ORIGINAL Hepatotoxicidade de plantas medicinais. XLIX. Ação da infusão de Cayaponia tayuya (Vell.) Cogn. no camundongo* Hepatotoxicity of medicinal plants. XLIX. The infusion of Cayaponia tayuya (Vell.) Cogn. in mouse Ana Gabriela Urbanin Batista 1 Ruberval Armando Lopes 2 Marcos Alexandre de Souza 3 Ariane Kasai 4 Paulo Eduardo V. de Paula Lopes 5 Miguel Angel Sala 6 Simone Cecílio Hallak Regalo 7 Sérgio Olavo Petenusci 8 Graduanda em Biomedicina da Universidade de Franca (Unifran). * Trabalho de Conclusão de Curso. 2 Professor titular da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP/USP) e assessor de Patologia da Universidade de Franca (Unifran). 3,4 Graduandos em Biomedicina da Universidade de Franca (Unifran). 5 Geógrafo e docente da Faculdade Bandeirantes – Ribeirão Preto. 6, 8 Professores titulares da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP/USP). 7 Professor doutor da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP/USP). 1 RESUMO: os autores estudaram a hepatotoxicidade de Cayaponia tayuya (Vell.) Cogn. (taiuiá). Foram usados camundongos Swiss machos pesando 30 g em média, que receberam no bebedouro infusão de raízes de taiuiá (10 g/l de água), durante 18 dias. Estudos histológico, cariométrico e estereológico foram realizados em cortes de 6 µm de espessura de fígados fixados em formol e corados com hematoxilina e eosina. Ao exame histopatológico, foram observados hepatócitos volumosos com citoplasma granuloso e vacuolizado, com núcleos maiores, sendo alguns muito volumosos. Os vasos e sinusóides estavam dilatados e congestos. Foram observados focos de inflamação crônica. O espaço-porta estava preservado. O exame cariométrico detectou núcleos maiores, porém não significantes, e sem alteração de forma. Estereologicamente, os hepatócitos eram significantemente mais volumosos e a densidade numérica dos hepatócitos por mm3 era menor. Os resultados sugerem que a infusão de raízes de taiuiá causou no fígado do camundongo o aparecimento de células mais volumosas com acúmulo de glicogênio e focos de inflamação crônica no parênquima hepático. Palavras-chave: taiuiá; fígado; camundongo; fitoterápico; histometria. Abstract: The authors studied the hepatotoxicity of Cayaponia tayuya (Vell.) Cogn. (taiuiá). They used male Swiss mice weigthing 30g in average which received in the water an infusion of Cayaponia tayuya roots (10 g/l of water), during 18 days. Histological, kariometric and stereologic studies were accomplished in cuts of 6µm thickness of livers settled in formaldehyde and stained with hematoxylin and eosin. The histopatological exams detected a voluminous hepatocytes with granular cytoplasm and vacuolated, with bigger nuclei, being some very voluminous. The vessels and sinusoids were dilated and congested. It was detected incidence of chronic inflammation. The portal space was preserved. The kariometrical exams detected bigger nucleus, however not significant, and without shape alteration. Stereologically, the hepatocytes were significantly more voluminous and the numerical density of the hepatocytes per mm 3 was smaller. The results suggest that the infusion of roots of Cayaponia tayuya caused in the liver of the mouse the upraising of more voluminous cells with accumulation of glycogen and incidence of chronic inflammation in hepatic parenchyma. Key words: Cayaponia tayuya; liver; mouse; phytotherapic; histometry. Investigação – Revista Científica da Universidade de Franca Franca (SP) v.6 n. 1 p. 7–12 jan. / abr. 2006 INTRODUÇÃO Cayaponia tayuya (Vell.) Cogn., conhecida como taiuiá, abobrinha-do-mato, azougue-do-brasil, raizde-bugre, etc., é uma trepadeira herbácea, vigorosa, da família Cucurbitaceae, nativa de todo o Brasil. Possui raízes longas, tuberosas e ramos sulcados longos e um tanto carnosos. Suas folhas são tri ou pentalobadas, de 12 a 18 cm de comprimento. Inflorescências unissexuais, com f lores, masculinas ou femininas, de cor amarelo-esverdeada. Existem várias espécies de Cayaponia nativas do Brasil, conhecidas pelos mesmos nomes populares e com características e propriedades mais ou menos semelhantes. São elas: Cayaponia espelina (Manso) Cogn., Cayaponia podantha Cogn., Cayaponia martiana (Cogn.) Cogn., Cayaponia bonariensis (Mill) Mart. Crov. e Cayaponia pilosa Cogn. (VIEIRA, 1992; LORENZI; ABREU MATOS, 2002). Konoshina (1995) utilizou, in vitro, glicosídeos isolados das raízes de taiuiá e verificou uma inibição significativa do vírus Epstein-Barr e um efeito antitumoral em pele de ratos. Após análises f itoquímicas, a taiuiá mostrou conter glicosídeos, cucurbitacinas, saponinas, esteróis e compostos antioxidantes com propriedades analgésicas e antioxidantes (SCHULTES; R AFFAUF, 1990; BAUER et al., 1985). O conhecimento das utilidades desta planta vem e aumento da razão AMPc/GMPc (MIRÓ, 1995, apud sendo transmitido pelos índios americanos aos colonizadores desde tempos remotos. Durante séculos os ín- DI STASI; HIRUMA-LIMA, 2002). O objetivo do presente trabalho foi o de avaliar a dios da Amazônia têm usado a taiuiá contra mordidas toxicidade da taiuiá no fígado do camundongo. As cucurbitacinas têm mostrado atividades citotóxicas e mutagênicas (PAGOTTO et al., 1995; TEIXEIRA et al., 1996, apud DI STASI; HIRUMA-LIMA, 2002). Outros efeitos biológicos, por elas provocados, são: aumento da permeabilidade capilar e diminuição da permeabilidade vascular, hipovolemia, diminuição da pressão arterial, inibição da ovulação, diarréia, diminuição da síntese de eicosanóides de cobras e no tratamento do reumatismo (RUPPELT et al. 1991). Esse conhecimento acumulado nos permite verificar que a planta tem sido empregada contra dores em geral e como tônico e purificador do sangue (BERNARDES, 1984). O decocto das raízes tuberosas tem propriedades purgativa, emética, analgésica, antisifilítica e depurativa, sendo empregado no tratamento das dores reumáticas, neuralgias, dispepsia, erisipela, dermatoses, eczemas, úlceras, herpes e furúnculos (VIEIR A, 1992; MORS; RIZZINI; PEREIR A, 2000; BALBACH, 1967; CRUZ, 1995; COIMBRA, 1994). Nos Estados Unidos esta planta tem sido usada no tratamento da dispepsia e digestão lenta, neuralgia, ciática, gota, dor de cabeça, reumatismo e como regulador metabólico geral (SCHWONTKOWSKI, 1993). Tendo em vista a eficiência da taiuiá como desintoxicante e purificador do sangue, a planta tem sido usada no tratamento de eczemas, herpes, acnes e outros problemas de pele (SCHWONTKOWSKI, 1993). Utilizando ratos, Ruppelt et al. (1991) confirmaram as propriedades analgésicas e antiinflamatórias da planta, após administração da infusão da planta seca ou fresca, sendo que essas ações eram de intensidade significativa. Investigação – Revista Científica da Universidade de Franca Franca (SP) MATERIAL E MÉTODOS Foram utilizados 10 camundongos Swiss machos, provenientes do Biotério Central do Campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), pesando em média 30 g, os quais foram mantidos em condições ideais de biotério e em ciclo claro/escuro de 12 horas e receberam no bebedouro a infusão de raízes de taiuiá (Santos Flora Com. Ervas Ltda. – São Paulo), na dosagem de 10 g/litro de água ad libitum, durante 18 dias, após o que foram sacrificados pelo éter e foram colhidos o sangue e o fígado. O fígado foi fixado em formol a 10%, durante 24 horas. Fragmentos do órgão foram incluídos em parafina, utilizando-se um Autoinclusor (Tissue-Tek II, USA) e um Processador de Tecidos Histotécnico OMA (Modelo CM-69, Brasil) e os cortes obtidos com o auxílio de um Micrótomo Leica (RM 2125 RT, Germany) foram corados com HE. Para obterem-se os diâmetros maior e menor dos núcleos dos hepatócitos, os cortes foram focalizados ao microscópio de luz Nikon, com objetiva de imersão (100x), munido de uma câmera clara Nikon. Os núcleos foram projetados sobre papel, com aumento v. 6 n. 1 p. 7–12 jan. / abr. 2006 final de 1000 ×. As imagens nucleares obtidas foram então contornadas com lápis, tomando-se o cuidado de considerar apenas as imagens elípticas. Para obtenção dos diâmetros, os eixos maior e menor dessas imagens foram medidos com uma escala milimetrada. Uma vez determinados os diâmetros maior (D) e menor (d), foram estimados os seguintes parâmetros cariométricos (SALA et al., 1994): diâmetro médio, relação D/d, perímetro, área, volume, relação V/A, excentricidade, coeficiente de forma e índice de contorno. Mediante métodos estereológicos foram determinados os volumes celular e citoplasmático dos hepatócitos, a relação N/C e a densidade numérica dos hepatócitos (SALA; LOPES; MATHEUS, 1992), utilizando-se uma grade de 100 pontos. O confronto estatístico foi realizado com o emprego do teste não-paramétrico de Mann-Whitney. Figura 2 - Aspecto histológico do fígado de camundongo tratado com taiuiá. Notar foco de células inflamatórias crônicas. HE (900×). Cariometricamente, foi possível observar que os núcleos dos hepatócitos dos camundongos tratados com taiuiá eram semelhantes aos dos animais controles, muito embora tenham sido observados alguns núcleos muito volumosos. Esses valores semelhantes foram vistos nos diâmetros maior (7,55 e 7,94 µm para RESULTADOS E discussão os camundongos controle e tratado, respectivamente), Em função dos controles, foi possível observar no fígado de camundongo sob ação da taiuiá, um quadro de hepatócitos mais volumosos e em menor número, com citoplasma mais abundante, granuloso e vacuolar em algumas áreas; os núcleos eram maiores e alguns eram gigantes; os sinusóides e vasos estavam dilatados e congestos, além de focos de inflamação crônica no parênquima. O espaço-porta está preservado repleto de um pigmento castanho, além de focos de inflamação crônica ao redor dos ductos biliares (Figuras 1 e 2 ). menor (6,25 e 6,64 µm) e médio (6,85 e 7,56 µm), no perímetro (21,75 e 22,97µm), área (37,83 e 42,40 µm2) e volume (181,83 e 216,79 µm 3). A forma do núcleo não se modificou, já que foram semelhantes os valores para excentricidade (0,47 e 0,45), coeficiente de forma (0,98 e 0,98) e índice de contorno (3,58 e 3,58). Estereologicamente, foi possível observar que os hepatócitos eram significativamente maiores nos animais tratados e os valores para volume citoplasmático foram: 3011,36 e 4640,27* µm3, e os volumes celulares foram: 3193,19 e 4857,06* µm3. Observaram-se também valores semelhantes para relação N/C (0,058 e 0,045) e valores menores para a densidade numérica dos hepatócitos por mm3 (327462,5 e 221789,8 */mm3). A espécie Cayaponia martiana (Cogn.) Cogn. é nativa do sul do Brasil, Uruguai e parte da Argentina, ocorrendo na região norte do Rio Grande do Sul. Além das propriedades já descritas, esta espécie é utilizada em lavouras de tomate e feijão, como isca natural de insetos. Possui raízes muito amargas devido à presença de cucurbitacinas. Para determinadas cucur- Figura 1 - Aspecto histológico do fígado de camundongo tratado com taiuiá. Notar células mais volumosas e sinusóides dilatados. HE (900×). Investigação – Revista Científica da Universidade de Franca Franca (SP) bitacinas foram comprovadas atividades biológicas, como: antitumoral, inibidora da fertilidade, purgante, atrativa de insetos, etc. (L AV IE; GLOTTER, 1971) v. 6 n. 1 p. 7–12 jan. / abr. 2006 sendo constatada também elevada toxicidade para estas substâncias, traduzida por distúrbios respiratórios, gastrointestinais e hemorrágicos (REHM, 1957; GMELIN, 1963, 1964). As espécies de Cayaponia não apresentam segurança e eficácia bem estabelecidas e o uso prolongado ou doses elevadas devem ser evitados, sendo que este vegetal é contra-indicado para mulheres grávidas e durante a menstruação (SIMÕES et al., 1998; SANGUINETTI, 1989). CONCLUSão Nas condições desta pesquisa, a taiuiá provocou no fígado de camundongo congestão vascular, inflamação crônica focal no parênquima e ao redor dos ductos biliares; os hepatócitos eram mais volumosos e granulosos, com núcleos maiores, sendo alguns gigantes. Os sinusóides estavam dilatados. Em algumas áreas observou-se acúmulo de glicogênio. AGRADECIMENTOS Os autores são gratos à Universidade de Franca pelo apoio financeiro a este trabalho. REFERÊNCIAS BALBACH, A. As plantas curam, 23. ed., São Paulo: Editora Missionária, 1967. BAUER, R.; BERGANZA, L.H.; SELIGAMANN, O.; WAGNER, H. Cucurbitacins and flavone C-glycosides from Cayaponia tayuya. Phytochemistry, v. 24, p. 1.587– 1.591, 1985. BERNARDES, A. A Pocket Book of Brazilian Herbs. Rio de Janeiro: Shogun, 1984. COIMBRA, R. Manual de fitoterapia, 2. ed. Belém: Editora Cejup, 1994. CRUZ, G.L. Dicionário de plantas úteis do Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 1995. DI STASI, L.C.; HIRUMA-LIMA, C. Plantas medicinais na Amazônia e na Mata Atlântica. 2. ed. São Paulo: UNESP, 2002. 604 p. GMELIN,R. Die Verbreitung von Cucurbitacinen Investigação – Revista Científica da Universidade de Franca 10 Franca (SP) und Cucurbitacinglykosiden in der Gattung Iberis (Crucifereae). 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Medicinal and Toxic Plants of the Northwest Amazonia. Portland, OR: R.F. Dioscorides Press, 1990. Universidade de São Paulo (FORP/USP). Avenida do Café, s/n Bairro Monte Alegre - Ribeirão Preto - SP SCHWONTKOWSKI, D. Herbs of the Amazon – Traditional and Common Uses. Utah: Science Student Brain Trust Publishing, 1993. CEP: 14040-904 Telefone: (16) 3630-2062 E-mail: [email protected] SIMÕES, C. M. O.; MENTZ, L. A.; SCHENKEL, E. P.; Ariane Kasai IRGANG, B. E.; STEHMANN, J. R. Plantas da medicina Rua Azevedo Castro, 157 ap. 06 popular no Rio Grande do Sul. 5. ed. Porto Alegre: UFR- São Paulo-SP GS, 1998. CEP: 05362-080 Telefone: (16) 3733-7085 VIEIR A, L. S. Fitoterapia da Amazônia – Manual de E-mail: [email protected] plantas medicinais. São Paulo: Agr. Ceres, 1992. Investigação – Revista Científica da Universidade de Franca Franca (SP) v. 6 n. 1 p. 7–12 jan. / abr. 2006 11