ASPECTOS JURÍDICOS DA PESQUISA COM CÉLULAS

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ASPECTOS JURÍDICOS DA PESQUISA COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS
Orientanda: Alice Krämer Iorra
Orientador: Plínio Saraiva Melgaré
RESUMO: O presente trabalho apresenta uma análise a respeito da evolução histórica das técnicas de
procriação humana artificial, bem como das pesquisas com células-tronco adultas e embrionárias,
mencionando em ambos os casos as descobertas mais relevantes. Para tanto, são examinados aspectos
referentes às novas possibilidades de concepção – enfatizando-se a técnica de fertilização in vitro –, o
problema da infertilidade humana; são caracterizadas minuciosamente as etapas do desenvolvimento
embrionário, e as principais diferenças entre as células estaminais adultas e embrionárias. Feitas tais
considerações, a pesquisa aborda a questão dos embriões transferidos ao ventre materno e os excedentários e,
em vista disso, discute acerca da difícil delimitação do momento em que a vida humana inicia-se. Após,
explana a problemática que envolve as pesquisas com células-tronco embrionárias, permitidas pela Lei de
Biossegurança Nacional (nº. 11.105/2005), mais objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3510-0.
Para finalizar, analisa argumentos favoráveis e contrários à pesquisa com células-tronco embrionárias,
examinando
inclusive
preceitos
legais
e
principiológicos
pertinentes.
Palavras-chave: Fertilização in vitro. Células-tronco embrionárias. Lei de Biossegurança. Ação Direta de
Inconstitucionalidade n.º 3510-0.
ABSTRACT: The present work shows an analysis and the most relevant findings on the historic evolution
of artificial human procreation techniques, as well as on adults and embryonic stem cells researches.
Furthermore, the aspects of new possibilities for conception – by emphasizing the in-vitro fertilization – and
infertility problems, as well as the detailed steps of the embryonic development and the main differences
between the adult and embryonic stem cells has been assessed. After accomplishing these approaches, this
research addresses the issues regarding the transference of embryo to the mother womb and the surplus ones.
It was discussed the difficult task toward the discovery of the exact moment that life begins. It also explains
the embryonic stem cells issues on researches permitted by the National Biosafety Law (n.º 11. 105/2005),
which is also an object of Direct Inconstitutionality Action (n.º 3510-0). Finally, it analyzes the embryonic
stem cells research pros and cons, as well as its relevant legal and ethic aspects.
Key words: In-vitro fertilization. Embryonic stem cells. National Biosafety Law. Direct Inconstitutionality
Action (n.º 3510-0).
INTRODUÇÃO
Se o incontestável progresso das ciências, no tocante à procriação humana artificial, por um lado
possibilitou conquistas que merecem ser comemoradas, por outro vem suscitando problemas de ordem
multidisciplinar.
A evolução da ciência na área da procriação artificial humana ensejou a criação de várias técnicas
capazes de dirimir o problema da esterilidade conjugal. Nesse sentido, o presente propõe-se a realizar um
apanhado histórico das descobertas mais relevantes da ciência nesta área, bem como no tocante à utilização
de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas.
Haja vista a necessidade de utilização de terminologias específicas de determinadas áreas do
conhecimento, a pesquisa também irá abordar conceitos pertinentes à procriação artificial, às fases do
desenvolvimento do embrião e inclusive os atinentes às células-tronco, também conhecidas como célulasmãe ou células estaminais.
Após o estabelecimento das premissas necessárias à compreensão e ao estabelecimento de uma
2
análise crítica, abordar-se-á a questão da fertilização in vitro, cuja técnica consiste em reunir os gametas
feminino e masculino, em meio artificial, visando a fecundação e posterior implantação no útero.
Será também analisada a problemática que envolve os embriões excedentários e a angustiante
delimitação do início da vida humana. Essa polêmica delimitação demonstra-se necessária, na medida em
que a pesquisa pretende examinar os fundamentos concernentes às pesquisas com células-tronco
embrionárias.
Sob a perspectiva dos embriões supranumerários, observam-se pormenorizadamente as origens e
finalidades da Lei de Biossegurança Nacional (n.º 11.105, de 24 de março de 2005). Além disso, também se
examina o polêmico artigo 5º, que permite, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco
embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, e não utilizados no
respectivo procedimento.
Por fim, o trabalho se propõe a analisar criticamente os fundamentos presentes na questão da
pesquisa com células-tronco embrionárias, objeto de recente discussão no Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3510-0. O assunto é, de fato, inquietante e instigante.
1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
1.1 PROCRIAÇÃO HUMANA ARTIFICIAL
A instituição familiar, um dos pilares do direito desde a Antigüidade, apesar de ter perpassado os
tempos adequando-se a mudanças de toda a espécie, parece não se ter abalado em um dos seus elementos
mais genuínos: o projeto parental.
Como bem enfatiza a autora Christine Keler de Lima Mendes, “desde o início dos tempos, a
maternidade é percebida pelos povos como o início de um novo ciclo, assim, as mulheres desenvolvem
dentro de si o desejo de ser mãe, um marco diferencial que consagra de forma concreta a abrangência do
papel feminino na sociedade”.1
Procriar e constituir família sempre foram aspectos muito valorizados em sociedades como a que
vivemos. A possibilidade de o homem dar continuidade à espécie, deixando neste mundo o legado de sua
existência, esteve sempre ligada à sua própria dignidade; e, portanto, em quase todas as sociedades humanas,
a infertilidade foi repudiada como um infortúnio e encarada como um fator negativo, atribuído ora à vontade
dos Deuses, ora à influência das bruxas, ora à cólera dos antepassados. 2
A busca pelo conhecimento sobre a reprodução humana instigou o homem desde os tempos mais
remotos, sendo bem demonstrada em estudos dos distintos mitos e religiões. E, adornada com tabus e
folclores, a medicina mágica estava presente em quase todas as civilizações – na realidade, o homem já
pensava na possibilidade da fecundação fora do ato sexual, desde as mais longínquas épocas, tanto é que se
1 MENDES, Christine Keler de Lima. Mães substitutas e a determinação da maternidade: implicações da reprodução
mediamente assistida na fertilização in vitro heteróloga. Boletim Jurídico, n.º 180. Disponível
em:<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1310> Acesso em: 26 fev. 2008.
2 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e
jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 17.
3
criaram numerosos mitos e folclores a respeito. Como exemplificam as autoras Andrea Androvandi e
Danielle Galvão de França:
Ates – filho de Nana, filha do Rei Sangário, que teria colhido uma amêndoa e colocado em
seu ventre (Grécia); Kwanyin – deusa que possibilitava a fecundidade das mulheres que lhe
prestassem culto (China); Vanijiin – deusa da fertilidade, mulheres que se dirigiam sozinhas
a seu templo retornavam grávidas (Japão); Maria mãe de Jesus (Bíblia); no Brasil é
conhecida a lenda do boto que engravida as mulheres que lhe dirigem o olhar.3
A evolução da ciência na área da procriação artificial humana deu margem à criação de várias
técnicas capazes de contornar esterilidades até então tidas como definitivas. Em vista disso, tem-se que
aquele sonho mítico de viabilidade da procriação prescindindo-se do ato sexual tornou-se uma realidade
palpável.
A fim de melhor compreender o progresso da ciência no tocante às técnicas de procriação artificial, é
imprescindível que se estabeleça uma cronologia, listando as principais descobertas e os procedimentos
relacionados a estes temas: a) Em meados do século XVI, Gabriele Falloppio descobriu a existência das
Trompas de Falópio.4 b) No século XVIII, houve o descobrimento dos espermatozóides, por Antonie Van
Leeuwenhoek.5 c) Por volta de 1770, o biólogo italiano Spallanzani descobre que o contato entre o fluido
seminal e o óvulo é o requisito básico da fecundação em mamíferos.6 d) Em 1910, Elie Ivanof (Russo) foi
responsável pela descoberta da conservação do sêmen, por resfriamento, fora do organismo.7 e) No ano de
1969, Robert Edwards e Patrick Steptoe obtiveram, pela primeira vez, embriões humanos por fecundação in
vitro, capazes de reproduzir.8 f) Em 25 de julho de 1978, nasceu Louise Brown, o primeiro bebê de proveta
do mundo, pelas mãos do embriologista Robert Edwards e o ginecologista Patrick Steptoe. O parto ocorreu
no Hospital Geral da cidade de Oldham, na Inglaterra.9 g) O Governo Inglês, em 1981, instalou o Committee
of Inquiry into Human Fertilization and Embriology, que estudou o caso do nascimento de Louise Brown. As
suas conclusões foram publicadas, em 1984, no Warnock Report. Neste mesmo ano, nascia na Austrália outro
bebê, denominado Baby Zoe, que foi o primeiro ser humano a se desenvolver a partir de um embrião
criopreservado (congelado).10 h) Também no ano de 1984, nasce Anna Paula Caldeira, o primeiro bebê de
proveta brasileiro, na cidade de São José dos Pinhais, Paraná. A inseminação foi feita pelo médico paulista
3 ALDROVANDI, Andrea; FRANÇA, Danielle Galvão de. A reprodução assistida e as relações de parentesco.
Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3127> Acesso em: 26 ago. 2008.
4 TESTART, Jacques. La procreación artificial. Tradução de María José Garcia Ripoll. Madrid: Dominós, 1994, p.
11.
5 Ibid.
6 ROTANIA, Alejandra Ana. Dossiê reprodução humana assistida. Disponível em:
<http://www.redesaude.org.br/Homepage/Dossi%EAs/Dossi%EA%20Reprodu%E7%E3o%20Humana%20Assistid
a.pdf.> Acesso em: 26 fev. 2008.
7 ALDROVANDI; FRANÇA, 2008.
8 Ibidem, p.41-42.
9 UENO, Joji. Reprodução humana assistida: três décadas de evolução. Disponível em:
<http://itodas.uol.com.br/portal/final/materia.aspx?canal=51&cod=3471>Acesso em: 27 fev. 2008.
10 GOLDIM, José Roberto. Bioética e reprodução humana. Disponível em:
<http://www.ufrgs.br/bioetica/biorepr.htm>Acesso em: 28 fev. 2008a.
4
Milton Nakamura.11 i) A partir de 1990, inúmeras sociedades médicas e países estabeleceram diretrizes éticas
e legislação para regulamentar as tecnologias reprodutivas. A Inglaterra, por exemplo, estabeleceu os limites
legais para a reprodução assistida em 1990, com base nas proposições do Warnock Report.12 j) No ano de
1992, o Conselho Federal de Medicina (CFM), antecipando-se a qualquer iniciativa governamental ou
legislativa, regulamentou a utilização das técnicas de reprodução assistida através da Resolução n.° 1.358/92,
a qual estabelece os critérios técnicos e éticos a serem seguidos por todos os médicos brasileiros que utilizam
o procedimento.13 k) Em 1993, foi instalado o primeiro banco de sêmen brasileiro, no Hospital Albert
Einstein.14
Quando em 1978 o mundo se encantou com o nascimento do primeiro “bebê de proveta”, jamais se
poderia imaginar que a ciência da Reprodução Humana pudesse desenvolver-se de forma tão veloz. Hoje, é
possível que homens que não produzem espermatozóides e a mulheres que não ovulam terem um bebê
concebido em laboratório de fertilização.
É notória a evolução da Medicina Reprodutiva; e várias técnicas, ainda em desenvolvimento,
permitem vislumbrar resultados cada vez mais animadores. Consoante explanação realizada pelo professor e
médico Nilo Frantz – gaúcho pioneiro no desenvolvimento da especialidade da Reprodução Humana –, no
Encontro Científico Sobre Infertilidade e Reprodução Humana, a medicina reprodutiva caminha a passos
largos em busca da resolução da grande maioria dos casos de infertilidade. Para se ter uma idéia, a ciência da
Reprodução Humana consegue hoje oferecer para os casais que se submetem ao tratamento de fertilização in
vitro, cuja mulher tenha menos de 35 anos, chances de gravidez de aproximadamente 50% por tentativa. Na
década de 80, as chances eram somente de 5% a 10% (informação verbal).15
Muitas foram as causas que tornaram possível esse avanço, dentre elas o autor Bruno Lewiki aponta,
com propriedade, que “o poder que advém do conhecimento biotecnológico acende motivações
intrinsecamente ligadas tanto ao aumento da 'oferta' dos serviços ligados à reprodução assistida, quanto da
'demanda' por estes mesmos serviços”. 16 Deduz-se daí que o desenvolvimento de novas técnicas, o aumento
da eficácia dos tratamentos, o crescimento da procura pelos casais e a existência de um maior número de
clínicas estão fazendo com que haja não só um recrudescimento dos tabus a respeito da fertilização em
laboratório, como também uma maior acessibilidade da população aos tratamentos. Além disso, esse
aumento da busca pelo tratamento da infertilidade pode ser atribuído à maior divulgação das técnicas de
reprodução assistida, sobretudo no tocante aos resultados alcançados. Isso, sem dúvida, estimula e encoraja
11 GREENHALGH, Laura et al. A fábrica da vida. Revista Época. Disponível em:
<http://epoca.globo.com/edic/19980720/capa1.htm>Acesso em: 26 fev. 2008.
12 GOLDIM, 2008a.
13 PEDROSA NETO, Antônio Henrique; FRANCO JÚNIOR, José Gonçalves. Reprodução Assistida. In: COSTA,
Sérgio Ibiapina Ferreira; OSELKA, Gabriel; GARRAFA, Volnei (Coord). Iniciação a bioética. Brasília: Conselho
Federal de Medicina, 1998, p. 111-124.
14 LEWICKI, Bruno. O homem construtível: responsabilidade e reprodução assistida. In: BARBOZA, Heloísa Helena;
BARRETO, Vicente de Paulo (Org). Temas de biodireito e bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 58.
15 Informação fornecida por Nilo Frantz e Marcelo Ferreira no Encontro Científico sobre Infertilidade e Reprodução
Humana, em 12 dez. 2007.
16 LEWICKI, 2001, p. 103-104.
5
muitos casais inférteis a cada vez mais procurarem o tratamento mais adequado.
1.2 PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO
As pesquisas com células-tronco vêm suscitando inúmeros questionamentos na atualidade, não só de
ordem ideológica, científica e médica, mas também de cunho antropológico, filosófico, religioso e moral.
Trata-se, portanto, de matéria salientemente multidisciplinar. A fim de que se possa compreender a vasta
temática das células-tronco, também denominadas “células-mãe” ou “células estaminais”, faz-se necessário
investigar sua origem, suas funções e demais aspectos pertinentes.
O primeiro cientista a descrever uma célula foi o inglês Robert Hooke em 1665. Ao observar um
pedaço de cortiça em um microscópio, Hooke percebeu que aquele material era construído por pequenas
fileiras do que pareciam ser “caixas vazias”. Essas “caixas” lembraram-lhe celas de monges e, por essa razão,
batizou-as de células. 17
Apesar de o descobrimento da célula ter ocorrido em 1665, somente no ano de 1839 os alemães
Theodor Schwann e Matthias Jakob Schleiden desenvolveram as bases da “teoria celular”, ao concluírem que
a célula é a unidade estrutural básica de todos os seres vivos. 18
A partir desse momento, pesquisadores do mundo inteiro sentiram-se instigados com a possibilidade
de criar um organismo adulto completo a partir de uma célula – o que, para a época, representava um desafio
desmedido. Muitos estudos desenvolveram-se, e numerosas pesquisas resultaram inexitosas, até que Robert
Briggs e Thomas King, no ano de 1952, conseguiram realizar a primeira clonagem de sapos a partir de
células embrionárias19, o que simbolizou um progresso científico inestimável.
Desde então, muitas descobertas foram sendo realizadas em laboratórios, mas as pesquisas com as
chamadas células-tronco adultas – como as originadas da medula óssea e as do cordão umbilical de recémnascidos – tiveram seu marco inicial somente no ano de 1968, data em que, segundo a professora de
Hematologia da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Patrícia Pranke, foi
realizado o primeiro transplante de medula óssea com sucesso no mundo.
20
Também segundo Pranke, a
utilização das células-tronco de cordão umbilical deu-se anos mais tarde, conforme se verifica:
O primeiro relato de uso de células de sangue de cordão umbilical humano em transplante
foi em 1988, pela doutora Eliane Gluckman, do Hospital Saint-Louis em Paris, França.
Gluckman e colaboradores utilizaram o sangue de cordão umbilical da irmã de um paciente
com anemia de Fanconi para realizar o transplante, o qual foi um sucesso. 21
17 BUCHALLA, Anna Paula; PASTORE, Karina. Células-tronco: células da esperança. Disponível em:
<http://www.drashirleydecampos.com.br/noticias/10316 >Acesso em 02 abr. 2008.
18 HARRIS, William. Teoria celular. Disponível em: <http://ciencia.hsw.uol.com.br/metodos-cientificos4.htm>
Acesso em: 28 fev. 2008.
19 LEITE, Leonardo. Clonagem. Disponível em: <http://www.ghente.org/temas/clonagem/index_hist%F3rico.htm>
Acesso em: 25 mar. 2008.
20 PRANKE, Patrícia. A revolução das células-tronco. Revista Mundo Jovem, v. 45, n. 380, set. 2007, p. 7.
21 PRANKE, Patrícia. A importância de construir bancos de sangue de cordão umbilical no Brasil. Disponível em:
<http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=s0009-7252004000300018&script=sci_arttext> Acesso em: 12 mar.
2008a.
6
Em que pese as descobertas científicas terem sido significativas até então, no ano de 1998 a equipe
do professor James A. Thomson, na Universidade de Wisconsin (instituição que detém a maioria das patentes
sobre linhagens de células-tronco humanas nos Estados Unidos) conseguiu isolar as primeiras células-tronco
de embriões humanos. Neste mesmo ano, também foram isoladas células embrionárias germinativas
humanas, derivadas das células reprodutivas primordiais de fetos, pelo embriologista John D. Gearhart, da
Universidade Johns D. Hopkins (EUA). 22
Em virtude da profusão do desenvolvimento tecnológico, cujas possibilidades nunca foram
imaginadas pelo direito, trata-se de matéria com escassa proteção legal. Contudo, alguns países possuem
legislação específica, como é o caso da Alemanha, que através da Lei Federal de 13 de dezembro de 1990
proibiu a pesquisa a partir de embrião humano por considerá-lo, desde o momento da fecundação, como um
ser humano.23
Como se sabe, ao Direito não cabe impor barreiras nem estabelecer divisas morais e religiosas
intransponíveis, mas sim disciplinar fatos que, inevitavelmente, venham a surgir em decorrência da evolução
humana. A fim de regulamentar essas pesquisas e seus alcances, algumas alterações legislativas foram
surgindo e posições bem distintas foram adotadas em diversas partes do mundo.
A Dinamarca e a Suécia, por exemplo, embora condenem a clonagem, permitem a pesquisa a partir
de embriões existentes com menos de catorze dias.24 Contudo, na Irlanda – um dos países mais rígidos
quanto à manipulação de células-tronco –, a Constituição proíbe qualquer forma de pesquisa realizada com
embriões. Da mesma forma, a Áustria, a Noruega e a Suíça condenam a pesquisa com embriões humanos e a
produção de embriões para outros fins, que não a procriação.25
Nos Estados Unidos, porém, há um grande contingente de legislação devido à autonomia dos
estados. Em linhas gerais, os estudos foram autorizados durante o governo de Bill Clinton, mas o atual
presidente, George W. Bush, coagido por grupos religiosos, suprimiu o financiamento federal para esse tipo
de pesquisa, deixando para as instituições privadas o encargo com os investimentos.26 Uma posição mais
liberal foi adotada na China: em fevereiro de 2004, foram aprovadas as primeiras regulamentações que
permitiam pesquisas com embriões humanos para retirada de células-tronco.27
No Brasil, verifica-se o nítido conflito entre as diversas áreas do conhecimento. Embora a Lei de
Biossegurança (n.º 11.105/05) permita, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco
embrionárias, tramita no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade (n.º3510-0), cujo
22 GOLDIM, José Roberto. Pesquisas com células-tronco. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/bioetica/celtron.htm>
Acesso em: 12 mar. 2008c.
23 ALEMU, Catherine. Como regulamentar as biotecnologias? Disponível em:
<http://www.ambafrance.org.br/abr/label/label49/dossier/07.html>Acesso em: 12 mar. 2008.
24 ALEMU, 2008.
25 Ibid.
26 ZAGO, Marco Antônio; ZATZ, Mayana; CARVALHO, Antônio Carlos Campos de. A propósito da ação direta de
inconstitucionalidade da lei que autoriza a pesquisa com células-tronco embrionárias. Disponível em:
<www.ghente.org/temas/celulas-tronco/abc_prol_cel_tronco.pdf -> Acesso em: 18 mar. 2008.
27 BIOSSEGURANÇA e as pesquisas com células-tronco. Revista Jurídica Consulex, Brasília, v. 8, n. 180, de 15 jul.
2004, p. 22.
7
objetivo é declarar a inconstitucionalidade do referido artigo. Trata-se, portanto, de matéria não-definida.
Ante as posições distintas estabelecidas no mundo, Casabona verifica que:
Diante da fomentação da liberdade de investigação por parte de alguns e, através destes,
dos avanços científicos que resultarão no benefício das gerações futuras e provavelmente
também das atuais, contrapõe-se, por parte de outros, o critério de que deve preservar em
todo caso a proteção do embrião e do feto humanos por meio de um estatuto jurídico
específico.28
Isso posto, pode-se concluir que as pesquisas com células-tronco embrionárias e adultas são muito
promissoras e que acenam grande possibilidade de cura de uma série de moléstias que acometem grande
contingente da população, contudo, suscitam questionamentos desfavoráveis em diversas áreas do
conhecimento humano.
2 AS NOVAS POSSIBILIDADES DE CONCEPÇÃO E A MANIPULAÇÃO DO EMBRIÃO
O objeto desta pesquisa envolve matérias que não são propriamente jurídicas – reflexo, decerto, da
interdisciplinaridade presente nos saberes contemporâneos. A fim de compreender a questão central do
trabalho, imprescindível analisar minuciosamente os termos técnicos pertinentes.
2.1 REPRODUÇÃO ASSISTIDA E INFERTILIDADE
As tecnologias da infertilidade – também denominadas técnicas de reprodução assistida, conforme
terminologia adotada no Brasil pelo Conselho Federal de Medicina (Resolução 1.358/92) – “compõem um
conjunto de procedimentos em reprodução humana no qual o aparato biomédico interfere de alguma forma,
ora manuseando gametas, ora manipulando pré-embriões”.29 Para Maria Helena Diniz, a reprodução humana
assistida pode ser entendida como “um conjunto de operações para unir artificialmente os gametas feminino
e masculino, dando origem a um ser humano”.30
Insta salientar, de início, que as técnicas de reprodução assistida ou de procriação artificial humana
não são consideradas um remédio terapêutico para o problema da infertilidade, embora alguns doutrinadores
defendam que ela deva ser entendida como tal. Ressalte-se que a infertilidade é uma enfermidade registrada
na Classificação Internacional de Doenças criada pela Organização Mundial de Saúde31; entretanto, como a
reprodução assistida não investe diretamente sobre a doença – esterilidade e infertilidade –, não há de se falar
em terapia. O que ocorre é a substituição de um ato natural que dá origem à concepção por um ato técnico,
todavia ao final do processo, os que procriaram continuam inférteis.32
28 CASABONA, Carlos M. Romeo. Investigação e terapia com células-mãe embrionárias: qual o regulamento jurídico
para a Europa? In: SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coord.) Bioética,
biodireito e o Código Civil de 2002. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 126.
29 SILVA, Reinaldo Pereira e. Introdução ao biodireito: investigações político-jurídicas sobre o estatuto da
concepção humana. São Paulo: LTr, 2002, p. 52-53.
30 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 452.
31 HEALTH Topics. Disponível em: <http://www.who.int/topics/en/#I>Acesso em: 12 fev. 2008.
32 A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a infertilidade como a ausência de concepção natural depois de pelo
menos um ano de encontros sexuais periódicos sem proteção anticoncepcional (tradução nossa). In: AMERICAN
SOCIETY FOR REPRODUCTIVE MEDICINE. How is infertility diagnosed? Disponível em:
8
Nesse sentido, Débora Diniz e Roseli Gomes Costa lecionam que:
[...] O principal objetivo das tecnologias conceptivas não seria reverter ou solucionar as
possíveis causas de infertilidade que conduzem à infecundidade involuntária, mas garantir a
produção de um bebê. Solucionar a infecundidade pela produção de um bebê com laços
biológicos com os genitores é a promessa de resultado das tecnologias conceptivas. 33
O desenvolvimento das técnicas de reprodução assistida trouxe uma possibilidade real aos casais
com problemas de infertilidade, auxiliando-os a realizar um dos mais primitivos desejos humanos, qual seja a
reprodução. Contudo, ao lado dos benefícios trazidos com o desenvolvimento dessas técnicas, surgiram
preocupações e questionamentos de ordem técnica, moral, religiosa, jurídica e, principalmente, de natureza
ética.
Segundo dados estimados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 8% e 12% dos casais de
todo mundo têm dificuldade em conceber uma criança em algum momento de suas vidas (tradução nossa). 34
Além disso, dados recentes demonstram que a infertilidade afeta de 50 a 80 milhões de pessoas no mundo
(tradução nossa).35 Calcula-se que em torno de 30% dos casos de infertilidade decorram de alterações
exclusivamente femininas (informação verbal),36 enquanto 30% por fatores exclusivamente masculinos.37
Em 30% dos casos, ambos têm alterações, e nos 10% restantes a causa da infertilidade é de difícil
diagnóstico (informação verbal).38
Portanto, embora as técnicas de reprodução assistida tenham surgido como uma solução aos casais
com dificuldades de procriar, elas suscitam diversos questionamentos, tanto pelo fato de substituírem o
método natural de produção de descendência, quanto por ocasionarem o surgimento de embriões
excedentários. Nesse último aspecto, de forma especial deve-se analisar uma série de discussões para dirimir
os antagônicos debates científicos a respeito da matéria.
2.2 PRÉ-EMBRIÃO, EMBRIÃO E FETO
As técnicas de reprodução humana artificial tornam possível a superação de muitas dificuldades que
<http://www.asrm.org/Patients/faqs.html#Q1> Acesso em: 28 fev. 2008.
33 COSTA, Roseli Gomes; DINIZ, Débora. Infertilidade e infecundidade: acesso às novas tecnologias conceptivas.
Disponível em: <http://www.anis.org.br/serie/artigos/sa37(dinizgomes)ntrs.pdf.> Acesso em 12 fev. 2008.
34 DAAR, Abdallah S.; MERALI, Zara. Infertility and assisted reproductive technologies in the developing world
- Infertility and social suffering: the case of ART. Disponível em: <http://www.who.int/reproductivehealth/infertility/5.pdf.> Acesso em: 25 mar. 2008
35 WORLD HEALTH ORGANIZATION. Infertility: a tabulation of available data on prevalence of primary
secondary infertility. Geneva, WHO, Programme on Maternal and Child Health and Family Planning, Division of
Family Health, 1991. apud: Ibid.
36 Dentre as causas exclusivamente femininas de infertilidade destacam-se: lesões das trompas de falópio, tumores no
útero, lesões do colo uterino, transtornos hormonais e anomalias no aparelho reprodutor. In: Informação fornecida
por Nilo Frantz e Marcelo Ferreira no Encontro Científico sobre Infertilidade e Reprodução Humana, em 12 dez.
2007.
37 Dentre as causas exclusivamente masculinas de infertilidade destacam-se: a oligospermia (caracterizada pelo
diminuto volume de espermatozóides), a aspermia (ausência total de espermatozóides) e a astenospermia
(caracterizada pela fraca mobilidade dos espermatozóides). In: SILVA, 2002, p. 51-52.
38 Informação fornecida por Nilo Frantz e Marcelo Ferreira no Encontro Científico sobre Infertilidade e Reprodução
Humana, em 12 dez. 2007.
9
impediriam a maternidade e a paternidade. Essas técnicas podem ser realizadas “in vivo, quando a
fertilização dá-se no organismo feminino, ou in vitro, quando fora, ou seja, em laboratório”. 39
Quando a fertilização ocorre na condição extracorpórea, o médico promove a reunião do material
genético feminino e masculino em uma “placa de petri” ou em um tubo de ensaio, com vistas à fusão e à
conseqüente formação do ovo ou zigoto (óvulo já fecundado), que por sua vez será introduzido no útero da
mulher tão logo for constatado o início da sua divisão celular (entre o terceiro e quinto dia).40
Da fusão dos gametas feminino e masculino, surgirá o chamado pré-embrião,
41
cuja denominação
assim se justifica: segundo Pranke, “inúmeros óvulos fecundados são eliminados naturalmente antes de se
implantarem no útero. O termo embrião, portanto, seria aplicado apenas àqueles que já estivessem nidados
no endométrio materno”. 42
Todavia, de acordo com o relatório da Comissão Warnock, criada pelo governo britânico em 1982, a
denominação de pré-embrião é utilizada até o 14º dia após a fecundação, quando começa o desenvolvimento
do sistema nervoso central – ou seja, o embrião seria considerado um indivíduo aproximadamente catorze
dias após a fecundação. Sendo assim, “muitos comitês éticos permitem sua pesquisa, adotando a
denominação de pré-embriões para diferenciá-los dos embriões, com os quais certos procedimentos não
podem ser realizados”. 43
A posição do Conselho Federal de Medicina é liberal nesse sentido, pois entende que o embrião, até
um certo estágio, não passa de um simples conjunto de células indiferenciadas e, como qualquer outro
material genético, pode ser objeto de experiências.44 Para alguns doutrinadores, a palavra “pré-embrião” é
imprópria, conforme se observa na citação de Jérôme Lejeune, geneticista francês, realizada por Maria
Helena Diniz:
Embrião: ‘... Essa a mais jovem forma do ser....' Pré-embrião: essa palavra não existe. Não
há necessidade de uma subclasse de embrião a ser chamada de pré-embrião, porque nada
existe antes do embrião; antes de um embrião existe apenas um óvulo e o esperma; quando
o óvulo é fertilizado pelo espermatozóide a entrada assim constituída se transforma em um
zigoto; e quando o zigoto se subdivide torna-se em embrião.45
39 FREITAS, Vilmon de. Reprodução assistida. In: GINECOLOGIA de consultório. São Paulo: Editora de Projetos
Médicos, 2003, p. 185.
40 VASCONCELOS, Cristiane Beuren. A proteção jurídica do ser humano in vitro na era da biotecnologia. São
Paulo: Atlas, 2006, p. 17.
41 “É a denominação utilizada por alguns autores, em especial norte-americanos, para o concepto?? humano nos
primeiros seis a sete dias de desenvolvimento, isto é, desde a fecundação até a implantação no útero”. In: GOLDIM,
José Roberto. Pré-embrião. Disponível em: <http://www.bioetica.ufrgs.br/prembri.htm> Acesso em: 12 mar. 2008d.
42 PRANKE, Patrícia. A importância de discutir o uso de células-tronco embrionárias para fins terapêuticos.
Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252004000300017&script=sci_arttext >
Acesso em: 12 mar. 2008b.
43 Ibid.
44 Consoante Seção IV, do art. 3.º da Resolução n.° 1.358/93: “O tempo máximo de desenvolvimento de pré-embriões
'in vitro' será de 14 dias”. In: CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução 1.358 de 11 de novembro de
1992. Adota normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida. Disponível em:
<http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1992/1358_1992.htm> Acesso em: 28 mar. 2008.
45 LEJEUNE, Jérôme apud: DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001, p.406.
10
Após a fase de pré-embrião, inicia-se por óbvio a fase do embrião.46
Nesse período do
desenvolvimento embrionário, ocorre a nidação completa do blastocisto no útero materno, momento em que
as ligações complexas entre mãe e filho desenvolvem-se para formação da placenta.47 Para finalizar essa
etapa do desenvolvimento, a oitava semana caracteriza-se como o período em que o sistema nervoso está
receptivo, e muitos órgãos internos começam a funcionar.48
Em seguida, inicia-se a fase do feto que, por sua vez, é o “organismo humano em desenvolvimento,
no período que vai da nona semana de gestação ao nascimento”.49 Durante essa fase, ocorrem alterações
significativas: é o final do período gestacional.50
Tais definições mostram-se imprescindíveis. Na atualidade, as técnicas de fertilização in vitro
produzem embriões supranumerários – aqueles que não serão implantados na mãe, sendo condenados ao
congelamento por tempo indeterminado ou ao descarte – e, sendo assim, poderiam ser utilizados em
pesquisas científicas.
2.3 CÉLULAS-TRONCO ADULTAS
As células-tronco adultas são “células indiferenciadas encontradas no corpo e se dividem para
repovoar células moribundas e regenerar tecidos danificados”. 51
Segundo Mayana Zatz, titular de genética e coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano
– Departamento de Biologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), as célulastronco são “progenitoras que mantém a capacidade de diferenciar-se nos inúmeros tecidos (sangue,
músculos, nervos, ossos, etc.) do corpo humano”.52 Para o coordenador do Centro de Terapia Celular de
Ribeirão Preto, Marco Antônio Zago, as células-tronco diferenciam-se das demais do organismo por
apresentarem três características primordiais:
a) são indiferenciadas e não-especializadas;
b) são capazes de se multiplicar por longos períodos mantendo-se indiferenciadas, de forma
que um pequeno número pode originar uma grande população de células semelhantes;
c) são capazes de se diferenciar em células especializadas de um tecido particular.53
46 Compreendido como o “ser humano nas primeiras fases de desenvolvimento, isto é, do fim da segunda até o final da
oitava semana, quando termina a morfogênese geral”. In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de
Inconstitucionalidade n.° 3510-0, voto Ministro Carlos Ayres Britto. Brasília, DF, 05 mar. 2008. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/adi3510relator.pdf>Acesso em 06.03.2008
47 No final da quarta semana de gestação, um coração primitivo começa a tomar forma, além da cabeça, boca, fígado e
intestinos. In: MOORE, Keith L. Fundamentos de embriologia humana. Tradução de Leonel Costa Curta. São
Paulo: Manole, 1990, p. 2.
48 Ibid., p. 28.
49 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Ação... 05 mar. 2008.
50 A partir da nona semana, o feto começa a criar músculos, unhas, pêlos, olhos e língua, e assim segue
progressivamente até sua formação completa e posterior nascimento. In: MOORE, op. cit., p. 32.
51 CRAVEIRO, Rodrigo. Células-tronco: o que são. Disponível em: <http://www.celulatronco.com/noticias.php?codigo=45#> Acesso em: 13 abr. 2008.
52 BIOSSEGURANÇA e as pesquisas com células-tronco. Revista Jurídica Consulex, São Paulo, v. 8, n. 180, 15 jul.
2004, p. 23.
53 ZAGO, Marco Antônio. Células-tronco: origens e propriedades. In: CÉLULAS tronco, a nova fronteira da
medicina. São Paulo: Atheneu, 2006, p. 4.
11
Também conhecidas como somáticas, as células-tronco adultas podem ser encontradas em vários
tecidos de crianças e adultos – por exemplo, na medula óssea, no sangue da menstruação, em células de
gordura, no fígado e até mesmo na pele. 54
Inexiste definição no meio científico a respeito de quais tecidos essas células-tronco adultas são
capazes de se diferenciar, entretanto “pesquisas recentes mostraram que células-tronco retiradas da medula
óssea de indivíduos com problemas cardíacos foram capazes de ajudar a reconstruir o músculo do seu
coração”.55 Além disso, “importantes avanços têm sido feitos nos tratamentos do mal de Parkinson, diabetes
juvenil e lesões na medula”.56
As células em questão também poderão ser encontradas no sangue do cordão umbilical e no líquido
amniótico; entrementes, haveria um problema de compatibilidade entre as células-tronco do cordão do
doador e o receptor; e, para que isso se tornasse viável, seria necessário criar bancos públicos de cordão
umbilical.57
Ademais, estudos recentes “têm mostrado que a polpa de dentes decíduos é rica em células-tronco
adultas” 58, o que é certamente uma alternativa que não envolve grandes polêmicas, porquanto toda a criança
perde os dentes de leite entre os 6 e 12 anos de idade.
A utilização de células-tronco adultas em pesquisas não gera polêmica entre a comunidade científica,
pois a produção dessas estruturas adultas não demanda a destruição do “embrião”. Mas é preciso considerar
que esse tipo de células não possui as mesmas características das embrionárias, como por exemplo, a
flexibilidade.
2.4 CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS
As pesquisas com células-tronco embrionárias estão sendo desenvolvidas nos países que permitem
tais estudos: Inglaterra, Austrália, Canadá, China, Bélgica, Holanda, Alemanha, Israel, dentre outros. Sua
coleta pode ser assim realizada: “retiradas de embriões excedentes, descartados em clínicas de fertilização in
vitro por não terem qualidade para implantação ou por terem sido congelados por muito tempo, e também
pela técnica de clonagem terapêutica”. 59
As células, encontradas em embriões humanos de até 14 dias, têm capacidade de se transformarem
em todos os tecidos do organismo e de produzirem cópias idênticas de si mesmas, ou seja, possuem a
capacidade de auto-renovação.60 Por essa razão, menciona a geneticista Mayana Zatz, “as pesquisas com tais
células acenam a possibilidade de cura para inúmeras doenças degenerativas, muitas delas letais, como as
54 ZATZ, Mayana. Terapia com células-tronco e clonagem terapêutica. Revista Jurídica Consulex, v. 8, n. 180, 15 jul.
2004, p. 24.
55 PASSOS-BUENO, Maria Rita; ZATZ, Mayana. Centro de Estudos do Genoma Humano. Disponível em:
<http://genoma.ib.usp.br/celulastronco/infogerais.php> Acesso em: 31 mar. 2008.
56 CRAVEIRO, 2008.
57 PASSOS-BUENO; ZATZ, op. cit.
58 Ibid.
59 ZATZ, 2004, p. 24.
60 PASSOS-BUENO; ZATZ, 2008.
12
doenças neuromusculares, diabetes, mal de Parkinson, câncer e lesões medulares, que provocam paraplegia e
tetraplegia”.61 Neste diapasão, Marco Antônio Zago menciona com propriedade:
Quando o óvulo é fecundado pelo espermatozóide, forma-se uma célula. Essa célula sofre
repetidas divisões formando um 'embrião' que, se conseguir implantar-se no útero, poderá
desenvolver-se até a fase final do feto e finalmente um adulto. Na fase inicial desse
processo (4 ou 5 dia), o 'embrião' (neste momento chamado de blastocisto) contém uma
camada externa e uma massa celular interna. As células da massa interna vão dar origem a
todos os órgãos e tecidos do embrião, ao passo que a camada externa das células vai
originar alguns tecidos restritos da placenta. Essas células da massa celular interna podem
ser retiradas e cultivadas, dando origem a linhagens de células-tronco embrionárias, que
têm capacidade de diferenciar-se nos diversos tecidos do adulto. 62
O inciso XI, do Art. 3.º da Lei n.º 11.105/2005, Lei de Biossegurança, é sucinto porquanto define as
células-tronco embrionárias como as “células de embrião que apresentam a capacidade de se transformar em
células de qualquer tecido do organismo”.63
Conforme identifica Alexandra Vieira, farmacêutica e bioquímica, pesquisadora da Fundação
Zerbini/INCOR, em São Paulo, a diferença entre as células-tronco adultas e embrionárias está no fato de que:
Célula-tronco embrionária (pluripotente) são células primitivas (indiferenciadas) de
embrião que têm potencial para se tornarem uma variedade de tipos celulares
especializados de qualquer órgão ou tecido do organismo. Já a célula-tronco adulta
(multipotente) é uma célula indiferenciada encontrada em um tecido diferenciado, que pode
renovar-se e (com certa limitação) diferenciar-se para produzir o tipo de célula
especializada do tecido do qual se origina. 64
Levando-se em consideração a origem das células-tronco embrionárias, é indispensável que se
aborde a fertilização in vitro, cujo objetivo principal é possibilitar a procriação àqueles impedidos de gerar.
Ocorre que ocasiona, contudo, a figura dos embriões supranumerários.
3 PROCRIAÇÕES ARTIFICIAIS E A QUESTÃO DOS EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS
Sabe-se que a constatação da esterilidade feminina ou masculina pode vir acompanhada de um
desejo intenso de superar o diagnóstico e de buscar a oportunidade de engravidar por todo ou qualquer meio
científico, oferecido pelas tecnologias modernas de reprodução assistida.
Dentre os principais métodos de reprodução artificial humana destacam-se inseminação intra-uterina,
também conhecida como “inseminação artificial”; injeção intracitoplasmática de espermatozóides (ICSI);
61 ZATZ, Mayana. É preciso salvar vidas. Revista Veja, São Paulo, v. 41, n. 9, 5 mar. 2008a, p. 14.
62 ZAGO, op. cit., p. 7.
63 BRASIL. Lei n.° 11.105, de 23 de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da
Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam
organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança –
CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de
Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de
agosto de 2001, e os arts. 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º e 16º da Lei n.º 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras
providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11105.htm> Acesso em 10 mar. 2008.
64 VIEIRA, Alexandra. Células-tronco: o que são e para que servem. 15 fev. 2005. Disponível em:
<http://noticias.terra.com.br/ciencia/interna/0,,OI472268-EI1434,00.html> Acesso em: 11 mar. 2008.
13
transferência intratubária de gametas (GIFT); fertilização in vitro (FIV).65 Levando-se em consideração o
artigo 5º da Lei de Biossegurança, é necessário que se aborde a temática da fertilização in vitro.
3.1 FERTILIZAÇÃO IN VITRO E TRANSFERÊNCIA DE GAMETAS (FIV-ET - IN VITRO
FERTILIZATION EMBRIO-TRANSFER)
As técnicas de fertilização in vitro procuram, em suma, reproduzir artificialmente o ambiente das
trompas de Falópio, promovendo a fecundação dos gametas humanos em um tudo de ensaio e transferindo,
posteriormente os embriões obtidos para o útero da mulher.66 Nesse sentido, a autora Heloisa Helena
Barboza define a fertilização in vitro (FIV) como sendo a “técnica mediante a qual se reúnem in vitro os
gametas masculino e feminino, em meio artificial adequado, propiciando a fecundação e formação do ovo, o
qual, já iniciada a reprodução celular, será implantado em útero materno”.67
Consoante reportagem veiculada pela Globo News, em 26 de novembro de 2007, a fertilização in
vitro é uma das técnica de reprodução assistida mais utilizadas pelos casais com problemas de fertilidade,
tanto é que na atualidade existem cerca de 3 milhões de “bebês de proveta” no mundo, e no Brasil este
número representa a significativa parcela de 12 mil crianças (informação verbal).68
Na fertilização in vitro, a depender da proveniência dos gametas masculino e feminino, pode-se falar
em fertilização homóloga e fertilização heteróloga. Comportará a primeira denominação, sempre que os
gametas e o útero gestacional provierem dos cônjuges envolvidos na prática médica; e a segunda nos casos
em que ocorrer a necessidade de utilização de um ou de ambos os gametas de terceiros, bem como o recurso
à outra estrutura uterina de gestação. 69
Tendo em vista transferência de pré-embriões ao útero materno quando ocorre a fertilização in vitro
bem sucedida, qual seria a destinação a ser dada aos embriões que excederem o número ideal de
transferência? Os óvulos restantes, já fecundados, poderão ter um dos destinos a seguir descritos – serem
simplesmente descartados ou congelados para uso posterior em determinados tipos de pesquisas científicas,
como as com células-tronco.
3.2 EMBRIÕES TRANSFERIDOS E EXCEDENTÁRIOS
Sendo a fertilização in vitro bem-sucedida, os embriões deverão ser transferidos para o útero
materno, a fim de que prossigam seu desenvolvimento. Mas quantos embriões deverão ser implantados? Não
existe uniformidade entre as normas existentes nos diversos países sobre o número ideal de embriões a serem
65 SETOR de Reprodução Humana da Universidade Federal de São Paulo. Disponível em:
<http://www.unifesp.br/grupos/rhumana/iiu2.htm> Acesso em: 12 fev. 2008.
66 VASCONCELOS, 2006, p. 22.
67 BARBOZA, Heloisa Helena. A filiação em face da inseminação artificial e da “fertilização in vitro”. Rio de
Janeiro: Renovar, 1993, p. 33.
68 ABDELMASSIH, Roger. Notícia fornecida no Programa Ciência e Tecnologia, 26 nov. 2007.
69 BARBOZA, Heloisa Helena. Reprodução assistida e o novo Código Civil. In: SÁ, Maria de Fátima Freire de;
NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coord.). Bioética , biodireito e o novo Código Civil de 2002. Belo
Horizonte: Del Rey, 2004, p. 226-227.
14
transferidos.70
No Brasil, a Resolução n.º 358/92 do Conselho Federal de Medicina limitou a transferência de até
quatro embriões por cada procedimento, com o intuito de impedir a transferência de um número cada vez
maior de embriões visando obter sucesso de gravidez; porém, aumentando os riscos existentes de gestações
múltiplas.71 A prática médica consolidada é a de se retirarem diversos óvulos para serem fecundados
simultaneamente. Implantam-se de dois a três embriões fecundados no útero da mãe, e o remanescente é
congelado. 72
A tendência mundial na atualidade é transferir apenas dois embriões, fato que evitaria a obtenção de
gestações triplas ou de número superior. Isso se deve, com certeza, ao aprimoramento das técnicas de
fertilização in vitro, com resultados mais satisfatórios na obtenção de gravidez por tentativa de
transferência.73 Serão implantados os embriões que revelem maior vitalidade e desenvolvimento. Os que
sobram – vale dizer, aqueles restantes que não foram passíveis de implantação no útero, ou porque não
estavam aptos para sê-lo ou por ultrapassar o número aconselhado para implantação (embriões excedentes) –
serão congelados e poderão ser utilizados em pesquisas científicas, desde que cumpram as condições
previstas no artigo 5º da Lei de Biossegurança (n.º 11.105/2005). 74
Conforme se verifica na seção V, art. 1º, da Resolução n.º 1.358/92, o Conselho Federal de Medicina
filiou-se a uma posição nitidamente médico-científica, ao permitir a criopreservação: “As clínicas, centros ou
serviços podem criopreservar espermatozóides, óvulos e pré-embriões”.75 Segundo dados publicados na
Revista Veja, de 22 de março de 2006, calcula-se que existam mais de 500.000 embriões congelados no
mundo – e a maioria desses são sobras de tentativas de reprodução assistida em que não se obteve sucesso.76
Para a mestranda Ana Paula Guimarães, há uma série de questionamentos que abarcam a
problemática dos embriões excedentários, quais sejam:
Da fecundação in vitro resultam necessariamente embriões. Estes tanto podem ser
70 Em Cingapura, por exemplo, admite-se a transferência de quatro embriões em mulheres acima de 35 anos, com dois
insucessos em procedimentos anteriores. Na Coréia do Sul, transfere-se entre quatro e seis pré-embriões, enquanto
na Grécia o número varia entre cinco e sete. In: PEDROSA NETO; FRANCO JÚNIOR, 1998, p. 119.
71 O inciso I, do art. 6.º da Resolução n.° 1.358/92, indica que: “O número ideal de oócitos e pré-embriões a serem
transferidos para a receptora não deve ser superior a quatro, com o intuito de não aumentar os riscos já existentes de
multiparidade”. In: CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução 1.358..., 2008.
72 Nesse sentido, o decreto n.º 5.591/2005 que regulamenta a Lei n.º 11.105/2005: “Art. 3 Para os efeitos deste
Decreto, considera-se: [...] XIII - embriões inviáveis: aqueles com alterações genéticas comprovadas por diagnóstico
pré implantacional, conforme normas específicas estabelecidas pelo Ministério da Saúde, que tiveram seu
desenvolvimento interrompido por ausência espontânea de clivagem após período superior a vinte e quatro horas a
partir da fertilização in vitro, ou com alterações morfológicas que comprometam o pleno desenvolvimento do
embrião”. In: BRASIL Decreto n.° 5.591, de 22 de novembro de 2005. Regulamenta dispositivos da Lei n.°
11.105, de 24 de março de 2005, que regulamenta os incisos II, IV e V do §1° do art. 225 da Constituição, e dá
outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5591.htm> Acesso em: 12 abr. 2008.
73 PEDROSA NETO; FRANCO JÚNIOR, 1998, p. 120.
74 A preservação criogênica, no entendimento de alguns cientistas, constitui solução ética mais adequada para debelar
o problema dos embriões excedentários.
75 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução 1.358..., 2008.
76 “No Brasil, estima-se que existam 10.000 embriões armazenados, nas mais de 150 clínicas de reprodução assistida
existentes”. In: VALE, Juliana. Quantos vão chegar lá? Revista Veja, São Paulo, v. 39, 22 mar. 2006, p. 114-115.
15
introduzidos no corpo da mulher como podem ser conservados por congelação. Mais: para
que se obtenha uma gravidez bem sucedida através deste método, é necessária uma
hiperestimulação da ovulação e, depois, nem todos os embriões fecundados serão
implantados, discutindo-se o destino dos embriões excedentários – devem ser doados a
outros casais, destruídos, utilizados em experiências científicas, congelados para futuras
implantações? 77
Consoante o artigo 2º da seção V da Resolução n.º 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, há
expressa proibição à destruição dos embriões excedentes, conforme se analisa: “o número total de préembriões produzidos em laboratório será comunicado aos pacientes, para que se decida quantos pré-embriões
serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser criopreservado, não podendo ser descartado ou
destruído”.78
O destino a ser dado aos pré-embriões supranumerários é decidido pelo casal, limitando-se ao
Centro, clínicas e serviços a criopreservar o material genético, como se verifica no art. 3°, da seção V, da
referida Resolução: “No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua
vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de
divórcio, doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los”.79 Ao se
examinarem os artigos 2º e 3º, da Seção V, da Resolução em voga, verifica-se uma certa contradição quanto
à destruição dos pré-embriões, posto que no artigo 2º há a impossibilidade de descarte ou destruição destes, e
no artigo 3º há expressa permissão aos cônjuges ou companheiros de deliberar acerca do destino a ser dado
aos pré-embriões crioconservados.
Nesse diapasão, Eduardo de Oliveira Leite manifesta-se: “a questão dos embriões excedentes, que
poderia ter sido devidamente avaliada pela resolução, permanece envolta numa indefinição reveladora de
não solução do crucial problema”. 80
Contudo, analisando a hipótese de o casal não manifestar o destino a ser dado aos pré-embriões e
também inadmitir as intervenções previstas na seção VI da Resolução n.° 1.358/92, verifica-se que:
Se o casal não concordar com a intervenção sobre os pré-embriões, os excedentes ficarão
criopreservados eternamente. Logo, a partir de um determinado tempo – que pode se
estender de 10 a 20 anos – o pré-embrião desaparecerá, naturalmente, por perda de sua
capacidade de desenvolvimento. Ou seja, a não concordância do casal, relativamente à
'intervenção', provoca, a longo prazo, quer queiramos ou não, a condenação do pré-embrião
crioconservado, à destruição. 81
Em recente entrevista realizada pelo médico Dráuzio Varella, a geneticista Mayana Zatz manifesta-se
a respeito do destino a ser dado aos embriões que excedem o número ideal:
O casal tem um problema de fertilidade, procura um centro de fertilidade assistida, juntamse o óvulo e o espermatozóide e formam-se os embriões. Normalmente são dez, doze,
quinze embriões, alguns de melhor qualidade, mas outros malformados que não teriam a
capacidade de gerar vida se fossem implantados num útero e vão direto para o 'lixo'. Esses
77 GUIMARÃES, Ana Paula. Alguns problemas jurídico-criminais da procriação medicamente assistida.
Coimbra: Coimbra, 1999, p. 106.
78 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução 1.358..., 2008.
79 Ibid.
80 LEITE, E. O., 1995, p. 172.
81 LEITE, E. O., 1995, p. 173.
16
embriões descartados serviriam como material de pesquisas para fazer a linhagem de
células totipotentes. A segunda hipótese refere-se aos casais que já implantaram os
embriões, tiveram filhos que queiram e não vão mais recorrer aos embriões de boa
qualidade que permanecerão congelados por anos até serem definitivamente descartados. 82
Isso posto, conclui-se que as pesquisas com células-tronco embrionárias – obtidas de embriões
humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, e cuja permissão
está prevista no artigo 5º da Lei de Biossegurança – seriam uma solução encontrada pelo legislador para
resolver a questão dos embriões excedentários. Todavia, numerosos problemas, das mais diversas áreas do
conhecimento, devem ser levados em consideração.
3.3 DETERMINAÇÃO DO INÍCIO DA VIDA HUMANA
Sob a perspectiva dos embriões excedentários, inserem-se questões angustiantes quanto à natureza
do embrião.83 A legislação brasileira, no tocante à definição do início da vida humana, demonstra-se omissa,
posto que nossa Constituição Federal “não diz quando começa a vida humana. Não dispõe sobre nenhuma
das formas de vida humana pré-natal”.84
Seguindo a linha interpretativa da Igreja Católica, há autores que defendem a teoria concepcionista:
a partir do momento da fecundação do óvulo pelo espermatozóide começa uma nova vida, distinta da dos
seus progenitores, com um código genético único e irrepetível e vitalidade própria. Por conseguinte, “o
nascituro adquire personalidade desde a concepção”.85 Adeptos dessa corrente declaram expressamente a
sua contrariedade às pesquisas realizadas com embriões, inclusive asseverando: “repudiamos não só
qualquer tipo de experimentação não terapêutica com embriões, mas também técnicas de fecundação in vitro
que impliquem a perda de óvulos fecundados, por haver um sacrifício de vidas humanas, colocadas sob
proteção da norma constitucional”.86
Sob essa perspectiva, tratar-se-ia a destruição de embriões congelados como aborto87, posto que, para
alguns doutrinadores, o aborto é considerado “a interrupção da gestação, seguida ou não da expulsão do
produto da concepção, antes de sua maturidade, abrangendo, assim, para sua configuração, o período que vai
desde a concepção até o início do parto”.88
Em contraposição, a chamada de teoria natalista leciona que o embrião é parte das vísceras
82 ZATZ, Mayana. Relação paradoxal. Disponível em
<http://drauziovarella.ig.com.br/entrevistas/celulastronco.asp> Acesso em: 13 fev. 2008b.
83 Importante ressaltar que não é possível confundir a pessoa com o instituto da personalidade, pois a pessoa é o ser
humano, o indivíduo de determinada espécie, enquanto a personalidade jurídica consiste na aptidão, reconhecida
pela ordem jurídica, para exercer direitos e contrair obrigações. Note-se, portanto, que o fato de o nascituro ainda
não ter reconhecido a sua personalidade não significa que não possa ser reconhecido como pessoa.
84 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Ação... 05 mar. 2008.
85 ALMEIDA, Silmara J. A Chinelato. Tutela civil do nascituro. Disponível em:
<http://www.saraivajur.com.br/DoutrinaArtigosDetalhe.cfm?doutrina=100> Acesso em: 01 maio 2008.
86 DINIZ, 2001, p. 407.
87 Para muitos autores esta assertiva é vista como uma verdadeira incoerência, pois: “aborto não será, porque aborto é
interrupção provocada pela gravidez, que só começa com a nidação. Se esta, não há gravidez, logo, nem aborto”. In:
SILVA, José Afonso da. A questão das células-tronco embrionárias. Folha de São Paulo, São Paulo, 21 mar.
2008.
88 Ibid., p. 31-32.
17
maternas, não possui individualidade alguma, e não é pessoa.89 Ademais, não poderia ser considerado como
tal, porquanto o Código Civil exige, para personalidade civil, o nascimento com vida. Como menciona
Flávio Tartuce, “partem os autores de uma interpretação literal e simplificada da lei, que dispõe que a
personalidade jurídica começa com o nascimento com vida, o que traz a conclusão de que o nascituro não é
pessoa”.90 Ademais, “do ponto de vista prático, a teoria natalista nega ao nascituro mesmo os seus direitos
fundamentais, relacionados com a sua personalidade, caso do direito à vida, à investigação de paternidade,
aos alimentos, ao nome e até à imagem”.91
Outra teoria relevante é a da personalidade condicional, cuja similaridade com a teoria natalista
importa na sua freqüente confusão com esta.
92
Além disso, há autores que referem que a teoria da
personalidade condicional é um desdobramento da natalista. A teoria da personalidade condicional
considera que “a personalidade começa com a concepção, sob a condição do nascimento com vida”.93 Assim
sendo, a personalidade atribuída ao concepto é condicional, desde a concepção, resolutiva, caso venha a
nascer com vida e extingue-se no caso de não chegar o feto a viver.94 Para os defensores dessa teoria, embora
o embrião ainda não seja uma pessoa humana em plenitude, pertence ele à espécie humana, tendo todas as
potencialidades de vir a tornar-se pessoa.95
Há, também, uma concepção intermediária, chamada por José Afonso da Silva de “escola nidista”:
“somente poderá se falar em 'nascituro' quando houver a nidação do ovo. Embora a vida se inicie com a
fecundação, é a nidação – momento em que a gravidez começa - que garante a sobrevivência do ovo, sua
viabilidade”. 96
Para os defensores dessa corrente, o embrião na fecundação in vitro não é considerado nascituro, eis
que só é entendido como tal a partir do momento em que nidar no ventre materno – ou seja, a partir do
momento em que o ovo fecundado fixar-se em um ponto da mucosa uterina. Por conseguinte, é a partir da
nidificação que a mulher pode ser considerada grávida. 97
Há também a teoria que defenda que a vida só se inicia com a formação dos rudimentos do sistema
nervoso central, ou seja, no “momento da constituição das bases do sistema nervoso central que tem lugar
entre o décimo quinto e o quadragésimo dia de vida do embrião”. 98 Para os apoiadores dessa corrente, se a
morte do homem se determina com a morte cerebral, também antes da formação do córtex cerebral não
existe pessoa humana. Assim, levando-se em consideração o critério que define a morte quando a atividade
89 Ibid.
90 TARTUCE, Flávio. Direito civil. 3. ed. São Paulo: Método, 2007, p. 136.
91 Por esta razão, alguns doutrinadores entendem que esta corrente está superada na atualidade, porquanto “a teoria
natalista esbarra em dispositivos do Código Civil que consagra direitos àquele que foi concebido e não nasceu”. In:
Ibid.
92 A teoria da personalidade condicional é essencialmente natalista, pois também parte da premissa de que a
personalidade tem início com o nascimento com vida. In: Ibid., p. 137.
93 ALMEIDA, 2008.
94 VASCONCELOS, 2006, p. 47.
95 VASCONCELOS, 2006, p. 48.
96 SILVA, J. A., 2008.
97 VASCONCELOS, op. cit., p. 44.
98 GUIMARÃES, A. P., 1999, p. 158-159.
18
cerebral cessa, nos termos do artigo 3º da Lei dos Transplantes (n.º 9434/97), chega-se à conclusão de que o
blastocisto nesse estado não encerra vida propriamente dita.
Claramente, a delimitação do momento em que a vida humana inicia-se possui muitas variáveis.
Contudo, como menciona José Roberto Goldim, “O estabelecimento de critérios biológicos – início da vida
de um ser humano – ou filosóficos – início da vida de uma pessoa – ou ainda legais é uma discussão difícil,
mas por isso mesmo desafiadora”. 99
4 ANÁLISE DE CASO
4.1 LEI DE BIOSSEGURANÇA E AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE n.º 3510-0
No ano de 1995, o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, sancionou a Lei de
Biossegurança (n.º 8.974/95), cujo objetivo era estabelecer normas de segurança e mecanismos de
fiscalização no uso das técnicas de engenharia genética na construção, cultivo, manipulação, transporte,
comercialização, consumo, liberação e descarte de organismos geneticamente modificados (OGM –
organismo cujo material genético tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética). Além
disso, autorizava o Poder Executivo a criar, no âmbito da Presidência da República, a Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio).100 A referida Lei sofreu algumas alterações em virtude da Medida
Provisória n.º 2191-9, de 23 de agosto de 2001.101
Em fevereiro de 2004, a Lei de Biossegurança – proibindo experiências genéticas para clonagem
humana e regulamentando o controle da pesquisa, plantio e comercialização de sementes geneticamente
modificadas – foi aprovada pela Câmara dos Deputados. Contudo, somente em 15 de setembro de 2004, as
comissões do Senado aprovaram o texto do projeto de lei que permite o plantio de soja transgênica e a venda
de sementes geneticamente modificadas; limita, porém, o uso de embriões humanos congelados em pesquisa.
A entrada em vigor da Lei de Biossegurança deu-se em 24 de março de 2005, data em que o
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou, com poucos vetos, o Projeto de Lei da
Biossegurança (PL 2401/03), aprovado pela Câmara de Deputados por 352 votos favoráveis, 60 contrários e
uma abstenção. 102
No entanto, no mês de maio de 2005, foi proposta pelo Procurador Geral da República, Dr. Cláudio
Lemos Fonteles, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) tendo por alvo o artigo 5º da Lei Federal
99
GOLDIM, José Roberto. Início da vida humana. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/bioetica/inivida.htm>
Acesso em: 11 abr. 2008b.
100 BRASIL. Lei 8.974 de 5 de janeiro de 2005. Regulamenta os incisos II e V do §1° do art. 225 da Constituição
Federal, estabelece normas para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de
organismos geneticamente modificados, autoriza o Poder Executivo a criar, no âmbito da Presidência da
República, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, e dá outras providências.Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8974.htm> Acesso
em: 13 mar. 2008.
101 BRASIL Medida Provisória n.° 2191-9, de 23 de agosto de 2001. Acresce e altera dispositivos da Lei no 8.974,
de 5 de janeiro de 1995, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/MPV/2191-9.htm> Acesso em: 13 mar. 2008.
102 MARTINS-COSTA, Judith; FERNANDES, Márcia Santana; GOLDIM, José Roberto. Lei de Biossegurança:
Medusa legislativa?Disponível em: <http://www.ufrgs.br/bioetica/ibiosseg.htm> Acesso em: 23 mar. 2008.
19
n.º 11.105/05, apontando como inconstitucional a destruição de embriões congelados em clínicas de
reprodução assistida para o uso das células-tronco embrionárias em pesquisas científicas.
Devido à relevância social da matéria, foi determinada pelo Ministro Carlos Ayres Britto a realização
de audiência pública em 20 de abril de 2007, com fulcro no § 1º do artigo 9º da Lei n.º 9.868/99. O evento,
realizado pela primeira vez na Suprema Corte, visava reunir informações científicas para julgar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 3510, proposta pela Procuradoria-Geral da República contra a
utilização de células-tronco de embriões humanos em pesquisas e terapias.
Muito embora o tema central da Lei n.º 11.105/05 sejam as pesquisas e a fiscalização com os
organismos geneticamente modificados – OGM, a Lei volta-se, de forma inesperada – eis que esse tema
sequer está mencionado no artigo que define os objetivos da Lei –, a regulamentar a utilização de célulastronco embrionárias para fins de pesquisa e terapia. 103
Isso posto, verifica-se que se o notável conjunto de inovações em nível da biologia, da medicina e da
genética, por um lado teve o mérito de superar as limitações do ser humano impostas pela natureza, por outro
é fonte de uma vasta gama de discussões no que tange à sua regulamentação. Em recente discussão no
Supremo Tribunal Federal, a Ação Direta de Inconstitucionalidade, (ADI) n.º 3510-0, foi alvo de diversos
questionamentos de cunho jurídico, filosófico, médico, religioso, ético e antropológico.
A ADI em questão, proposta com fulcro no artigo 103, inciso VI da Constituição Federal, pretende
que seja declarada a inconstitucionalidade do artigo 5.º da Lei de Biossegurança (Lei n.º 11.105, de 24 de
março de 2005),104 por entender que dito dispositivo fere, dentre outros, os artigos 1.°, inciso III; e art. 5.°,
“caput” da Constituição Federal de 1988.105
Segundo o Ministro Carlos Ayres Britto, o artigo impugnado (art. 5.° da Lei 11.105/05) discorre
acerca de quatro aspectos distintos, iniciando-se com autorização, para fins de pesquisa científica e
103 Sob esta perspectiva, alguns doutrinadores lecionam que a Lei de Biossegurança tratou a matéria da utilização de
células-tronco embrionárias de forma superficial: “em que pese a relevância social do tema a necessidade de
legislação nesta área, observa-se que o legislador tratou da matéria de forma precária e deficiente, tudo sintetizando
em breves passagens altamente criticáveis”. In: MARTINS-COSTA; FERNANDES; GOLDIM, 2008.
104 “Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de
embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as
seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na
data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três)
anos, contados a partir da data de congelamento. § 1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.
§ 2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias
humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. §
3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime
tipificado no art. 15 da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997”. In: BRASIL. Lei n.° 11.105, de 23 de março de
2005.
105 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa
humana”. “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida (grifo nosso), à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade (...)”. In: BRASIL. [Constituição, 1988] Constituição da República Federativa do
Brasil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em:
16 mar. 2008.
20
tratamento médico, o uso de células-tronco embrionárias provenientes de embriões a que se chega por efeito
de manipulação humana. Além disso, “pesquisa científica e terapia humana em paralelo àquelas que se vêm
fazendo com células-tronco adultas, na perspectiva da descoberta de mais eficazes meios de cura de graves
doenças e traumas do ser humano”. 106
Prosseguindo-se a leitura do voto do Ministro-Relator, verifica-se um segundo aspecto distinto que
compõe o artigo 5º da Lei Federal n.º 11.105, qual seja: na parte final do citado artigo, incluindo-se os
incisos I e II e § 1.°, há o estabelecimento de uma série de ações para o efetivo desencadear das pesquisas
com células-tronco embrionárias, dentre as quais o não-aproveitamento para fim reprodutivo (por livre
decisão do casal) de qualquer dos embriões viáveis; a não-viabilidade desse ou daquele embrião, enquanto
matéria-prima da reprodução humana; que se trate de embriões congelados há pelo menos 3 anos da data da
publicação da lei, ou que, já efetivamente congelados nessa data, venham a complementar aquele mesmo
tempo de 3 anos; o consentimento do casal-doador para que o material genético dele advindo seja deslocado
da sua originária destinação procriadora para as investigações de natureza científica e finalidade terapêuticohumana.107
O terceiro aspecto relevante, na análise realizada por Carlos A. Britto, refere-se à obrigatoriedade de
encaminhamento de todos os projetos do gênero para exame de mérito por parte dos competentes comitês de
ética e pesquisa – medida que se revela como um nítido compromisso à lei com exigências de caráter
bioético. 108
Por fim, o último aspecto mencionado trata da proibição de toda espécie de comercialização do
material coletado – e desrespeitá-la é equiparado ao crime de “Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes
do corpo humano” (art. 15, caput, da Lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997).109
Sobre a ética de se utilizarem em pesquisas embriões considerados inviáveis ou que estejam
congelados há mais de três anos, é possível perceber duas correntes bem definidas: aqueles que reprovam as
pesquisas com células-tronco embrionárias e, portanto, requerem a procedência da Ação Direta de
Inconstitucionalidade; e, de forma contrária, aqueles que aprovam as pesquisas com este tipo de células, e
pretendem que a ADI em voga seja julgada improcedente.
4.2 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS ÀS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS
4.2.1 A vida humana inicia na fecundação: o zigoto é um ser humano embrionário
A delimitação do momento em que a vida humana inicia demonstra-se controvertida na atualidade;
há, entretanto, aqueles que definam que a vida inicia no momento em que o espermatozóide fecunda o óvulo.
Ou seja, a vida humana acontece na e a partir da fecundação. Esta é, manifestamente, a corrente
argumentativa defendida pelo Dr. Cláudio Lemos Fonteles, ao afirmar que a vida humana acontece na e a
106
107
108
109
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Ação... 05 mar. 2008.
Ibid.
Ibid.
Ibid.
21
partir da fecundação, sustentando que o artigo 5º e parágrafos da Lei n.º 11.105/2005 desrespeitam a
inviolabilidade do direito à vida e a dignidade da pessoa humana.
Neste diapasão, o relatório da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3510, realizado pelo MinistroRelator Carlos Ayres Britto, minuciosamente informa a posição de Cláudio Fonteles:
A retirada das células-tronco de um determinado embrião in vitro destrói a unidade, o
personalizado conjunto celular em que ele consiste. O que já corresponde à prática de um
mal disfarçado aborto, pois até mesmo no produto da concepção em laboratório já existe
uma criatura ou organismo humano que é de ser visto como se fosse aquele que surge e se
desenvolve no corpo da mulher gestante. 110
Segundo os apoiadores dessa corrente, para que sejam realizadas as pesquisas, é preciso sacrificar o
embrião. Por isso, o ex-procurador argumenta que a Lei de Biossegurança está violando o artigo 5º da
Constituição Federal, que garante “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.111 Sob o mesmo ponto de vista,
manifestam-se a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Igreja Católica. Para o advogado
da CNBB, Dr. Ives Gandra da Silva Martins, “é a inviolabilidade do direito à vida, que não permite
relativização”. 112 Segundo ele:
O conhecimento científico consolidado e transmitido pelos livros-texto de ensino na área de
saúde a propósito do início da vida humana com a fecundação, ou seja, com a penetração
do espermatozóide no óvulo, dando origem ao zigoto, a primeira célula de um novo
indivíduo humano. 113
Note-se que há manifesta rejeição à liberação dessas pesquisas, sob a argumentação de que se estaria
negando o direito à vida ao embrião humano, ao nascituro, enfim, ao ser humano não-nascido. E a doutrina
da Igreja Católica, que igualmente se declara contrária à liberação destas pesquisas, preconiza que:
Desde o momento da concepção, a vida de todo o ser humano deve ser respeitada de modo
absoluto, porque o homem é, na terra, a única criatura que Deus quis por si mesma, e a
alma espiritual de cada um dos homens é imediatamente criada por Deus. O zigoto merece
o mesmo respeito que é devido ao ser humano nascido. Por isso, o embrião deve ser
defendido na sua integridade, tratado e curado, na medida do possível, como qualquer outro
ser humano. 114
O que a Igreja pretende reconhecer é que, se por um lado as pesquisas com células-tronco possuam
grandes possibilidades para o desenvolvimento da ciência médica, por outro ela se utiliza da vida de um
homem – isso porque o embrião é um ser humano em sentido pleno – para tratar a vida de outro. Para os
religiosos, no momento em que o espermatozóide penetra no óvulo, surge o embrião em sua primeira fase,
110 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. CNBB defende posição contra a pesquisa com células-tronco
embrionárias. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=84335>
Acesso em: 06 mar. 2008.
111 BRASIL. [Constituição, 1988]...2008.
112 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, CNBB..., 2008.
113 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Manifesto. Disponível em:
<http://epoca.globo.com/edic/511/MEMORIAL_DRIVES_MANIFESTO.pdf> Acesso em: 06 mar. 2008.
114 INSTRUÇÃO sobre o respeito à vida humana nascente e a dignidade da procriação, Lumen, p. 11-12. apud:
GUIMARÃES, A. P., 1999, p. 150
22
contendo todas as informações necessárias ao novo ser humano. O que falta é apenas o tempo e a
alimentação da vida para que chegue a se pleno desenvolvimento.
Dessa forma, a decisão mais coerente quanto ao destino dos embriões excedentes seria a manutenção
destes em congelamento até que possam ser adotados por casais estéreis que os desejem, ou implantados no
útero da própria mãe que, de novo, deseje engravidar.
4.2.2 Pesquisas com células-tronco adultas são mais promissoras do que com células-tronco
embrionárias
Outro argumento utilizado pelo autor da ADI n.° 3510 é que as pesquisas com células-tronco adultas
são mais promissoras do que as com células-tronco embrionárias, conforme menção, na petição inicial da
ADI em questão, de uma entrevista realizada pelo professor titular de cirurgia da Universidade Autônoma de
Madrid, Dr. Damián Garcia-Olmo.
Dito professor explica o trabalho de Catherine Verfaillie, da Universidade de Minnesota: as célulastronco obtidas na medula óssea de adultos podem-se transformar em praticamente todos os tecidos
conhecidos. Ou seja, Catherine conseguiu descobrir dentro do organismo adulto outro tipo de célula-tronco
cuja potencialidade assemelha-se à da célula embrionária (célula-tronco mesodermal adulta). Portanto, seria
essa a fonte ideal de células para tratamento de enfermidades degenerativas”.115
A partir dessa constatação, muitos cientistas e observadores do debate de células-tronco acreditam
serem as adultas mais úteis e eficientes do que as embrionárias. Ademais, “enquanto o potencial com
células-tronco embrionárias permanece teórico, os tratamentos com células-tronco adultas já são usadas com
sucesso para tratar muitas doenças”.116 Outra razão à preferência das células estaminais adultas reside no
fato de “nos laboratórios, as células-tronco embrionárias produziram tumores, provocaram rejeição quando
transplantadas, e apenas resultaram no tipo errado de células necessárias para substituição das células
comprometidas de pacientes”.117
Para aqueles que concordam que a pesquisa com células-tronco adultas é mais promissora do que as
com células-tronco embrionárias, a questão das pessoas doentes que poderiam esperar ser curadas a partir do
uso da vida de embriões humanos é de difícil solução. No entanto, ninguém deverá salvar a sua vida à custa
da vida de outro homem inocente.
4.2.3 In dubio pro vitae
Considerando-se o fato de que as células-mãe embrionárias utilizadas em pesquisas científicas são
115 “Com a injeção dessas células, começou-se a observar também que novos vasos sangüíneos surgiam dentro do
órgão que estava tentando recuperar e que, com isso, era possível voltar a irrigar uma região antes danificada.
Dessa forma, as células do próprio órgão eram capazes de atuar nessa regeneração, identificando uma ação indireta
das células da medula injetadas no tecido danificado”. In: MUNHOZ, César. Estamos ajudando pacientes a sair
da fila dos transplantes. Disponível em: <http://www.aprendebrasil.com.br/entrevistas/entrevista0132.asp>
Acesso em: 30 mar. 2008.
116 CRAVEIRO, 2008.
117 Ibid.
23
provenientes de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo
procedimento – cumpridas as exigências dos incisos I e II da Lei de Biossegurança – e que ninguém possui
certeza científica sobre qual o momento em que se inicia a vida, há doutrinadores que defendem a idéia de
que “na dúvida deve-se proteger a vida”. Essa é a linha de pensamento de Damásio de Jesus, conforme se
verifica:
No caso concreto, o problema básico é saber se um embrião é ou não um ser vivo. Se
houvesse consenso, da unanimidade, ou pelo menos da unanimidade moral dos cientistas,
sobre a matéria, pela afirmativa ou pela negativa, a decisão seria clara e imperiosa. Se é
certo que há vida no embrião, ela não pode ser violada sem ferir o Direito Natural e sem
lesar nossa Carta Magna. Se está correto que não há, nada impede que se utilizem os
embriões, tanto mais que serão usados para preservar outras vidas humanas. Ora, esse é
justamente o ponto em que os cientistas não estão de acordo. Há os que entendem de uma
forma; outros de outra, contrária. A Igreja ensina que no embrião já há, pelo menos, um
princípio vital capaz de direitos que devem ser juridicamente protegidos. Os cientistas estão
francamente divididos a respeito. Não havendo consenso na Ciência, pelo menos no atual
estágio de desenvolvimento, prevalece a certeza de que pode haver vida. E, sendo a vida um
dom supremo de Deus e um direito fundamental do ser humano, prevalece, a meu ver, a
idéia de que, podendo haver vida, a legislação deve protegê-la. 118
Na concepção do referido autor, é possível se verificarem aspectos um tanto tendenciosos à religião e
ao jusnaturalismo, a seguir examinados.
Numa análise sucinta, observa-se que, quando menciona a impossibilidade de violação da vida do
embrião sem ferir o Direito Natural, fica claro estar nitidamente filiado à idéia do jusnaturalismo, “corrente
de pensamento que propugna pela existência de um direito justo por natureza, independentemente da
disciplina social imposta pelo legislador”.119 Logo, para aqueles que aderem às demais correntes do
pensamento jurídico, este conceito é considerado irrelevante e inconsistente.
Ademais, cumpre salientar que a impossibilidade de violação da vida do embrião sem lesar a Carta
Magna refere-se tão somente ao direito à vida, previsto no “caput” do artigo 5º da Constituição Federal.
Embora existam contestações por parte de alguns doutrinadores, o direito à vida é, de certa forma,
flexibilizado no direito brasileiro em algumas situações específicas,
120
o que vai de encontro aos dizeres
supra referidos.
Por fim, o autor mostra-se inclinado aos ensinamentos da Igreja Católica, entrementes, levando-se
em consideração o previsto no artigo 19, inciso I da Constituição Federal de 1988 – que trata da
impossibilidade de os poderes e entes federativos manterem dependência ou aliança com instituições
religiosas –, percebe-se que o Brasil é um Estado laico e, em se tratando de um país caracterizado pela
118 JESUS, Damásio de. Ciência e religião. Disponível em: <http://blog.damasio.com.br/?p=311> Acesso em: 31
mar. 2008.
119 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário jurídico brasileiro Acquaviva. 13. ed. atual, rev. e ampl. São Paulo:
Jurídica Brasileira, 2006, p. 507.
120 Como se sabe, o legislador nacional positivou determinadas situações em que a vida pode ser relativizada, como é
o caso da permissão do aborto nos casos previstos no art. 128 do Código Penal – conhecido como “aborto
necessário”, praticado por médico, e desde que não haja outra alternativa para salvar a vida da gestante - e da
possibilidade de haver pena de morte em caso de guerra declarada (art.5º inc. XLVII, alínea “a” da Constituição
Federal de 1988). Em vista disso, observa-se que no direito brasileiro existe a possibilidade de se violar a vida,
obedecendo aos preceitos da Carta Magna.
24
variedade de cultos e doutrinas religiosas, tornam-se inadmissível as visões unilaterais a respeito da matéria.
Da análise da referida citação, faz-se necessária a menção ao Princípio da Precaução, 121 que deve ser
analisado com cautela, segundo José Roberto Goldim, conforme se verifica:
O Princípio da Precaução não deve ser encarado como um obstáculo às atividades
assistências e principalmente de pesquisa. É uma proposta atual e necessária como forma
de resguardar os legítimos interesses de cada pessoa em particular e da sociedade como um
todo. [...] Reconhecer a existência da possibilidade da ocorrência de danos e a necessidade
de sua avaliação com base nos conhecimentos já disponíveis, é o grande desafio que está
sendo feito a toda comunidade científica mundial. 122
É preciso considerar, portanto, que muitos doutrinadores vêm utilizando o Princípio da Precaução
para reforçar seus argumentos contrários às pesquisas com células-tronco provenientes de embriões
humanos. Entrementes, outros princípios do ordenamento jurídico brasileiro devem ser utilizados para
dirimir tais conflitos.
4.3 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS ÀS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS
4.3.1 Vida inicia no 14° dia após a fecundação
Para alguns doutrinadores, é fácil prever a delimitação do momento em que a vida humana se inicia,
se analisada a delimitação legal do instante em que a vida humana termina. Com efeito, levando-se em
consideração o critério que define a morte quando a atividade cerebral cessa, conforme o artigo 3º da Lei
9.434/ 97 (Lei dos Transplantes), chega-se à conclusão de que o embrião somente será vida no momento em
que apresentar os primeiros resquícios de sistema nervoso central, ou seja, a partir do 14º dia de
desenvolvimento.123
É nesse período em que ainda não existe qualquer primórdio de atividade neural no embrião que se
dá o congelamento – e, portanto, não há qualquer violação ao direito à vida, pois trata-se de aglomerado de
células. Aos adeptos dessa corrente argumentativa, tratar o embrião humano como ser humano é sem dúvida
uma incoerência.
Note-se que o progresso das ciências e a necessidade de utilização de órgãos para transplantes
fizeram com que se estabelecesse um critério para definir a morte, cuja delimitação coincide com o término
da cessação da atividade cerebral, mesmo que quase todos os tecidos do organismo estejam vivos e
funcionais.
Nesse sentido, Luiz Eugênio de Moraes Mello, vice-presidente da Federação das Sociedades de
Biologia Experimental e professor de fisiologia da Unifesp, pronunciou-se em audiência pública:
121 “O Princípio da Precaução é a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do
conhecimento, não podem ser ainda identificados. Este Princípio afirma que a ausência da certeza científica
formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam
prever este dano”. In: GOLDIM, José Roberto. Princípio da precaução. Disponível em:
<http://www.ufrgs.br/bioetica/precau.htm> Acesso em: 22 abr. 2008e.
122 GOLDIM, 2008e.
123 ZATZ, 2008a.
25
Como a morte do ser humano é coincidente com a morte encefálica, então, se a morte
coincide com o término da atividade do sistema nervoso é lícito supor o inicio da vida
humana com o estabelecimento dos três folhetos embrionários, que segundo a Resolução
33/2006 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ocorre 14 dias após a
fecundação. 124
Feitas tais considerações, cumpre ressaltar que o conjunto de células que forma o embrião nos
primeiros instantes de desenvolvimento está muito longe de ter qualquer primórdio de atividade neural que
caracteriza os animais evoluídos.125 Além disso, “trata-se de um conjunto de células que do ponto de vista
biológico não se distingue de uma cultura ou uma colônia de células de animais ou plantas”.126
O fato de se tratar a utilização de embriões humanos em pesquisas como um aborto é, sem dúvida,
um equívoco por parte de parte da doutrina. Por essa razão, é imprescindível que se entenda a diferença entre
ambos.
No aborto, há uma vida dentro do útero da mulher. Se não houver intervenção humana, essa
vida continuará. Já na reprodução assistida é exatamente o contrário: não houve fertilização
natural. Quem procura as clínicas de fertilização são casais que não conseguem procriar
pelo método convencional. Só há junção do espermatozóide com o óvulo por intervenção
humana. E, novamente, não haverá vida se não houver uma intervenção humana para
colocar o embrião no útero. 127
Aos defensores dessa corrente, a permissão para a pesquisa com células-tronco embrionárias mostrase de suma importância na sociedade atual, porquanto o desenvolvimento de seqüências celulares
específicas, destinadas a seu implante terapêutico em seres humanos, aumenta as possibilidades de cura aos
pacientes que sofrem das mais diversas moléstias, dentre as quais a diabetes e doenças neuromusculares,
como as distrofias musculares progressivas e a doença de Parkinson.128
Sob outra perspectiva, há estudiosos que argumentam a desnecessidade de se estabelecer o momento
em que se inicia a vida. Este é o entendimento de Lygia V. Pereira, professora associada ao Departamento de
Genética e Biologia Evolutiva da Universidade de São Paulo:
Não é importante saber quando começa a vida para discutir a constitucionalidade da Lei de
Biossegurança. Precisamos esclarecer de que tipo de embrião humano estamos tratando na
lei. São embriões congelados, que vão ser descartados. Não vamos produzir embriões só
para utilização em pesquisa. 129
Nesse sentido, manifestam-se a antropóloga Débora Diniz e a historiadora Fabiana Paranhos: “a ADI
deslocou o debate do campo científico para o da moralidade sobre quando se inicia a vida. E é esta discussão
que o STF não precisa enfrentar, pois não há como se imputar o direito à vida ou à potencialidade de vida
para embriões inviáveis”. 130
124 MELLO, Luiz Eugêncio de Moraes. apud: MONTENEGRO, Karla Bernardo. Início da vida no STF. Disponível
em: <http://www.ghente.org/entrevistas/inicio_da_vida.htm> Acesso em: 30 mar. 2008.
125 ZAGO; ZATZ; CARVALHO, 2008.
126 Ibid.
127 ZATZ, op. cit.
128 Ibid.
129 PEREIRA, Lygia V. apud: MONTENEGRO, 2008.
130 DINIZ, Débora; PARANHOS, Fabiana. Pesquisa com células-tronco: um desafio para o Estado laico.
26
O deslocamento da discussão para o campo da moralidade mostra-se desnecessário, já que a Lei de
Biossegurança determina que somente embriões inviáveis ou embriões congelados há mais de três anos, a
partir da publicação da Lei, podem ser utilizados em pesquisas.
Para Mayana Zatz, a proibição de pesquisas com células-tronco embrionárias, sob o argumento de
que vão contra os princípios constitucionais da inviolabilidade da vida e o da dignidade da pessoa humana, é
um absurdo, pois “inviolável é a vida de inúmeros pacientes que morrem prematuramente ou estão
confinados a uma cadeira de rodas e poderiam se beneficiar dessas pesquisas”.131
Por fim, imprescindível que se analise a potencialidade de um embrião dar origem a um ser humano,
visto que “o ovo fecundado somente poderá ser considerado um ser humano em potencial se tiver a
possibilidade de ser implantado no útero”.
132
Ou seja, “um ovo ou embrião que não tem a possibilidade de
ser implantado no útero não é um ser humano potencial”. 133 Portanto, tratar o aglomerado de células como
se fosse um ser humano não condiz com a realidade científica.
4.3.2 Células-tronco embrionárias são o tipo celular de maior potencial terapêutico
De acordo com alguns especialistas, as pesquisas com células-tronco adultas são mais promissoras
do que as com células-tronco embrionárias; no entanto, esta questão padece de uma série de controvérsias.
Em contraposição àqueles que entendem que as células-tronco adultas são mais promissoras do que
as embrionárias, Marco Antônio Zago, Mayana Zatz e Antônio C. Campos de Carvalho lecionam que
“excetuando-se a terapia de transplante de medula óssea, todas as demais terapias com células-tronco adultas
são ainda experimentais, o que significa dizer que se encontram em fase de pesquisa para testar sua
segurança, exeqüibilidade ou eficácia”. 134
Como se sabe, as células-tronco adultas têm algumas limitações, visto que somente podem ser
transformadas em células de alguns tecidos do corpo e, por isso, são consideradas multipotentes – e não
totipotentes, como as células-tronco embrionárias.
Segundo o Ministro Carlos Ayres Britto, são as células estaminais embrionárias o tipo celular mais
promissor, consoante manifestação: “células-tronco embrionárias constituem tipologia celular que acena com
melhores possibilidades de recuperação da saúde de pessoas físicas ou naturais, em situações de anomalias
ou graves incômodos genéticos, adquiridos, ou em conseqüência de acidentes”.135 Além disso, alguns
estudiosos asseveram que:
As células-tronco embrionárias têm uma pluripotencialidade que é inconteste e aceita por
todos os cientistas que trabalham na área. Em contraste, há intenso debate na comunidade
científica sobre o grau de plasticidade (ou seja, sua capacidade de diferenciar-se em outros
tecidos) de células-tronco adultas de qualquer origem (medula óssea, cordão umbilical,
Disponível em: <http://www.clam.org.br/pdf/artdebora.pdf> Acesso em: 30 mar. 2008.
131 ZATZ, 2008a.
132 ZAGO; ZATZ; CARVALHO, 2008.
133 ZATZ, op. cit., 2008a.
134 Ibid.
135 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Ação... 05 mar. 2008.
27
tecido adiposo, entre outras). 136
Uma parte dos pesquisadores defende que deve ser incentivada no meio científico a reprogramação –
técnica que consiste na regressão das células adultas ao estágio de embrionárias, sem que seja preciso a
utilização de embriões humanos. Embora esta técnica não suscite divergências entre os especialistas, ainda
não é possível a substituição das células-tronco reprogramadas pelas embrionárias, conforme se analisa:
A comunidade científica reconhece a importância das células-reprogramadas para
pesquisas, mas destaca que elas não substituem as células-tronco embrionárias no caso de
terapia celular. É importante destacar, ainda, a existência de riscos de tumores e mutações
genéticas. Acreditar que células adultas podem se transformar em embrionárias é ir na
contramão da natureza.137
Cumpre salientar, também, a técnica de autotransplante, que consiste basicamente na retirada de
células-tronco do paciente, que são re-injetadas para tratar lesões cardíacas e recuperar o tecido nervoso de
pessoas que sofreram acidentes vasculares. Não obstante estas descobertas, trata-se de uma técnica ainda em
desenvolvimento, pois “[...] ninguém sabe ainda se o tratamento é eficiente – por enquanto, é uma tentativa
terapêutica experimental”.138 Ademais, “a má notícia é que o autotransplante não pode resolver o problema
dos mais de 5 milhões de brasileiros portadores de doenças genéticas, pois o defeito está presente em todas
as suas células”.139 Para esses pacientes, a única alternativa viável é a utilização de células-tronco obtidas de
embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, e não utilizados no respectivo procedimento.
Para José Afonso da Silva, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3510 é “o
julgamento da esperança para milhares de pessoas que aguardam o seguimento dessas pesquisas, essenciais
às suas vidas”. 140
4.3.3 Amparo legal
Algumas referências legislativas à permissão das pesquisas com células-tronco embrionárias fazemse presentes, na medida em que existam preceitos constitucionais e infraconstitucionais que amparam a
questão. No tocante aos preceitos da Carta Magna, José Afonso da Silva faz menção ao seguinte:
A Constituição oferece fundamentos para que se permitam tais pesquisas, ao declarar livre a
expressão da atividade científica (art. 5º, IX) e determinar que o Estado promoverá e
incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica, de modo
prioritário, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências (art. 218).141
Nesse diapasão, o Presidente da República defende a constitucionalidade do texto impugnado pela
ADI 3510-0. Ao acatar na íntegra peça jurídica confeccionada pelo advogado público Rafaelo Abritta, Luiz
Inácio Lula da Silva entende que, “com fulcro no direito à saúde e no direito de livre expressão da atividade
136 ZAGO; ZATZ; CARVALHO, 2008.
137 BARROSO; DINIZ; ZATZ,.2008.
138 PASSOS-BUENO, Maria Rita; ZATZ, Mayana. Células-tronco. Disponível em:
<http://genoma.ib.usp.br/celulastronco/infogerais.php> Acesso em: 31 mar. 2008.
139 Ibid.
140 SILVA, J. A., 2008.
141 SILVA, J. A., 2008.
28
científica, a permissão para utilização de material embrionário, em vias de descarte, para fins de pesquisa e
terapia, consubstanciam-se em valores amparados constitucionalmente”.142 Aliás, essa também foi a
conclusão a que chegou o Congresso Nacional.
Ademais, o Ministro Carlos Ayres Britto cita o artigo 5º, inciso IX da Constituição Federal, aludindo:
[...] essa liberdade de expressão é clássico direito constitucional-civil ou genuíno direito de
personalidade, oponível sobretudo ao próprio Estado, por corresponder à vocação de certas
pessoas [...]. Vocação para misteres a um só tempo qualificadores do indivíduo e de toda a
coletividade. Por isso que exigentes do máximo de proteção jurídica, até como signo de
vida em comum civilizada. Alto padrão de cultura jurídica de um povo. 143
Assim sendo, o impedimento às pesquisas com células-mãe provenientes de embriões humanos seria
considerada uma violação ao direito constitucional de livre expressão da atividade científica – “expressão”
essa que seria caracterizada por aspectos distintos, pois designa tanto a liberdade de tessitura ou de
elaboração do conhecimento científico em si, quanto a liberdade de promover a respectiva enunciação para
além das fronteiras do puro psiquismo, vale dizer, de tudo quanto pesquisado, testado e comprovado em sede
de investigação científica. 144
Cumpre destacar também que, ao determinar que “o Estado promoverá e incentivará o
desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas”, a Constituição Federal compromete-se
perante a ciência enquanto ordem de conhecimento que se eleva à dimensão de sistema. Tem-se, portanto,
nítida compreensão de que o patamar do conhecimento científico corresponde ao estádio do desenvolvimento
mental do ser humano, o que favorece o alcance de superiores padrões de autonomia científico-tecnológica
do Brasil.145
Sob outra perspectiva, analisando o artigo 5.º da Lei de Biossegurança, percebe-se que, para efeito de
extração de células-tronco, não se trata do uso de embriões normais, mas sim de embriões inviáveis, cujo
conceito, como o próprio nome denota, é “não estar apto para ser usado em procedimentos de fertilização
humana assistida, nunca ter estado num útero, nem nunca estarão. Por via de conseqüência, este tipo de
embrião nunca se tornaria um ser humano e, portanto, inexiste a ofensa ao direito à vida previsto no artigo 5.º
da Constituição Federal.146
Para o desembargador paulista Ivan Ricardo G. Sartori, “o art. 5 da Lei 11.105/05 não está a afrontar
o princípio constitucional do direito à vida. A ofensa a esse preceito decorreria, justamente, do descarte e da
não utilização em prol de pacientes que deles necessitam”. 147
Outrossim, há de ser feita uma analogia entre o dispositivo da Lei de Biossegurança, que se pretende
seja declarado inconstitucional, e a Lei de Transplantes de Órgãos (Lei n.º 9.434/97).
142
143
144
145
146
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Ação... 05 mar. 2008.
Ibid.
Ibid.
Ibid.
MARQUES, Erickson Gavazza. É constitucional pesquisar células-tronco à partir de embriões? Disponível
em: <http://genoma.ib.usp.br/noticias/pdf/rep-erickson_marques070420.pdf> Acesso em 11 abr. 2008.
147 SARTORI, Ivan Ricardo Garisio. Células-tronco: o direito breves considerações. Disponível em:
<http://www.epm.tjsp.jus.br/SiteEPM/Artigos/Artigo+70.htm> Acesso em: 01 maio 2008.
29
Como se verifica, o artigo 3º da Lei de Transplantes estabelece as condições necessárias para que
possa ser feito um transplante de órgão de pessoa morta. 148 E, por pessoa morta, a Lei n.º 9.434/97 entende
que seja aquela que tenha sido vítima de morte encefálica, cuja caracterização é a presença de coma
aperceptivo com ausência de atividade motora supra-espinal, apnéia e falta de atividade metabólica, elétrica
e perfusão sanguínea no cérebro, conforme artigo 4º e 6º da Resolução n.º 1.480/97 do Conselho Federal de
Medicina.149 Em linhas gerais, trata-se uma “alteração profunda do nível de consciência da qual o individuo
não pode ser despertado por estímulos externos verbais, sensoriais e sensitivos”.150 Note-se, portanto, que a
parada total e irreversível das funções encefálicas equivale à morte.
Ora, se não há vida quando a pessoa é considerada morta, e se essa condição ocorre uma vez
existentes as circunstâncias apontadas na Resolução n.º 1.480/97, então é inevitável concluir que, para haver
vida é necessária a reunião das condições apontadas na Resolução n.º 1.480/97. Se ausentes tais condições –
como no caso dos embriões excedentes, inviáveis, e congelados há pelo menos 3 anos –, não há vida nessa
hipótese. E, se não há vida do ponto de vista da Lei n.º 9.434/97, não há sentido para havê-la em se tratando
da Lei n.º 11.105/05.
4.3.4 Efeitos danosos da proibição às pesquisas com células-tronco embrionárias
Caso o artigo 5° da Lei de Biossegurança seja declarado inconstitucional, efeitos danosos serão
sofridos pela população brasileira. Destaca-se, dentre estes, a possível dependência científica dos países que
permitam estas pesquisas, como é o caso do Reino Unido, Bélgica, China, Israel, Coréia do Sul e Cingapura.
Sobre tal previsão, Ivan Ricardo G. Sartori, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, leciona que:
A Lei 11.105/05 é conseqüência natural do que vem se verificando no mundo, de forma que
se o País não evoluísse perderia terreno no campo tratado, sujeitando-se aos efeitos danosos
dessa conduta, como a dependência científica de outros países, com sérios reflexos
econômicos e prejuízos aos brasileiros ansiosos pela terapia com células-tronco
embrionárias. 151
148 A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento
deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não
participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos
definidos pelo Conselho Federal de Medicina.
In: BRASIL. Lei n.º 9.434, de 04 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do
corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L9434.htm> Acesso
em: 11 abr. 2008.
149 Artigo 4º Os parâmetros clínicos a serem observados para constatação de morte encefálica são: coma aperceptivo
com ausência de atividade motora supra-espinhal e apnéia.
Artigo 6º Os exames complementares a serem observados para constatação da morte encefálica deverão
demonstrar de forma inequívoca: a. ausência de atividade elétrica cerebral, ou b. ausência de atividade metabólica
cerebral, ou c. ausência de perfusão sangüínea cerebral.
In: CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução n.° 1.480 de 8 de agosto de 1997. Estabelece critérios
para a caracterização da morte encefálica. Disponível em:
<http://www.hc.unicamp.br/servicos/cco/formularios/07_form.pdf> Acesso em: 11 abr. 2008.
150 MARGOTTO, Paulo R. Morte encefálica em recém nascidos e lactentes. Disponível em:
<www.paulomargotto.com.br/documentos/mortencefalica.doc> Acesso em: 01 maio 2008.
151 SARTORI, 2008.
30
Nesse sentido, a geneticista Mayana Zatz esclarece que as conseqüências possíveis do atraso
brasileiro nas pesquisas com células-tronco embrionárias serão altamente prejudiciais:
Teremos de pagar royalties gigantescos para importar uma tecnologia que poderíamos estar
produzindo aqui. Em segundo lugar, se amanhã houver no exterior tratamentos com célulastronco embrionárias não disponíveis no Brasil, as pessoas com boa situação financeira irão
para fora se tratar. O que os pobres vão fazer? 152
Note-se que as pessoas mais abastadas providenciarão, caso seja impedida a pesquisa com célulastronco de embriões, seu tratamento em países que permitam tais experimentos. Neste sentido, a doutora
Gisele Ferreira de Araújo leciona, com propriedade, que “as nações que detiverem o controle sobre os
recursos genéticos exercerão, indubitavelmente, enorme poder com influência direta sobre a economia
mundial”. 153
Verifica-se, portanto, que existem prejuízos de ordem econômica e política, que também devem ser
levados em consideração ao se analisar a polêmica questão das pesquisas com células-mãe de embriões
humanos. Ademais, o simples fato de a matéria estar sendo julgada no Supremo Tribunal Federal já
representa um óbice ao investimento em pesquisas com células-tronco embrionárias, trazendo grandes
prejuízos às instituições de pesquisa responsáveis e aos seus pesquisadores.
CONCLUSÃO
Tratar o tema das pesquisas com células-tronco embrionárias é, sem dúvida, trazer à tona acaloradas
discussões no âmbito científico e jurídico mundial. Hodiernamente, mulheres e homens inférteis procuram,
em laboratórios de procriação artificial, a união de seus gametas com o intuito de satisfazer o direito à
descendência, o desejo de gerar, tendo em vista a perpetuação da espécie humana.
As técnicas de procriação artificial evoluíram consideravelmente nas últimas décadas, por diversos
fatores, dentre os quais o aumento da quantidade de clínicas e o aprimoramento das técnicas, além do
crescimento da procura dos casais pelas mesmas.
A fim de melhor compreender a questão central da presente pesquisa – cujas terminologias são
específicas da área médica –, algumas definições tornaram-se imprescindíveis. Dessa forma, especificou-se
minuciosamente a reprodução assistida, a infertilidade humana, as diferentes fases do desenvolvimento
embrionário, além das principais diferenças entre as células-estaminais embrionárias e adultas.
No tocante à procriação artificial humana, a técnica de fertilização in vitro merece maior relevo, face
algumas peculiaridades concernentes aos embriões excedentários. Para que o procedimento da fertilização in
vitro atinja seu objetivo, é necessário, na maioria das vezes, que mais de um embrião seja inseminado, haja
vista que a probabilidade de sucesso é proporcional ao número de embriões transferidos. Não obstante à
152 VIEIRA, Vanessa. É preciso salvar vidas. Revista Veja, São Paulo, v. 41, n. 9, 5 mar. 2008, p. 14.
153 ARAÚJO, Gisele Ferreira. A tutela jurídica da biotecnologia. Revista da AJURIS, Porto Alegre, v. 34, n.º
108, dez. 2007, p. 184
31
profusão do desenvolvimento científico no tocante à reprodução humana assistida, o destino a ser dado aos
embriões excedentes suscita numerosos questionamentos e múltiplos entendimentos a respeito da tutela do
direito à vida.
Isso nos leva a pensar que a consideração do marco inicial da vida humana é conditio sine qua non
para a adoção de uma postura decisiva diante do problema que a prática das técnicas de procriação assistida
tem gerado. Muitas são as teorias que pretendem determinar o momento exato em que a vida humana iniciase, dentre elas a teoria concepcionista, que leciona que a partir do momento da fecundação do óvulo pelo
espermatozóide começa uma nova vida; a teoria natalista, cujo foco principal é que o embrião não é pessoa
– isso porque, segundo o Código Civil, a personalidade civil inicia-se com o nascimento com vida; a teoria
da personalidade condicional, segundo a qual a personalidade começa com a concepção, sob a condição do
nascimento com vida; a escola nidista, para a qual a vida inicia-se no momento em que ocorre a nidação do
zigoto no endométrio materno; e, por fim, a corrente que leciona que a vida inicia-se com a formação dos
rudimentos do sistema nervoso central.
No intuito de dar uma destinação aos embriões supranumerários, a Lei de Biossegurança (n.º
11.105/2005) surgiu no ordenamento jurídico brasileiro, autorizando para fins de pesquisa e terapia a
utilização de células-tronco embrionárias, obtidas de embriões humanos, produzidos por fertilização in vitro
e não utilizados no respectivo procedimento. Entretanto, para alguns doutrinadores, esta permissão
configura-se como uma impropriedade da legislação brasileira, pois se estaria negando alguns direitos aos
embriões.
Nesse sentido, perante o Supremo Tribunal Federal, foi proposta uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade, pelo Dr. Cláudio Lemos Fonteles, a fim de que o artigo supra-referido fosse declarado
inconstitucional. Discute-se, assim, a permissão à utilização das células-tronco de embriões para fins de
experimentação científica. Segundo alguns entendimentos, a Lei estaria violando o direito à vida e à
dignidade humanas dos embriões, porquanto a vida inicia-se com a fecundação do óvulo pelo
espermatozóide, resultando um ovo ou zigoto. Como principal argumento desta doutrina estão conceitos de
renomados pesquisadores que indicam representar o embrião um ser individualizado, com uma carga
genética própria, que não se confunde nem com a do pai, nem com a da mãe. Aliás, levando-se em
consideração a divergente delimitação do momento em que se inicia a vida humana, o Princípio do “in dubio
pro vitae” – na ausência de certeza, a vida deve ser tutelada – deveria ser utilizado a fim de que se protegesse
o ser humano ainda não-nascido.
Por fim, também existem estudiosos que sustentam terem as pesquisas demonstrado que a utilização
de células-tronco adultas é mais promissora e vantajosa do que a utilização das embrionárias, inclusive
mencionando-se descobertas realizadas pela professora Catherine Verfaillie. Contudo, trata-se de matéria
controvertida: conforme geneticistas, trata-se de terapias ainda experimentais.
Em contrapartida, aqueles que defendem a utilização de embriões em pesquisas científicas acreditam
que embrião humano só é considerado “vida” após o desenvolvimento do sistema nervoso central. Como
argumento principal, utilizam a Lei n.º 9.434 de 4 de fevereiro de 1997, popularmente conhecida como “Lei
32
dos Transplantes”, que autoriza o transplante de órgãos após o diagnóstico de morte encefálica, momento a
partir do qual cessa a atividade cerebral do indivíduo. Logo, se a vida humana termina quando o sistema
nervoso cessa seu funcionamento, o início da vida coincide com o início da atividade neural do embrião, que
se dá por volta do 14º dia de desenvolvimento.
Além disso, os pesquisadores contestam ser inegável no meio científico que as células-tronco
embrionárias apresentam maior potencial terapêutico do que as adultas, face sua maior plasticidade, ou seja,
maior capacidade de diferenciação em outros tecidos. Portanto, segundo alguns, é infundada a alegação de
que as células-mãe adultas são mais promissoras.
Em seguida, analisa-se o critério legal que permite as pesquisas científicas com embriões humanos.
Verifica-se, outrossim, que a Carta Magna de 1988 autoriza a livre expressão da atividade científica (art. 5.º,
IX) e determina que o Estado deverá promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a
capacitação tecnológica de modo prioritário, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências (art.
218).
Por fim, destacam-se os efeitos danosos da proibição das pesquisas com células-mãe embrionárias,
cujas conseqüências serão enormes no futuro, pois os países que não puderem desenvolver as pesquisas serão
eternos dependentes daqueles nos quais ela é permitida.
Isso posto, pode-se concluir que a matéria suscita polêmica nas mais diversas áreas do conhecimento
humano. É preciso ver, no entanto, que por dogmas ou crenças não se pode retornar ao primitivismo da
humanidade.
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Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que
envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de
Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre
a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida
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