais de 80%
da seropositividade dos HTLV-I/II em consumidores de drogas nos EUA, é devida
à infecção pelo HTLV-II. O HTLV-II também parece ser endémico em populações
indígenas americanas, inclusive os índios Guaymi no Panamá e os da Flórida e
Novo México.
Presume-se que o HTLV-II seja transmitido de forma semelhante à do
HTLV-I, no entanto, sabe-se muito menos acerca dos modos específicos e da
eficiência da transmissão do HTLV-II. O provírus de HTLV-II foi descoberto no leite
materno de mães infectadas pelo HTLV-II, mas nenhum dado está disponível
relativamente à transmissão a crianças amamentadas. Entretanto, um estudo mais
recente, entre índios Kaiapós no Norte do Brasil, indicou uma taxa de transmissão
vertical de 45%, em crianças nascidas de mães seropositivas para HTLV-II. O
HTLV-II pode ser transmitido sexualmente, por transfusão de sangue ou
componentes do sangue (eritrócitos e plaquetas) e pela partilha de seringas.
A infecção pelo HTLV-II não está claramente associada com qualquer outra
doença. Foram relatadas alguns casos de doenças neurológicas similares a
HAM/TSP e leucemia de linfócitos granulares. Foram publicados casos de
eritrodermatite e infecções bacterianas de pele em pessoas infectadas com HTLVII e HIV-1.
Bibliografia
Bangham, Charles R. M. ; Griffiths, Gillian M.; Goon, Peter K. C. ; Igakura,
Tadahiko; Osame, Mitsuhiro ; Stinchcombe, Jane C.; Tanaka, Yuetsu; Taylor,
Graham P.; Weber, Jonathan N. (2003) Spread of HTLV-I Between Lymphocytes
by Virus-Induced Polarization of the Cytoskeleton, Science.
Matsuoka, Masao (2002) PTCL: Lessons from Adult T-cell Leukemia,
International Journal of Hematology – Suplement II.
http://www.htlv.com.br/index.htm
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