1 CONJUNTURA NACIONAL 1. Após um ano de Governo Lula, o balanço que fazemos, infelizmente, não é o que gostaríamos de estar fazendo. O sentimento de esperança que tomou conta do povo brasileiro com a vitória de Lula em 2002, está se transformando, para muitos, em uma grande frustração. Especialmente para aqueles que lutaram por décadas para derrotar o neoliberalismo no País. A candidatura Lula catalisou a vontade de mudança do povo brasileiro, a partir de uma identidade com a defesa dos interesses populares. Contudo, a derrota do núcleo político em torno de FHC não foi suficiente para que se inaugurasse no País uma nova hegemonia. O leque de alianças conservadoras na eleição já indicava claramente que este não seria um Governo de ruptura com o atual modelo hegemônico. As negociações para ampliação deste leque logo após as eleições, que culminaram com a entrada do PMDB no Governo, no início deste ano, com o objetivo central de garantir maioria no parlamento, fecham ainda mais o cenário para perspectivas de mudanças. 2. A opção do Governo em dar continuidade à agenda de reformas de FHC levou à ruptura com um setor importante para alavancar um processo de mudanças significativas no perfil do estado brasileiro, que são os servidores públicos. Mas este não é o único setor descontente, e se não houver uma correção efetiva de rumos até o final de seu mandato o Governo Lula terá rompido com boa parte da sua base de sustentação. A condução da economia 3. A condução neoliberal da economia nos governos anteriores deixou o País na gravíssima situação herdada por Lula. Não há portanto qualquer justificativa para dar continuidade às políticas de FHC. Embora seja necessário ter prudência, mudanças fundamentais deveriam ser feitas desde o início do Governo. 4. A política macroeconômica implementada pelo Ministério da Fazenda e pelo Banco Central tem expressado uma total subordinação às orientações do FMI. Por esta razão, o governo brasileiro tem sido apontado por esta instituição como um modelo a ser seguido. Trata-se, naturalmente, de uma situação muito constrangedora para todos os que esperavam um governo de esquerda, de caráter popular. Afinal, tanto a continuidade em relação ao governo FHC quanto a subordinação ao modelo de ajuste do FMI estão em total contradição com os documentos da campanha eleitoral de 2002. 5. A política em curso centra-se no esforço fiscal (seu elemento mais importante é a elevação do superávit fiscal primário), no combate à inflação através de altas taxas de juros e na busca da confiança dos mercados financeiros. O encaminhamento das reformas, em particular a da Previdência, bem-vista pelos mercados, é um elemento desta política, cujos resultados, porém, demonstram a sua incoerência, em especial quanto ao objetivo principal perseguido pela elevação do superávit primário – evitar o crescimento da relação dívida pública/PIB – que não foi atingido. 6. Esta política levou a uma profunda recessão, à elevação do desemprego e à queda da renda real dos trabalhadores e de toda a sociedade (todos estes fatos são atestados pelas diversas estatísticas já publicadas). Além disso, a combinação de elevados superávits primários com altas taxas de juros significa uma grande transferência de riqueza para os detentores de haveres financeiros, ou seja, para os setores mais abastados da sociedade, o que, combinado com a queda da renda da população no seu conjunto, amplia a concentração. 2 7. O Ministro Pallocci justificou o aprofundamento do arrocho fiscal com o argumento de que isso contribuiria para a redução das taxas de juros e diminuição da inflação, abrindo o caminho para redução da dívida pública e para retomada de investimento, que dariam início a um novo ciclo de investimento econômico. No entanto a relação da dívida pública com o PIB cresceu, as taxas de juros tiveram uma redução muito aquém da esperada e o resultado aferido é que a economia cresceu negativamente e a renda do trabalhador diminuiu. 8. Conforme resolução da Executiva Nacional da CUT, de 04 e 05 de fevereiro, “o desemprego e a distribuição de renda mantém-se em patamares inaceitáveis. Em 2003, houve aumento do desemprego e queda do rendimento do trabalhador. O ano terminou com a taxa de 10,9% de desemprego, medida pelo IBGE, com 12,3% de média anual. O rendimento médio real do trabalhador despencou 12,5% ao final do ano, enquanto parte significativa dos empregos criados foram precários, informais e de baixos salários. Ainda, dentre as regiões metropolitanas pesquisadas pelo DIEESE, São Paulo fechou o ano com 1.892.000 desempregados, 19,1% da população economicamente ativa. A maioria dos reajustes salariais observados ficaram abaixo dos índices da inflação do período, não garantindo sequer a recuperação do poder aquisitivo dos salários. Na totalização do DIEESE, ao final do primeiro semestre de 2003, observou-se que foi a primeira vez, desde a extinção da política salarial, que a maioria das negociações coletivas analisadas resultaram em reajustes inferiores à inflação integral do INC-IBGE. Com o crescimento econômico quase nulo, 0,3%, e o arrocho da política monetária que obedece ao estipulado no acordo com o FMI, configura-se uma situação de profunda deterioração do mercado de trabalho brasileiro, situação esta que exige, além de um conjunto de medidas emergenciais – apontadas pela CUT e as demais centrais no documento “A Pauta do Crescimento” – uma mudança do modelo econômico, que privilegie o trabalho , o desenvolvimento do mercado interno, aliando crescimento com distribuição de renda e inclusão social.” 9. As iniciativas de ampliação do microcrédito e de financiamento aos pequenos produtores rurais seriam importantes elementos dinamizadores da economia se a política macroeconômica fosse outra. No atual contexto, têm tido pouca eficácia. Do mesmo modo, as iniciativas contra a fome e o desemprego, que poderiam ser elementos importantes de um processo de desenvolvimento com distribuição de renda, estão se transformando em medidas compensatórias de eficácia limitada. Nos dois casos, a imagem de enxugar o gelo é apropriada. No caso do programa “Primeiro Emprego”, por exemplo, tanto os empresários como a CUT, são unânimes em dizer que não há como alavancá-lo sem crescimento econômico. 10. Tais conseqüências negativas terão superação difícil. Ela torna mais difícil a desejada retomada sustentada do crescimento econômico. A manutenção do elevado superávit fiscal primário está prevista para todo o mandato de Lula, e comprometerá a capacidade de investimento público. A queda da renda da sociedade inibe os investimentos privados. Assim, ainda que as taxas de juros sejam reduzidas de modo mais significativo (o que diante da queda da inflação, faz parte da lógica da política em curso, e não caracterizaria, por si, uma mudança da política econômica), o crescimento da economia tenderá a ser limitado - e estará sempre ameaçado pela continuidade da vulnerabilidade externa. Sem uma mudança profunda da política econômica, a economia brasileira tende a manter o padrão de retomadas frágeis alternadas com estagnação, que vem a caracterizando desde o governo FHC. 3 Não há democracia participativa 11. Do ponto de vista da concepção de governo, seria necessário que se colocassem em prática políticas de democracia participativa, de forma a mobilizar setores identificados com o projeto de mudanças. As escolhas centrais do Governo não foram até o momento submetidas a nenhum tipo de debate com os movimentos sociais e com a sociedade. O método de construção de maiorias parlamentares tem sido um desdobramento da política de alianças que incorpora setores conservadores. Nesta situação, a ampliação crescente da coalizão governista, incorporando até figuras emblemáticas do que há de pior na política nacional, é um fato que compromete o projeto popular. A busca de alianças sem base programática é um fator que obstaculiza o caminho da transformação social. A Reforma da Previdência 12. Decorrência fundamentalmente da concepção de política econômica, a reforma da previdência tem como resultado um amplo saldo negativo. Ao enfocar as propostas de mudanças na previdência dos servidores públicos aos objetivos de equilíbrio fiscal e ao negociá-las fundamentalmente com o conjunto dos governadores (mais uma vez privilegiando alianças conservadoras), o projeto do governo entrou em choque com os servidores públicos, onde se encontram forças sociais que foram decisivas para a vitória de Lula. Alterações parciais no projeto são fruto de um forte movimento de contestação e questionamento, não só da parte dos servidores diretamente atingidos. Estas alterações reduziram os prejuízos aos servidores, mas mantiveram o caráter geral socialmente regressivo da reforma, bem como o seu perfil privatizante. A Política Internacional 13. No plano da política internacional, há importantes alterações em relação ao governo anterior. Além do posicionamento contra o ataque dos EUA ao Iraque e de passos no sentido de estabelecer uma política independente de âmbito geral, o mais significativo tem sido a busca de alianças e de uma unidade sul-americana. Este esforço se dá em contraposição à política dos EUA para a ALCA, de subordinação e anexação. A posição do governo alterou o curso das negociações, expôs impasses de interesses entre os países da América do Sul e dos EUA. Também no âmbito das negociações da OMC, na Conferência de Cancun, o governo brasileiro se opôs aos EUA, e além disso, à União Européia. 14. No entanto, nestas questões, e em particular na Alca, têm-se evidenciado diferenças fundamentais no interior do governo. Os Ministérios da Fazenda, da Agricultura e do Desenvolvimento adotaram de modo explícito uma posição crítica à orientação do Itamaraty. Embora este último tenha sido confirmado como responsável pelas negociações, o setor contrário adquiriu mais espaço para influenciá-las. O desdobramento das negociações depende de vários fatores, não estando assegurado um desfecho favorável. Um dos fatores que pesam negativamente é o prolongamento da vulnerabilidade externa do Brasil, o que dá ao Governo Bush suficiente margem para pressionar o Brasil a fazer concessões. Permanece, portanto, toda a atualidade da campanha pela realização de um plebiscito oficial sobre a Alaa, com o objetivo de rejeita-la integralmente. 4 Um Governo em conflito com os movimentos sociais 14. Em diversas outras questões, os conflitos do Governo com os movimentos sociais, que expõe também conflitos internos entre setores conservadores e setores mais afinados com estes. Entre estas estão: transgênicos, opondo de um lado, o movimento ecologista, os Ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário, e, de outro, o agronegócio, representado pelo Ministério da Agricultura; direitos humanos e a questão indígena; o conflito entre a proposta de orçamento e os recursos da saúde; o conflito entre a concepção de superávit primário e o setor elétrico; o conflito em torno das universidades públicas, a partir de documento do Ministério da Fazenda (“Gasto Social do Governo Central”). Neste último caso, além do conteúdo falacioso dos argumentos contidos no documento da Fazenda, é preciso rejeitar categoricamente a visão sobre ensino superior que desconsidera o papel estratégico da Universidade Pública. Foi significativa a reação da comunidade acadêmica e do próprio ex-ministro da Educação Cristóvão Buarque, que defendeu a gratuidade e o financiamento público do ensino superior. Em relação à saúde a tentativa de generalizar os gastos com o setor passando por cima de conquistas do movimento e de determinações constitucionais foi impedida graças às mobilizações do movimento de saúde e à ação parlamentar em sua defesa. 16. Em relação à política indigenista, os conflitos dizem respeito, sobretudo, à não homologação de áreas já demarcadas e até redução de áreas demarcadas (como no Pará) e à ausência de uma política indigenista construída democraticamente com as comunidades. A isso se acresce a falta de recursos para políticas públicas de proteção às comunidades. Este quadro vem implicando em uma relação crescentemente conflitiva entre as comunidades indígenas e o governo. 17. Em relação aos direitos humanos há um conjunto de recuos pontuais: não abertura de documentos secretos da repressão militar; não encaminhamento da adequação da legislação referente ao tribunal penal internacional; retrocesso na legislação de defesa dos direitos humanos, com a revisão da lei de execuções penais; precariedade na proteção aos defensores dos direitos humanos, o que é um dos aspectos do problema mais geral de falta de recursos orçamentários para as políticas de direitos humanos. 18. A política ambiental revela as contradições entre os compromissos programáticos e as alianças e concessões do governo. Com um histórico de temas pouco debatidos na sociedade, sofreu sucessivas derrotas, entre elas a liberação e comercialização de transgênicos já no primeiro mês de governo e liberação do plantio em outubro, por pressão do agronegócio; a importação de pneus usados do Uruguai; a continuidade dos trabalhos em torno da construção da Usina Nuclear de Angra 3; o anúncio de parceria público-privada no saneamento, com o risco de privatização do setor. 19. Uma visão de conjunto deste período inicial revela uma dinâmica conflitiva tanto no interior das políticas governamentais como na relação do governo com as forças sociais que deram origem à sua eleição. No centro destes conflitos está a política econômica que mantém a vulnerabilidade externa e que impõe políticas de ajuste submetidas à lógica liberal. Esta política é questionada na base de sustentação do governo, assim como no seu próprio interior. Infelizmente, entretanto, o núcleo neoliberal do governo deu mais uma demonstração de força ao renovar o acordo o FMI em termos fundamentalmente iguais ao anterior. 5 O escândalo Waldomiro Diniz 20. Além da piora nas condições de vida dos trabalhadores, quando imaginávamos que ao menos à corrupção este Governo estaria imune, assistimos estarrecidos às denúncias envolvendo um funcionário do alto escalão, vinculado diretamente ao Ministro José Dirceu. Os fatos até agora comprovados ocorreram em 2002, quando Waldomiro era presidente da Loterj, havendo indícios, porém da intervenção dele em contrato da Caixa Federal com a Gtech, cuja prorrogação ocorreu em janeiro 2003. Além disso, o próprio José Dirceu já havia sido informado de que seu assessor estava sendo investigado por diversas irregularidades em meados de 2003. É óbvio que a oposição transformou este limão numa limonada e até a presente data se discute a criação de uma CPI que investigue amplamente as relações de Waldomiro Diniz com o narcotráfico ou ainda mais que investigue os financiamentos de campanhas eleitorais. A gravidade destes fatos paralisou o Governo e o Congresso Nacional e a onda de denuncismo e de boatos que se seguiu após estes fatos deixaram o governo acuado. Na defensiva, o Governo editou a MP que decretou o fechamento dos bingos. Trata-se de uma medida discutível no que toca ao combate ao narcotráfico, e bastante prejudicial aos milhares de trabalhadores que ficaram desamparados, aumentando os índices de desemprego, por conta de uma situação que não lhes diz respeito. 21. A exigência de uma CPI que investigue Waldomiro Diniz também no período em que ele esteve no Governo, bem como os financiamentos das campanhas eleitorais, é tarefa para os movimentos sociais em defesa da ética na política e no serviço público. Fortalecer os movimentos sociais para disputa de rumos 22. A nova situação nacional impõe aos movimentos sociais uma grande alteração no modo de atuação. É verdade que continuam e até se aprofundam as condições sociais que estiveram na origem do período de defensiva anterior que viveram os movimentos sociais, em especial o sindical. Mas as condições políticas são outras, inclusive com o surgimento do movimento antiglobalização que nesse momento dá uma dimensão internacional a várias ações dos movimentos. Por outro lado, o fato de o governo Lula estar defendendo e pondo em prática orientações importantes que se chocam com as aspirações dos movimentos sociais faz com que o quadro seja mais complexo. Uma fase de expectativa no governo foi substituída por outra, que envolve a crítica a políticas de governo e a organização de processos de unificação e mobilização para pressionar o governo. 23. A recente estruturação da Coordenação dos Movimentos Sociais é um passo importante neste sentido. Foi criada com o objetivo de unificação dos vários movimentos a partir da avaliação de que só a mobilização popular poderá garantir conquistas para a classe trabalhadora. A maior parte dos movimentos participantes já tinha uma ação conjunta na campanha contra a ALCA. A primeira ação conjunta desenvolvida pela Coordenação é a campanha por emprego a partir da avaliação de que com essa luta há mais potencial mobilizador neste momento e que possibilita maior unidade. Sua plataforma expressa uma visão ampla da luta por emprego incluindo reforma agrária, soberania nacional, recuperação do papel social do Estado entre outros aspectos. 24. Está em curso e deve ser reforçada uma importante politização dos movimentos sociais. Afirmá-los como sujeitos fundamentais na disputa de rumos do país é uma tarefa importante para todos que militam no campo popular. Assim como contribuir para a 6 construção de uma plataforma mais ampla de disputa programática na sociedade é um papel importante a ser cumprido neste momento. O movimento Sindical 25. É cada vez mais necessária a reafirmação da autonomia e da unidade do movimento sindical cutista. Somente a CUT, enquanto a maior central da América Latina, cuja trajetória de lutas a credencia como a Central mais combativa e comprometida com as lutas dos trabalhadores deste País, tem capacidade e potencial para arregimentar milhões nas lutas por mudanças na política econômica, por emprego, por redução de jornada e por ampliação de direitos sociais e trabalhistas. A unidade, porém, somente se dará em torno de um programa concreto de ruptura com a dependência econômica externa e que seja estabelecida uma política econômica orientada a recuperar salários e empregos, uma política de reforma agrária e agrícola, de implantação de mecanismos de democracia direta, de combate à monopolização dos meios de comunicação por capitais privados, o estancamento do processo de reformas de Estado e dos direitos trabalhistas, etc. 26. Por fim, dentre os temas a serem enfrentados para a elaboração de uma plataforma de mudança de rumos queremos destacar: 1. Uma política econômica que privilegie o emprego e o salário, redução da jornada de trabalho, sem redução de salário; 2. Não renovação do acordo com o FMI; 3. Contra a ALCA, pela realização de um plebiscito oficial; 4. Ampliação dos recursos para a reforma agrária; 5. Contra a liberação dos transgênicos; 6. Respeito aos direitos humanos, pelos direitos das nações indígenas; 7. Em defesa da Universidade Pública e Gratuita; 8. Não pagamento da dívida externa; 9. Regulação dos movimentos de capitais; 10. Contra o favorecimento do setor financeiro; 11. Orçamento participativo no Brasil. Tese Viva Voz – Sintrajufe/RS